Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1724/11.2TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
CRÉDITO À HABITAÇÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CLAUSULA LIMITATIVA DA RESPONSABILIDADE
BOA FÉ
NULIDADE
INVALIDEZ
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
PRÉMIO DE SEGURO
FALTA DE PAGAMENTO
COMUNICAÇÃO
TOMADOR
SEGURADO
Data do Acordão: 12/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - ACTOS BANCÁRIOS EM ESPECIAL ( ATOS BANCÁRIOS EM ESPECIAL ) / CRÉDITO BANCÁRIO / MÚTUO.
DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO - SEGURO DE VIDA.
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 292.º, 342.º, N.º 2.
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 455.º E SS..
D.L. N.º 446/85, DE 25-10 ( LEI DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS): - ARTIGOS 12.º, 15.º, 21.° ALÍNEA A).
D.L. N.º 72/08, DE 16-04 (LCS): - ARTIGOS 55.º, 58.º, 59.º, 60.º, 61.º, 202.º, 204.º.
D.L. Nº 176/95, DE 26-07: - 4.º, N.º1
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 29.04.2010, ACESSÍVEL VIA WWW.DGSI.PT .
-DE 24.02.2015, ACESSÍVEL VIA WWW.DGSI.PT .
-DE 27.09.2016, ACESSÍVEL VIA WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Não poder considerar-se validamente resolvido o contrato de seguro ramo vida celebrado no quadro de um contrato de mútuo para habitação, não obstante se verificar a falta de pagamento de prémio por banda do segurado, se a seguradora não comunicar/ avisar também o tomador do seguro dessa falta de pagamento do prémio, tanto mais que o próprio contrato de seguro previa para essa hipótese a comunicação em simultâneo ao tomador de seguro e, por conseguinte, à data da participação do sinistro ( 9.02.2010)  ter-se-á de considerar como válido e em vigor  o identificado contrato de seguro.

II - Uma cláusula que prevê a exigência concomitante da impossibilidade de realização de qualquer atividade remunerada, aliada ao grau de incapacidade (inferior a 85%), à necessidade de ajuda de terceira pessoa para a realização (cumulativamente) de todos os atos elementares da vida corrente descritos na cláusula, não é justificada, sendo desproporcionada à caracterização do estado de invalidez permanente que o seguro visou prevenir.

III - O segmento duma cláusula que exige, para além do apoio de terceira pessoa, que se encontre incapaz de, cumulativamente, realizar os actos elementares da vida corrente descritos na cláusula 8.2. para efeitos de definição de invalidez absoluta e definitiva, de modo a permitir a cobertura prevista no contrato de seguro, no caso concreto em apreciação, é contrária à boa-fé, por desproporcionalmente violadora dos interesses visados com a celebração de tal contrato, sendo, consequentemente, parcialmente nula (artigo 15.° do Decreto-Lei n.o 446/85, de 25/10 e artigo 292.° do Código Civil).

IV - Impõe-se a exclusão do referido segmento, ou seja, na parte em estabelece, para além da necessidade do segurado carecer da assistência de terceira pessoa, que a mesma se destine assistir o segurado a realizar "cumulativamente os actos elementares da vida corrente: Lavar-se, Alimentar-se, Vestir-se e Deslocar-se no local de residência habitual.

V - Sendo ainda de considerar que o preenchimento de todos os requisitos cumulativos previstos na cláusula 8.2., quando a incapacidade é inferior a 85%, é excessivamente limitativa da obrigação assumida contratualmente pela seguradora, enunciada no artigo 4.° pontos 4.1.,4.3.2. das Condições Particulares e cláusula 8, ponto 8.1. das Condições Especiais, em relação ao risco segurado, que retira praticamente utilidade ao contrato de seguro, razão pela qual, no segmento acima considerado, também a mesma se tem por proibida ao abrigo do artigo 21° alínea a), do regime das CCG e, por conseguinte, nula (artigo 12.° do mesmo diploma legal).

Decisão Texto Integral:
I - Relatório



AA e esposa BB, intentaram acção declarativa com processo comum, sob a forma ordinária contra CC - Vida - Comp. de Seguros, S.A. (anteriormente Companhia de Seguros DD Vida SA) formulando os seguintes pedidos :

1 - Declare-se válido e eficaz o contrato de seguro identificado nos artigos 2º a 10º da petição inicial, assim se condenando a Ré ao respectivo reconhecimento;

2 - Declarar-se que não se verifica desde o mês de Dezembro de 2005, ou pelo menos desde o mês de Setembro de 2007 ou desde o mês de Janeiro de 2008 a situação de invalidez absoluta e definitiva nele prevenida, e que afecta o autor, condenando-se a Ré no respectivo reconhecimento

3 - Condenar-se a ré a se substituir ao autor no pagamento ao CC das prestações do empréstimo bancário identificado no artigo 4º da petição inicial em débito à data da verificação do risco (incapacidade absoluta e definitiva) acrescidas dos juros de mora à taxa legal, quantia global esta a liquidar em execução de sentença

4 - Condenar-se a ré a pagar ao autor as quantias monetárias que este entretanto e posteriormente à verificação do riso, entregou ao identificado banco por conta do empréstimo bancário em referência, a título de prestações nasais e de prémios de seguro, bem como na quantia monetária remanescente até perfazer a totalidade do capital seguro, sempre com juros de mora à taxa de legal, quantias estas a liquidar em execução de sentença; sem prescindir e subsidiariamente

5 - Condenar-se a Ré a pagar as quantias referidas nos números 3) e 4) antecedentes por via do reconhecimento e declaração de nulidade peticionada nos arts. 105º a 132º da petição inicial.

Para fundamentarem a sua pretensão, alegaram, em síntese, que celebraram com a ré contrato de seguro de vida de grupo, temporário e contributivo, o qual se destinou a garantir o pagamento de mútuo bancário hipotecário no valor de €281.820,81, contrato este exigido como condição e garantia do identificado empréstimo para cobertura do risco de vida, risco de invalidez absoluta e definitiva por doença e/ou invalidez, pelo prazo e montante do empréstimo bancário.

A partir de meados de 2005, o autor começou a ser afetado por sintomas, que enunciam, os quais se tornaram evidentes e se agravaram após um acidente que o vitimou em 03/09/2007, tendo deixado de desempenhar a sua atividade profissional habitual e qualquer outra, tendo deixado de com seguir levar a cabo, por si próprio, os atos normais e correntes da sua vida diária, tendo-lhe sido diagnosticado síndrome depressivo bipolar, sendo considerado portador de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global, avaliada em 68%, de acordo com a tabela nacional de incapacidades.

