Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3759/15.7T8LRA.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
FACTOS CONCRETIZADORES
TEMAS DA PROVA
AMBIGUIDADE
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 12/06/2018
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: BAIXA DOS AUTOS À RELAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSO / JULGAMENTO DO RECURSO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.ºS 3, 4 E 5 E 682.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 21-10-1993, IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84;
- DE 12-01-1995, IN CJ. STJ, ANO III, TOMO I, P. 19;
- DE 08-11-2018, PROCESSO N.º 2147/16.2T(LRA.C1.S1.
Sumário :
I. A decisão da matéria de facto deve traduzir, de forma inequívoca, a realidade que se considera provada, impendendo sobre as instâncias, face ao disposto no art. 607º, nºs 3 a 5 do Código de Processo Civil, o dever de discriminar e, se necessário, de concretizar os factos que, dentro dos “temas de prova”, retratem essa realidade.

II. O uso de expressões polissémicas na decisão sobre a matéria de facto, geradoras de ambiguidade, justificam, face ao disposto no artigo 682º, nº 3 do Código de Processo Civil, a ampliação e/ou a clarificação da decisão de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


I. Relatório

    

1. AA intentou ação declarativa de condenação contra Banco BB, S.A., pedindo que o R. seja condenado a restituir-lhe a quantia de €504.249,32, acrescida de juros vincendos, à taxa supletiva legal para as operações comerciais, até integral e efetivo pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, que o A., reformado de condição social humilde e com pouca instrução escolar, cliente do R. há mais de 12 anos, investidor não qualificado, tinha no banco R., que antes girava sob a denominação Banco CC, S.A., um depósito a prazo.

No início de 2004 e na sequência de mais uma auditoria às contas do R. e que o Banco de Portugal ordenou que este reforçasse os seus capitais próprios, através de um aumento de capital subscrito pelo respetivo acionista que era, nessa altura, a DD, S.A. e que tinha por presidente do Conselho de Administração EE, também presidente do Banco CC, pela cúpula dirigente deste banco  foi engendrado um plano,  com vista ao apossamento pelo mesmo de grande parte das quantias que os seus clientes ainda ali tinham depositadas.

O plano assentava em três pilares fundamentais: a) captação pela DD de 50 milhões de euros através de um empréstimo obrigacionista denominado FF, por emissão de 1000 obrigações subordinadas, sob a forma escritural e ao portador, com o valor nominal de €50.000,00 cada; b) emissão de obrigações a 10 anos, a amortizar, ao par, de uma só vez, em 25.10.2014; c) instruções rigorosas a todos os funcionários do banco, nomeadamente gerentes e gestores de conta, para seduzirem os depositantes para o novo produto, que devia ser vendido como um sucedâneo de um mero depósito a prazo, podendo ser movimentado sempre que o respetivo titular o desejasse, e para não mostrarem nem entregarem aos clientes subscritores das obrigações a nota informativa.

Os dinheiros assim captados foram na íntegra utilizados para reforçar os capitais próprios do banco.

O A., não obstante ter sido aliciado por parte dos funcionários do Banco, que estavam de boa fé, para o produto em questão, foi sempre resistindo, mas, em 11.10.2004, um funcionário do banco informou-o de que “tomara a liberdade” de, em nome dele, subscrever 10 obrigações FF, apropriando-se, para o efeito, de €500.000,00 de um depósito a prazo que, à data, o A. tinha no referido banco.

O A. nunca se conformou com esta operação, feita sem a sua autorização e sem dela ter sido previamente informado, nem nunca a teria aceitado se lhe tivessem explicado as características do produto, pois os funcionários do banco sabiam que o A. recusava subscrever aplicações que comportassem qualquer risco e que não pudessem ser resgatadas a qualquer momento.

Foi-lhe, contudo, garantido que se tratava de um produto sem qualquer risco e que podia resgatar em qualquer altura, com o retorno garantido pelo banco das quantias subscritas, mais bem remunerado.

Em Novembro de 2008, rebentou o escândalo CC, que culminou com a corrida aos depósitos e sua posterior nacionalização, em 2011.

