Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2531/05.7TBBRG.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: DEPOIMENTO DE PARTE
CONFISSÃO
NULIDADE
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MANDATÁRIO JUDICIAL
CONTRATO DE MANDATO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO
PRESUNÇÃO DE CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
PERDA DE CHANCE
Apenso:
Data do Acordão: 05/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / DISCUSSÃO E JULGAMENTO DA CAUSA / RECURSOS.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA /PROFISSÕES FORENSES E ORDENS PROFISSIONAIS (ADVOGADOS).
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Reforma dos Recursos em Processo Civil, Revista Julgar, nº 4, Janeiro/Abril 2008, p. 69 a 76; e, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, p. 279 a 286; Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., p. 257, citando, a propósito, Eurico Lopes Cardoso, Bol. nº 80, pags 220 e 221.
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, Anotado, vol. II, p. 356.
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, p. 228.
- Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, 3.º, p. 239
– António Arnault, Iniciação à Advocacia, p. 130.
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, p. 692.
- Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual, p. 125.
- Carneiro da Frada, Direito Civil, Responsabilidade Civil, Método do Caso.
- Castro Mendes, Manual de Processo Civil, p. 299.
– Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, XII, p. 409.
- Júlio Gomes, Direito e Justiça (Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa), vol. XIX (2005), T. II, pp. 9 e ss, maxime 44, 47.
- Lebre de Freitas e outros, “Código de Processo Civil”, Anotado, vol. 2.º, p. 484.
– Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 3º, p. 97, citando Lopes do Rego, ob. e vol. cit., p. 97; Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, p. 376.
- Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 608.
- Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pp. 187, 297, 378.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, p. 329/330.
– Moitinho de Almeida, Responsabilidade Civil dos Advogados, p. 8 e ss.
- Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, p. 1103, nota de pé de página.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, vol. I, p. 579.
- Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, Reflexões sobre a noção da perda de chance a tutela do doente lesado, pp. 179 e ss., 192.
- Galvão Telles, Direito das Obrigações, p. 404 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 258.º, 262.º, 342.º, N.º1, 563.º, 798.º, 799.º, 1157.º, 1158.º, Nº 1, 1178.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 655.º, N.º1, 690.º-A, 712.º.
ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS, APROVADO PELO DL 84/84, DE 16-3: - ARTIGOS 76.º, N.º3, 83.º, Nº 1, AL. D).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 9/3/2010, P. Nº 1712/05.8TVLSB.L1.
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 25/6/1998, BOL. 478, P. 369/370 E DE 10/5/2001, Pº 01B829, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 13/5/2004, Pº 04B4647; IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 1/7/2008, REVISTA 198/08-1, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 1/7/2008, Pº 08A191, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 25/11/2008, Pº 08A3334, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 13/1/2009, Pº 3396/08-1; IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 12/3/2009, Pº 08B3684, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 19/3/2009, Pº 08B3745, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 28/5/2009, Pº 4303/05.0TBTVD.S1, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 15/9/2010, Pº 241/05.4TTSNT.L1.S1 IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 26/10/2010, Pº 1410/04.0TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 2/3/2011, Pº 1675/06.2TBPRD.P1.S1. IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 29/5/2012, Pº 8972/06.5TBBRG.G1.S1 IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. O depoimento do réu prestado em audiência, mesmo que gravado, que não tenha sido reduzido a escrito, não pode conter confissão, não tendo, assim, força probatória plena contra o confitente.

2. A falta de redução a escrito de tal depoimento de parte, constitui nulidade, que ficará sanada se não for arguida pela parte interessada até ao seu termo.

3. Não tendo a nulidade sido tempestivamente arguida, tal depoimento só poderá ser livremente valorado pelo Tribunal.

4. A garantia do duplo grau de jurisdição, consagrada na área do processo civil, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto que o recorrente sempre terá o ónus de claramente apontar, pressupõe a reapreciação da prova pela Relação, que coincide, em amplitude, com a da 1ª instância. Pelo que, impugnada que seja a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, cumpridos que sejam os ónus legalmente impostos sobre o recorrente (art. 690.º-A do CPC), tem a Relação, tendo em conta o conteúdo das alegações deste e do recorrido, que reponderar a prova produzida, constante da gravação (ou da sua transcrição), reapreciando-a. Formando ela própria a sua convicção quanto à decisão a proferir sobre tal matéria de facto. Sem se cingir à eventual conformidade da fundamentação das respostas dadas à matéria de facto controvertida.

