Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1700/12.8TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: ARRENDAMENTO
DERROCADA DO PRÉDIO
DESPEJO ADMINISTRATIVO
CADUCIDADE DO CONTRATO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / ARRENDAMENTO URBANO.
Doutrina:
- Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 5.ª edição, p. 481.
- Januário Gomes, Arrendamentos para Habitação, p. 250.
- Menezes Cordeiro, “Leis do Arrendamento Urbano Anotadas” – Junho 2014 – em comentário ao art. 1051º do Código Civil, p. 107.
- Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações. Parte Especial. Contratos. Compra e Venda. Locação. Empreitada, pp. 209/210.
- Pinto Furtado, “Manual do Arrendamento Urbano”, Vol. II, 4.ª edição actualizada, p. 875.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Vol. II, 4.ª edição, p. 391, em comentário ao art. 1051.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 483.º, N.ºS 1 E 2, 486.º, 790.º, N.º1, 799.º, N.º1, 1022.º, 1031.º, 1038.º,ALS. A) E F), 1040.º, 1043.º, 1051.º, AL. E), 1074.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) : - ARTIGO 671.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 09.03.2010, PROC. N.º 440/07.4TVPRT.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 13.07.2010, PROC. N.º 60/10.6YFLSB, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 20.11.2014, PROC. N.º 3479/10.9TBGDM-B.P1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSIS.PT .
Sumário :
I - A existência do requisito fundamentação essencialmente diferente como obstativa da dupla conforme – art. 671.º, n.º 3, do NCPC (2013) – viabiliza o recurso para o STJ para decidir em função dessa essencialmente diferente fundamentação adoptada pelo tribunal da Relação, a pretensão que os recorrentes trazem ex novo.

II - O arrendamento caduca com a perda da coisa locada, nos termos do art. 1051.º, al. e), do CC, desde que essa perda seja completa e irreversível e impossibilite, por razões de segurança de pessoas e bens, que os locatários continuem a habitar o imóvel sobre que incidia o contrato de arrendamento.

III - Há perda absoluta e irreversível se a autoridade camarária, após vistoria na sequência de derrocada parcial do imóvel, impõe o despejo administrativo.

IV - O desaparecimento físico do imóvel locado, por motivo de força maior, ou por causa não imputável ao locador, implica extinção por caducidade do contrato de arrendamento; todavia, se a ruína se deveu a omissão de prestações a cargo do senhorio, no que respeita à conservação do imóvel, a caducidade, implicando a extinção do contrato de arrendamento, não exclui o seu dever de indemnizar os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, verificados que estejam os requisitos da responsabilidade civil contratual.

V - O dever de indemnizar pelos prejuízos causados por acto ilícito, assenta na culpa do lesante e só excepcionalmente na responsabilidade objectiva quando prevista – art. 483.º, n.º 2, do CC – pelo que, por falta do requisito culpa, não impende sobre os réus locadores o dever de indemnizar os prejuízos sofridos pelos locatários, por se ter provado que a derrocada do edifício, causa da caducidade dos contratos de arrendamento, não resultou de acção culposa dos réus, tanto quanto as provas recolhidas no processo evidenciam, mas por causas estruturais.
Decisão Texto Integral:

Proc.1700/12.8.TVLSB.L1.S1.

R-503[1]

Revista

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

            AA

            BB  

            CC

             Intentaram, em 30.8.2012, nas Varas Cíveis de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum na forma ordinária, contra:

             DD & Filhos, Ldª.

            EE

            FF

            GG

            HH

            II, e;

            JJ.

            Peticionando a condenação dos Réus no pagamento:

            a) Ao Autor CC de uma indemnização por danos patrimoniais, no montante de € 12.984,61;

            b) À Autora AA, de uma indemnização por danos patrimoniais, no montante de € 6.250,00;

            c) Ao Autor BB, de uma indemnização por danos patrimoniais, no montante de € 6.250;

           

            d) A cada um dos Autores de uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 20.000,00;

           

            e) A cada um dos Autores de uma indemnização no valor de € 10.000,00, pela extinção dos contratos de arrendamento a que os autos se referem.

            Para tanto, alegaram, em síntese, que:

            - os Autores foram, todos eles, arrendatários de um prédio pertença dos RR., arrendamentos esses que caducaram devido à derrocada de tal prédio, em razão da falta de realização, por parte dos RR., de obras de conservação;

            - devido à derrocada do imóvel onde se situavam os locados, os AA. vieram a perder os seus pertences que ali se encontravam no arrendado;

            - os AA. AA e João Vilela, que ali se encontravam no momento da derrocada no prédio, viram posta em risco a sua própria vida, o que lhes provocou um sentimento de medo e insegurança;

            - todos os AA. perderam as referências de uma vida vivida na Avenida …, perdendo assim toda a sua inserção social.

 

            Os RR. contestaram, por excepção e por impugnação.

