Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
72/23.0YRCBR.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: LEONOR FURTADO
Descritores: EXTRADIÇÃO
CUMPRIMENTO DE PENA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
RECUSA DE COOPERAÇÃO
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
TRATAMENTOS CRUÉIS
DESUMANOS E DEGRADANTES
DIREITOS FUNDAMENTAIS
OPOSIÇÃO
QUESTÃO NOVA
PRESTAÇÃO DE GARANTIAS PELO ESTADO REQUERENTE
Data do Acordão: 06/29/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: EXTRADIÇÃO/ M.D.E./ RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - Constitui uma questão nova, a alegação de que as condições existentes nas prisões do Estado requerente, designadamente quanto ao tratamento desumano existente nas mesmas, à sobrelotação das prisões, aos castigos corporais e a outros tratamentos violentos e, ainda, aos riscos para a vida e integridade física por acção de outros reclusos, suscitada em sede de recurso, quando tal questão não havia sido colocada em sede de oposição deduzida ao pedido de extradição que, por isso e necessariamente, não foi objecto de conhecimento no acórdão recorrido.
II - Sobre a extradição em que Portugal seja parte, entre outros instrumentos legislativos nacionais, aplicam-se as disposições, substantivas e processuais, fixadas no regime jurídico relativo à cooperação internacional em matéria penal, Lei n.º 144/99, de 31/08 (designadamente, os arts. 21.º. 29.º, 31.º a 43.º, 48.º a 60.º); da CRP (art. 33.º); do CPP, (designadamente art. 229.º e ss. e as disposições relativas à detenção e à aplicação de medidas de coacção) e do CP. Porém, apenas, subsidiariamente estes outros instrumentos legislativos se aplicam ao processo de extradição assente em instrumento legislativo convencional – art. 3.º, da Lei n.º 144/99.
III - A falta de pronúncia sobre a realidade concreta das prisões do Estado requerente não integra o vício de omissão de pronúncia, e consequentemente não gera a nulidade do acórdão, porquanto, aquilo que a lei impõe é que a decisão de extradição tem de assentar em requisitos específicos exigidos nos termos dos arts. 3.º e 4.º (cujo elenco é taxativo) da Convenção da Extradição entre os Estados Membros da CPLP, e em garantias prestadas pelo Estado requerente.
IV - Em caso de extradição e não existindo norma específica, o disposto no art. 6.º, n.º 3, da Lei n.º 144/99, indica um caminho para apreciação do juízo de suficiência sobre a exigência de garantias a prestar pelo Estado requerente, designadamente tendo em conta a legislação e a prática do Estado requerente, a possibilidade de não aplicação da pena, de reapreciação da situação da pessoa reclamada e de concessão da liberdade condicional, bem como a possibilidade de indulto, perdão, comutação de pena ou medida análoga, previstos na legislação do Estado requerente.
V - A suficiência da garantia prestada pelo Estado requerente basta-se, com a indicação de que na ordem jurídica do Estado requerente existem os instrumentos legislativos adequados a fazer cumprir o acordo e a garantia prestada, designadamente os meios de impugnação ou de recurso, caso as mesmas não sejam cumpridas; ou a assumpção do compromisso de não aplicação de penas e medidas que atentem contra a integridade física do extraditando, entre outras; ou mesmo a existência de mecanismos de queixa ao nível nacional ou internacional, que permitam a intervenção de entidades nacionais e/ou internacionais que possam influir nos Estados, com vista à alteração do modo como prestam serviços públicos ou de interesse comunitário.
VI - A exigência de uma apreciação da realidade concreta do modo de funcionamento e organização do sistema prisional do Estado requerente não é compatível com a observação do princípio da confiança e da boa-fé em que a ordem jurídica dos Estados Contratantes da Convenção da Extradição entre os Estados Membros da CPLP se funda, bem como, com a seriedade do compromisso, princípios que estão na base dos acordos que asseguram as garantias de cumprimento e respeito pelas decisões emanadas de Estados de direito.
VII - O que sempre se exigiu e analisou é que a realidade concreta é a garantia oferecida pelo Estado requerente, ou seja, pela sua ordem jurídica e pela declaração do Estado requerente que a fará implementar. É o que está na base da celebração dos tratados e acordos de extradição: o princípio da confiança. Confiar que o outro Estado vai cumprir o que consta do acordo.
VIII - Por isso, não colhe alegar que o sistema prisional que está instalado no Estado requerente padece de deficiências que o permitem qualificar como um sistema inseguro e violento porquanto tais razões não integram a causa de recusa inscrita no direito convencionado.
IX - A Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa prevê taxativamente, no seu art.º 4º, sob a epígrafe de recusa facultativa de extradição, as circunstâncias em que a extradição pode ser recusada, não se verificando a possibilidade de recusa da extradição, tal como se preceitua no n.º 2, do citado art. 18.º, da Lei 144/99, Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal.
X - O extraditando não invocou quaisquer razões em função da idade, estado ou saúde ou motivos de carácter pessoal que fundamentem uma avaliação objectiva de circunstâncias factuais e que permitam concluir por uma situação de gravidade das consequências que a sua extradição importa. De todo o modo, em nenhum caso, seja para a execução da pena seja para a extradição, as condições materiais em que fica o condenado ou a sua família são razões para não se executar a pena.
Decisão Texto Integral:


EXTRADIÇÃO

Recurso

Processo n.º 72/23.0YRCBR.S1

I – RELATÓRIO

1. AA (AA), recorrente nos autos identificados, interpôs o presente recurso do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), em 17/05/2023, que determinou “(…)a EXTRADIÇÃO do requerido AA para a República Federal do Brasil a fim de que aí possa cumprir a pena DE PRISÃO que lhe foi aplicada de 6 anos, 11 meses e 10 dias (ou a que resultar na fase da liquidação da pena, considerando o tempo de prisão preventiva já cumprido e a detenção aqui sofrida) imposta no âmbito do processo nº ...86 da ... Vara Criminal da Comarca .../..., Brasil”.

2. Para tanto, o recorrente AA apresentou recurso, concluindo do seguinte modo:

 “I. Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre a realidade brasileira e no que tange às condições existentes nas prisões do Estado requerente, designadamente ao tratamento desumano existente nas mesmas, à “sobrelotação” desses estabelecimentos prisionais e aos “castigos corporais” e outros tratamentos violentos, bem como aos riscos para a vida e integridade física por acção de outros reclusos.

II.Com feito, o tribunal recorrido não curou de efectuar a avaliação desses riscos designadamente, ao não levar em conta os relatórios e avaliações de organismos internacionais, nos quais se incluem, em particular, os do Comité e do Subcomité para a Prevenção da Tortura, instituídos pela Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (ONU, 1984) e respectivo Protocolo Facultativo, de organizações não governamentais de reconhecida credibilidade e de organismos nacionais com intervenção neste domínio.

III. As recentes observações e recomendações do Comité contra a Tortura (Nações Unidas), produzidas na sequência da avaliação (2020-202319) do segundo relatório do Brasil sobre a aplicação da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes20 são, neste contexto, de actual e decisiva importância.

IV. Este relatório, pela caracterização que faz das condições das prisões no Estado requerente, constituiria, por si, motivo suficiente para que, na observância de normas e obrigações comuns de direito internacional, anteriormente mencionados, de protecção contra a tortura e tratamentos desumanos ou degradantes, se solicitassem garantias de que o extraditando, uma vez entregue, não fosse sujeito nem corresse o risco real de ser sujeito a esse tipo de tratamento no interior da prisão, para cumprimento da pena, o que não ocorreu.

V. O tribunal recorrido limitou-se, a obter uma garantia de natureza genérica, como consta da matéria de facto provada, (…) “As Autoridades da República Federativa do Brasileiro enviaram garantias, sustentadas pela respectiva legislação interna, de que (…) não submeterão o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas desumanos ou degradantes”. Na verdade, não se mostra que tenha emitido qualquer juízo sobre tais garantias, que tenha procedido à sua “adequada avaliação”, em concreto, e que tenha concluído pela sua suficiência, para que pudesse ser ordenada a extradição.