Em 24.10.2014, a SLN não pagou as obrigações na data do seu vencimento, tendo, contudo, pago os juros devidos até Setembro de 2015.

A DD, hoje GG, SGPS, SA, apresentou um PER no tribunal de comércio de …, e o A. interpelou o R. para lhe restituir as quantias que lhe foram confiadas, o que este recusa, remetendo para a DD.

Atuando como intermediário, o R. violou elementares deveres de zelo e de informação, constituindo-se, por isso, na obrigação de indemnizar o Autor.


2. Citado, o R. contestou, excecionando a incompetência territorial do tribunal para conhecer da ação e impugnando os factos alegados pelo autor.

Concluiu pela remessa do processo à Comarca de … e pela improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.


3. O A. respondeu, pugnando pela sua procedência e remessa dos autos ao tribunal competente.


4. Foi proferido despacho que, julgando procedente a invocada exceção, ordenou a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca de ….


5. Realizada audiência prévia, nela foi proferido despacho saneador, foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.


6. Procedeu-se a audiência de julgamento e, em 24.03.2017, foi proferida sentença que julgou improcedente a ação e absolveu o R. do pedido.


7. Inconformado com a decisão, dela recorreu o autor para o Tribunal da Relação de … que, por acórdão proferido em 15.05.2018, julgou parcialmente procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, julgou parcialmente procedente a ação, condenando o R. a restituir ao A. a quantia de € 500.000,00, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação, à taxa legal, até integral e efetivo pagamento.

                                        

8. Inconformado, veio o réu interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«1) A douta decisão recorrida veio a, principalmente por via do aditamento de factos pontuais mas essenciais, condenar o Réu por responsabilidade civil do intermediário financeiro;

2) Para tal conclusão, todavia, o Tribunal a quo incorreu em vício que cremos ser inultrapassável.

De facto,

3) Depois de determinar a ilicitude da conduta do R. na apresentação das Obrigações DD ao A., vem o Tribunal a determinar a verificação da causalidade invocando simplesmente que: "Conforme resulta da factualidade provada, foi com base na confiança que depositava nos funcionários do R, e nas informações que lhe foram dadas, que o A. aceitou subscrever as obrigações em causa, ou dito de outra maneira, não fora a forma "deturpada" como o produto lhe foi apresentado, e ele não teria subscrito as referidas obrigações".

4) Ora, uma tal formulação de causalidade acaba por implicar um salto lógico entre um enquadramento geral de confiança e um dano, como que saltando um elo da ilicitude.

5) Mas mesmo entendendo que ali se vê como premissa a ilicitude da conduta do R., sempre a afirmação de que o A. apenas subscreveu os produtos por causa da "forma deturpada" como o produto lhe terá sido apresentado carece de fundamento de facto.

6) Uma tal afirmação não é um juízo estritamente jurídico, mas assenta essencialmente em factos que carecem de prova, nomeadamente quanto à probabilidade, e respectivo grau, de o A. subscrever ou não o produto por causa de qualquer deturpação de informação.

7) Como carecem de prova quanto ao facto de saber se o A. subscreveria ou não o produto no caso de ter tido acesso à informação na sua íntegra

8) De facto, além do mais, também não resultou provado qualquer facto, e porque de facto se trata, que revele que o A. não teria subscrito Obrigações DD acaso lhe tivessem sido dadas informações mais exaustivas e/ou correctas - restou absolutamente por demonstrar.

9) E esta última circunstância principalmente tendo em atenção a óbvia e notória segurança que o produto apresentava por ser emitido pela sociedade-mãe do Banco-Réu.

10) Factos esses que, de facto, não constam do elenco de factos provados nestes autos.

11) Estabelece o artº 563º do Código Civil que "a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão - Ou seja, a relação de causalidade que deve ser estabelecida é entre o facto ilícito (a "lesão") e o dano!

12) Sucedeu apenas que o Tribunal recorrido veio, por mero meio de formulação abstracta determinar uma causalidade concreta, como que dispensando a prova, e os factos que se lhe seguem!