            Defendendo-se por excepção, invocaram a ilegitimidade activa e a ilegitimidade passiva e alegaram (nuclearmente) que:

            - O prédio urbano que ruiu parcialmente era já bastante antigo, com cerca de 100 anos, tendo pois ultrapassado já há muito a normal validade da sua existência funcionalmente útil;

            - Há cerca de 12 anos (em 1992), o prédio havia sido objecto de escoramento, visando a sua sustentabilidade;

            - A decisão, de todos conhecida, de demolir o prédio, foi tomada pela Câmara Municipal de Lisboa (e não pelos RR.);

            - A renda praticada era de valor baixo, insusceptível de permitir ao senhorio a realização de grandes e profundas obras de reparação do prédio, atentos os elevados custos, publicamente conhecidos, de um tal eventual empreendimento, pelo que exigir o contrário constituiria certamente um verdadeiro abuso do direito e uma violação do princípio da boa-fé contratual.

            Defendendo-se por impugnação, alegaram desconhecer que os AA. tenham sofrido os danos patrimoniais cujo ressarcimento vieram reclamar e puseram em causa que eles hajam sofrido quaisquer danos de natureza não patrimonial (porquanto os AA há algum tempo, antes da derrocada parcial do prédio, viviam noutras casas fora ou dentro da cidade de Lisboa).

            Os Autores replicaram e responderam a convite ao aperfeiçoamento da sua petição.

            Findos os articulados, o processo foi saneado (tendo sido julgada sanada a excepção da ilegitimidade passiva e julgada improcedente a excepção da ilegitimidade activa), organizou-se a base instrutória, foram requeridas as provas e teve lugar a audiência de discussão e julgamento.

***

            Foi proferida sentença (em 20.1.2014 – fls. 336 a 342) que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os RR. de todos os pedidos contra eles formulados.

***

            Inconformados, os Autores AA e CC, apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 10.2.2015 – fls. 386 a 421 – negou provimento à apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida.

***

            Inconformados, os Autores AA, AA,BB e CC, interpuseram, recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, e, alegando formularam as seguintes conclusões:

            1. Nos termos do n°3 do artigo 671° do Código de Processo Civil “não é admissível revista do Acórdão da Relação que confirme, sem nota de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª Instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

            2. Na decisão da 1ª Instância, entendeu o M.mo. Juiz que “… a culpa dos senhorios pela omissão de obras no edifício, cuja demolição veio a ser administrativamente ordenada, inviabilizando a manutenção/substância do contrato de arrendamento, é geradora da obrigação efe indemnizar nos termos do disposto no artigo 798° do Código Civil. Tal culpa, que a lei presume, faz impender sobre os senhorios o ónus de provar que a demolição do edifício de que fazia parte o locado não procedeu de culpa sua (artigo 799°, n°1, do Código Civil) prova que estes não fizeram, todavia, esta obrigação de indemnizar refere-se a danos guê tenham sido sentidos pelo dor desta indemnização. No caso, não resultaram alegados quaisquer danos pela extinção dos contratos de arrendamento, sendo que resultaram não provados os danos patrimoniais alegados e os não patrimoniais”.

            3. Foi com fundamento nesta decisão e a sua manifesta contradição com a prova produzida que os recorrentes interpuseram Recurso de Apelação.

            4. No Acórdão objecto de censura os Senhores Juízes Desembargadores vieram reconhecer a “bondade à impugnação aprestada pelos Apelantes da decisão sobre a matéria de facto contida na Sentença recorrida e por via de tal foram aditados pelo Tribunal de primeira instância estoutros factos (…)” – Pontos 21 a 30 da Matéria de Facto Assente pela Relação que aqui e agora se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

            5. Tais factos cabalmente demonstram não só os danos patrimoniais sofridos pelos recorrentes com a derrocada do edifício, como os danos não patrimoniais emergentes do mesmo facto.

            6. Entenderam os Senhores Juízes Desembargadores pela não existência de culpa dos senhorios na ocorrência das causas que deram lugar à derrocada do edifício.

            7. Tal matéria jamais deveria ter sido abordada no Acórdão, já que a mesma não foi objecto de qualquer recurso

            8. Numa palavra, enquanto que na decisão da 1ª Instância se entende que houve culpa da Senhoria mas não se verificaram danos (patrimoniais e não patrimoniais), no Acórdão da Relação de Lisboa objecto de censura, ficou fixado que danos ocorreram, quer patrimoniais, quer não patrimoniais, mas concluiu, que não houve culpa por parte dos senhorios.

            9. Daqui resulta, entendem os recorrentes, que à luz do n°3 do art. 671° do Código de Processo Civil ocorrem os fundamentos para o Recurso de Revista Excepcional já que se verifica uma fundamentação essencialmente diferente entre essas duas Doutas Decisões.

            10. Por entenderem que a Douta Sentença da 1ª Instância havia feito uma incorrecta e incompleta interpretação da matéria de facto apurada no decurso da lide e em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, os recorrentes interpuseram o Recurso de Apelação que veio a merecer o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

            11. Assistia a este Tribunal Superior a faculdade de, nos termos e ao abrigo do artigo 662° do Código de Processo Civil modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto.