VI. Com efeito, o risco de tratamento da pessoa na prisão em violação do artigo 3.º da CEDH (e do artigo 7.º do PIDCP) obriga o Estado requerido a fazer uma avaliação adequada desse risco, adoptando as medidas necessárias à sua prevenção, nomeadamente, se for caso disso, solicitando ao Estado requerente a prestação de garantias (concretas) de que a pessoa requerida não será sujeita a este tipo de tratamentos e a não extraditar em caso de não prestação de garantias ou insuficiência das garantais prestadas e de subsistência daquele risco.

VII. Assim, não se mostra suficiente que uma declaração genérica de que o sistema legal do Estado requerente, a ratificação dos instrumentos internacionais relevantes e a legislação em vigor nesse Estado asseguram a protecção da pessoa.

VIII. Nesta conformidade, impõe-se que esta avaliação seja feita pelo tribunal recorrido, levando, nomeadamente em conta o teor dos relatórios e das suas “observações conclusivas”.

IX. Compulsado, o acórdão recorrido dele se vê que o Estado requerido não efectuou a avaliação do risco real que decorreria para o extraditando de entrega para cumprimento da pena ao Estado brasileiro, no que tange à salvaguarda dos direitos fundamentais do mesmo enquanto pessoa humana, sendo certo que, os mesmos não são diminuídos em consequência da sua condição de recluso. No contexto da detenção, o TEDH reconhece o “direito de todo o prisioneiro a ser detido em condições compatíveis com a dignidade humana”. Aliás, as decisões de extradição, não poderão deixar de ter nunca em consideração o disposto no artigo 3.º da CEDH.

X. Assim, ao não efectuar esta avaliação o tribunal recorrido deixou de pronunciar-se sobre uma questão que devia apreciar, essencial à decisão final sobre extradição, o que constitui a nulidade prevista na al. c) do n.º1 do artigo 379.º do CPP.

XI. Nesta conformidade, requer a VV. Exas. Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, seja declarada a nulidade do acórdão recorrido nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 379.º do C.P.P., devendo este ser substituído por outro que, suprindo a nulidade verificada, mediante pedido de informações complementares ao Estado requerente, se for caso disso, avalie a suficiência das garantias prestadas em vista da efectiva protecção, na prisão, do recorrente contra a tortura, tratamentos desumanos ou degradantes, nos termos das disposições dos instrumentos internacionais de protecção dos direitos humanos aplicáveis, em virtude das condições prisionais, nomeadamente das descritas nas “observações.

conclusivas” do Comité contra a Tortura, das Nações Unidas, em resultado da avaliação do relatório de aplicação da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Nações Unidas, 1984), de abril de 2023, bem como das demais questões que, nessa conformidade, devem ser apreciadas, pronunciando-se a final sobre o deferimento ou não do pedido de extradição, em função das conclusões alcançadas.

XII. Sem conceder: O acórdão recorrendo decidiu, em síntese, determinar a Extradição do requerido AA para a Republica Federal do Brasil a fim de que aí possa cumprir pena de prisão que lhe foi aplicada de 6 anos, 11 meses e 10 dias (ou a que resultar na fase da liquidação da pena, considerando o tempo de prisão preventiva já cumprido e a detenção aqui sofrida) imposta no âmbito do processo nº ...86 da ... Vara Criminal da Comarca .../..., Brasil.

XIII. Acontece que, o artigo 18.º, n.º 2 da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, prevê a possibilidade de negação do pedido de extradição quando este possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal, ainda que se entenda que se faça depender a denegação facultativa da extradição não só das consequências que a mesma possa implicar para a pessoa visada, mas também de um juízo de prognose de ponderação de interesses entre o facto criminoso e aquelas consequências, tal ainda assim, não obsta a que se recuse a extradição do requerido e,

XIV. O artigo 33.º, n.º 6 da CRP dispõe que “ não é admitida a extradição, nem a entrega a qualquer titulo, por motivos políticos ou por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física”,

XV. Infelizmente consideramos que o requerido ao ser extraditado será entregue para sacrifício, não pela longa manus directa do Estado, mas pelo que ocorre dentro dos estabelecimentos prisionais brasileiros – como será a sobrelotação, os motins, os castigos corporais infligidos e, em muitos casos, a perda da vida pela mão de outros reclusos.

XVI. Na verdade, o texto Constitucional da Republica Federal do Brasil tem como fundamentos a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana entre outros, e no seu artigo 5.º garante que “todos os cidadãos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

XVII. Assim, é ao Estado que incumbe, assegurar tais direitos aos cidadãos e o direito à vida e à segurança, têm de ser garantidos pelo Estado, já que, o recluso/extraditando ficará à sua guarda e cuidados.

XVIII. São assim as autoridades brasileiras que terão de assegurar de forma integral, o respeito pelos direitos fundamentais (Dignidade da pessoa humana) do extraditando e nomeadamente, a sua própria integridade física e segurança.

XIX. Acresce ainda que o extraditando em momento algum deu mostras de se ter tentado eximir ao cumprimento da pena, tendo apenas vindo para Portugal à procura de uma vida melhor, na companhia da esposa, filhos e sogros, sem qualquer intenção de se eximir à sua responsabilidade.

XX. Os factos que conduziram à condenação, remontam ao ano de 2014 e este ainda permaneceu no Brasil mais de 4 anos após a prática dos factos, uma vez que, apenas viajou para Portugal em Setembro de 2018.

XXI. E desde essa altura (Setembro de 2018) que em Portugal sempre trabalhou, celebrou contrato de arrendamento, fixou residência, matriculou na escola os seus filhos, entregou IRS, pagou impostos, fez amigos que o ajudaram a socializar-se, tentou regularizar a sua situação migratória em Portugal junto do SEF e, prova disso, é que quando foi procurado pelas autoridades foi facilmente encontrado e detido.

XXII. Dúvidas não restam de que o requerido e a sua família estão social e profissionalmente inseridos, como resulta amplamente dos autos;

XXIII. A entidade profissional do recorrente reconhece-o como um trabalhador de excelência e que suplanta as expectativas.

XXIV. Face ao exposto estamos em crer que estamos perante uma situação de recusa facultativa, uma vez que, a sua extradição a ocorrer implicará para este consequências graves, para a sua vida e integridade física, face à estigmatização existente nos estabelecimentos prisionais brasileiros, à assimetria de condições nos estabelecimentos prisionais e ao tratamento desumano existente nos mesmos, quer por parte da administração pública e/ou privada nos EPs, quer advinda dos restantes reclusos, conforme já supra explanado, dado que, o Estado Brasileiro não assegura ao recorrente a segurança e o respeito pela Dignidade da Pessoa Humana a que está obrigado constitucionalmente. Assim,

XXV. O requerido, como já anteriormente alegou pretende cumprir a pena a que foi condenado em Portugal, dado que, tem aqui a sua vida já organizada, a sua esposa, filhos e sogros a viver, estudar e trabalhar, podendo retomá-la, quando for libertado.

XXVI. Daí que se entenda que no caso em apreço, é possível atentas as circunstâncias recusar a extradição, e solicitar ao Estado requerente que formalize o pedido de cumprimento da pena em Portugal, atento o juízo de prognose favorável decorrente da ponderação de todos estes interesses.

XXVII. Assim, requer a V. Ex.ª se digne recusar o pedido de extradição pelos motivos supra enunciados, após o que deverá ser solicitado ao Estado requerente a possibilidade de cumprimento da pena em Portugal e não no Brasil, nos termos do disposto nos artigos 95.º, n.º 1, 96.º e 99 da Lei 144/99, de 31 de Agosto, só assim se fazendo a acostumada,

Justiça”.

3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação respondeu ao recurso, essencialmente dizendo o seguinte:

(…)

8.(…) o enquadramento jurídico que o ora recorrente agora efetua da questão das deficientes condições do sistema brasileiro não deixa de ser, na verdade, inédito, tratando-a como uma questão essencial à decisão final sobre a extradição, por referência à avaliação que, em concreto, entende dever ser realizada sobre a suficiência das garantias prestadas pelo estado emissor em vista da efetiva proteção, na prisão (…) dir-se-á apenas que, perante a garantia dada pelo estado brasileiro de que não submeterão o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas desumanos ou degradantes, certamente que a Ministra da Justiça não consideraria admissível o presente pedido de extradição se existisse um risco real do extraditando vir a ser sujeito a um tratamento humano e degradante.