Esta incapacidade foi avaliada pelas autoridades competentes suíças em 100%, definitiva e irreversível para o exercício de toda e qualquer atividade profissional, constatada em 1 de Maio de 2010.

O autor participou o sinistro em 09/02/2010, tendo a ré recusado o pagamento de qualquer quantia por ter sido anulado o contrato de seguro, por falta de pagamento, em 31/03/2008, entendimento que repudiam, porquanto o autor apenas pode participar o sinistro na data referida.

Ademais, alegam que a ré não enviou um pré-aviso desta anulação. O autor procedeu ao pagamento em falta, que a ré recusou receber.

A situação do autor enquadra-se no conceito de invalidez absoluta e definitiva.

De qualquer modo, sempre seria nula/abusiva a cláusula que estatui como requisito para a verificação de tal conceito, a obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa.

Contestou a ré impugnando os factos alegados pelos autores, invocando, ainda e em suma, a resolução do contrato de seguro em 10/03/2008, alegando que os autores agem com abuso de direito.

Foi apresentada réplica.

Após ter sido elaborado despacho saneador, fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória, procedeu-se a julgamento.

Foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a ré do pedido.

Inconformados, apelaram os autores para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo Acórdão de fls.525 a 550, julgou apelação procedente e revogou a sentença recorrida e consequentemente:

a) Declaram que à data da participação do sinistro, em 9.02.2010, o contrato de seguro de grupo ramo vida, titulado pela apólice nº 53/30541/265361, era válido e eficaz, condenando a ré ao respectivo reconhecimento;

b) Declararam a nulidade parcial da cláusula 8.2 das Condições Especiais nos termos acima referidos,

c) Declaram que se verifica, desde janeiro de 2008, a situação de invalidez absoluta e definitiva do autor nos termos previstos na referida cláusula 8.2, na parte não declarada nula, condenando a ré ao respectivo reconhecimento;

d) Condenam a ré a substituir-se ao autor no pagamento ao banco mutuante das prestações do empréstimo bancário referido no ponto 1 dos factos provados, desde Janeiro de 2008, inclusive, acrescidos dos juros de mora à taxa de legal quantia a liquidar em execução de sentença;

e) Condenam a Ré a restituir aos autores as quantias pagas por estes desde janeiro de 2008, inclusive, ao Banco por conta do empréstimo bancário supra referido, com juros de mora à taxa legal, quantias essas a liquidar em execução de sentença.

          Inconformada a Ré EE - Companhia de Seguros de Vida, S.A. interpôs recurso de revista para este Supremo.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

1 - Foi acordado que os prémios de seguro emergentes do contrato de seguro teriam periodicidade mensal.

2 - Os recorridos não pagaram os prémios de seguro seguintes:

-       190,39€, vencido em 01/12/2007;

-       210,76€, vencido em 01/01/2008;

-       210,76€, vencido em 01/02/2008.

3 - A conta bancária indicada pelos recorridos não se encontrava provisionada para o pagamento dos mencionados prémios de seguro.

4 - Por carta datada de 8 de fevereiro de 2008, expedida sob registo e com aviso de receção enviada para o domicílio dos recorridos indicado na proposta relativa ao seguro de vida, a recorrente comunicou aos recorridos que lhes concedia um prazo suplementar de 30 dias para o pagamento dos prémios de seguro, sob pena de resolução do contrato de seguro.

5 - Na referida carta a recorrente estabeleceu prazo para o pagamento dos prémios de seguro e declarou que a falta de pagamento no prazo adicional concedido implicava a resolução do seguro de vida titulado pela apólice n° 53….

6 - A carta foi recebida pelos recorridos.

7 - Por carta datada de 30/12/2008 que enviaram à recorrente, os recorridos solicitaram a reposição em vigor do seguro de vida titulado pela apólice n° 53…,

8 - O que pressupõe o reconhecimento pelos recorridos da resolução do seguro de vida titulado peia apólice n° 53….

9 - Por carta datada de 21/01/2009 que enviou aos recorridos, a recorrente comunicou a impossibilidade de reposição em vigor do seguro de vida titulado pela apólice n° 53… e confirmou a respetiva resolução.

10 - A recorrida comunicou aos recorridos a resolução do seguro de vida titulado pela apólice n° 53….

11 - O seguro de vida titulado pela apólice n° 53… foi válida, lícita e eficazmente resolvido.

12 - A resolução do seguro de vida titulado pela apólice n° 53… implica a extinção dos respetivos efeitos e da obrigação de pagamento do capital seguro emergente do seguro de vida titulado pela apólice n° 53… relativamente a sinistros ocorridos posteriormente.

13 - O seguro de vida titulado pela apólice n° 53… foi celebrado antes da entrada em vigor do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo decreto - lei n° 72/2008, de 16 de abril.

14 - O seguro de vida titulado pela apólice n° 53/30541/265361 constitui seguro de grupo em que o BANCO CC figura como tomador de seguro.

15 - O dever de informar os recorridos das coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações do contrato, de acordo com um espécimen elaborado pela recorrente EE VIDA, compete exclusivamente ao BANCO CC, na qualidade de tomador de seguro.

16 - No seguro de vida titulado pela apólice n° 53… não se prevê que o dever de informação incumba á recorrente EE VIDA.

17 - O Regime Jurídico do Contrato de Seguro, como lei especial que é, sobrepõe-se às normas que regulam as cláusulas contratuais gerais, na parte referente ao ónus de esclarecimento e informação.

18 - Não existe fundamento para a exclusão parcial da cláusula 8.2 do seguro de vida titulado pela apólice n° 53….

19 - A cláusula 8.2 do seguro de vida titulado pela apólice n° 53… não se enquadra em nenhum dos casos previstos nas alíneas a) a l) do artigo 18° do decreto -Lei n° 446/85, de 25 de outubro.

20 - A cláusula 8.2 do seguro de vida titulado pela apólice n° 53… não se enquadra em nenhum dos casos previstos nas alíneas a) a i) do artigo 19° do decreto-Lei n° 446/85, de 25 de outubro.

21 - A cláusula 8.2 do seguro de vida titulado pela apólice n° 53… não se enquadra em nenhum dos casos previstos nas alíneas a) a h) do artigo 21° do decreto - lei n° 446/85, de 25 de outubro.