            12. Como ficou decidido definitivamente na 1ª Instância “competia aos senhorios (RR.) o ónus de provar que a demolição do edifício de que faziam parte os locados não procederam de culpa sua (art. 799°/1 do Código Civil), prova esta que não fizeram”.

            13. Provada a culpa dos RR., recorridos, haveria que apurar a existência de danos, patrimoniais e não patrimoniais, para consubstanciar o direito às indemnizações peticionadas.

            14. O Tribunal da Relação de Lisboa, e bem, julgou procedente a impugnação da matéria de facto, deduzida no Recurso de Apelação e veio a consagrar que deveriam ser aditados ao elenco dos factos provados os factos enumerados sob o número 21 a 30 da Matéria de facto que aqui e ora se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos

            15. Aditada tal matéria aos Factos Provados, e apurada e reconhecida que está a culpa dos Senhorios, ora recorridos, pela derrocada, entendem os recorrentes que a sua pretensão deverá proceder.

            16. Salvo o devido respeito, que é muito, não faz sentido ter uma decisão judicial de 1ª instância que afirma verificar-se a culpa do agente (senhorios) na ocorrência de um evento, mas que não se verificaram danos, quer patrimoniais quer não patrimoniais.

            17. Por outro lado, no seguimento do Recurso de Apelação vir-se a reconhecer que se verificam os danos, tanto patrimoniais, como não patrimoniais, mas que não se verifica a culpa, geradora de direito de indemnizar.

            18. Ora, havendo culpa e provados que estão os danos, tal como foi fixado no Douto Acórdão recorrido, entendem os recorrentes que estão reunidos os requisitos para a procedência da acção.

            19. Os factos aditados à matéria de facto assente permitem concluir pela bondade da pretensão dos recorrentes.

            20. Tendo presente que os recorrentes ficaram sem habitação, (ii) sofreram danos patrimoniais elencados na matéria de facto aditada pelo Tribunal da Relação no Acórdão recorrido, (iii) tiveram por via de tal de mudar de local de residência, longe da Av. … (…) e, (iv) afastados de todos os seus amigos e vizinhos com quem se relacionavam diariamente, dúvidas não restam de que são credores de uma indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais causados por culpa dos recorridos.

            21. Assiste-lhe o inegável direito a serem indemnizados.

            22. “Cessando o contrato de arrendamento por perda do bem arrendado, por sua culpa, o senhorio está obrigado a indemnizar o arrendatário pelos prejuízos decorrentes do incumprimento da obrigação contratual de assegurar o gozo correspondente” (Acórdão do TJ.60/10.YFLSB, 7ª Secção, in www.dgsi.pt). Mais acrescenta o referenciado Acórdão que “No âmbito da responsabilidade contratual, pode haver lugar a indemnização por danos não patrimoniais”.

            23. É manifesto no caso dos autos que os recorrentes sofreram, em resultado da derrocada do edifício e da extinção dos contratos de arrendamento danos não patrimoniais, que se desdobram em duas vertentes: (i) Por um lado, os danos resultantes da cessação dos contratos de arrendamento, por via da derrocada do imóvel; (ii) Por outro lado, as sequelas familiares, psíquicas e sociais que tal facto lhes provocou.

            24. Tais danos não patrimoniais merecem a tutela do direito e deverão ser ressarcidos.

           

            25. Cuidaram de demonstrar e evidenciar tais danos não patrimoniais, nos exactos termos a que atrás se fez referência, devendo, judicialmente ocorrer o seu reconhecimento.

            26. “Dano não patrimonial verifica-se em relação a interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária” (Pessoa Jorge, Pressupostos, pág. 373).

            27. “Havendo que reparar danos não patrimoniais o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, nos termos do artigo 496°/3 do Código Civil…” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. 41/04.8GTTVD, 3ª Secção).

            28. À luz de tal normativo o Acórdão Recorrido deveria sempre ter fixado uma indemnização a favor dos recorrentes a título e danos não patrimoniais, não só para os ressarcir dos danos decorrentes da cessação dos contratos de arrendamento, por via da derrocada do imóvel por culpa dos recorridos, mas também pelos danos psíquicos, familiares e sociais sofridos por pessoas de idade avançada, já no Outono da vida.

            29. O montante indemnizatório peticionado pelos recorrentes corresponde ao que entenderam como correcto e ajustado à medida dos danos, sendo certo, contudo, ao seu acolhimento aos critérios plasmados no citado artigo 496° do Código Civil.

            30. Quanto aos danos patrimoniais, entendem os ora recorrentes, após o aditamento da matéria de facto, deverá ser arbitrada a favor dos mesmos uma indemnização nos seguintes termos: (i) A favor do Autor CC no montante de 12.500,00 €; (ii) A favor da Autor AA uma indemnização estipulada ao abrigo do artigo 566°/3 do Código Civil.