9.(…) a garantia fornecida pelas autoridades competentes do estado de emissão de que a pessoa em causa não sofrerá tratamentos desumanos ou degradantes devido às condições concretas e precisas de detenção seja qual for o estabelecimento prisional onde ficará encarcerada no estado de emissão é um elemento que a autoridade judiciária de execução não pode ignorar

10. A violação desse compromisso, que vincula o seu autor, poderá ser sempre invocada contra ele perante os órgãos jurisdicionais do estado de emissão.

11. (…)a mera existência de elementos que atestem deficiências, quer sejam sistémicas ou generalizadas, quer afetem determinados grupos de pessoas ou ainda determinados centros de detenção, no que respeita às condições de detenção no Estado-Membro de emissão, não implica necessariamente que, num caso concreto, a pessoa em causa seja sujeita a um tratamento desumano ou degradante em caso de entrega às autoridades desse Estado-Membro.

12. (…) o Brasil não deixa de ser um Estado de Direito e tem de existir uma mínima confiança mútua institucional.

13. (…) a «Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa», em parte alguma do seu articulado, nomeadamente nos seus artigos 3.º e 4.º – normas que, de forma taxativa, indicam, respetivamente, os casos e situações de inadmissibilidade de extradição e de recusa facultativa de extradição –, prevê a possibilidade de denegação ou de recusa com fundamento no deficiente funcionamento do sistema prisional do Estado requerente.

14. (…) a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que as alegações sobre a atual situação prisional no Brasil não constituem causa de recusa da extradição, sublinhando que o princípio da confiança mútua impõe que cada um dos Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa que firmaram a Convenção respeite os direitos fundamentais e não permita a existência de condições desumanas nos estabelecimentos prisionais.

(…)

17. (…) a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP não prevê a possibilidade de recusa de extradição com fundamento no alegado funcionamento deficiente do sistema de justiça e do sistema prisional do Estado emissor do pedido de cooperação.

18. Já no que toca à possibilidade de cumprimento da pena em Portugal, além da singela razão de carecer em absoluto de fundamento legal, como judiciosamente considerou a decisão ora em crise (…) remeter, por economia de tempo e não correr o risco de repetição, para o que foi decidido pelo Ac. STJ de 30-10-2013… – aqui se  reproduzindo o sumário do acórdão em causa, terminando por concluir, em súmula, que, “(…) as razões apresentadas pelo extraditando, ora recorrente não constituem qualquer fundamento para a recusa de cumprimento do Pedido de Extradição e, não estando em causa qualquer vício, quer de natureza formal, quer de natureza substantiva, nos necessários pressupostos e fundamentos que conduziram à decisão em recurso, nenhuma censura merece o acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Coimbra, que autorizou a extradição do recorrente AA, razão pela qual se entende que o mesmo deverá ser confirmado, improcedendo assim o presente recurso..”.

4. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
1. De Facto

1.1. O acórdão recorrido considerou a seguinte matéria de facto:

“a. A ... Vara Criminal da Comarca .../... – Brasil, emitiu no dia 25 de fevereiro de 2019 para fins de cumprimento de pena, um pedido de detenção provisória do requerido acima identificado, com vista à sua extradição, inserido no sistema de informação INTERPOL, com nº A-...-2022.

b. Foi, assim, emitido mandado para cumprimento da pena de 6 anos, 11 meses e 10 dias de prisão, em que foi condenado, no dia 9 de janeiro de 2017, no referido Tribunal ..., no âmbito do processo nº ...82, tendo estado presente no tribunal quando a sentença foi pronunciada.

c. A sentença condenatória que aplicou a pena referida em b. transitou em julgado para o requerido no dia 10 de Dezembro de 2018.

d. O arguido foi ali condenado pela prática de um crime de transporte de drogas sem autorização e em desconformidade com os requisitos legais ou regulamentares, p.p. pelo artigo 33º, caput, § 4º, Lei Brasileira nº 11.343/2006, artigo 29º, caput, do Código Penal Brasileiro, porquanto, no dia 3.07.2014, cerca das 19h:30m, quando circulava na Avenida ..., em .../..., ao volante do veículo automóvel, VW Golf, de matrícula EPX ...., foi surpreendido, além do mais, na posse de 24 “tijolos” de marijuana com o peso aproximado de 9,15 kg e 9,56 kg, que os destinava à entrega a terceiros, vindo ainda a ser encontrado na sua residência mais 54,15 kg de marijuana, que se encontravam enterrados no seu quintal, juntamente com uma balança de precisão.

e. Entretanto, ao abrigo da «Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa» (CPLP), assinada na Cidade da Praia, em 23 de Novembro de 2003 e aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 49/2008 (publicada no DR, 1.ª série de 15 de Setembro de 2008), com vista ao cumprimento da pena em que o requerido foi condenado no processo em causa e a que se reporta o pedido de extradição, a República Federativa do Brasil solicitou ao Estado Português a extradição do nacional brasileiro acima identificado.

f. O Pedido Formal de Extradição foi atempadamente apresentado às Autoridades Portuguesas, tendo Sua Excelência a Ministra da Justiça, por despacho de 20.03.2023, considerado admissível o pedido de extradição, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1º, 2º, nºs 1 e 2, 10º, nº 2 e 3 da «Convenção de Extradição entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa» e artigo 31º da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto.

g. A pena em que o requerido foi condenado não se encontra extinta, por prescrição ou amnistia, quer nos termos da legislação portuguesa, quer nos termos da legislação da República Federativa do Brasil, por força do disposto no artigo 122º, nºs 1-b) e 2, do Código Penal e no artigo 109º e 110º do Código Penal Brasileiro.

h. As Autoridades da República Federativa do Brasileiro enviaram garantias, sustentadas pela respectiva legislação interna, de que não submetem o extraditando a prisão ou processo por facto anterior ao pedido de extradição; irão computar o tempo da prisão que, no Estado requerido, foi imposta por força a extradição; não entregarão o extraditando, sem consentimento do Estado requerido, a outro Estado que o reclame; não considerarão qualquer motivo político para agravar a pena; e não submeterão o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas desumanos ou degradantes, não estando verificada nenhuma das situações a que aludem os artigos 6º, 7º e 8º da Lei nº 144/99, de 31 de agosto.

i. Não se encontra actualmente pendente perante os Tribunais Portugueses qualquer processo criminal contra o extraditando, por outros, ou pelos mesmos factos que fundamentam o presente pedido de extradição.

j. O requerido esteve detido no Brasil pelo período de 3/7/2014 até 7/11/2014, à ordem do processo mencionado em b., estando ainda demonstrado na liquidação da sua pena que as autoridades brasileiras consideram que do tempo de prisão referido em a. estão cumpridos apenas sete meses e oito dias.

k. O requerido intentou uma «revisão criminal» da sentença que o condenou no Brasil, a qual foi indeferida, conforme consta de fls 214 a 220.

l. O requerido veio para Portugal em 20 de Setembro de 2018, juntando-se-lhe a mulher e dois filhos menores em 8 de Agosto de 2020.

m. Quando chegou a ..., o requerido acabou por celebrar um contrato de trabalho sem termo certo em 7/12/2018, na área da construção civil, tendo iniciado esse trabalho antes da celebração do referido contrato.

n. O requerido emigrou, devido à pandemia COVID, durante o ano de 2020, para ..., onde acabou por sofrer um acidente de trabalho, regressando a Portugal em 2021, tendo reiniciado funções na área da construção civil, empregando-se na empresa «H...», auferindo cerca de € 1800 mensais como encarregado de obras.

o. O requerido chegou a viver, junto com a família, em ... e posteriormente em ..., onde se encontrava quando foi detido.

p. A mulher do requerido trabalha na empresa «R..., Ldª – ...», em ..., auferindo o salário mínimo nacional.

q. O requerido tem dois filhos menores, BB e CC, hoje com respectivamente 17 e 10 anos, ambos escolarizados no nosso país.

r. O requerido tem visto de residência em Portugal, válido até 2024. s. O requerido é tido como bom e competente trabalhador.

t. O requerido paga imposto em Portugal, tendo apresentado a competente declaração de IRS em 2022.

u. Actualmente, a mulher e filhos do requerido arrendaram uma nova habitação, pagando cerca de € 450 mensais de renda.

v. O requerido não tem antecedentes criminais no nosso país.

w. O requerido encontra-se bem inserido em termos sociais em Portugal.

x. A família do requerido é actualmente apoiada pela Segurança Social e pelos seus sogros, entretanto vindos do Brasil para Portugal.