22 - A cláusula 8.2 do seguro de vida titulado peia apólice n° 53… não se enquadra em nenhum dos casos previstos nas alíneas a) a 0) do número 1 do artigo 22° do decreto - lei n° 446/85, de 25 de outubro.

23 - A cláusula 8.2 do seguro de vida titulado pela apólice n° 53… não é nula, nem absolutamente proibida, nem relativamente proibida.

24 - Consta do artigo 8.2 das condições especiais do seguro de vida titulado pela apólice n° 53…:

«O segurado/pessoa segura é considerado em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer atividade remunerada e simultaneamente na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar os atos elementares da vida corrente e/ou apresentar um grau de incapacidade igual ou superior a 85% de acordo com a tabela nacional de incapacidade por acidente de trabalho e doenças profissionais oficialmente em vigor no momento do reconhecimento da invalidez. «Entende-se por ato elementar da vida corrente:

-      Lavar-se; significa efetuar os atos necessários á manutenção de um nível de higiene correto;

-      Alimentar-se: significa tomar as refeições preparadas e servidas à mesa;

-    Vestir-se: significa vestir-se e despir-se, tomando em consideração o vestuário usado habitualmente;

-      Deslocar-se mo local de residência habitual».

25 - Em março de 2008 e ainda atualmente o recorrido mantém capacidade para, por si próprio, tomar as suas refeições, para se vestir e despir, cuidar da sua higiene, e para se deslocar no interior da sua residência;

26 - A resolução do seguro de vida titulado pela apólice n° 53/30541/265361 ocorreu anteriormente á participação do sinistro.

27 - Não se verificam os pressupostos da cobertura de invalidez absoluta e definitiva do seguro de vida titulado pela apólice n° 53/30541/265361.

28 - A recorrente não se encontra, pois, obrigada ao pagamento do capital seguro emergente do seguro de vida titulado pela apólice n° 53….

29 - Nem se encontra obrigada a restituir aos recorridos as quantias por eles pagas desde janeiro de 2008 ao BANCO CC ou ao BANCO FF relativas ao contrato de mútuo associado ao seguro de vida titulado peia apólice n° 53….

30 - No acórdão recorrido ao decidir-se pela condenação da recorrente no pedido, violou-se o disposto nos artigos 33° do Decreto de 21 de Outubro de 1907, 236°, 238°, 239°, 342° e 406° e 432°, 436° todos do Código Civil, Io, 5o, 6o, 8o, 9o, 10° e 11°, 18°, 19°, 21° e 22° do Decreto-Lei n° 446/85, de 16 de outubro, artigos 4o do Decreto - Lei n° 176/95, de 29 de julho, e 78° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo decreto-lei n° 72/2008, de 16 de abril.

31 - Termos em que, conceder-se provimento ao presente recurso de revista, e em consequência, revogar-se o acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por acórdão em que se decida absolver a recorrente dos pedidos, como é de inteira

JUSTIÇA

            Não foram apresentadas contra- alegações

            Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação:

A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca outorgada em 16.05.2002, o Banco GG, S.A.. (GG), concedeu aos AA. um empréstimo no montante de €281.820,81, no regime geral de crédito, pelo prazo de 25 anos, para aquisição do imóvel adquirido na referida data, conforme does, de fls. 62 a 78, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. (A)

2) Nos termos da cláusula 21ª do documento complementar os mutuários ficaram obrigados a efectuar seguro de vida, o qual devia cobrir morte, invalidez absoluta e definitiva por doença e/ ou morte e invalidez total e permanente por acidente, sendo o beneficiário o GG, pelo valor mínimo do montante do empréstimo.(B)

3) Entre o Banco GG, S.A.., na qualidade de tomador de seguro, e a R. foi celebrado um contrato de seguro de capital por morte ou invalidez absoluta e definitiva em beneficio dos clientes daquele que recorressem ao crédito imobiliário, com início em 15.01.2001, titulado pela apólice n° 305… e regido pelas condições particulares, pelas condições gerais e pelas condições especiais constantes dos does, de fls. 168 a 184, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. (C)

4) Nos termos do art" 4° das condições particulares, sob a epígrafe "garantias e respectivo valor':

"4. 1- Este seguro garante, durante o prazo do empréstimo e sem prejuízo do disposto em 4.3. destas Condições Particulares, o pagamento ao Beneficiário designado, da totalidade ou de parte do capital em dívida na data do falecimento do Segurado/Pessoa Seguro ou em caso de Invalidez Absoluta e Definitiva, tendo em consideração a opção de cobertura escolhida pelo Segurado na Proposta Individual de Adesão.

4.2- As garantias são válidas desde que os eventos, Morte ou Invalidez Absoluta e Definitiva se verifiquem no decorrer do prazo de validade do Certificado Individual e no máximo até às idades termo das Coberturas/ Garantias. "( D )

5) ( ... ) Do art." 6.°, sob a epígrafe "pagamento do capital seguro em caso de sinistro":

"Os capitais seguros são sempre pagos ao Banco GG, S.A.., entidade que efectuou a operação de financiamento e consta da respectiva Proposta Individual de Adesão como Beneficiário com carácter irrevogável, benefício que o banco expressamente aceita.

O Segurado/Pessoa Segura não pode alterar a Cláusula Beneficiária. "( E )

6) ( ... ) Do art.° 8.°, sob a epígrafe "pagamento dos prémios":

"8. 1- O prémio, acrescido dos encargos legalmente estabelecidos, é devido pelo Segurado anual e antecipadamente, sendo a sua cobrança efectuada por débito na conta bancária do Segurado / Pessoa Segura. Constitui porém, faculdade da Seguradora, permitir que o Segurado pague o prémio em fracções mensais por débito em conta bancária.

Em caso de não pagamento do mesmo, a Seguradora procederá em conformidade com o disposto no ponto 9 das Condições Gerais do Seguro de Vida Grupo Temporário Contributivo' ( ..)(F)

7) De acordo com a cláusula 9ª das condições gerais, sob a epígrafe “falta de pagamento do prémio”.

"9.1- O não pagamento do prémio dentro de 30 dias posteriores no seu domicílio, concede à Seguradora nos termos legais, a faculdade de após pré-aviso por carta com pelo menos 8 dias de antecedência e dirigida simultaneamente ao Segurado/Pessoa Segura e Tomador do Seguro, proceder à anulação da apólice e/ ou dos respectivos Certificados II/dividuais.