13) Usou o Tribunal de formulações de direito para afirmar uma formulação de facto, Por outro lado,

14) A prestação de informação falsa (ou a falta de prestação de informação) está umbilicalmente ligada ao regime do erro, no que diz respeito ao nexo de causalidade.

15) Ou seja,

a.  num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou;

b. num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano;

c. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

16) Assim, ou o Autor alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teria realizado o investimento, ou então, tem que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade — the risk lies where it falis!

17) Recorde-se, a este propósito o feliz excerto do Conselheiro Abrantes Geraldes, retirado do Acórdão de 06/06/2013 por si relatado, no Proc. nº 364/11.0TVLSB.L1.S1 (in www.dgsi.pt), quando sobre o nexo causal, em situação idêntica, disse que: "Seja como for, não é correcto eleger como factor decisivo a ocorrência do sinistro e dos prejuízos inerentes, para depois, numa inversão do percurso metodológico, encontrar os responsáveis relativamente aos quais possam ser reclamadas as compensações, antes deve caminhar-se no sentido natural que passa pela apreciação dos factos que, no circunstancialismo atendível, isto é, na ocasião em que é realizado o investimento, importem para terceiros a responsabilidade pelos prejuízos. Se tal não for encontrado, resta concluir que os prejuízos acabarão por ser absorvidos unicamente peio investidor, como fruto de uma actuação que visando a extracção de proveitos... pode também acarretar prejuízos que potencialmente nela se contém."

18) A prova da causalidade deveria implicar que não houvesse aquela conduta ilícita e o A. nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude, o que faltou provar!

19) O Tribunal a quo violou, portanto, por errónea interpretação e aplicação, o disposto nos art9s 344º, 563º e 799º, todos do Código Civil».


Termos em que requer a revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido.


9. O autor respondeu, terminando as suas contra alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«A. Deverá ser mantido na íntegra o douto acórdão recorrido, por se tratar de um brilhante aresto, bem elaborado e melhor fundamentado.

B. Ao contrário do que propugna o recorrente, não é aceitável e nem sequer é defensável que se considere que um Banco presta informação verdadeira, atual, clara e objetiva quando vende a investidores não qualificados, simples aforradores, obrigações subordinadas, dizendo aos clientes que se trata de um produto semelhante a um depósito a prazo.

C. Foi enganosa a informação prestada pelo BIC ao recorrido acerca das características do produto financeiro SLN RM 2004.

D. Do mail junto como Doc. 8 da petição inicial, se conclui que os próprios funcionários do Banco recorrente admitem terem sido eles próprios levados a enganar os clientes.

E. O mail junto como Doc. 7 da petição inicial é revelador de um padrão comportamental por parte das chefias do Banco, que consistia em seduzir os clientes com produtos de risco, como se de depósitos a prazo se tratasse e está em sintonia com os depoimentos das testemunhas, traduzindo-se num incentivo aos funcionários para ocultarem aos clientes as verdadeiras características dos produtos comercializados.

F. O facto fundamental e incontornável dos autos é que o produto financeiro aqui em apreço era apresentado aos clientes como se de um depósito a prazo se tratasse, um produto garantido pelo Banco.

G. O legislador no âmbito da responsabilidade do intermediário financeiro pretendeu proteger a formação da vontade do investidor.

H. Os depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, os factos vertidos no ponto 33 aditados aos provados pelo douto acórdão recorrido e o Doc. 8 da p.i. demonstram que foi por via do ardil, da astúcia e do engano que o Banco recorrente, por intermédio dos seus funcionários da agência da Moagem (…), levou o autor a conformar-se com a subscrição abusiva de dez obrigações FF, que hoje não têm qualquer valor transacionável e que nunca foram reembolsadas.

I. O dano do recorrido é evidente e ostensivo.

J. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

K. Presumindo-se a culpa do devedor, este só consegue evitar a obrigação de indemnizar o credor se demonstrar que lhe é censurável o facto de não ter adotado o comportamento devido.

L. O Banco réu não logrou provar que informou o recorrido, nos termos que lhe eram legalmente impostos, acerca das características das Obrigações SLN RM 2004.

M. Da matéria de facto provada extrai-se que o Banco recorrente violou  os deveres de lealdade, diligência, transparência, boa-fé e de informação a que estava adstrito.