            31 Sempre se dirá que, caso V.Exªs, Senhores Juízes Conselheiros, venham, igualmente, a entender que os danos patrimoniais sofridos pelo Autor CC não se apuraram, a indemnização que a este assiste deverá ser fixada, também, nos termos do atrás referido preceito.

            32. Salvo o devido respeito no Acórdão objecto do presente Recurso de Revista foram violadas as disposições contidas nos artigos 496°, 566°/3 e 798°do Código Civil.

            Nestes termos e nos mais de direito, admitido por tempestivo e justificado o presente Recurso de Revista, deverá o mesmo merecer total provimento e procedência e, consequentemente, revogar-se o Acórdão recorrido e lavrar-se Acórdão que julgue a presente acção provada e procedente e condene os recorridos no pedido.

            Não houve contra-alegações.

***

            Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguinte factos[2]:

  1) Os réus têm registada em comum a propriedade do prédio urbano sito na Rua …, nº …, na freguesia de …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº …, da referida freguesia e inscrito na matriz sob o art. … da freguesia de ... – (A).

  2) Por escrito datado de 17 de Outubro de 1936, junto sob a forma de cópia a fls. 12 verso e 13 e que aqui se dá por reproduzido, o anterior proprietário desse prédio deu de arrendamento a KK, o rés-do-chão direito do mesmo prédio, pela renda de Esc. 370$00, que ultimamente tinha o valor de Euros 30,00 (trinta euros) – (B).

3) O autor CC é filho de KK e em 14 de Setembro de 2000 dirigiu aos autores, que receberam, a carta junta sob a forma de cópia a fls. 13 verso e 14, que aqui se dá por reproduzida, na qual, além do mais, afirmou: “ (…) Venho pela presente informá-lo que a minha mãe KK (…) faleceu no passado dia 4 de Julho do corrente ano. Por essa razão e por eu querer continuar a usufruir do respectivo andar, pois já lá habito desde a data do arrendamento. (…) solicito que no próximo mês de pagamento Outubro e referente a Novembro de 2000, os recibos da renda da casa sejam passados em meu nome. (…)”. - (C)

4) Na sequência de carta que recebeu a solicitar-lhe esse documento, o mesmo autor, por carta 5 de Outubro de 2000, remeteu à então advogada dos autores, que recebeu, certidão do seu assento de nascimento. - (D)

5) Por escrito datado de 12 de Março de 1989 o anterior proprietário do mesmo prédio deu de arrendamento a LLe ao autor BB, o 1º andar esquerdo do mesmo prédio. - (E).

6) A renda devida era ultimamente de Euros 97,00 (noventa e sete euros). - (F)

7) LLcasou com a autora AA no dia 29 de Abril de 1956 e faleceu, no estado de casado com a mesma, em 7 de Julho de 2002. - (G)

8) No dia 25 de Outubro de 2010, por determinação da Câmara Municipal de Lisboa e em razão de uma vistoria efectuada ao prédio referido em A no dia 11 de Outubro de 2010, foi decidido demolir esse edifício. - (H)

9) Os autores foram notificados dessa decisão pela Câmara Municipal de Lisboa no dia 4 de Novembro de 2010. - (I).

10) Os réus não tinham seguro para o imóvel descrito em 1. - (J)

11) O autor CC nasceu no dia 4 de Março de 1935. - (K).

12) As fachadas do prédio descrito em A eram constituídas por alvenaria de pedra com ligantes à base de argamassa de cal hidráulica e areia. - (Quesito 7º).

13) O ligante apresentava uma significativa redução das suas características mecânicas. - (Quesito 8º).

14) O que originou que o edifício apresentasse uma perda significativa da capacidade resistente das alvenarias. - (Quesito 9º)

15) Essa perda de capacidade de resistência provocou o colapso da fachada tardoz do prédio. - (Quesito 10º).

16) No dia 9 de Outubro de 2010 ocorreu o colapso da fachada a tardoz do prédio referido em A – (Quesito 13º/ 47º da contestação).

17) O prédio havia sido escorado pela Câmara Municipal de Lisboa em 1992 – (Quesito 15º).

18) Por causa do colapso da fachada a tardoz do prédio dos autos os autores ficaram sem a habitação arrendada – (Quesito 34º);

19) O autor BB residia, à data do evento dos autos, e desde que se reformara, em .... - (Quesito 37º).

20) Os réus receberam dos autores as rendas vencidas desde os óbitos de KK e LL– (Quesito 38º).

21) Em consequência do evento referido em 16), o autor CC perdeu os seguintes bens que se encontravam na cozinha do rés-do-chão direito: fogão; esquentador; forno micro-ondas; máquina de lavar roupa. - (resposta restritiva ao Quesito 18º);

22) Em consequência do evento referido em 16), a autora AA perdeu os seguintes bens que se encontravam na cozinha do 1º andar esquerdo: Frigorífico; Fogão; Forno Micro-ondas; Serviços de Loiça; Utensílios de Cozinha; Máquina de lavar Roupa. - (resposta restritiva ao Quesito 22º);

23) O autor CC pagou a uma empresa de mudanças o valor de €484,61, para o transporte dos bens que se salvaram da derrocada do prédio dos autos – (Quesito 26º).