9.2 - A utilização da faculdade concedida no número anterior, não prejudica o direito da seguradora ao prémio correspondente ao período decorrido. "(G)

8) Nos termos da cláusula 3.4 das condições especiais, sob a epígrafe “ justificação e reconhecimento do direito às importâncias seguros”.

 a) Em caso de Invalidez o Segurado/Pessoa Seguro deve enviar à Seguradora um atestado do médico assistente indicando o início, as causas, a natureza e a evolução do estado de incapacidade, Este atestado, de conta do Tomador do Seguro ou do Segurado/Pessoa Segura, deve ser enviado à Seguradora nos 60 dias que se seguirem à constatação da Invalidez Total e Permanente, Deve ser junta uma descrição exacta da actividade exercida pelo Segurado/Pessoa Segura antes da incapacidade

b) o facto que justifica a invalidez (a sua causa) terá que se verificar durante a vigência do contrato e/ ou durante o período em que a cobertura es/do em vigor para o Segurado/ Pessoa Segura e, simultaneamente, terá que ser denunciado à Seguradora num prazo máximo de 60 dias a contar da data da cessação da cobertura, qual/do esta ocorre nos termos do previsto nas alíneas a), e) e f) do ponto 3.8. destas Condições Especiais.

c) A Seguradora reserva-se o direito de exigir qualquer justificação e de proceder às investigações que julgar convenientes para a determinação exacta do estado do Segurado / Pessoa Segura mandando-o examinar pelos seus médicos se assim o entender. Neste caso as despesas são da conta da Seguradora. O Segurado/Pessoa Segura deve autorizar o seu médico assistente a fornecer, confidencialmente, ao médico representante da Seguradora, toda a informação respeitante ao sinistro declarado.

d) A falta de cumprimento por parte do Beneficiário ou do Segurado/Pessoa Segura ao disposto nas alíneas a), b) e c) bem como a falta de verdade nas informações prestadas à Seguradora implicam a perda do direito às importâncias seguras. (. .. )'~ (H)

9) ( ... ) E da cláusula 8ª, sob a epígrafe "seguro complementar de invalidez absoluta e definitiva':

"8.1. Garantias.

Se um Segurado/Tomador do Seguro vier a invalidar-se absoluta e definitivamente em consequência de doença ou acidente ficará garantido por este seguro complementar' o pagamento antecipado do capital do Seguro Principal que consta dos Condições Particulares Certificado Individual

As garantias do Seguro Complementar de Invalidez Absoluta e Definitiva são aplicáveis se a invalidez se verificar antes da data do vencimento do Certificado Individual ou antes do fim da anuidade em que o Segurado/ Pessoa Segura atinja os 65 anos de idade.

8.2. Definição de Invalidez Absoluta e Definitiva (AD).

O Segurado/Pessoa Segura é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e, simultaneamente na obrigação de recorrer a terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e/ ou apresentar um grau de incapacidade igualou superior a 85% de acordo com a 'Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais" oficialmente em vigor no momento do reconhecimento da invalidez;

Entende-se por acto elementar da vida corrente:

- Lavar-se: significa efectuar os actos necessários à manutenção de um nível de higiene correcto;

- Alimentar-se significa tomar as refeições preparadas e servidas à mesa;

- Vestir-se significa vestir-se e despir-se, tomando em consideração o vestuário usado habitualmente.

- Deslocar-se no local de residência habitual.

O reconhecimento da situação de Invalidez Absoluta e Permanente (ou do seu grau) deve ser feito com base em sinais médicos objectivos, por um médico da Seguradora, ou em caso de divergência com esta, por Junta Médica a funcionar como tribunal arbitral nos termos e condições referidos na alínea f) do artigo nº 3.4. destas Condições Especiais ou por Tribunal Judicial prevalecendo aquele sobre quaisquer pareceres ou decisões da Segurança Social /, Caixa Geral de Aposentações ou qualquer outro regime facultativo  ou obrigatório que os substitua ou complemente.

8.3. Termo de Cobertura.

A esta cobertura complementar aplica-se o disposto no nº 3.8. destas Condições Especiais à excepção das suas alíneas g) e h).

8.4. A esta cobertura,"comp/ementar aplica-se -se, com as necessárias adaptações. os nºs 3.4. e 3.7. destas Condições Especiais" (1)

10) Os AA. subscreveram a proposta de adesão, aceite pela R. cuja cópia se mostra junta como doe. de fls. 152-153, que aqui se dá por reproduzido, onde consta: "C.,) Clientes Segurados

1° Cliente, Nome- AA (. .. ) Morada - Casa São Domingos ~ 5050 Peso da Régua (. .. )

2° Cliente, Nome - BB  (. .. )

Seguro de Vida

Data Início do seguro- 2002.05.02, Prazo- 25 anos, Capital Seguro- 281.820,81, Opção de Cobertura, Opção B- 2 Segurado a 100%, Opção de Pagamento- mensal.

Beneficiário

Banco GG, SA (..)(J)

11) Por atestado médico de incapacidade multiuso, emitido pelos serviços do Ministério da Saúde, datado de 18.01.2010, o A. foi considerado portador de uma deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 68% - corrigindo-se manifesto lapso de escrita no facto inserto na alo K) em face do documento de fls. 86 dos autos - susceptível de variação futura, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, desde 2008, conforme doe. de fls. 86, que aqui se dá por reproduzido. (K)

12) Os AA. não pagaram os prémios de seguro nos seguintes valores, nas datas dos respectivos vencimentos:

- € 190,39, vencido em 01.12.2007

- € 210,76, vencido em 01.01.2008 e

- € 210,76, vencido em 01.02.2008.(L)

13) A R enviou aos AA. carta registada com aviso de recepção, datada de 08.02.2008, para a morada Casa …, Peso da Régua, nos termos da qual "Em conformidade com as suas instruções  para pagamento dos prémios da Apólice em referencia, informamos que não nos foi possível proceder à respectiva cobrança. Agradecemos que proceda ao seu pagamento no prazo de 30 dias a contar da data desta carta.

Se o pagamento não for efectuado, procederemos à anulação do seu contrato (..)': conforme doc. de fls. 185 que aqui se dá por reproduzido( M)

14) A carta foi recebida, conforme doc. de fls. 186, que aqu1 se dá por reproduzido.(N)

15) Os RR. não efectuaram os pagamentos dos prémios de seguro no prazo de 30 dias concedido na carta.(O)

16) Os AA nunca comunicaram à R a alteração do seu domicilio.(P)

17) Por carta datada de 30.12.2008, o A. comunicou à R que "(...) desde Maio de 2006, conforme justificativo em anexo, me encontro a residir na Suíça.