N. O devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor.

O. O Banco recorrente atuou de forma ilícita e não ilidiu, antes confirmou, a presunção de culpa que sobre si impedia.

P. O nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e o dano que o autor reclama salta à vista, pois que foi com base na informação de capital garantido e sem risco (um produto semelhante a um depósito a prazo), que o recorrido acabou por adquirir dez obrigações FF.

Q. A quantificação do dano faz-se indagando qual o valor do montante investido e não reembolsado na data do vencimento da aplicação.

R. Ficou demonstrada a existência de um conflito de interesses entre a DD e o Banco réu, uma vez que o CC e a DD tinham por Presidente do Conselho de Administração EE.

S. Os autos são reveladores de intermediação excessiva, pois a atividade demonstrada nos autos não era a da intermediação financeira, o que se prosseguia era a canibalização dos depósitos.

T. A decisão recorrida está em sintonia com o entendimento maioritário e consolidado dos Juízes dos Tribunais da Relação de … e de …, em causas da mesma natureza.

U. O entendimento perfilhado no douto acórdão recorrido foi também perfilhado, entre inúmeros outros, nos acórdãos de 15/09/2015 (Maria Amélia Ribeiro) e de 10/10/2017 de 28/11/2007, no processo n.° 6295/16.0 T8LSB.L1, da 8.a Secção (Ilídio Sacarrão Martins), bem como no acórdão proferido em 7/12/2017, no processo n.° 13.416/16.1T8LSB.L1, também da 8.a Secção (Luís Correia de Mendonça), todos do Tribunal da Relação de Lisboa e ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

V. Também o Tribunal da Relação de …, debruçando-se sobre a comercialização pelo BB das obrigações DD, em dois acórdãos de 12/09/2017, relatados pelos Desembargadores Moreira do Carmo e Luís Cravo, respetivamente, perfilhou o entendimento aqui propugnado.

W. É esse também o entendimento que vem sendo mantido por este Colendo Supremo Tribunal, nomeadamente nos acórdãos de 10/01/2013 (Tavares de Paiva); de 17/03/2016 (Maria Clara Sottomayor) e de 10/04/2018 (Fonseca Ramos), os primeiros dois disponíveis em www.dgsi.pt e o último ainda não publicado.

X. Não foram violados quaisquer preceitos legais.

Y. O D.L. n.° 357-A/2007, de 31 de outubro, é uma lei meramente interpretativa, não inovadora, que se integra na lei interpretada.

Z. Impõe-se a total improcedência do presente recurso e a confirmação do douto acórdão recorrido.

Termos em que pugna pela improcedência do recurso.


10. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



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II. Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, a única questão a decidir consiste em saber se a ré é responsável pelo pagamento ao autor das quantias peticionadas. 



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III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto

3.1.1. Factos que o Tribunal de 1ª Instância considerou provados, com base nos documentos de fls. 17 e sgs, os seguintes factos:

1 - O A. é reformado e vive da reforma e rendimentos proporcionados pela vida de trabalho que teve na área do comércio a retalho de tecidos.

2 - Banco BB, S.A. (aqui ré) é um banco comercial, que girava anteriormente sob a denominação Banco CC, S.A.

3 - Até à nacionalização do Banco CC, S.A. (operada pela Lei n.º 62-A/2008, de 11 de 2011), a totalidade do seu capital social era detida pela sociedade denominada DD, S.A.

4 - DD, S.A. e CC, S.A., à data dos factos relatados neste processo, tinham por Presidente do Conselho de Administração EE.

5 – Banco CC, S.A., até à data da nacionalização do seu capital, era, simultaneamente, uma instituição de crédito e um intermediário financeiro.

6 - O Autor é, há mais de 12 anos, cliente do Banco CC, S.A., através da agência da …, ….

7 - O Autor era titular da conta bancária junto do Banco CC, S.A., com o nº 56…9.

8 - Até Outubro de 2004, o Autor era simples aforrador, que tinha no Banco CC, S.A. um depósito a prazo.