2. Já não resultou apurado que:

a. A ida do requerido para o Brasil acarreta, em si, o perigo dele vir a ser morto por organizações criminosas;

b. A família do requerido não tem capacidade para prover ao seu sustento se ele for extraditado para o Brasil, sendo nessa situação colocada numa situação de indigência.”.

O tribunal recorrido fundamentou a sua convicção com base na “(…) diversa documentação junta aos autos – cfr. fls 6 a 41 (junta pelo Ministério Público requerente), 115 a 125 (junta pela defesa), 178-180 (relatório social da DGRSP), 186-202 e 236 (junta pela defesa), 204 (CRC do requerido) e 209 a 222 e 247 a 255 (documentação referente ao processo do Brasil) -, da audição que se fez ao requerido a fls 55-58 e da inquirição das 3 testemunhas arroladas pela defesa, mormente os depoimentos das testemunhas DD, mulher do requerido, EE, ex-senhorio do requerido e pessoa que também ocasionalmente o empregou em serviços de construção civil, e FF, 1º patrão do requerido aquando da sua chegada a Portugal…”, sendo que “(…) relativamente aos factos não provados, não foi feita prova que permitisse concluir pela sua verificação, não se encontrando sequer de forma mínima sustentada, quer pela prova documental quer pela prova testemunhal produzida no âmbito dos presentes autos.”.

1.2. O recorrente define o objecto do recurso, assentando a sua lógica argumentativa, essencialmente nas seguintes alegações:
i) na nulidade do acórdão, com fundamento em omissão de pronúncia, por violação do disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, posto que, em seu entender, o tribunal recorrido não fez uma efectiva avaliação da realidade brasileira, no que tange às condições existentes nas prisões do Estado, nem do risco real que decorreria para o extraditando caso se concretize a sua entrega ao Estado brasileiro, para cumprimento da pena – conclusões Iª a XI.ª, das alegações de recurso;
ii) na possibilidade de recusa da extradição, com fundamento na interpretação do art.º 18.º, n.º 2, da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal – Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto – e no disposto no art.º 33.º, n.º 6, da CRP, considerando que a sua extradição trará graves consequências para a sua vida e segurança pessoal, além de colocar em risco a sobrevivência da sua família em Portugal – conclusões XIII.ª a XXIV.ª, das alegações de recurso;
iii) na possibilidade de cumprir a pena em Portugal, solicitando que seja Portugal, o Estado requerente, a formalizar o pedido de cumprimento de pena no país, uma vez que tem aqui a sua vida organizada em termos familiares e laborais – conclusões XXVª e XXVI:ª, das alegações de recurso.

Antes de mais resulta da motivação e das conclusões de recurso, que o recorrente coloca à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça, uma questão nova que não havia suscitado na oposição que deduziu ao pedido de extradição (Ref.ª ...03) e que, por isso e necessariamente, não foi objecto de conhecimento no acórdão recorrido.

Com efeito, só em sede de recurso para o STJ é que o recorrente AA suscitou a questão de, em caso de extradição, se vir a verificar “no que tange às condições existentes nas prisões do Estado requerente, designadamente ao tratamento desumano existente nas mesmas, à “sobrelotação” desses estabelecimentos prisionais e aos “castigos corporais” e outros tratamentos violentos, bem como aos riscos para a vida e integridade física por acção de outros reclusos.”, e vir a sofrer tratamentos desumanos ou degradantes devido às condições concretas e precisas de detenção, seja qual for o estabelecimento prisional onde ficará encarcerado no Estado requerente, exigindo que o tribunal realizasse essa avaliação do risco, levando em conta “(…) os relatórios e avaliações de organismos internacionais, nos quais se incluem, em particular, os do Comité e do Subcomité para a Prevenção da Tortura, instituídos pela Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (ONU, 1984) e respectivo Protocolo Facultativo, de organizações não governamentais de reconhecida credibilidade e de organismos nacionais com intervenção neste domínio.”.

Como se disse no recente Ac. do STJ de 22/03/2023, Proc. n.º 110/23.6YRLSB.S1, em www.dgsi.pt, “(…) como é consabido, “os recursos não se destinam a conhecer de questões novas, antes são remédios jurídicos, destinados a eliminar os erros de apreciação e de julgamento cometidos no tribunal recorrido. É com base no texto da decisão recorrida que o tribunal de recurso julga, pelo que todas as questões que não tenham sido conhecidas pelo tribunal recorrido não podem ser suscitadas ex novo pelo recorrente no tribunal de recurso.

E daí que este recurso estivesse, desde logo, condenado ao insucesso.”.

Efectivamente no caso, verifica-se que na oposição que deduziu ao pedido de extradição, o recorrente apenas alegou que a sua reclusão em estabelecimento prisional não lhe conferia qualquer segurança, segundo ele, devido à sua intervenção nos factos que deram origem à sua condenação e por via de “vingança” do grupo criminoso em que se inseria. Porém, como decorre da matéria de facto considerada provada pelo tribunal recorrido, tal facto não ficou provado.

Quanto às alegadas condições existentes nas prisões de tratamento cruel ou desumano, nada referiu na oposição à extradição que deduziu, constituindo tal alegação um facto novo.

Como bem observa o Ministério Público junto da Relação, “(…) o enquadramento jurídico que o ora recorrente agora efetua da questão das deficientes condições do sistema brasileiro não deixa de ser, na verdade, inédito, tratando-a como uma questão essencial à decisão final sobre a extradição, por referência à avaliação que, em concreto, entende dever ser realizada sobre a suficiência das garantias prestadas pelo estado emissor em vista da efetiva proteção, na prisão, da pessoa procurada contra a tortura, tratamentos desumanos ou degradantes” – sublinhado nosso.

Nestes termos, a questão que o recorrente quer agora ver apreciada não foi colocada perante o tribunal a quo e, de todo o modo, nunca integraria uma nulidade e não é uma questão de conhecimento oficioso. Por outro lado, os termos em que a coloca não coincide com a anteriormente apresentada.


1. Enquadramento Legal

A extradição encontra-se consagrada na Constituição da República Portuguesa, (CRP), no capítulo dos direitos, liberdades e garantias pessoais.

Nos termos do art.º 33.º, da CRP e no que ao aqui interessa, preceitua-se o seguinte:

Artigo 33.º (Expulsão, extradição e direito de asilo)

(…)

3. A extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo.

4. Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, se, nesse domínio, o Estado requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja vinculado e oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada.

5. O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação das normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia.

6. Não é admitida a extradição, nem a entrega a qualquer título, por motivos políticos ou por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física.

7. A extradição só pode ser determinada por autoridade judicial. – sublinhado e negrito nosso.

Como se disse no Ac. do STJ, de 30/05/2012, Proc. n.º 290/11.3YRCBR1.S1, cuja doutrina se mantém actual, “A extradição constitui uma forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, através da qual um Estado (requerente) pede a outro (requerido) a entrega de uma pessoa que se encontre no território deste último, para efeitos de procedimento criminal, ou de cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa da liberdade, por infração cujo conhecimento seja da competência dos tribunais do Estado requerente.”, sendo “(…)  regulada pelos tratados e convenções internacionais, e, na sua falta ou insuficiência, pela lei relativa à cooperação internacional (Lei nº 144/99, de 31-8), e ainda pelo Código de Processo Penal, conforme dispõem o art. 229º deste diploma e o art. 3º, nº 1, daquela Lei. A aplicação da lei interna portuguesa é, pois, subsidiária.” – no mesmo sentido, vd. Ac. STJ, de 13/04/2005, Proc. 05P745 – ambos os arestos em www.dgsi.pt

A cooperação judiciária internacional em matéria penal entre os Estados membros da CPLP é regulada pela Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (Convenção CPLP), aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 46/2008, de 12/09, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 64/2008, de 12/09 e publicada no Diário da República I, n.º 177, de 12/09/2008, e pela Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (Convenção Extradição CPLP), aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/2008, de 15/09, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67/2008, de 15/09 e publicada no Diário da República I, n.º 178, de 15/09/2008, sem prejuízo de outros instrumentos convencionais celebrados entre os Estados membros, nos quais se incluem Portugal e o Brasil – cf. art.º 20.º, da Convenção CPLP.