Por este motivo grande parte do correio que recebi e deveria ser tratado correctamente pela pessoa que responsabilizei para o efeito, não foi dado o devido andamento. Verifiquei que os prémios/ recibos da apólice referendada não foram liquidados no seu vencimento. Como tal, permite-me enviar fotocópia de um talão de depósito efectuado na conta da Tranquilidade Vida n° 0230534990001 junto do Banco CC em 30. 12.2008 a fim de não ter esta situação em atraso. (. . .)", conforme. doc. de 125 a 128, que aqui se dá por reproduzido.(Q)

18) A R respondeu, por carta datada de 21.01.2009, comunicando ao A. que "(...)A apólice em referindo foi anulada em 31 de Março de 2008 devido a falta de pagamento.(...) Os prémios em divida até 21.12.2008 totalizam 2.719,42€. Dado o tempo decorrido não é possível recuperar o contrato, pelo que sugerimos que se dirija ao balcão Banco CC para efectuar uma proposta nova de seguro com o capital em divida actual.

O depósito de 1. 903, 60€ que efectuou em Dezembro de 2008 é insuficiente para pagar os prémios em atraso pelo que vamos devolver aquele montante por crédito na conta contrato (...); conforme doc. de fls, 129, que aqui se dá por reproduzido, e restituiu-lhe o montante de € 1.903,60 por crédito na conta. (R)

19) Por carta datada de 09.02.2010, o A. participou o sinistro à R, conforme doe. de fls. 116 a 119,que aqui se dá por reproduzido.(S)

20) A R respondeu, por carta datada de 12.03.2010, comunicando ao A. que "(...) A apólice n°53… que tinha como segurados os Srs. AA e Dra. BB foi anulada em 31 de Março de 2008, por falta de pagamento de prémios a partir de Dezembro de 2007. (...)

Considerando que o Atestado Multiusos com data de 18/11/2010 indica um grau de incapacidade de 68%, a situação clínica do Segurado não se enquadra na referida cobertura pelo que, mesmo que a apólice estivesse em situação regular, não daria lugar à abertura de processo de sinistro': conforme doc. de fls. 123, que aqui se dá por reproduzido. (I)

21) A partir do meados do ano de 2005 o A. começou a ser afectado pelos seguintes sintomas:

 - cansaço permanente;

 - frequentes dores lombares e dos membros inferiores e superiores, profundas e incapacitantes;

 - frequentes e prolongados estados de apatia e letargia;

- frequente alheamento completo da realidade envolvente;

 - falta de orientação espacial e temporal, ao ponto de frequentemente se perder a andar

sozinho na rua, não conseguindo encontrar pontos geográficos de referência;

 - dificuldade para lidar com dinheiro, não conseguindo gerir globalmente as suas finanças;

 - dificuldade para realizar com autonomia as tarefas básicas do dia a dia, como seja a ida a um banco ou a um departamento de finanças;- falta de sentido de responsabilidade;

 - dificuldade na elaboração de raciocínios lógicos e estruturados;

 - dificuldade de comunicação e de manifestação da vontade;

 - perdas de memória constantes. (1")

22) Tais sintomas tornaram-se evidentes e agravaram-se após 2007 (2°)

23) Desde 2005 que o A sofre de síndrome depressivo bipolar. (3")

24) ( ... ) Que o impossibilitou definitivamente de desempenhar a sua actividade profissional habitual de director comercial. (4°)

25) ( …) Bem como qualquer outra actividade profissional (52).

26) ( ) E o obrigou a recorrer, em sede de gestão pessoal e financeira, ao auxílio permanente do seu cônjuge, a ora A, e pontualmente de um amigo pessoal, HH (6°).

27) Em virtude da doença, o A. esteve em situação de baixa médica de 29.11.2005 a 27.01.2009. (7")

28) A partir de Janeiro de 2009, o A passou à situação de reforma por invalidez. (8")

29) Em Março de 2008 e ainda actualmente o A mantém capacidade para, por si próprio, tomar as suas refeições, para se vestir e despir, cuidar da sua higiene e para se deslocar no interior da sua residência (13°).

30) Desde Julho de 2006 que a R. sabe que o A. se encontra doente ( 15°).

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31) Alegando motivos de doença do A., a R. recusou outorgar com ele um outro contrato de seguro de vida grupo, temporário e contributivo, ao qual corresponde a apólice n.? 53/4.., destinado a garantir o pagamento de um outro mútuo bancário hipotecário, com o capital seguro correspondente a € 530.000,00 (16°).

Apreciando:

Questões que a presente revista suscita:

1. Anulação / resolução do contrato de seguro:

2. Âmbito da cobertura

 Anulação / resolução do contrato de seguro:

Estamos parente um contrato de seguro de grupo ramo vida celebrado entre a Ré, seguradora, e o Banco GG (GG), como tomador do seguro e seu beneficiário ( B) – regulado pelos arts. 455 e sgs. do C Comercial , pelo DL nº 176/95 de 26.07. e pelo DL nº 72/2008 de 16 de Abril   

 

Por via desse contrato, a ré garantiu a cobertura, entre outros, do risco morte, invalidez absoluta e definitiva por doença e/ou morte e invalidez total e permanente por acidente, sendo o beneficiário o tomador do seguro BIC, pelo valor mínimo do montante do empréstimo.(B).

A Ré, no entanto, não assumiu perante os AA o contrato de seguro em causa, com base na anulação do contrato por falta de pagamento dos respectivos prémios, anulação essa  que situou em 31.03.2008.

Vejamos antes de mais a factualidade que, aqui, releva:

Por atestado médico de incapacidade do mutuário, emitido pelos serviços do Ministério da Saúde, datado de 18.01.2010, o A foi considerado portador de uma deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 60% - susceptível de variação futura, de acordo coma A Tabela nacional de incapacidades, desde, 2008, conforme doc. de fls. 86,  que aqui se dá por reproduzido (K)

Os AA não pagaram os prémios de seguro nos seguintes valores, nas datas dos respectivos vencimentos.

€190,39 vencido em 01.12.2007;

€ 210,76 vencido em 01.01.2008 e

€ 210,76 vencido em 01.02.2008 (L)

13) A R enviou aos AA. carta registada com aviso de recepção, datada de 08.02.2008, para a morada Casa …, Peso da Régua, nos termos da qual "Em conformidade com as suas instruções para pagamento dos prémios da Apólice em referencia, informamos que não nos foi possível proceder à respectiva  cobrança. Agradecemos que proceda ao seu pagamento no prazo de 30 dias a contar da data desta carta.