9 - Em Setembro/Outubro de 2004, o Banco CC, S.A. lançou a operação de emissão e subscrição de obrigações subordinadas denominadas «FF».

10 - Em 07 de Outubro de 2004, o Banco CC, S.A. emitiu a «NOTA INTERNA» cuja cópia é fls. 70 v a 72 v. dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:

«(…) INTRODUÇÃO

O Conselho de Administração decidiu lançar uma emissão de obrigações subordinadas a dez anos, denominada “FF”, para consolidação da dívida da DD, S.A.

A total subscrição desta emissão é, assim, de importância estratégica para o Grupo.

(…)

CARACTERÍSTICAS DA EMISSÃO

Designação comercial: FF.

Natureza: Obrigações Subordinadas.

Emitente: DD, SGPS, S.A.

Montante Global: € 50.000.000 (1.000 Obrigações).

(…)

Montante Mínimo de Subscrição: € 50.000 (1 obrigação) e múltiplos de € 50.000.

Período de Subscrição: De 11 a 22 de Outubro de 2004.

Data da Liquidação Financeira: 25 de Outubro de 2004.

Data da Maturidade: 27 de Outubro de 2014.

Prazo: 10 anos.

(…)

Pagamento de Juros: Semestral e postecipadamente.

(…)

Capital Garantido: 100% do capital investido.

(….)(…)»

11 - Em Outubro de 2004, vigorava a Instrução de Serviço (IS) n.º 19/01, de 05 de Fevereiro de 003, cujo tema é «Mercado de Capitais e Papel Comercial» (a qual determinava que a entidade que garantia a solvabilidade do papel comercial emitido era o Banco CC, S.A.).

12 - No dia 11 de Outubro de 2004, o Autor autorizou a subscrição de dez obrigações «FF», no valor global de € 500.000,00, não tendo tal documento sido assinando atenta a confiança existente entre A. e banco.

13 - A liquidação das obrigações «FF», referida no facto anterior foi feita por débito da conta depois de se ter desmobilizado o depósito a prazo que o A. possuía.

14 - As obrigações «FF» (no valor nominal de € 500.000,00), subscritas pelo Autor encontram-se ainda hoje depositados na carteira de títulos do Autor, junto do Réu.

15 - Desde a sua subscrição o A. recebeu semestralmente e até Setembro de 2015 a remuneração dos cupões das obrigações subordinadas «FF» que subscreveu.

16 - DD, SGPS, S.A. pagou, até Setembro de 2015, os juros semestrais devidos por conta das obrigações subordinadas «FF».

17 - A DD, SGPS, S.A. não pagou as obrigações «FF» na data do seu vencimento (em 24 de Outubro de 2014).

18 - A DD, SGPS, S.A. (hoje denominada GG, SGPS, S.A.) apresentou, no Tribunal da Comarca de …, um Processo Especial de Revitalização, o qual corre seus termos pela 1ª Secção de Comércio – J…, com o número 22922/15.4T8LSB, tendo sido já proferido o despacho a que alude o artigo 17.º-C, n.º 3, al. a) do CIRE (conforme «ANÚNCIO» que é fls. 75 v. dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).

19 - O Banco CC, S.A. sempre atraiu os seus depositantes com taxas efectivas para os depósitos a prazo superiores às praticadas pela concorrência.

20 - O Banco CC, S.A. foi conseguindo seduzir os depositantes com taxas de juro passivas superiores às da concorrência.

21 - A operação de emissão das Obrigações FF, foi transmitida aos Directores de Zona que, por sua vez, o transmitiram aos gerentes de cada um dos balcões distribuídos de norte a sul do país.

22 - A operação da emissão consistia em:

a) Captação, pela DD, SGPS, S.A., de cinquenta milhões de euros, através de um empréstimo obrigacionista - denominado «FF» -, por «emissão de 1.000 obrigações subordinadas, sob forma escritural e ao portador, com o valor nominal de €50.000,00 cada»;

b) Emissão de obrigações a dez anos, a amortizar, ao par, de uma só vez, em 25 de Outubro de 2014;

c) Instruções a todos os funcionários do Banco, nomeadamente aos gerentes e aos gestores de conta, para captarem os depositantes do Banco para o novo produto, que devia ser vendido como um sucedâneo de um depósito a prazo e que, podia ser movimentado sempre que o respectivo titular assim o desejasse.