5. Se é certo que este STJ não pode sindicar a decisão que a Relação venha a tomar em sede de reapreciação da matéria de facto, não havendo recurso da mesma (art. 712.º, nº 6 do CPC), deve, no entanto, censurar o mau uso que aquele Tribunal venha eventualmente a fazer dos poderes que tal preceito (art. 712.º) lhe confere a propósito, decidindo se os exerceu dentro dos limites e finalidades legais.

6. A constituição de advogado como mandatário forense para representar a parte em processo judicial pendente em Juízo configura um contrato de mandato oneroso e com representação (arts 1157.º, 1158.º, nº 1, 1178.º, 258.º e 262.º do CC). Nele assumindo o advogado uma obrigação de meios – representar o cliente em Juízo, defendendo, pela melhor forma possível, os interesses que este lhe confiou – e não de resultado.

7. Tem-se discutido se a responsabilidade civil profissional do advogado é de natureza contratual, extracontratual ou mista. Defendendo-se na primeira (i) tese que ela resulta do contrato de mandato, ou de contrato sui generis, atípico ou inominado; na segunda (ii), o carácter público da actividade forense e a violação dos deveres que legalmente lhe são exigíveis; na terceira (iii), adoptando-se a concorrência de ambas as responsabilidades, pode o acto ou omissão do advogado constituir responsabilidade contratual ou extracontratual, havendo que fixar em concreto o respectivo regime jurídico.

      E, segundo a chamada doutrina do cúmulo ou da opção, o lesado tanto pode beneficiar das regras de um ou de outro tipo de responsabilidade, invocando aquelas que melhor se ajustem ao seu caso, desde que não se socorra, na mesma acção, das regras privativas de uma e de outra espécie de responsabilidade.

8.   A presunção de culpa que recai sobre o réu na responsabilidade contratual (art. 799.º, nº 1 do CC), não dispensa os autores, tal como também sucede na responsabilidade aquiliana, quer da prova do dano, quer da prova do nexo causal entre o facto (acto ou omissão do réu, no exercício do mandato) e o dano. Havendo a actuação (ou omissão) do causídico, mesmo que culposa, que ser adequada a produzir os arrogados danos.

9.  O problema do nexo de causalidade, na sua vertente naturalística, envolve somente matéria de facto, que escapa ao controlo deste STJ.

10. Em sede de deserção do recurso, por falta de alegação do mandatário da parte vencida, a chamada perda de chance, não estando devidamente densificada, pondo-se até em causa que entre nós haja base jurídico-positiva para fundar, com base nela, direito a indemnização, só poderá ser valorada em termos de uma “possibilidade real” de êxito que se frustrou.

Decisão Texto Integral:

            ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

            AA e mulher BB, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma do processo ordinário, contra CC e mulher DD, pedindo a condenação destes a:

             a) pagar-lhes a quantia de 17 796,37 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados sobre a importância de 49 880,00€, desde 17/2/2005 até efectivo pagamento;

            b) indemnizar os autores, a título de danos patrimoniais, na quantia de 15.000,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento;

            c) indemnizar cada um dos autores, a título de danos não patrimoniais, na quantia de € 15 000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento;

            d) indemnizar os autores, nos demais danos causados, a liquidar em execução de sentença, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

            Alegando, para tanto, e em suma: 

            Constituíram mandatário o réu, advogado, que os representou no âmbito de processo de inventário e em acção ordinária de reivindicação na qual o autor marido foi demandado, bem como nas execuções para entrega de coisa certa e pagamento de quantia certa, com liquidação, que correram por apenso à referida acção.

            Na pendência de tais acções e execuções, o réu não os informou dos actos praticados, faltou à verdade nas informações que prestou, apresentou requerimentos ao arrepio da verdade e com desconhecimento dos autores, inclusivamente com assinaturas falsificadas e, apesar de interpor recursos das decisões que lhes foram desfavoráveis, não apresentou alegações, bem sabendo que o trânsito em julgado dessas decisões implicava sérias consequências para o património dos autores.