Certo é que, nos termos da Convenção Extradição CPLP, os Estados Contratantes reconheceram a importância da extradição como instrumento de entrega de pessoas que se encontrem num Estado Contratante e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Contratante, para fins de procedimento criminal ou cumprimento de pena privativa de liberdade, cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente – cf. art.º 1.º da Convenção Extradição CPLP, de 23/11/2005.

Ao abrigo da Convenção Extradição CPLP, a República Federativa do Brasil solicitou ao Estado Português a detenção provisória e posterior extradição do nacional brasileiro, o recorrente AA, para cumprimento de uma pena de prisão por que o mesmo fora condenado por sentença condenatória, proferida por tribunal competente, pela prática de um crime previsto na legislação portuguesa como crime de tráfico de estupefacientes, punido com uma pena de prisão, em abstracto, de 4 a 12 anos de prisão – conforme art.º 21.º, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro.

Nos termos dessa mesma Convenção, a extradição pode ser recusada se “a pessoa reclamada for nacional do Estado requerido” – art.º 4.º, al. a) –, gozando de todos os direitos e garantias que o Estado requerido legalmente conceda – art.º 8.º –, e o pedido de extradição é transmitido entre autoridades centrais, sem prejuízo do recurso ao canal diplomático – art.º 9.º.

Para assegurar o procedimento de extradição da pessoa reclamada, o Estado requerente pode solicitar a detenção provisória da pessoa a ser entregue, tal como decorre do disposto no art.º 21.º da Convenção Extradição CPLP, de 23/11/2005.

Por sua vez, sobre a extradição em que Portugal seja parte, entre outros instrumentos legislativos nacionais, aplicam-se as disposições, substantivas e processuais, fixadas no regime jurídico relativo à cooperação internacional em matéria penal, Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (designadamente, os art.ºs 21.º. 29.º, 31.º a 43.º, 48.º a 60.º); da Constituição da República (art.º 33.º); do Código de Processo Penal (CPP), (designadamente art.º 229.º e seguintes e as disposições relativas à detenção e à aplicação de medidas de coacção) e do Código Penal. Porém, apenas, subsidiariamente estes outros instrumentos legislativos se aplicam ao processo de extradição assente em instrumento legislativo convencional – art.º 3.º, da Lei n.º 144/99.
2. Nulidade do acórdão
2.1.  No caso, o recorrente alega que o acórdão recorrido padece do vício de omissão de pronúncia, porquanto não fez a avaliação da existência das deficiências do sistema prisional do Brasil, não tendo apurado de “maneira concreta e precisa” a existência de “um risco real de ser sujeita, nesse Estado-Membro, a um tratamento desumano ou degradante, na acepção deste artigo, em razão das condições de detenção que se prevê aplicar-lhe no Estado-Membro de emissão”, dizendo que “não basta nem é suficiente uma declaração genérica de que o sistema legal do Estado requerente, a ratificação dos instrumentos internacionais relevantes e a legislação em vigor nesse Estado asseguram a protecção da pessoa, como refere o acórdão recorrido”.

No âmbito de aplicação da Convenção Extradição CPLP, de 23/11/2005 prevê-se, expressamente no seu art.º 8.º, que “(…) A pessoa reclamada gozará, no Estado requerido de todos os direitos e garantias que conceda a legislação desse estado”. Compete ao Tribunal da Relação a realização do processo de extradição – art.º 49.º da Lei 144/99 e, consoante as circunstâncias pessoais da pessoa detida e da gravidade dos factos que lhe são imputados, é este Tribunal da Relação o competente para proceder à sua audição, avaliar os pressupostos de aplicação das medidas detentivas aplicadas ao detido e, se for caso disso, é também o competente para aplicar medidas não detentivas, devendo ter em consideração a pena que foi aplicada à pessoa, os factos que justificaram o pedido de detenção provisória pelo qual a pessoa é procurada, bem como a existência de um risco de fuga – cf. art.ºs 62,º, n.º 2 e 64.º, n.º 1 e 65.º, da Lei 144/99.

De igual modo, no momento da tomada de decisão sobre a extradição é o Tribunal da Relação o competente para proceder ao exame e análise de todos os elementos de prova que recolheu durante a instrução do processo de extradição, sendo certo que, verifica de facto e de direito todos os requisitos impostos pelo disposto nos n.ºs 2 e 3, do art.º 10.º, da Convenção Extradição CPLP.

Com efeito, no caso sob análise, verifica-se que assim procedeu o tribunal recorrido que consignou no acórdão recorrido a prova apurada e fundamentou a sua motivação, apreciando-a livremente. De igual modo, procedeu ao exame e verificação da conformidade do pedido de extradição, designadamente quanto aos requisitos formais do pedido – art.º 10.º da Convenção Extradição CPLP – sendo certo que foram pedidos elementos informativos complementares, de acordo com o que dispõe o art.º 12.º, da mesma Convenção – conforme resulta do processo, designadamente Ref.ªs Cítius ...14 e ...73.  

Deste modo, resulta patente dos factos provados, que o recorrente foi condenado no Brasil, no dia 09/01/2017, por sentença do Tribunal ..., no âmbito do processo nº ...82, na pena de 6 (seis) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de prisão, pela prática de um crime de transporte de drogas sem autorização e em desconformidade com os requisitos legais ou regulamentares, p.p. pelo artigo 33º, caput, § 4º, Lei Brasileira nº 11.343/2006, artigo 29º, caput, do Código Penal Brasileiro – recorde-se, o recorrente tinha na sua posse de 24 “tijolos” de marijuana com o peso aproximado de 9,15 kg e 9,56 kg, que os destinava à entrega a terceiros, vindo ainda a ser encontrado na sua residência mais 54,15 kg de marijuana, que se encontravam enterrados no seu quintal, juntamente com uma balança de precisão, verificando-se a dupla incriminação quanto a tais factos, nos termos exigidos pelo citado art.º 2.º, n.º 1, da Convenção Extradição CPLP) –, sendo certo que, o mesmo se encontrava presente no tribunal quando a sentença foi pronunciada; a referida sentença transitou em julgado no dia 10/12/2018 e o requerido recorreu da mesma, sem sucesso; o requerido veio para Portugal em 20/09/2018 (ou seja, sendo conhecedor da sua condenação em pena de prisão); na sequência de um pedido de detenção para cumprimento da pena, emitido pelas autoridades judiciárias brasileiras, o requerido foi detido pelo SEF, em ..., no dia 01/02/2023 – als. a) a e) da matéria provada.

Acresce que se mostra verificada a exigência de prestação de garantias pelo Estado requerente, de  acordo com o disposto nos art.ºs 6.º, n.º 2, al. b) e n.º 3, da Lei n.º 144/99 – conforme documento junto com o requerimento de início do processo, ponto 12, documento esse subscrito pelo Juiz  do Estado requerente, Ref.ª ...83.

Em consequência o Estado brasileiro solicitou a sua extradição, de acordo com a Convenção Extradição CPLP, à qual o requerido se opôs – Ref.ª Cítius 221003 – tendo sido deferido o pedido e autorizada a extradição, em 17/05/2023, pelo acórdão recorrido.


2.2. Ora, perante os factos provados e quanto à invocada nulidade, o Tribunal da Relação pronunciou-se e, em várias perspectivas, nos seguintes termos (sublinhados e negritos no original):
O pedido de extradição mostra-se instruído com todos os elementos exigidos pelos artigos 44º e 48º da mencionada LCJIMP, não se vislumbrando qualquer irregularidade formal no processo de extradição que possa justificar a sua recusa, nomeadamente as várias indicadas na oposição (sobretudo depois da junção oficiosa da documentação de fls 247 e 255).
Os documentos são claros – a pena que falta cumprir é agora a de 6 anos, 4 meses e dois dias, feito já o desconto legal de reclusão já cumprida pelo requerido (cfr. fls 254-255).
Nem é de aplicar o artigo 44º/2 f) da LCJIMP pois o requerido não foi no Brasil condenado à revelia, tendo estado presente no seu julgamento (cfr. fls 35).