Se o pagamento não for efectuado, procederemos à anulação do seu contrato (..)': conforme doc. de fls. 185 que aqui se dá por reproduzido( M)

14) A carta foi recebida, conforme doc. de fls. 186, que aqu1 se dá por reproduzido.(N)

15) Os RR. não efectuaram os pagamentos dos prémios de seguro no prazo de 30 dias concedido na carta.(O)

16) Os AA nunca comunicaram à R a alteração do seu domicilio.(P)

17) Por carta datada de 30.12.2008, o A. comunicou à R que "(...) desde Maio de 2006, conforme justificativo em anexo, me encontro a residir na Suíça.

Por este motivo grande parte do correio que recebi e deveria ser tratado correctamente pela pessoa que responsabilizei para o efeito, não foi dado o devido andamento. Verifiquei que os prémios/ recibos da apólice referendada não foram liquidados no seu vencimento. Como tal, permite-me enviar fotocópia de um talão de depósito efectuado na conta da DD Vida n° 023… junto do Banco CC em 30. 12.2008 a fim de não ter esta situação em atraso. (. . .}", conforme. doc. de 125 a 128, que aqui se dá por reproduzido.(Q)

18) A R respondeu, por carta datada de 21.01.2009, comunicando ao A. que "(...)A apólice em referindo foi anulada em 31 de Março de 2008 devido a falta de pagamento.(...) Os prémios em divida até 21.12.2008 totalizam 2.719,42€. Dado o tempo decorrido não é possível recuperar o contrato, pelo que sugerimos que se dirija ao balcão BANCO CC para efectuar uma proposta nova de seguro com o capital em divida actual.

O depósito de 1. 903, 60€ que efectuou em Dezembro de 2008 é insuficiente para pagar os prémios em atraso pelo que vamos devolver aquele montante por crédito na conta contrato (...); conforme doc. de fls, 129, que aqui se dá por reproduzido, e restituiu-lhe o montante de € 1.903,60 por crédito na conta.

A Ré comunicou aos AA por carta de 21.01.2009 (em resposta a uma carta dos AA de 30.12.2008,) essa anulação do contrato  nos seguintes termos:  “ A Apólice  em  referência foi anulada em 31 de Março de 2008 devido a falta de pagamento (…) Os prémios em dívida até 21.12.2008, totalizam e 2.719,42 . Dado o tempo decorrido não é possível recuperar o contrato, pelo que sugerimos que se dirija ao balcão BANCO CC para efectuar uma proposta nova de seguro com o capital em dívida actual.

Por carta de 09.02.2010 o A participou o sinistro à R , conforme doc. de fls. 116 a 119 ( S)

A questão fulcral que vem suscitada prende-se com a resolução do contrato levada a cabo pela Ré, nomeadamente no sentido de saber, conforme pugna a Ré,  se o contrato foi ou não resolvido eficazmente.

Esta questão tem de ser solucionado no confronto como clausulado do próprio contrato sem esquecer o regime legal atinente (DL nº 72/08 de 16 de Abril ( LCS).

Antes de mais, importa referenciar que, aqui, não se coloca um problema de comunicação das cláusulas, mas de saber se a carta admonitória dirigida aos AA pode valer como fundamento de resolução do contrato de seguro, sem haver comunicação da falta de pagamento dos prémios de seguro ao tomador de seguro?

 

Desde logo, como bem nota o Acórdão recorrido, não existe prova que a seguradora tenha feito igual comunicação ao tomador do seguro relativamente à referenciada falta de pagamentos dos prémios.

Segundo o art. 4º n.º1, do DL n.º 176/95, de 26 de Julho, recai sobre o tomador de seguro, o banco mutuante, o ónus de informar e esclarecer os segurados aderentes sobre as cláusulas de cobertura e de exclusão do risco assim garantido.

Sublinhe-se que, aqui, a respeito precisamente da “falta de pagamento do prémio” a cláusula 9ª das condições gerais do contrato estatui:

9.1- O não pagamento do prémio dentro dos 30 dias posteriores ao seu vencimento, concede à Seguradora nos termos legais, a faculdade de após pré aviso por carta com pelo menos 8 dias de antecedência e dirigida simultaneamente ao Segurado / Pessoa Segura e Tomador do Seguro, proceder á anulação da apólice e ou dos respectivos  Certificados Individuais.

Ou seja, segundo o próprio clausulado do contrato, a comunicação da falta de pagamento dos prémios respectivos deve ser feita em simultâneo junto do tomador de seguro.

E compreende-se que assim seja, pois, segundo o apontado regime legal o tomador do seguro deve estar a par de tudo o que se passa com o contrato de seguro, até porque o próprio contrato de mútuo de que o tomador de seguros era parte, podia até de algum modo prever a hipótese de falta de pagamento de prémios de seguros.

Efectivamente, pode muito bem acontecer tratar-se de uma situação enquadrável no art. 55 do DL 72/2008 de 16.4 quando aí se prevê:

1 - O prémio pode ser pago, nos termos previstos na lei ou no contrato, por terceiro interessado ou não no cumprimento da obrigação, sem que o segurador possa recusar o recebimento.

2 - Do contrato do seguro pode resultar que ao terceiro interessado, titular de direitos ressalvados no contrato seja conferido o direito de proceder ao pagamento do prémio já vencido, desde que esse pagamento seja efectuado num período não superior a 30 dias subsequentes à data do vencimento.

3 - O pagamento do prémio ao abrigo do disposto no número anterior determina a reposição em vigor do contrato, podendo dispor-se que o pagamento implique a cobertura do risco entre a data do vencimento e data do pagamento do prémio.

4 - O segurador não cobre sinistro ocorrido entre a data do vencimento e a data do pagamento do prémio de que o beneficiário tivesse conhecimento

Note-se também, como se diz no Ac. deste Supremo de 24.02.2015, acessível via www.dgsi.pt “ os contratos de seguro, ramo vida, cuja finalidade é a cobertura de riscos relativos a invalidez e à vida do segurado, usualmente previstos no quadro legal do crédito à habitação própria, constituem um seguro de grupo contributivo em que os mutuários daquele crédito são o grupo segurável, cujo risco de vida, saúde ou integridade física, foi aceite pela seguradora, após adesão de cada um deles ao seguro de grupo, mediante a contribuição do respectivo prémio, sendo o Banco concessionário do crédito simultaneamente tomador do seguro e seu beneficiário.”