            O réu comunicou ao tribunal a renúncia do patrocínio injustificada e falsa, mas nunca deixou de ser o advogado dos autores.

            O réu pediu ao autor para lhe fazer o favor de emitir um cheque de 2.000.0000$00, com a finalidade de o mostrar e provar a um amigo que ia receber esse dinheiro, garantindo ao autor que o cheque nunca seria apresentado a pagamento e acrescentando que o referido amigo tinha emprestado dinheiro ao réu para este ajudar o irmão do autor. Sucedendo, porém, que o réu procedeu ao levantamento da quantia titulada no cheque e nunca mais a devolveu ao autor.

            O inventário aludido encontra-se arquivado desde 1996 apesar de o réu sempre ter dito que o mesmo estava a correr seus termos, não tendo sido promovida também qualquer diligência com vista à partilha amigável.

            Houve, assim, violação dos deveres de advogado e do Estatuto da Ordem dos Advogados por parte do réu, configurando violação contratual do mandato.

            Tendo sido produzidos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do comportamento do réu, defendendo que a dívida é da responsabilidade conjunta de ambos os réus.

            Citados os réus, vieram contestar, alegando, também em síntese:       Impugnam a matéria alegada na petição inicial, tendo o réu informado sempre os autores da tramitação dos processos judiciais. Negam a infracção de deveres deontológicos por banda do réu, bem como a apropriação da quantia de 2.000 contos. Mais sustentam que a ré jamais poderia ser responsabilizada pelo imputado comportamento delituoso do réu.

            Foi proferido o despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

            Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls  724 a 735 consta.

            Foi proferida a sentença, que julgou a acção improcedente.

            Inconformados, vieram os autores interpor, sem êxito, recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.

            De novo, irresignados, vieram pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

            1ª - O mui douto Acórdão faz recair na não transcrição em acta do depoimento de parte do Réu, a fundamentação para a não alteração da decisão de facto e, apesar de reconhecer que a prova dos AA. se afigurava de extrema dificuldade, acaba por tornar essa prova ainda mais difícil, barrando por completo a abundante prova que resultou das confissões do R.

            2ª - Sustentado neste entendimento, que a jurisprudência tem entendido não se alcançar sequer a sua necessidade e utilidade em virtude do depoimento gravado, acabou por desconsiderar também a restante prova, como os Documentos juntos, o Relatório Pericial - já de si bastante elucidativo e conclusivo da responsabilidade do R. e os relatos das testemunhas, etc.

            3ª - Aliás, é inaceitável, porque complexizante e retardatória, a exigência legal - art.º 563° nº 1 do CPC - da redução a escrito (assentada) do depoimento de parte na sua vertente confessória, já que este é gravado, o que é suficiente para os fitos essenciais da assentada: impor a vinculação do confessante e sindicar o seu teor pelo tribunal ad quem.

            4ª - De todo o modo, a não redução a escrito, imposta no nº 1 do art. 563° do CPC, da confissão obtida em depoimento de parte constitui nulidade, que tem de considerar-se sanada, caso não seja arguida, como o não foi pelo R., nos termos e prazos gerais (art. 205, nº 1 do CPC), antes pretendendo, de modo hábil, tirar proveito da sua falta, o que, estranhamente, foi acolhido pelo tribunal a quo.      0

            5ª - Sem prejuízo, sempre haveria, quer se considerasse, ou não, o depoimento do réu como confessório, que atentar que «a confissão judicial que não seja escrita e a confissão extrajudicial feita a terceiro ou contida em testamento são apreciadas livremente pelo tribunal», bem como de que «o reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente»", de modo que também assim não entendendo o tribunal a quo violou o disposto no art. 358° nº 4 e o estatuído no art. 361°, ambos do CC.

            6ª - Determina o art. 712° do CPC que a Relação reaprecie as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações e das contra-alegações. Logo por aqui se vê que o legislador pretendeu que a Relação formule a sua própria convicção, seja ela coincidente ou não com a que prevaleceu na 1ª instância. A Relação não pode esquecer que neste caso é um Tribunal de substituição, e não de mera cassação.