23 - Os clientes deviam ser convidados a aderir ao novo produto como se se tratasse de um produto semelhante a um depósito a prazo. (artigo 61º da petição inicial)

24 - Em Outubro de 2004, o Autor tinha no Banco CC, S.A. um depósito no montante de € 500.000,00.

25 - Os Funcionários do Banco CC, S.A. que lidavam com o Autor sabiam que este nunca tinha investido na Bolsa, nunca tinha adquirido produto diverso de depósitos a prazo, e nunca havia comprado ou vendido obrigações.

26 - Os Funcionários do balcão onde o Autor tinha depositadas as suas quantias acreditavam que os produtos que vendiam eram seguros, e que não ofereciam risco para os subscritores.

27 - O Autor pretendia que o «FF» não comportasse risco, e que a recuperação dos valores fosse segura a 100%, pretendia também que a quantia aplicada pudesse ser resgatada a qualquer altura.

28 - Os factos referidos no artigo anterior eram do conhecimento de alguns dos Funcionários do Banco CC, S.A. que lidavam com o Autor.

29 - Foi dito ao Autor que o produto «FF» apesar de emitido a dez anos, poderia, ser resgatado antes de decorrido esse prazo, mediante transmissão a terceiros.

30 - Era dito aos clientes tratar-se de produto seguro, com boa rentabilidade e risco igual ao do banco, por a DD ser a dona/mãe do banco.

31 - O Autor aceitou subscrever as obrigações subordinadas «FF», convencido da veracidade das informações dadas pelos funcionários do BPN.

32 -Não foi dada ao Autor a «NOTA INFORMATIVA» de fls. 53 verso dos autos.



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3.1.2. Factos que o Tribunal da Relação considerou provados, na sequência da apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto: 

33. Foi assegurado ao A. pelo funcionário do R. que o retorno das quantias subscritas com as obrigações SLN era absolutamente garantido, indistintamente pelo CC e pela DD”.



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3.1.3. Factos que o Tribunal de 1ª Instância considerou Não Provados:

a) O Banco CC, S.A. nunca tivesse tido credibilidade junto a restante banca comercial.

b) Pela sua falta de credibilidade junto da restante banca comercial, o Banco CC, S.A. sempre tivesse tido uma dificuldade acrescida em se refinanciar junto dos outros bancos, nacionais e internacionais.

c) A emissão de obrigações DD tivesse por finalidade o “refinanciamento” do CC.

d) O Banco de Portugal (entidade reguladora e de supervisão) trouxesse, há muito tempo, o Banco CC, S.A. « debaixo de olho» e lhe efetuasse auditorias frequentes, com vista a aquilatar da saúde financeira da instituição, nomeadamente no que toca ao índice de solvabilidade.

e) No início do ano de 2004, na sequência de mais uma auditoria às contas do Banco CC, S.A, o Banco de Portugal lhe tivesse ordenado que reforçasse os seus captais próprios, através de um aumento de capital subscrito pelos respetivos acionistas.

   f) No início do ano de 2004, as Administrações do Banco CC, S.A., e de DD, SGPS, S.A. (sua única acionista), para além de se confundirem, prosseguissem desideratos e objetivos comuns.

g) Em Setembro de 2004, ao nível do Conselho de Administração do Banco CC, S.A., tivesse sido engendrado um plano, com vista ao apossamento, por este, de grande parte das quantias que os seus clientes ainda ali tinham depositadas.

h) Tivesse sido dadas ordens aos operacionais do Banco CC, S.A. para não mostrarem aos clientes a «NOTA INFORMATIVA» de fls. 53 verso e ss.

i) Tivessem sido dadas instruções aos funcionários do Banco CC, S.A. para não entregarem aos clientes –potenciais, ou efetivos subscritores das obrigações – a «NOTA INFORMATIVA», que é  fls. 53 e ss dos autos.