 “A falta de pagamento do prémio, no contrato de seguro de vida, não está na disponibilidade indiscriminada ou injustificada da entidade seguradora para, com este fundamento, obter a resolução do contrato, devendo previamente, converter a mora em incumprimento definitivo, designadamente mediante a notificação admonitória, nos termos do art. 808 do C. Civil”

Aliás no mesmo sentido aponta a própria LCS (DL nº 72/2008 de 16/4) o art.58ª a respeito do âmbito de aplicação estatui expressamente que o disposto nos arts. 59º (cobertura) 60º (aviso de pagamento) e 61º (falta de pagamento) não se aplica aos seguros e operações regulados nos capítulos respeitantes aos seguros de vida … .

Também o próprio art.202 do citado diploma legal (a respeito do pagamento do prémio) estatui:

1 - O tomador do seguro deve pagar o prémio nas datas e condições estipuladas no contrato.

2 - O segurador deve avisar o tomador do seguro com uma antecedência mínima de 30 dias da data que se vence o prémio, ou fracção deste , do montante a pagar assim como da forma e do lugar de pagamento.

Ainda dentro deste quadro não se pode esquecer também o estatuído no art. 204 (Estipulação beneficiária irrevogável) que prescreve:

1 - Em caso de não pagamento do prémio na data do vencimento se o contrato estabelecer um benefício irrevogável a favor de terceiro, deve o segurador interpela-lo no prazo de 30 dias, para querendo substituir-se ao tomador do seguro no referido pagamento.

2 - O segurador que não tenha interpelado o beneficiário nos termos do número anterior, não pode opor as consequências convencionadas para a falta de pagamento do prémio.      

 

Tudo isto para dizer que a Ré seguradora não podia avançar automaticamente para a resolução do contrato sem observar os apontados procedimentos legais junto do tomador de seguros e, no caso, sem lhe dar conta nomeadamente do incidente (falta de pagamento de prémios).

Incumbia á Ré fazer a prova de que fez também tal comunicação/ aviso junto do tomador de seguro (art.202 nº 2 do citado diploma legal), prova que não foi feita (art. 342 nº 2 do C Civil).

E não tendo havido essa comunicação/aviso em simultâneo ao tomador de seguros, falta à partida um dos requisitos exigidos pelo próprio contrato, para atribuir carácter admonitório à carta que a Ré dirigiu aos AA.

Trata-se afinal, no caso em apreço, de um requisito/ procedimento imposto pelo próprio contrato de seguro, que a Ré não observou e que não se pode ultrapassar/suprir, o que faz com que a carta de resolução endereçada aos autores não possa produzir os respectivos efeitos, devendo, assim, ser antes considerada inválida e ineficaz em relação a eles.

Concluiu-se assim, como o Acórdão recorrido, no sentido de não poder considerar-se validamente resolvido o contrato de seguro em causa, não obstante se verificar a falta de pagamento de prémios e, por conseguinte à data da participação do sinistro (9.02.2010) o mesmo mantinha-se válido e em vigor.

  

Âmbito da cobertura:

A Ré ainda assim questiona a cobertura do sinistro invocando para o efeito cláusula que define a Invalidez Absoluta e Definitiva.

Segundo essa clausula “ O segurado / pessoa segura é considerado em estado der Invalidez Absoluta e Definitiva quendo, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e, simultaneamente, na obrigação de recorrer a terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida normal e/ou apresentar um grau de incapacidade igual ou superior a 85% de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais oficialmente em vigor no momento da invalidez” .

Neste domínio acompanha-se ao fundamentação do Acórdão quando conclui ser aplicável o DL nº 446/85 de 25/10 ( Lei das Cláusulas Contratuais Gerais) e alterações subsequentes, aos   “contratos de seguros, incluindo os contratos de seguro de grupo do ramo vida, são contratos de adesão, cujo clausulado é negociado apenas entre um Banco e uma seguradora, que, para garantia de contratos de mútuo para aquisição de habitação celebrado com o Banco, tomador do seguro, os particulares segurados se limitam a subscrever ou aceitar, através de simples declaração individual de adesão”.

 (cfr. também neste sentido Ac. STJ de 27.09.2016 acessível via www.dgsi.pt).

Neste Acórdão considerou-se ainda que o “carácter abusivo de uma cláusula contratual geral, por atentatória do vetor da boa fé, pode e deve ser conhecido oficiosamente pelo tribunal, precedendo o cumprimento do contraditório, conhecimento ofícios que é permitido pelo ordenamento jurídico nacional e foi especialmente pretendido pela Directiva 93/13/CEE , sendo esta a orientação do Tribunal de justiça da União Europeia”.

Fazendo o confronto nomeadamente dos princípios consagrados nomeadamente os dos artigos arsts. 15º (são proibidos as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé e a sua concretização (art. 16º) do DL 446/85, como bem nota o Acórdão recorrido, o que está em causa são exigências de boa fé, aferidas em face do conteúdo do contrato, sobre um qual um juízo de razoabilidade em termos contratuais, ponderando a sua repercussão, equilibrada ou não, nos interesses das partes. Um desequilíbrio para além do razoável dos efeitos contratuais em benefício do predisponente coloca a cláusula  sob a alçada  do art. 15 do regime das CCG”.

E continuando a seguir de perto o Acórdão recorrido:

”O controlo da natureza abusiva de uma cláusula deve ser objectivamente e em concreto, considerando –se quaisquer elementos atendíveis, que incluem as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato , no momento que se invoca nulidade da cláusula, na perspectiva de um observador razoável, ponderando-se a finalidade do contrato, mormente quando se trata de cláusulas de exclusão ou limitativas ( excessivamente) da cobertura do contrato de seguro ( art. 21 nº al. a) do regime das CCG) e das quais resulte que a mesma fique aquém daquilo que o tomador ou o segurado pudessem de boa fé contar, devendo as mesmas serem consideradas  nulas “.

No caso subjudice o contrato de seguro constitui condição para a obtenção de crédito da quantia mutuada aos autores/ segurados , a conceder pelo Banco mutuante / tomador e beneficiário do seguro, visando prevenir o risco de ocorrência de uma situação de incapacidade total e definitiva que impedisse os segurados de cumprirem a obrigação de pagamento das prestações em dívida “

A cláusula em apreço parte precisamente desse pressuposto quando exige que o segurado, em consequência de acidente ou sinistro, fique total e definitivamente incapacitado de exercer qualquer atividade remunerada.