            7ª - No presente caso conclui-se que não foi feita adequada aplicação do art. 712° da lei adjectiva, tendo havido uma apreciação da questão manifestamente insuficiente e um mau uso dos poderes conferidos pelo art. 712°, nº 2 do CPC, o que impõe o uso dos poderes conferidos pelo nº 3 do art. 729.° do CPC, argumentando-se que a ampliação da matéria de facto aí prevista passa não só pela averiguação de factos que não foram apurados, embora alegados, mas também pela reapreciação de factos que terão sido deficientemente aquilatados.

            8ª - É evidente o mau uso pelo tribunal a quo dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 712° do CPC., pois, mesmo que se abstraísse da prova testemunhal, já de si bastante reveladora e relevante para a alteração dos quesitos cuja resposta se impugnou, o certo é que os factos admitidos por acordo, a prova pericial, a prova documental - inclusive, os documentos falsificados e os minutados pelo R., mesmo após a sua comunicação de renúncia e da notificação de que esta havia operado os seus efeitos, e, não bastasse, o próprio depoimento de parte do R./confissão, as respostas aos quesitos 27.°, 29.°, 31.° in fine, 34.°, e 36.° com relação à resposta dada aos quesitos 38.° a 41.°, porque deficientes, (restritivas e omissivas), deviam e devem ser alteradas.

            9ª - Assim não tendo entendido nem procedido, o tribunal a quo fez mau uso e errada aplicação do disposto no art. 712.° n.º 2 e 3 do CPC, aqui violados, sobrecarregando, até aos limites do insuportável, o encargo que recai obre os AA., inclusive na justificação formal que dá para a não alteração ao quesito 36, comportamento que pode ser sindicado por este Tribunal ao abrigo do disposto no art. 722.°, 729.° e 730.° do CPC.

            10ª- Neste contexto, sobre o cheque de 2.000.000$00, e não obstante ter sido alegado pelo AA. abundante factualidade a esse respeito, a formulação da base instrutória (apesar do lapso ao não fazer referência expressa à deficiente resposta ao quesito 39, pois que aludiu à relação do quesito 36 com os "quesitos 38 e 41", querendo e devendo dizer 38 a 41), permitia/obrigava a Relação a uma ponderação mais cuidada e a outra resposta que não aquela que, incompreensivelmente, foi dada e que, a não ser alterado desde logo por este venerando Tribunal, ao abrigo do art. 729° e 730°, se necessário, com a devida vénia, se impõe que ordene que se supra.

            11ª- Não pode deixar de se dizer que arrepia a argumentação do tribunal a quo (pag. 4), quando aborda a impugnação da resposta ao quesito 29 - sobre a falsa renúncia do R. ao mandato - de que "a perícia não é, obviamente, incontornável, visto que a utilização do mesmo tipo de letra e formato de texto não prova, inequivocamente, que a procuração tenha sido minutada no escritório do réu, cujo depoimento, pela razão atrás dita, não pode ser considerado ", pois, a perícia revelou ainda, além do mais, haver, nos textos comparados, sobre posição das mesmas palavras - facto que, além de reconhecido pelo Réu, por si só, e recorrendo às regras da experiência, completamente omitidas na apreciação da factualidade em causa, é muito elucidativo da razão dos AA.

            12ª- Ademais, é inaceitável que tendo ficado provada a falsificação de assinaturas dos AA., (matéria assente em 39 e 43), em documento relevantes, nem mesmo nesse aspecto, o Tribunal a quo tirasse consequências ou sequer se pronunciasse, limitando-se a dizer que os AA. não provaram o incumprimento do R.

            13ª- Quando se confia o mandato forense ao Advogado parte-se do princípio que a defesa do direito fica cometida a profissionais dignos, capazes, independentes e idóneos, com uma preparação técnica e rigorosa formação deontológica, que conhecem a legislação e seguem, escrupulosamente, os princípios ético-profissionais que norteiam a advocacia, para que possa contribuir para uma melhor Justiça, sendo que, de entre as obrigações do mandato forense - as regras deontológicas e os deveres acessórios - destaca-se a de desenvolver a actividade direccionada para uma solução jurídico-legal, devendo, para tal, pôr ao serviço dos mandantes todo o seu zelo, saber e conhecimentos, ou seja, não é apenas exigida a diligência de um homem médio (art. 487.° n.º 2 do CC.).