O que sabíamos, até à junção do documento de fls 254-255, sobre eventual tempo já cumprido pelo requerido (o requerido e sua mulher falam nuns misteriosos e inverificados «seis meses e 10 dias») vinha apenas da sua boca e de nada mais, sabendo agora este tribunal que o tempo de prisão preventiva que terá cumprido em 2014 virá a ser descontado em sede de execução desta pena, não aqui, mas no processo brasileiro, depreendendo-se que existe disposição penal que o preveja (cfr. fls 254-255).
Os factos pelos quais foi requerida a extradição foram praticados no Brasil, estando por isso sujeitos à jurisdição penal exclusiva daquele País.
Por outro lado, os factos integradores dos crimes a que se reporta o presente pedido de extradição não foram, nem são objecto de procedimento criminal em Portugal, inexistindo assim qualquer violação do princípio ne bis in idem.
A pena dos autos não se mostra prescrita, nem perante o ordenamento jurídico brasileiro (art°s 109°e 110º do Código Penal Brasileiro), nem perante o ordenamento jurídico português [art° 122º, nº 1 b) e 2 do Código Penal Português].
O pedido de extradição foi julgado admissível por despacho de Sua Excelência a Ministra da Justiça, requisito formal previsto pelo artº 48º, nº 2, da LCJIMP, que, no entanto, não vincula a autoridade judiciária, nada existindo na lei que exija a comunicação de tal despacho ao requerido, tal como defende o requerido na sua oposição (vide artigo 24º da LCJIMP, onde nada se diz sobre a exigibilidade dessa notificação/comunicação).
Perante os todos os elementos formais referidos, poderá ter lugar a extradição.

(…)
3.4. Vejamos agora se se verifica alguma causa substancial de exclusão da extradição.

Antes de mais, não se perfectibilizam as causas de recusa da extradição previstas especialmente nos artigos e da CECPLP4.
Mais à frente exploraremos melhor o artigo 3º/1 a).


Já sob a égide da LCJIMP, o seu artigo 32º prevê os casos em que é excluída a extradição nos seguintes termos:

(…)Transcrição da norma legal
Ora, o nosso requerido não é português e o crime não ocorreu em Portugal.


E, nos termos do artº 6º da mesma Lei, que estabelece os requisitos gerais negativos da cooperação internacional, o pedido de cooperação é recusado quando:

(…)Transcrição da norma legal
Ora, o nosso requerido não é português e o crime não ocorreu em Portugal.
E, nos termos do artº 6º da mesma Lei, que estabelece os requisitos gerais negativos da cooperação internacional, o pedido de cooperação é recusado quando:

(…)Transcrição da norma legal

Discutiremos mais à frente a alínea e) do artigo 6º/1, especialmente invocado na oposição, assente que mais nenhuma das causas de recusa se encontra aqui perfectibilizada.
O artº 7º da mesma Lei prevê ainda a recusa da extradição com base na natureza da infracção, estabelecendo:

(…)Transcrição da norma legal
No nosso caso, não estamos perante crimes políticos ou militares.
Por fim, o artº 8º da mesma Lei prevê a exclusão da cooperação se se verificar a extinção do procedimento penal, estipulando:

(…)Transcrição da norma legal
Os factos aconteceram em 2014, estando, à luz do ordenamento brasileiro e do ordenamento português, longe os prazos de prescrição da pena.
Assim sendo, perante o pedido formulado nos autos e seus fundamentos, é manifesto que não se verifica qualquer das situações que poderiam levar à recusa da extradição previstas nos artºs 6º a 8º e 32º da LCJIMP.
Nem sequer faz qualquer sentido nesta sede invocar a possível violação pelo Estado da condenação do princípio da reformatio in pejus (não se deixará de anotar que a pena acrescida relativamente ao quantum encontrado pelo sentenciado de 9/1/2017, terá resultado de uma apelação criminal também intentada pelo Ministério Público, estando assim, legitimado o aumento da pena decretada (cfr. fls 22).
Na verdade, a apreciação dos pressupostos do crime, o grau de participação do requerido, a existência de eventuais causas de exclusão da sua ilicitude ou culpa ou as vicissitudes da pena aplicada – desde que não seja por crime político, desde que não tenha sido aplicada pena de morte, pena de prisão perpétua ou qualquer pena de que possa resultar leão irreversível da integridade da pessoa a extraditar - não pode ser feita nestes nossos autos que têm um espectro muito restrito e definido, constituindo antes elementos que se poderão – e deverão – invocar no exercício do seu direito de defesa perante o Estado emitente, no processo que ali corre os seus termos5.

A execução de um pedido de extradição não se confunde com o julgamento de mérito da questão de facto e de direito que lhe subjaz, julgamento esse a ter lugar, se for o caso, perante a jurisdição e sob a responsabilidade do Estado emissor, no qual convirá proceder a instrução e julgamento conjunto, onde se pondere a actividade imputada em toda a sua amplitude, de forma a ter uma panorâmica geral da conduta desenvolvida pelo requerido, em possível processo de revisão desta condenação que, relembre-se, está transitada em julgado desde 10.12.2018 aos olhos do Mundo e desta nossa ordem jurídica.
Ao Estado de execução, apenas incumbe indagar da respectiva regularidade formal e dar-lhe execução, agindo nessa tarefa com base no princípio do reconhecimento mútuo.
Nestes termos, inexistindo razões que pudessem fundamentar a recusa de cooperação internacional, mostrando-se reunidos todos os pressupostos necessários ao deferimento do pedido de extradição, há que autorizar o mesmo.


3.5. Uma palavra sobre o artigo 6º/1 e) da LCJIMP e 3º/1 da CECPLP.


O que as normas ditam é que NÃO haverá lugar a extradição quando se tratar de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física.
Ora, a pena que foi aplicada foi uma pena de prisão, ponto final, não fazendo parte da sua essência qualquer risco de lesão irreversível da integridade física do requerido AA.
As penas de prisão são, em regra, e na sua essência, pacíficas.


Já os estabelecimentos prisionais onde elas são cumpridas podem ser menos pacíficos.


Mas degladiar com a pouca segurança das prisões brasileiras não vale, sob a égide do factor mencionado na alínea e) do artigo 6º/1.
De facto, verifica-se que a CECPLP, em parte alguma do seu articulado, nomeadamente nos seus artigos 3.º e 4.º – normas que, de forma taxativa, indicam, respectivamente, os casos e situações de inadmissibilidade de extradição e de recusa facultativa de extradição –, prevê a possibilidade de denegação ou de recusa com fundamento no deficiente funcionamento do sistema prisional do Estado requerente.”.

Alega o recorrente, sem indicar factos concretos e apenas se limitando a efectuar juízos conclusivos – “não podemos ser ingénuos, porque todos sabemos que o estado Brasileiro não assegura, nem tem condições para assegurar de forma integral, o respeito pelos direitos fundamentais do extraditando e nomeadamente, a sua própria integridade física.”, ou “ se o recorrente for extraditado, não tem minimamente garantidos e assegurados pelo Estado requerente, o seu direito à vida, à integridade física e à dignidade da pessoa humana, como constava já da fundamentação da oposição apresentada ao pedido de extradição. Esta é a realidade nua e crua, bem conhecida de todos e será aquela que se vai impor, sem dó nem piedade, ao recorrente.” –, a  falta de pronúncia sobre a realidade concreta dos estabelecimentos prisionais brasileiros.

Porém,  sem razão, pois, aquilo que a lei exige é que a decisão de extradição tem de assentar em requisitos específicos exigidos nos termos dos art.ºs 3.º e 4.º (cujo elenco é taxativo) da Convenção Extradição CPLP, e em garantias prestadas pelo Estado requerente. E, vendo os termos das garantias prestadas pelo Estado brasileiro verifica-se que elas não são genéricas, como refere o recorrente, antes, especificam o que as mesmas visam assegurar:

A questão colocada prende-se com o juízo de suficiência que se deve fazer sobre a exigência de garantias a prestar pelo Estado requerente, em caso de extradição.

Nesse conspecto, não existindo norma específica, o disposto no art.º 6.º, n.º 3, da Lei n.º 144/99, indica um caminho:

Artigo 6.º

Requisitos gerais negativos da cooperação internacional

O pedido de cooperação é recusado quando:

(…)

e) O facto a que respeita for punível com pena de morte ou outra de que possa resultar lesão irreversível da integridade da pessoa;

f) Respeitar a infracção a que corresponda pena de prisão ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida.