Porém, se em relação à incapacidade igual ou superior a 85% nenhum outro requisito estabelece, já para as incapacidades abaixo desse patamar, igualmente incapacitantes do segurado desenvolver qualquer atividade remunerada, impõe um conjunto de requisitos concomitantes - necessidade de assistência de terceira pessoa para efetuar, cumulativamente, os atos elementares da vida corrente: lavar-se, alimentar-se, vestir-se e deslocar-se no local de residência habitual - que, no seu conjunto, são extremamente e penalizantes e indiciam um situação potencialmente tão incapacitante como a verificada em relação a situações em que a incapacidade é igual ou superior a 85%.

Na verdade, plausivelmente e em termos de experiência comum, pode dizer-se que a necessidade de terceira pessoa para a realização de todos os atos elementares da vida corrente nos termos definidos na cláusula, dificilmente é compatível com incapacidade absoluta e definitivas de grau inferior a 85%, o que indicia a falta de razoabilidade da cumulação daqueles requisitos com graus de incapacidade que não atinjam esse patamar.

Evidencia-se, assim, um desequilíbrio na correlação dos pressupostos atinentes às duas situações previstas na cláusula, que se afiguram desproporcionais e injustificados, suscetíveis de integrarem o conceito de estipulação abusiva.

Mas para além disso, mesmo no que concerne apenas à hipótese de o segurado sofrer de uma incapacidade inferior a 85%, não se considera como equilibrada e proporcional ao risco prevenido, exigir-se cumulativamente que o mesmo careça de ajuda de terceira pessoa para realizar, sem exceção, todos os atos elementares da vida corrente previstos na cláusula.

Parece efetivamente desequilibrado em função da finalidade da cláusula - que como acima se disse, é o de prevenir o risco de incumprimento por parte do segurado por incapacidade de desenvolver uma atividade remunerada que permita custar o empréstimo - excluir a cobertura num caso em que o segurado não pode exercer qualquer atividade remunerada e até necessita de ajuda de terceira pessoa para algumas dos atos de gestão da sua vida pessoal e financeira (cfr. pontos 24, 25, 26 e 28 dos factos provados), mas consegue, apesar disso, realizar os atos elementares da vida corrente elegidos pela cláusula.

Assim, a exigência concomitante da impossibilidade de realização de qualquer atividade remunerada, aliada ao grau de incapacidade (inferior a 85%), à necessidade de ajuda de terceira pessoa para a realização (cumulativamente) de todos os atos elementares da vida corrente descritos na cláusula, não é justificada, sendo desproporcionada à caracterização do estado de invalidez permanente que o seguro visou prevenir.

Conclusão essa que se alcança não só por comparação com a alternativa prevista na segunda parte da cláusula, mas também porque, para qualquer observador razoável, objetivamente considerará que uma pessoa portadora de uma doença como a que afeta o autor (síndroma bipolar, com os sintomas e efeitos descritos no ponto 21 dos factos provados, que o impede de exercer qualquer atividade remunerada, lhe determinou a passagem à reforma por invalidez, sendo portador de uma incapacidade permanente e global de 68%, passível de variação futura), que lhe determina a necessidade de ajuda de terceira pessoa para a realização de actos de gestão pessoal e financeira, se encontra afetado por uma incapacidade suscetível de consubstanciar o conceito de invalidez absoluta e definitiva que o seguro visava proteger.

Pelo que o segmento da cláusula que exige, para além do apoio de terceira pessoa, que se encontre incapaz de, cumulativamente, realizar os actos elementares da vida corrente descritos na cláusula 8.2. para efeitos de definição de invalidez absoluta e definitiva, de modo a permitir a cobertura prevista no contrato de seguro, no caso concreto em apreciação, é contrária à boa-fé, por desproporcionalmente violadora dos interesses visados com a celebração de tal contrato, sendo, consequentemente, parcialmente nula (artigo 15.° do Decreto-Lei n.o 446/85, de 25/10 e artigo 292.° do Código Civil).

Impõe-se, pois, a exclusão do referido segmento, ou seja, na parte em estabelece, para além da necessidade do segurado carecer da assistência de terceira pessoa, que a mesma se destine assistir o segurado a realizar "cumulativamente os actos elementares da vida corrente (. . .): Lavar-se (. . .) Alimentar-se (. . .), Vestir-se (. . .) e Deslocar-se no local de residência habitual" -, mantendo-se válida na parte não afetada.

Sendo ainda de considerar que o preenchimento de todos os requisitos cumulativos previstos na cláusula 8.2., quando a incapacidade é inferior a 85%, é excessivamente limitativa da obrigação assumida contratualmente pela seguradora, enunciada no artigo4.°, pontos 4.1.,4.3.2. das Condições Particulares e cláusula 8, ponto 8.1. das Condições Especiais, em relação ao risco segurado, que retira praticamente utilidade ao contrato de seguro, razão pela qual, no segmento acima considerado, também a mesma se tem por proibida ao abrigo do artigo 21° alínea a), do regime das CCG e, por conseguinte, nula (artigo 12.° do mesmo diploma legal)”.

 

Também em caso semelhante o Ac deste Supremo de 29.04.2010 acessível via www.dgsi.pt. concluiu:

“É de considerar preenchido o conceito de invalidez absoluta e definitiva de que depende o accionamento do questionado contrato de seguro, se o autor ficou a padecer de uma incapacidade permanente global de 66% de natureza motora, que o inabilita para o exercício da sua profissão e que o limita significativa nas actividades da vida diária, dependendo inclusivamente de terceiros para algumas tarefas e, por outro lado, se aquando da celebração do contrato de seguro lhe foi assegurado que, em caso de morte ou invalidez absoluta definitiva a ré assumiria junto do banco o pagamento da dívida relativa ao crédito á habitação, e que por ser inválido tinha que lhe ser diagnosticada uma percentagem de desvalorização igual ou superior a 60%”.

Por udo o que se deixa exposto, não merece censura o Acórdão recorrido quando conclui pela nulidade da cláusula em apreço.

III - Decisão:

Nestes termos nega-se a revista e confirma-se o Acórdão recorrido.

Custas pela recorrente

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 14 de dezembro de 2016

Tavares de Paiva (Relator)

Abrantes Geraldes

Tomé Gomes