24) No momento desse evento, pelo menos a autora AA encontrava-se no 1º andar esquerdo do prédio referido em 1). - (resposta restritiva ao Quesito 27º).

25) Ao aperceber-se da derrocada, a autora AA abandonou rapidamente esse andar – (resposta restritiva ao Quesito 28º).

26) A autora AA sentiu que a sua vida corria perigo – (Quesito 30º).

27) A derrocada da fachada a tardoz do prédio dos autos provocou à Autora AA um sentimento de medo e insegurança, que foi agravado pela sua idade – (resposta restritiva ao Quesito 31º).

28) A autora AA ainda hoje se recorda desse evento. - (resposta ao Quesito 33º).

29) Por causa do colapso da fachada a tardoz do prédio dos autos, os AA. tiveram que se mudar para locais sitos na província e distantes da Av. …, em Lisboa. - (resposta restritiva ao Quesito 35º).

30) Ficando a Autora AA afastada dos seus familiares mais próximos e o Autor CC afastado de todos os seus amigos e dos vizinhos com quem se relacionava diariamente. - (resposta com esclarecimentos ao Quesito 36º).

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se os RR., na qualidade de senhorios, estão constituídos na obrigação de indemnizar os AA. arrendatários pela derrocada do prédio locado.

Antes porém, e porque a decisão da Relação confirmou, sem voto de vencido, a decisão da 1ª instância, importa afirmar que, como decorre expressamente do Acórdão recorrido, proposição com que se concorda, ocorre excepção à regra da dupla conforme restritiva do recurso de revista: com efeito, o Acórdão, tendo alterado a matéria de facto, aditando-a, proferiu decisão confirmatória da sentença apelada, mas com recurso a fundamentação essencialmente diferente – nº3 do art. 671º do Código de Processo Civil – do ponto em que a sentença considerou existir presunção de culpa dos RR. e o Acórdão considerou que, tendo ocorrido caducidade do locado, por facto não imputável aos RR. locadores, a indemnização, que coubesse aos locatários, não assentava na responsabilidade civil contratual.

Como se refere no sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20.11.2014 – Proc. 3479/10.9TBGDM-B.P1.S1 – in www.dgsis.pt – Relator Abrantes Geraldes: “Para efeitos de aplicação do art. 671º, nº 3, do NCPC, que restringiu o conceito de dupla conforme, apenas relevam as divergências das instâncias relativamente a questões essenciais, sendo insuficientes as que se apresentem com natureza meramente complementar ou secundária, sem carácter decisivo para o julgamento do caso”.  

A existência do requisito fundamentação essencialmente diferente, como obstativa da dupla conforme – art. 671º, nº3, do Código de Processo Civil – viabiliza o recurso, competindo ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar, em função da diferente fundamentação adoptada pelo Tribunal da Relação, a pretensão que os recorrentes trazem com fundamentação ex novo, para apreciação em sede de recuso de revista.

Porque, in casu, assim ocorre, haverá que apreciar o mérito do recurso.

É inquestionável que entre os Recorrentes e a recorrida foram celebrados contratos de arrendamento para habitação – art. 1022º do Código Civil. O contrato de arrendamento é oneroso, bilateral e sinalagmático, impondo reciprocamente direitos e deveres. Ao locador incumbe assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para o fim contratual a que se destina – art. 1031º do Código Civil.

  Ao arrendatário incumbe o dever de pagamento pontual da renda e, além de outros, o da restituição da coisa, findo o contrato, no estado de conservação em que se encontrava no momento da entrega – arts. 1038º als. a) e f) 1039º e segs. e 1043º do Código Civil.

Como antes enunciámos, os AA. consideram existir responsabilidade civil do senhorio por danos patrimoniais e não patrimoniais, pelo facto do locado ter ruído em termos tais que perderam a sua qualidade de arrendatários, por impossibilidade de fruição do prédio cuja demolição foi administrativamente ordenada pela edilidade lisboeta.

Não se questiona que, desde 1936, o prédio foi dado de arrendamento habitacional ao mais antigo dos arrendatários, tendo havido várias transmissões que para o caso não relevam, uma vez que os AA. eram os titulares dos arrendamentos ao tempo do colapso do edifício.

 No dia 9 de Outubro de 2010 ocorreu a queda da fachada a tardoz do prédio.

 O prédio havia sido escorado pela Câmara Municipal de Lisboa em 1992.

 No dia 25 de Outubro de 2010, por determinação da Câmara Municipal de Lisboa, em razão de uma vistoria efectuada ao prédio no dia 11 de Outubro de 2010, foi decidido demolir esse edifício.