j) Os valores captados pela operação «FF» ( resultantes , na sua quase totalidade, da afetação de anteriores depósitos a prazo), tivessem sido na íntegra utilizados para reforçar os rácios de capitais próprios do Banco CC, S.A. e, destarte, cumprir os índices de solvibilidade exigidos pelo Banco de Portugal.

k) Os funcionários do CC, S.A não tivessem o Autor de que, ao subscrever as obrigações subordinadas « FF», deixavam de ter o mínimo controlo sobre o seu dinheiro e, nomeadamente, perdiam a possibilidade de o movimentar, levantar ou gastar dali para a frente.

l) O autor nunca tivesse aceite comprar as obrigações «FF», se lhe tivesse sido mostrada a «NOTA INFORMATIVA», que é fls. 53 e sss dos autos  

n) Muitos gestores de conta do CC, S.A. tivessem aconselhado os seus clientes a subscrever o novo produto que lhes era oferecido sem terem a exata noção do que se tratava.

o) Tivesse sido afiançado que o Banco Réu garantisse o retorno das quantias subscritas com as obrigações da DD.

  


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3.2. Fundamentação de direito


Conforme já se deixou dito no presente recurso está em causa saber se a ré é responsável pelo pagamento ao autor das quantias peticionadas. 



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3.2.1. Antes, porém, de entrarmos na apreciação desta questão e porque como é consabido e resulta claro do disposto no art. 682º, nº1 do CPC, ao Supremo Tribunal de Justiça cabe fundamentalmente a aplicação do direito aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, importa relançar um olhar sobre os factos dados como provados, por forma a certificarmo-nos de que os mesmos permitem encontrar, com segurança, a solução jurídica a dar à questão supra enunciada.

No caso dos autos, verifica-se que no precedente recurso de apelação o autor impugnou a decisão de facto no sentido de serem dados como provados, para além de outros factos, que «Tivesse sido afiançado que o Banco Réu garantisse o retorno das quantias subscritas com as obrigações da DD», ou seja, os factos descritos na sentença sob a alínea o) e que o Tribunal de 1ª Instância considerou como não provados, «porquanto o que se provou foi que os funcionários do Banco ao venderem este produto diziam que a rentabilidade do esmo era superior à dos depósitos a prazo e que apesar da subscrição ter um prazo de 10 anos, sempre poderiam os clientes transmitir as obrigações a terceiro, por terem muita procura e, por outro lado, que o produto seria seguro porquanto a emitente era a acionista do próprio, sendo que naquela data uma eventual insolvência de bancos era inimaginável».


Relativamente a este segmento da impugnação, o Tribunal da Relação considerou que:

«Salvo o devido respeito por opinião contrária, não fazemos a mesma leitura da prova produzida.

A testemunha HH depôs no sentido de que a percepção que tinham era de que o produto era seguro, equiparado ou similar, em termos de segurança, a um depósito a prazo, e era isso que transmitiam aos clientes, tendo as vendas acontecido na base da confiança (dos clientes nos gestores de conta) e da segurança (afiançada do produto), tendo a DD tudo a ver com o CC.

Declarou, efectivamente esta testemunha que, na altura, era dito aos clientes que a subscrição era por 10 anos, e que “o banco assegurava uma pró-actividade no sentido de revender ou de encontrar um cliente terceiro para ficar com a posição do cliente porque a procura era superior à oferta”.

Esta testemunha não acompanhou directamente o A., como explicou.


Quem o acompanhou directamente, embora não no momento da subscrição, foi a testemunha II, a qual referiu que, conjuntamente com o sobrinho do A., e, depois, individualmente, sempre disse ao A. que o produto era garantido, que era um produto garantido pelo banco, era um produto do banco, da dona do banco e estava garantido pelo próprio Banco CC [2].

Aliás, esta testemunha declarou que isto era o que dizia aos clientes, e não só ao A., que era um produto que tinha garantia 100% do banco, que era da dona do banco e que tinha a garantia do próprio banco, era um produto com risco-banco, confundindo-se a DD e o CC, resultando deste depoimento que a ideia que era transmitida aos clientes era que, na prática, DD ou CC era quase a mesma coisa.