2 - O disposto nas alíneas e) e f) do número anterior não obsta à cooperação:

(…)

b) Se, com respeito a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requerente, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, o Estado requerente oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada;

(…)

3 - Para efeitos de apreciação da suficiência das garantias a que se refere a alínea b) do número anterior, ter-se-á em conta, nomeadamente, nos termos da legislação e da prática do Estado requerente, a possibilidade de não aplicação da pena, de reapreciação da situação da pessoa reclamada e de concessão da liberdade condicional, bem como a possibilidade de indulto, perdão, comutação de pena ou medida análoga, previstos na legislação do Estado requerente.

(…)

- sublinhado e negritos nossos

Repare-se que as normas aqui em causa, as alíneas e) e f), referem-se à aplicação de uma “pena de morte ou outra de que possa resultar lesão irreversível da integridade da pessoa” ou de “pena de prisão ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida” e, nesses casos exige-se a prestação de garantias com vista a assegurar que o Estado requerido não aplicará ao extraditando tais penas.

Ora, no caso e como se salienta no acórdão recorrido, foi aplicada uma pena de prisão que, em si mesma não comporta qualquer risco de execução, sem descurar o conhecimento geral de que a reclusão é um factor de risco e de afectação das condições de vida familiar e pessoal, em qualquer parte do mundo.

Com isto se visa dizer que as garantias oferecidas pela ordem jurídica do Estado requerente, nos termos em que o foram, são bastantes para determinar a extradição solicitada, tendo em consideração que se fundam no princípio da confiança, com base no qual se celebram os acordos e convenções internacionais, porquanto os Estados confiam que os Estados com quem eles contratam têm um sistema jurídico que garante os direitos considerados fundamentais num certo nível civilizacional, que os consagram na lei e que os implementam.

A exigência de uma apreciação da realidade concreta do modo de funcionamento e organização do sistema prisional brasileiro não é compatível com a observação do princípio da confiança e da boa-fé em que a ordem jurídica dos Estados Contratantes da Convenção Extradição CPLP se funda, bem como, com a seriedade do compromisso, princípios que estão na base dos acordos que asseguram as garantias de cumprimento e respeito pelas decisões emanadas de Estados de direito.

Neste sentido tem ido a jurisprudência do STJ e não se vê razão para a alterar. O que sempre se exigiu e analisou é que a realidade concreta é a garantia oferecida pelo Estado requerente, ou seja, pela sua ordem jurídica e pela declaração do Estado requerente que a fará implementar. No fundo, como se indicou, é o que está na base da celebração dos tratados e acordos de extradição: o princípio da confiança. Confiar que o outro Estado vai cumprir o que consta do acordo.

Aliás, disse-se no Ac. do STJ de 30/10/2013, Proc. n.º 86/13.8YREVR.S1, em www.dgsi.pt: “É que à Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, tal como ocorre relativamente ao Regime Jurídico do Mandado de Detenção Europeu, encontra-se subjacente a ideia de cooperação judiciária internacional em matéria penal, tendo em vista o combate célere e eficaz da criminalidade, na base da confiança recíproca entre os Estados contratantes e do reconhecimento mútuo, princípios através dos quais se garante que as decisões judiciais de qualquer um dos Estados serão respeitadas e tomadas em consideração por todos os outros Estados nos precisos termos em que foram proferidas (…) não prevendo a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa a possibilidade de denegação ou de recusa da extradição com os fundamentos invocados pelo recorrente – deficiente funcionamento da justiça e do sistema prisional do Estado brasileiro –, o recurso terá de improceder, também, nesta parte, improcedência que, aliás, sempre se verificaria, visto que o recorrente se limitou a invocar os referidos fundamentos, sem que tenha alegado e provado factualismo susceptível de os suportar/integrar.” – sublinhado nosso.

Na verdade, a suficiência da garantia prestada pelo Estado requerente basta-se, com a indicação de que na ordem jurídica do Estado requerente existem os instrumentos legislativos adequados a fazer cumprir o acordo e a garantia prestada, designadamente os meios de impugnação ou de recurso, caso as mesmas não sejam cumpridas; ou a assumpção do compromisso de não aplicação de penas e medidas que atentem contra a integridade física do extraditando, entre outras; ou mesmo a existência de mecanismos de queixa ao nível nacional ou internacional, que permitam a intervenção de entidades nacionais e/ou internacionais que possam influir nos Estados, com vista à alteração do modo como prestam serviços públicos ou de interesse comunitário.

Como se refere na jurisprudência quase uniforme do STJ e firmada há muito, não colhe alegar que o sistema prisional que está instalado no Estado requerente padece de deficiências que o permitem qualificar como um sistema inseguro e violento – nas palavras do recorrente – “(…) a entrega do requerido implica para este graves consequências para a sua vida e integridade física pois ficará totalmente só e sujeito às atrocidades (homicídios, motins, etc.) do sistema prisional brasileiro, à sua sobrelotação, bem conhecidas de todos dada a sua ampla publicitação, e reconhecidas por várias instâncias internacionais” – , porquanto tais razões não integram “(…) a causa de recusa inscrita no direito convencionado interestadual nem pan-estadual. Não colhe, por isso, como fundamento da pretensão recursiva a alegação de que o sistema prisional não oferece condições de reinserção e reintegração compatíveis com a pauta civilizada dos direitos humanos.” – Ac. do STJ de 16/05/2019, Proc. 334/19.0YRLSB.S1, em www.dgsi.pt.

Nestes termos, ainda que de modo pouco profundo, o tribunal recorrido pronunciou-se sobre a inexistência de fundamento assente na ausência de condições do sistema prisional brasileiro, referindo que tal alegação não é fundamento de recusa, razão porque não ocorre a apontada nulidade do acórdão por omissão de pronúncia. Como se referiu no sumário do Ac. do STJ de 07/09/2017, Proc. 483/16.7YRLSB.S1, em www.dgsi.pt, “ Não incorre em omissão de pronúncia o acórdão recorrido que expressamente se pronuncia quanto às questões suscitadas pelo recorrente, pugnando no sentido de que o extraditando não apontou onde residia a falta de garantias de um processo justo e equitativo e ainda que a Convenção da CPLP não prevê a possibilidade de recusa de extradição com fundamento em alegada deficiência de funcionamento do sistema de justiça ou do sistema prisional, bem como, que quanto ao tribunal de julgamento ser de excepção, igualmente se pronunciou no sentido da não violação de qualquer direito fundamental a constituir obstáculo à extradição, tratando-se de matéria cuja apreciação não compete ao país requerido.” – sublinhado nosso.

Por tudo o exposto, improcedem as alegações do recorrente, na parte respeitante, indeferindo-se a nulidade arguida.


3. Recusa da extradição, com fundamento no disposto no artigo 18.º, n.º 2 da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal

O recorrente pretende ver revogado o acórdão recorrido, pugnando por isso com fundamento no disposto nos art.º 33.º da CRP e 18.º, n.º 2 da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, “(…) já que, aí se prevê a possibilidade de negação do pedido de extradição quando este possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal, ainda que se entenda que a denegação facultativa da extradição esteja dependente não só das consequências que a mesma possa implicar para a pessoa visada, mas também de um juízo de prognose de ponderação de interesses entre o facto criminoso e aquelas consequências, tal ainda assim, não obsta a que se recuse a extradição do requerido”.

Para tanto alega que “(…) ao ser extraditado será como entregá-lo para sacrifício, não pela longa manus directa do Estado, mas pelo que ocorrerá dentro do estabelecimento prisional brasileiro onde cumprirá a pena, não só pela sobrelotação, mas também pelos castigos corporais infligidos e, em muitos casos, à perda da vida, pela mão de outros reclusos, e isto é responsabilidade do Estado requerente e também do Estado requerido caso este consinta na entrega do extraditando, sem curar de obter todas as garantias do cumprimento dos mais elementares direitos fundamentais da pessoa a extraditar”.

Como afirmado nos Ac. do STJ de 07/09/2017, Proc. 483/16.7YRLSB.S1 e Ac. do STJ de 22/03/2023, Proc. n.º 110/23.6YRLSB.S1, ambos em www.dgsi.pt, “ (…) o Brasil é um Estado Parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (1966), que ratificou em 1992, bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e que, à semelhança da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, não deixam de lhe conferir o direito a um processo justo e equitativo, no modo como é consagrado pelo art.º 6.º desta Convenção e acolhido no art.º 20.º da CRP, como, de resto, explanou o acórdão recorrido, do direito à publicidade, direito ao contraditório, direito à igualdade de armas, direito a estar presente, direito ao silêncio e direito a julgamento em prazo razoável».”– sublinhado nosso.