 Os autores foram notificados dessa decisão pela Câmara Municipal de Lisboa no dia 4 de Novembro de 2010.

Por causa do colapso da fachada a tardoz do prédio, os demandantes ficaram sem as habitações arrendadas.

Impendendo sobre o locador o dever de assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que destina – art. 1031º b) do Código Civil – desde logo, importará saber se houve omissão da realização de obras, obrigação que se inscreve no âmbito desse dever e se foi essa a causa da derrocada do prédio. Se o colapso do edifício é de imputar, culposamente, ao locador, está ele constituído na obrigação de indemnizar.

Não consta da matéria de facto que os arrendatários tivessem exigido a realização de obras, assim como não consta que o locador as tivesse realizado, sendo que, atenta a data do primeiro arrendamento, o edifício tinha largas dezenas de anos.

A omissão da realização de obras, se causalmente ligada à derrocada do prédio arrendado, implica responsabilidade civil do locador – art. 483º, nº1, do Código Civil, sendo que se presume a sua culpa – art. 799º, nº1, do Código Civil – que radicaria na omissão se houvesse obrigação de agir – art. 486º do Código Civil.

A prestação de execução de obras decorre do artigo 1074º, nº1, do Código Civil que impõe ao senhorio a obrigação de executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias requeridas pelas leis vigentes, ou pelo fim do contrato, salvo disposição em contrário, obrigação que se mantém no Novo Regime do Arrendamento Urbano, introduzido pela Lei nº6/2006 de 27.2, e decorre do artigo 1031º b) do Código Civil e do artigo 11º do DL. 321-B/90 de 15.10 – RAU.

O arrendamento caduca com a perda da coisa locada, nos termos do art. 1051º, alínea e), do Código Civil (na redacção emergente da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro), desde que essa perda seja completa e irreversível e impossibilite, por razões de segurança de pessoas e bens, que os locatários continuem a habitar o imóvel sobre que incidia o contrato de arrendamento.

O Professor Menezes Cordeiro, in “Leis do Arrendamento Urbano Anotadas” – Junho 2014 – em comentário ao art. 1051º do Código Civil, pág. 107, sobre a causa de extinção do arrendamento perda da coisa locada, ensina[3]:

“A caducidade é inevitável: uma vez que sobrevém a impossibilidade de prosseguir a execução do contrato. Releva a perda total, assim se considerando aquela que torne impossível o gozo da coisa, de acordo com o fim estipulado ou a natureza do arrendamento.

A caducidade por demolição do prédio ou determinação camarária nesse sentido remonta ao momento em que o município declare a sua irrecuperabilidade: a partir daí, o gozo é impossível, sendo mesmo proibido, pelo perigo que envolve.

Já se entendeu que a perda não podia, para provocar a caducidade, ser imputável ao senhorio; todavia, torna-se ilógico admitir uma locação sem coisa ou sem coisa idónea: há caducidade, mas o locador que provoque a destruição da coisa constitui-se, nos termos gerais, no dever de indemnizar”.

Pedro Romano Martinez in “Direito das Obrigações. Parte Especial”. Contratos. Compra e Venda. Locação. Empreitada”, págs. 209/210:

 “Sempre que o contrato de locação caducar por impossibilidade superveniente importa averiguar se há ou não culpa do locador…Havendo culpa do locador, cuja actuação, por exemplo, levou à perda da coisa locada – hipótese de caducidade prevista no art. 1051º, alínea e) Código Civil –, ele será responsável, tendo de indemnizar o locatário por essa situação”

[…] “O contrato, na realidade, caduca, mas sobre o locador impenderá uma obrigação de indemnizar a contraparte se tiver havido culpa da sua parte no que respeita à produção do facto que desencadeou a caducidade”…“não havendo culpa do locador não existirá a obrigação de indemnizar.

“Assim, [por exemplo], se a casa arrendada ruiu porque o locador não fez as obras necessárias de reparação, o contrato caduca e haverá que indemnizar o locatário, mas se a casa caiu em razão de um tremor de terra ou por força de um incêndio fortuito, não há qualquer obrigação de indemnizar”.

Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. II, 4ª edição, pág. 391, em comentário ao art. 1051º, sustentam – “A perda da coisa locada impõe necessariamente a caducidade do contrato, nos termos gerais do artigo 790.º, nº1.

Se a perda é total, a obrigação do locador extingue-se desde logo; sendo parcial e devida a causa que lhe não seja imputável, rege o art.793º”.

A perda determinante da caducidade da relação locatícia é a perda total, se a perda for parcial, em princípio a vinculação subsiste, podendo haver redução da renda, conforme as hipóteses prevenidas no art. 1040º do Código Civil.

Januário Gomes, in “Arrendamentos para Habitação”, pág. 250:

 “Outro caso de caducidade da locação previsto no art. 1051º, al. e) é o da “perda da coisa locada”. A perda determinante da caducidade é a perda total resultante por ex. de incêndio, terramoto, desabamento, de acção do homem, etc. Se a perda foi simplesmente parcial, pode haver lugar a uma redução de renda, nos termos do art. 1040º d) do Código Civil, sem prejuízo de o arrendatário poder resolver o contrato nos termos do art. 1050º.