Nesta conformidade, afigura-se-nos que da prova produzida resulta, em parte, provada a factualidade em causa, devendo dar-se como provado que: “Foi assegurado ao A. pelo funcionário do R. que o retorno das quantias subscritas com as obrigações DD era absolutamente garantido, indistintamente pelo CC e pela DD”.».


Daí ter julgado procedente esta pretensão do autor, pelo que  tais factos foram aditados sob o nº 33 aos factos considerados “provados”.


A verdade é que a afirmação de que «o retorno das quantias subscritas com as obrigações DD era absolutamente garantido, indistintamente pelo CC e pela DD», não deixa de nos criar dúvidas sobre o real significado a dar à expressão “absolutamente garantido”, dada a natureza polissémica da palavra “garantia” e que impossibilita, no caso dos autos,  que se determine o seu verdadeiro alcance objetivo, tanto mais  que a alusão a tal garantia surge a par dos factos considerados e supra descritos sob o nº 30º - ou seja, que « Era dito aos clientes tratar-se de produto seguro, com boa rentabilidade e risco igual ao do banco, por a DD ser a dona/mãe do banco » -  e que tornam ainda mais dúbio o sentido a dar àquela afirmação para efeitos de posterior integração jurídica e determinação dos termos da responsabilidade da responsabilidade civil da ré perante o autor.

Daí vermo-nos confrontados com a questão de saber se tal garantia deve ser entendida como uma mera decorrência da situação de integração do CC na DD, sociedade dominante ou se estamos, antes, perante uma atuação do CC traduzida na assunção de uma real garantia do reembolso das quantias subscritas com as obrigações da DD.

Acresce a tudo isto não se vislumbrar que o autor tenha alegado, na sua petição inicial, que « o retorno das quantias subscritas com as obrigações DD era absolutamente garantido, indistintamente pelo CC e pela DD», sendo que, como é consabido, por norma, não cabe nas funções habituais dos intermediários financeiros assumir  o compromisso de reembolsar os clientes pelos investimentos efetuados em produtos emitidos por outras entidades.

Por tudo isto e porque tal como afirma o recente Acórdão deste Supremo Tribunal proferido em 08.11.2018, no processo nº (2147/16.2T(LRA.C1.S1) [3], a decisão da matéria de facto deve retratar, de forma clara, a realidade que se considera provada, impendendo sobre as instâncias, face ao disposto no art. 607º, nºs 3 a 5 do CPC, o dever de  discriminar e, se necessário, de concretizar os factos que, dentro dos “temas de prova” melhor retratem a realidade, não podemos deixar de perfilhar a orientação seguida neste mesmo acórdão e determinar, por isso e  ao abrigo do art. 682º, nº 3 do CPC, a ampliação da decisão de facto « em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito».


Fica, deste modo, prejudicado o conhecimento da questão supra enunciada.



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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em:

a) Mandar baixar os autos ao tribunal recorrido para que, de harmonia com o disposto no art. 682º, nº 3 do CPC, amplie ou clarifique a matéria de facto conexa com a firmação de que «Foi assegurado ao A. pelo funcionário do R. que o retorno das quantias subscritas com as obrigações DD era absolutamente garantido, indistintamente pelo CC e pela DD»

b) Julgar em conformidade.

Custas desta revista pela parte vencida a final.

Notifique


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Supremo Tribunal de Justiça, 6 de dezembro de 2018

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

José Manuel Bernardo Domingos

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] Esta testemunha explicou que quem acompanhou o A. no momento da subscrição foi o sobrinho deste, JJ, que, na altura, era gerente de zona na agência, mas, posteriormente, depois do A. receber o extracto de conta, dirigiu-se à agência e falou com a testemunha, que era o seu gestor de conta, porque não estava a perceber porque tinha desaparecido do extracto o seu depósito a prazo, o que lhe explicou conjuntamente com o JJ. Mais tarde, em 2006, depois da morte do sobrinho, o A. voltou à agência para falar com a testemunha porque queria desmobilizar as obrigações que tinha subscrito, tendo-o esta convencido a não o fazer.
[3] Relatado pelo Conselheiro Abrantes Geraldes, mas ainda não publicado.