            14ª- O Advogado não deve aceitar o patrocínio nem dar continuidade quando haja conflito de interesses, como ocorreu no caso em discussão, em que o Réu sendo já advogado de EE, irmão do A., aceitou o patrocínio do A. e orientou a sua "defesa" assente numa hipotética solução extra judicial, por ser, segundo ele, a única forma deste EE não ir parar à cadeia", pois que uma defesa (processual), zelosa do A., expunha e prejudicava esse seu constituinte, porquanto, além do mais, havia o EE cometido uma fraude ao ter alterado elementos matriciais, com o intuito, que logrou conseguir, de fazer passar um prédio por outro, prédio este de valor superior e pertencente à herança aberta por óbito dos seus pais.

            15ª- De todo o modo, tendo o R., advogado, aceite o patrocínio do A. devia ter procedido com zelo e diligência e não descurar por completo os interesses e a defesa deste, como resultou, inclusive, do seu depoimento, (reportado ao momento em que o A. o procurou para resolver o assunto da troca de prédios, que implicou a venda do prédio, bem mais valioso, pertencente à herança aberta por óbito dos seus pais, em execução fiscal), no sentido que fez "um requerimento à Mário Soares, em que no fundo não dizia nada, (...) desses que, necessariamente, o Chefe das Finanças pegaria nele e lançava-o ao cesto dos papéis".

            16ª- O R., advogado, é igualmente responsável perante os AA. pelos actos das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação como se tais actos fossem praticados pelo próprio (advogado), de modo que, tendo-se provado a falsificação das assinaturas dos AA. em dois documentos relevantes, e no escritório do R., que os usou e fez juntar no processo, impende sobre este a responsabilidade civil por todos os actos e consequências a que deu causa, pelo que assim não entendendo violou o tribunal a quo, entre outros, o disposto nos artigos 800.° n.º 1 do CC. e 76.° e 83.° do DL. 84/84.

            17- O R., além dos "expedientes vários", deveras reprováveis e usados nos processos - em clara violação do mandato, (art. 1161.° CC., 1162.°, 1165.°), em especial, do disposto nos artigos 76.° e 83.°, do DL. 84/84, também aqui violados - como os constantes da matéria de facto provada em 11, 16, 19, 20, 21, 22, 25, 32, 35, 36, 39, 42, 43, 44, 48, 51, 52 e 53, estava na posse de documentos (como os de fls. 694 a 695), que comprovam e reforçam o conflito de interesses desde a génese do mandato (inclusive o que o J... refere ter servido para alteração dos elementos matriciais), e que só revelou no âmbito deste processo, após o seu depoimento de parte, sem que deles fizesse, e atempadamente, o devido uso na defesa dos interesses do A., permitindo-lhe sustentar uma defesa mais sólida, convincente, como a motivação dos recursos, que deixou desertos, principalmente o referido na matéria de facto provada em 25 e 29, com graves prejuízos para os AA.

            18ª- O artigo 799.° do CC. consagra uma presunção de culpa sobre o devedor, recaindo, por conseguinte, sobre o Réu o ónus da prova da falta de culpa, que o mesmo não elidiu nem, aliás, se preocupou em fazê-lo.

            19ª- A matéria de facto provada em 4, 5 (conflito de interesses), 9 a 11, 14 (auto de posse judicial do imóvel e só com a presença do EE ... ), 16, (falsificação da assinatura do A.), 19 (expedientes dilatórios), 20 (transacção sem conhecimento do A.), 21, (simulação da não ratificação da transacção e falsificação das assinaturas do A. e mulher, apesar desta nem sequer ser parte), 22 (simulação de renúncia da procuração), 24, (julgamento sem mandatário, sem o A. e sem testemunhas), 25 (requerimento de recurso - elaborado no escritório do R. - e recurso deserto), 26, 28 (carta à Ordem dos Advogados, não impugnada pelo R.), 32, (carta), 35, (entrega do prédio trocado), 36 (garantia que o prédio "não sairia da família"), 37, 38 (notificação para dedução de embargos, e recebimento, na ocasião, de cheque de 150.000$00), 39 (assinatura falsificada), 42 (falta de informação e falta de presença no julgamento, incidente de liquidação), 43 (assinaturas falsificadas) e também o que se refere supra sobre a quantia de 2.000.000$00, cujo recebimento o R. admite, e cuja devolução os autores reclamam, impunha, sem margem de dúvida, a condenação do R.