Em concreto, pode ser discutível o carácter total ou parcial da perda. A apreciação deve primar pela razoabilidade: haverá perda total quando, objectivamente, o local tenha perdido as aptidões mínimas necessárias para ser usado. À luz desta concepção funcional, poderá não ser necessário aguardar que um prédio caia como baralho de cartas para se concluir pela perda do mesmo”.

O Conselheiro Aragão Seia, in “Arrendamento Urbano”, 5ª edição, sustenta que a caducidade prevista no art. 1051º, e) do Código Civil opera “ope legis”. Sobre o critério que deve ser convocado para qualificar a perda de total ou parcial, na pág. 481, afirma:

 “O critério a usar para a qualificação da perda como total ou parcial tem de atender à natureza do contrato de arrendamento urbano — art. 1.° — e ao fim a que se destina — art. 3.°.

Estando o locador obrigado pelo contrato a proporcionar ao locatário o gozo da coisa locada para um certo fim, pode afirmar-se que há perda total do imóvel arrendado quando o estado em que este ficou, como consequência de uma causa não imputável ao locador, por exemplo um incêndio, toma impossível o uso do mesmo pelo locatário para o fim convencionado. Haverá perda parcial quando o locatário pode ainda gozar, no todo ou em parte, a coisa arrendada para o fim a que a mesma foi contratualmente destinada”.

Pinto Furtado, in “Manual do Arrendamento Urbano”, Vol. II, 4ª edição actualizada, pág. 875, afirma que a caducidade do contrato por efeito da perda da coisa locada corresponde a uma simples aplicação do regime legal que, em termos gerais – art. 790º do Código Civil – determina a extinção da obrigação quando ocorre a impossibilidade objectiva da prestação.

No Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9.3.2010 – Proc. 440/07.4TVPRT.S1 – Relator Salazar Casanova, acessível em www.dgsi.pt, decidiu-se:

“I – A demolição de imóvel arrendado, ainda que por causa imputável ao proprietário/locador, não deixa de implicar a extinção do arrendamento por perda total da coisa locada, dada a impossibilidade de prestação de gozo da coisa (arts. 790.º, n.º1,1031º, l a l. b) e 1051º, al. e) do Código Civil).

II – No entanto, porque o vínculo obrigacional se mantém, face à impossibilidade de prestação que se traduz na obrigação de o locador proporcionar o gozo da coisa para os fins a que se destina (art. 1031º, al. b), do Código Civil), o direito e o dever de prestar são substituídos pelo dever de indemnizar”.

Concordantemente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.07.2010 – Proc.5 n.º 60/10.6YFLSB – in www.dgsi.pt, Relatora Maria dos Prazeres Beleza:

 

“1. Cessando o contrato de arrendamento por perda do bem arrendado, por sua culpa, o senhorio está obrigado a indemnizar o arrendatário pelos prejuízos decorrentes do incumprimento da obrigação contratual de assegurar o gozo correspondente.

2. No âmbito da responsabilidade contratual, pode haver lugar a indemnização por danos não patrimoniais”.

Ambos os arestos versam decisões em que estava em causa a culpa do locador.

O desaparecimento físico do imóvel locado, por motivo de força maior ou por causa não imputável ao locador, implica extinção por caducidade do contrato de arrendamento; todavia, se a ruína se deveu a omissão dos deveres do senhorio, no que respeita à conservação do imóvel, a caducidade, implicando a extinção do contrato de arrendamento, não exclui o dever a cargo do locador de indemnizar os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, verificados que estejam os requisitos da responsabilidade civil contratual: facto voluntário, cometido por acção ou omissão, culpa (dolo ou negligência), dano e nexo de causalidade entre os factos e o dano, nos termos do art. 483º, nº1, do Código Civil.

Aos lesados incumbe prova da existência de danos de índole patrimonial ou não patrimonial – art. 342º, nº1, do Código Civil.

Vejamos se dos factos provados resulta que o imóvel derrocou por causa imputável ao locador, por omissão da realização de obras que causalmente tivesse sido determinante da ruína, ou se a derrocada ocorreu por causa não imputável aos Réus.

Não tendo os AA. realizado quaisquer obras no vetusto imóvel, também não se provou que os RR.  as tivessem feito, o que não deixa de surpreender dada a antiguidade do imóvel.

Dos factos provados, evidencia-se que, já em 1992, o prédio havia sido escorado pela Câmara Municipal de Lisboa – ponto 16) da matéria de facto.

 Como decorre do documento de fls. 300, emitido em 14.12.1995, não impugnado, nem arguido de falsidade, a Câmara Municipal de Lisboa comunicou aos inquilinos do prédio que “O escoramento que está a ser efectuado coercivamente tem a função de minimizar os riscos de pessoas e bens no caso de ruína de parte do edifício e tem um carácter provisório.