Nos termos do art.º 18.º, n.º 2, da Lei nº 144/99, de 1 de Setembro, sob a epígrafe “Denegação facultativa da cooperação internacional”  estipula-se que :“2 - Pode ainda ser negada a cooperação quando, tendo em conta as circunstâncias do facto, o deferimento do pedido possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal.” – sublinhado nosso.

A Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa prevê taxativamente, no seu art.º 4º, sob a epígrafe de recusa facultativa de extradição, as circunstâncias em que a extradição pode ser recusada, não se verificando a possibilidade de recusa da extradição, tal como se preceitua no n.º 2, do citado art.º 18.º, da Lei 144/99, Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal. Assim, “(…) não se prevendo na Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa a possibilidade de recusa da extradição por o seu deferimento poder implicar consequências graves para o visado, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal, ou seja, pelas razões concretamente invocadas pelo recorrente, o recurso terá de improceder nesta parte.” – vd. Ac. 30/10/2013, Proc. n.º 86/13.8YREVR.S1, já citado.

E, continuando na esteira deste aresto acrescenta-se “Em todo o caso, sempre se dirá que a Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal ao prever no n.º 2 do artigo 18º a possibilidade de negação do pedido de extradição quando este possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal, faz depender a denegação facultativa da extradição, não só das consequências que a mesma possa implicar para a pessoa visada (em função da idade, estado de saúde ou outros motivos de carácter pessoal), mas também de um juízo de ponderação de interesses entre o facto criminoso e aquelas consequências. É o que decorre da letra do preceito ao estatuir que: «Pode ainda ser negada a cooperação quando, tendo em conta as circunstâncias do facto, o deferimento do pedido possa implicar consequências graves…». Ponderação em que assume particular relevância o confronto entre a gravidade do facto e a gravidade das consequências da extradição para o visado.”– negrito no original. Saliente-se que as circunstâncias de facto por que foi condenado o recorrente – crime de tráfico de estupefacientes – por si, não só representam desconformidade e desrespeito pelas regras sociais e jurídicas em vigor na comunidade em que se inseria, como são de elevada gravidade e ilicitude, considerando o bem jurídico protegido com a incriminação, a saúde pública, nas suas componentes física e mental, tal com tem vindo a ser assinalado pela jurisprudência e doutrina.

No caso, ponderou-se no acórdão recorrido o seguinte:
Note-se que nada disso ficou comprovado (cfr. factos não provados e sua fundamentação), mercê do facto de a mulher e filhos do requerido estarem já a ter algum apoio da nossa Segurança Social e por parte dos sogros do requerido que se deslocaram do Brasil para Portugal para apoiarem os seus descendentes.
Diga-se ainda mais que cotejando os factos provados e até os próprios fundamentos da oposição, é patente a inexistência de quaisquer razões relacionadas com a idade, saúde ou outros motivos de carácter pessoal do requerido que tornem a extradição especialmente gravosa para o mesmo.

Na realidade, o extraditando mais não faz do que apelar para a sua situação familiar, social e económica e, designadamente, para as difíceis condições de vida em que poderá ficar a sua mulher e os seus dois filhos menores de idade.
O requerido não é pessoa idosa ou doente.


Da factualidade que alegou apenas se provou que:

·      A mulher do requerido trabalha na empresa «R..., Ldª – ...», em ..., auferindo o salário mínimo nacional

·      O requerido tem dois filhos menores, BB e CC, hoje com respectivamente 17 e 10 anos, ambos escolarizados no nosso país.

·      O requerido tem visto de residência em Portugal, válido até 2024. · O requerido é tido como bom e competente trabalhador.

·      O requerido paga imposto em Portugal, tendo apresentado a competente declaração de IRS em 2022.

·      Actualmente, a mulher e filhos do requerido arrendaram uma nova habitação, pagando cerca de € 450 mensais de renda.

·      O requerido não tem antecedentes criminais no nosso país.


·      O requerido encontra-se bem inserido em termos sociais em Portugal.


·      A família do requerido é actualmente apoiada pela Segurança Social e pelos seus sogros, entretanto vindos do Brasil para Portugal.

Estes factos, em particular os que resultam do teor do relatório social elaborado pela DGRSP, correspondem à normalidade da vida de uma qualquer família ocidental.

O circunstancialismo descrito nos factos provados durante a detenção do extraditando corresponde aos naturais incómodos e perturbação dos hábitos de vida que uma extradição sempre ocasiona ao extraditando e família, mostrando-se insuficiente para legitimar a conclusão de que o deferimento do pedido seria susceptível de implicar as “consequências graves” que a lei exige para que se aceite como ajustada a decisão de negar a cooperação.
Caso pretenda continuar a residir em Portugal, naturalmente que o agregado familiar do extraditando, nomeadamente a sua mulher e filhos, terá de efectuar um esforço sério de inclusão, sendo a sua inserção social e eventualmente laboral suficiente para garantir um crescimento harmonioso e adequado às crianças, um dos quais quase maior de idade.
(…)
Mais diremos que não é caso para aplicação do artigo 5º da CECPLP («a Parte requerida poderá sugerir à Parte requerente que retire o seu pedido de extradição, tendo em atenção razões humanitárias que digam nomeadamente respeito à idade, saúde ou outras circunstâncias particulares da pessoa reclamada»), pois nada existe na idade, na saúde ou em qualquer outra particularidade do requerido que possa justificar esta tamanha benevolência.”.

Em suma, o requerido não invoca nas suas conclusões de recurso quaisquer razões em função da idade, estado ou saúde ou motivos de carácter pessoal que fundamentem uma avaliação objectiva de circunstâncias factuais e que permitam concluir por uma situação de gravidade das consequências que a sua extradição importa, sendo certo que da matéria de facto não provada resulta que a sua deslocação para o Brasil não acarreta, em si, perigo de vir a ser morto por organizações criminosas, nem se provou que a sua família fique numa situação de indigência por não ter capacidade para prover ao seu sustento, sendo certo que, pelo menos, desde já, se encontra a ser apoiada pela Segurança Social nacional.

De todo o modo, sempre se dirá que “não se poderão considerar consequências graves resultantes de outros motivos de carácter pessoal aquelas consequências que são a regra para quem tem família e vai ter de cumprir uma pena de prisão”, tal como referido no Ac. de 30/10/2013, já aqui mencionado. Com efeito, em nenhum caso, seja para a execução da pena seja para a extradição, as condições materiais em que fica o condenado ou a sua família são razões para não se executar a pena.

Termos em que, na parte respeitante, improcedem também as alegações de recurso.


4. Cumprimento de pena em Portugal

O recorrente pugna, ainda, e em última instância, para que nos termos do art.º 5.º da Convenção Extradição da CPLP, seja denegada a extradição, a fim de o mesmo cumprir a pena em Portugal, solicitando que o Estado português efectue esse pedido, conforme art.ºs 95.º e 96 da Lei 144/99.

Como lapidarmente se referiu no acórdão recorrido “Quanto ao artigo 95º e sgs da LCJIMP, invocados nas alegações, há que dizer que a execução de uma sentença penal estrangeira só pode aqui ser cumprida a pedido do Estado da condenação, o que não acontece no nosso caso (cfr. nº 2 desse artigo 95º).”.

E, quanto ao indicado art.º 5.º da Convenção da Extradição, certamente que o recorrente não atentou na sua epígrafe que se refere ao “julgamento pelo Estado requerido”, não tendo aplicação ao caso.

Acresce que, tal como decidido no referenciado Ac. de 30/03/2013, “A Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e a Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal não contemplam a possibilidade de o extraditando/condenado cumprir a pena em estabelecimento prisional nacional, razão pela qual está excluída a substituição da extradição do recorrente pela execução/cumprimento em Portugal da pena que lhe foi imposta.”.

Tanto basta para improcederem, na totalidade, as alegações de recurso.

III – DECISÃO

Termos em que, acordando, se decide:
a) Negar provimento ao recurso, mantendo em consequência, a decisão recorrida;
b) Sem custas.

Lisboa, 29 de Junho de 2023 (processado e revisto pelo relator)

Leonor Furtado (Relator)

Orlando Gonçalves (Adjunto)

António Latas (Adjunto)