            20ª- Dúvidas não restam que as consequências, como as que resultam da matéria provada 8, 11, 23, 24, 35, 36, 37, 45 a 47, 54 e 55, incluindo a ofensa à saúde dos AA., é imputável, de forma directa e adequada àquela conduta culposa do R., uma vez que foi o comportamento do R. a única causa, o qual é ainda responsável perante os AA. pelos actos das pessoas que utilizou para o cumprimento da obrigação como se tais actos fossem praticados pelo próprio (advogado).

            21ª- Provado o incumprimento e o que se refere supra, dispunha o tribunal a quo de todos os elementos para se definir a responsabilidade do R. e, consequentemente, os montante das indemnizações devidas aos AA., pela responsabilidade contratual e extra contratual, pelo que assim não entendendo incorreu em erro de julgamento e violou o art. 76.°, 83.° do DL. 84/84; 799.°, 800.°, 483.°, 562.°, 563.°, 564.°, 566.°, 568.°, 496.° n.º 1 e 3, todos do CC.

            22ª- Aos danos patrimoniais, entre eles, os que resultam das execuções e penhoras, como advém da matéria assente em 24, 26 e 45 e pagamento a que deu causa (17.156,61 €), da devolução da quantia de 2.000.000$00 (hoje, sem considerar os juros devidos, 9.975,95 €), acrescem os não patrimoniais constantes da matéria de facto provada em 46, 47, 54, 55, relativos à ofensa que ocorreu dos direitos absolutos dos Autores, como o direito ao bom nome e à saúde, no valor de 15.000,00 €, no global, de 30.000,00 €, para cada um dos AA., danos estes que, apesar da sua gravidade, também não foram contemplados, em clara violação dos arts 483.°, 562.°, 563.°, 564.°, 566.°, 568.°,496.° n.º 1 e 3, todos do CC.

            23ª- Encontrando-se por determinar as consequências resultantes, entre outros, dos comportamentos que consta da matéria de facto provada em 52, sobre o não impulso do inventário, parado que está desde 1997, com relação directa com a matéria provada em 32, 36, 50, 51 e 53, este último de que o R. sabia que o prédio penhorado não correspondia ao imóvel pertencente a EE mas antes à herança e que o Autor não ocupava esse prédio, acrescem ainda os danos que se liquidarem da sentença, pelo que assim o não considerando violou-se, além do mais, o art. 661.° n.º 2 do CPC.

            24- O douto Acórdão, tal como sucedeu com a douta sentença violou, além das normas já referenciadas, como as dos arts 1161.° CC., 1162.°, 1165.° do CC., o disposto nos artigos 344.°, (inversão do ónus da prova), 389.°, 376.°, 371º, 799.°, 800.°, 483.°, 493.°,490.°, 500.°, 1, 566.°, 562.°, 563.°, 564.°, 799.°, 800.°, do CC. e 314.°, 361.°, 484.°, 490.° n.º 2, 668.° n.º 1, al. c) do CPC., bem como no n.º 2 e 3 do art. 712.° do CPC.

            O réu recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

            Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

            Vem dado como PROVADO:

         1. Os autores foram, respectivamente, professora do ensino básico e sargento da GNR, encontrando-se actualmente reformados (alínea A) dos Factos Assentes).

                        2. O réu é advogado, usa como nome profissional CC, com mais de 25 anos de carreira, e domicílio profissional na cidade de Braga (alínea B) dos Factos Assentes).

            3. O teor do documento de fls. 56 a 59 (doc. 2), constituído pela petição inicial da acção ordinária n.º 202/95 que correu termos na Vara Mista de Braga, instaurada por FF contra GG e AA, distribuída em 18/9/1995 (alínea C) dos Factos Assentes).

            4. O teor do documento de fls. 60 a 72 (doc.3), constituído pela contestação da indicada acção ordinária n.º 202/95 (alínea D) dos Factos Assentes).

            5. O teor do documento de fls. 73 (doc. 4), constituído pela procuração outorgada em 12/12/1995 por GG e AA, mediante a qual conferem poderes forenses ao Dr. CC e ao Dr. HH, junta na acção ordinária n.º 202/95 (alínea E) dos Factos Assentes).