 Não é possível definir uma zona localizada de assentamento do terreno de fundação, mas sim uma zona alargada que ultrapassa a implantação deste prédio, verificando-se fenómenos idênticos no prédio adjacente. Isto é, no nº 55.

 Assim, as fundações existentes e as novas fundações a executar para construção do escoramento, poderão ficar sujeitas a este fenómeno.

 Finalmente é de referir que o escoramento em execução melhora as condições de segurança às acções verticais das paredes cm rotura, mas não é garantia de verificação de condições de segurança do conjunto do edifício, isto é, sua estrutura e fundações.”

De acordo com o documento de fls. 303, da Câmara Municipal de Lisboa, já em Março de 1994 se aludia ao auto de vistoria de 17.12.1991.

Com o muito respeito que é devido os lesados, poder-se-ia dizer que, já em 1995, cerca de 15 anos antes do evento de que trata o processo, se estava perante uma derrocada anunciada, sem que, aparentemente, a edilidade que realizou as vistorias e as obras provisórias nas fundações para escoramento, (sinal de que havia alguma coisa de estruturalmente errado na construção), tivesse imposto a saída, quiçá temporária dos arrendatários, ou imposto a realização de obras ao proprietário.

A ruína do prédio foi provocada pelo colapso da fachada de tardoz do prédio ocorrida em 9 de Outubro de 2010.

Como se provou:

 As fachadas do prédio eram constituídas por alvenaria de pedra com ligantes à base de argamassa de cal hidráulica e areia. O ligante apresentava uma significativa redução das suas características mecânicas, o que originou que o edifício apresentasse uma perda significativa da capacidade resistente das alvenarias.

 Essa perda de capacidade de resistência provocou o colapso da fachada tardoz do prédio.

 No dia 25 de Outubro de 2010, por determinação da Câmara Municipal de Lisboa e em razão de uma vistoria efectuada ao prédio, no dia 11 de Outubro de 2010, foi decidido demolir esse edifício.

 Os autores foram notificados dessa decisão pela Câmara Municipal de Lisboa no dia 4 de Novembro de 2010.

Tendo os serviços camarários ordenado ao senhorio a demolição do prédio locado, dado ter ocorrido derrocada do edifício por causas estruturais que o tornaram inabitável, não se pode imputar ao locador a impossibilidade de continuar a assegurar ao arrendatário o gozo do imóvel. O disposto no artigo 1051º, nº1, alínea e) do Código Civil é emanação do artigo 790º, nº1, que determina que a obrigação se extingue quando a prestação se torna imputável por causa não imputável ao devedor.

Concorda-se com o Acórdão recorrido, quando, à luz dos factos provados, que estiveram na causa da derrocada afirma:

 “Ora o caso dos autos configura justamente uma dessas hipóteses em que a perda do imóvel arrendado não ocorre devido à omissão, por parte do senhorio, da realização das obras de conservação ordinária destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração, obras estas postas por lei a seu cargo (nos termos do art. 16º da Lei nº 46/85, de 20 de Setembro, dos arts. 11º e 12º do RAU [Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro], do art. 1074º, nº 1, do Código Civil [na redacção introduzida pela Lei nº6/2006, de 27 de Fevereiro]), mas devido a causas estruturais inerentes ao próprio edifício”.

Aqui chegados, mau grado ter-se provado que os Recorrentes sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais – ut. pontos 22) a 30) acrescentado no Acórdão recorrido –, não sendo de imputar a derrocada aos RR. senhorios, não podem estes ser responsabilizados pelas peticionadas indemnizações e compensações.

O dever de indemnizar pelos prejuízos causados por acto ilícito assenta na culpa e só excepcionalmente na responsabilidade objectiva quando prevista – art. 483º, nº2, do Código Civil – pelo que, por falta do requisito culpa, não impende sobre os Réus o dever de indemnizar, por se ter provado que a derrocada do edifício, que foi causa da caducidade dos contratos de arrendamento, não emergiu de acção culposa dos RR. tanto quanto as provas recolhidas no processo evidenciam, mas por causa estruturais da construção.

Destarte o recurso soçobra.

Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil  

Decisão.

Nega-se a revista.

Custas pelos recorrentes.

Supremo Tribunal de Justiça, 2 de Julho 2015

Fonseca Ramos (Relator)

Fernandes do Vale

Ana Paula Boularot

____________
[1] Relator – Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheiro Fernandes do Vale.
Conselheira Ana Paula Boularot.
[2] Foi parcialmente alterada pela Relação a decisão sobre matéria de facto proferida em 1ª instância, no que tange aos factos incluídos nos Quesitos 22º (salvo quanto à máquina de lavar louça), 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º e 33º da Base Instrutória, como se lê no aresto recorrido.
[3] No excerto citado suprimimos as notas de rodapé, todas aludem a decisões jurisprudenciais.