            6. O teor do documento de fls. 74 e 75 (doc. 5), constituído pelo articulado de resposta apresentado na acção ordinária n.º 202/95 (alínea F) dos Factos Assentes).

            7. O teor do documento de fls. 76 a 78 (doc. 6), constituído pelo despacho saneador, especificação e questionário, datado de 15/7/96 e proferido na acção ordinária nº 202/95 (alínea G) dos Factos Assentes).

            8. O teor do documento de fls. 79 a 91 (doc. 7), constituído pela acta de audiência de julgamento do dia 3/4/1997 (fls. 79-82); decisão do tribunal colectivo de resposta à matéria do questionário proferida em 8/4/1997 e respectiva acta de leitura do mesmo dia (fls. 83-85); sentença proferida em 15/7/1997 e notificada por carta expedida em 17/9/1997, na indicada acção ordinária n. ° 202/95 (fls. 86- 91) - (alínea H) dos Factos Assentes).

            9. O teor do documento de fls. 92 (doe. 8) constituído pelo requerimento de interposição de recurso da sentença apresentado pelos réus, em 30/9/1997, na referida acção ordinária n.º 202/95 (alínea I) dos Factos Assentes).

            10. O teor do documento de fls. 93 (doe. 9) constituído pelo despacho de 14/1 0/1997 que admitiu o recurso interposto pelos réus na referida acção ordinária n.º 202/95 (alínea J) dos Factos Assentes).

            11. O teor do documento de fls. 94 (doe. 10) constituído pelo despacho de 10/12/1997, que julgou deserto, por falta de alegações, o recurso interposto pelos réus na referida acção ordinária n.º 202/95 (alínea K) dos Factos Assentes).

            12. O teor do documento de fls. 95 a 97 (doe. 11) constituído pela cota lavrada no mesmo processo onde consta que se oficiou à GNR solicitando informação sobre bens exequíveis dos réus (fls. 95); oficio de resposta da GNR, com indicação de bens penhoráveis dos réus GG e AA (fls. 96); vista ao MP com a informação do ofício, e despacho do seguinte teor: "vou requerer execução contra os réus" (fls. 97) - (alínea L) dos Factos Assentes).

            13. O teor do documento de fls. 98 a 1 03 (doe. 12) constituído pelo requerimento inicial de liquidação em execução de sentença, com data de entrada em 7/1/1999, do apenso D da acção ordinária n.º 202/95 e despacho de citação proferido em 19/1/1999, no mesmo apenso (alínea M) dos Factos Assentes).

            14. O teor do documento de fls. 104 a 107 (doc. 12-A) constituído pelo auto de investidura de posse judicial de imóvel, datado de 30/9/1998, do apenso C da acção ordinária n.º 202/95, no qual se refere a presença da exequente e do executado GG, mencionando-se que o executado retirou um frigorifico e deixou ficar outros bens móveis que se descrevem, dos quais foi constituída fiel depositária a exequente; consta ainda do mesmo auto que o funcionário judicial verificou que o imóvel é composto por rés-do-chão e 1.º andar, com anexo coberto e entradas sem porta, existindo no logradouro do lado nascente um cortelho dividido em dois (alínea N) dos Factos Assentes).

            15. O teor do documento de fls. 108 e 109 (doc. 12 B) constituído pelo requerimento apresentado por FF, no apenso C da acção ordinária n.º 202/95, com data de entrada em 18/11/1998, no qual afirma que ficou depositária de bens móveis que estavam no imóvel que lhe foi entregue e solicita que se notifique o executado para levantar esses bens (alínea O) dos Factos Assentes).

                        16. O teor do documento de fls. 110 a 112 (doc. 12 C e 12 D) constituído pelo requerimento com data de entrada em 21/1/1999, nos indicados autos de apenso C da acção ordinária n.º 202/95, contendo assinaturas com nomes de GG e AA, no qual se declara que propõem o dia 1 de Fevereiro próximo para a entrega dos bens móveis em poder da exequente (fls. 110); e termo de entrega, datado de 19/3/1999, de 2 picas, 1 serra, 3 ferros e aço, no qual se refere a presença da exequente e dos executados AA e GG, constando a final a respectiva assinatura, tudo no apenso C da acção ordinária n.º 202/95 (alínea P) dos Factos Assentes).

            17. O teor do documento de fls. 113 e 116 (doc. 13) constituído pela contestação da liquidação apresentada pelo executado AA, no apenso D da acção ordinária n.º 202/95, bem como cota lavrada no processo da expedição de carta ao mandatário da exequente para notificação da contestação (alínea Q) dos Factos Assentes).

            18. O teor do documento de fls. 117 a 119 (doc. 14) constituído pelo despacho saneador e base instrutória, proferido em 12/4/2000 e notificado por carta expedida em 13/4/2000, no apenso D da acção ordinária n.º 202/95 (alínea R) dos Factos Assentes).

            19. O teor dos documentos de fls. 120 a 125 (doc. 15, 16, 17 e 18) constituídos pelo rol de testemunhas de AA e EE; acta de audiência de 2/1 0/2000, na qual é apresentado requerimento de suspensão da instância por 60 dias, encontrando-se presente o advogado da exequente FF (fls. 121); cota da notificação ao advogado do executado da nova data para julgamento (fls. 122); acta de audiência de 15/1/2001, na qual foi apresentado requerimento conjunto dos dois mandatários de suspensão da instância por 30 dias (fls. 123); acta de audiência de 12/10/2001, com requerimento conjunto dos dois mandatários de suspensão da instância por 15 dias; todos documentos do apenso D da acção ordinária n.º 202/95 (alínea S) dos Factos Assentes).

            20. O teor do documento de fls. 126 e 127 (doc. 19) constituído pela acta de audiência de 23/11/2001, na qual estavam presentes ambos os mandatários e a exequente, constando a transacção mediante a qual as partes "fixam e liquidam a quantia exequenda em 900.000$OO, exigível de imediato e com juros desde a mesma data", bem como a sentença de homologação, determinando-se o cumprimento do artigo 301.° n.º 3 do Código Processo Civil quanto ao executado; todos documentos do apenso D da acção ordinária n.º 202/95 (alínea T) dos Factos Assentes).

                        21. O teor dos documentos de fls. 128 e 129 (doc. 20 e 21) constituídos pelo requerimento com data de entrada em 7/12/2001, no qual figuram como requerentes AA e de BB, contendo duas assinaturas, com indicação de bilhetes de identidade, e onde se declara que os requerentes não dão a sua anuência à transacção e a mesma não ratificam (fls. 128); despacho de 14/12/2001 a determinar que não produz efeitos a transacção e a marcar julgamento (fls. 129); todos documentos do apenso D da acção ordinária n.º 202/95 (alínea U) dos Factos Assentes).

            22. O teor do documento de fls. 130 (doc. 22) constituído pelo requerimento de renúncia à procuração, subscrito pelo réu, Dr. CC, com entrada em 18/1/2002, no apenso D da acção ordinária n.º 202/95 (alínea V) dos Factos Assentes).

            23. O teor do documento de fls. 131 (doc. 23) constituído pelo despacho de 21/3/2002 a considerar operante a renúncia e a determinar o prosseguimento dos autos com aproveitamento dos actos praticados pelo mandatário, designando nova data para audiência de julgamento, no apenso D da acção ordinária n.º 202/95 (alínea X) dos Factos Assentes).

            24. O teor do documento de fls. 132 a 137 (doc. 24) constituído pela acta de audiência de 24/512002, na qual se encontravam presentes o mandatário da exequente e as testemunhas arroladas pela mesma parte; despacho de fixação da matéria de facto provada; sentença que liquida a quantia exequenda em 10.474,76 €; documento do apenso D da acção ordinária n.º 202/95 (alínea Y) dos Factos Assentes).

            25. O teor do documento de fls. 138 a 141 (doc. 25, 26, 27 e 28) constituído pelo requerimento com data de entrada em 11/6/2002, no qual é interposto recurso da sentença pelo executado AA; procuração outorgada por AA conferindo poderes forenses ao Dr. II, datada de 7/6/2002; despacho de 16/6/2002 a receber o recurso; despacho de 1/10/2002 a julgar deserto o recurso; todos documentos do apenso D da acção ordinária n.º 202/95 (alínea Z) dos Factos Assentes).

            26. O teor do documento de fls. 142 a 14.5 (doc. 29, 30, 31, 32) constituído pela certidão de 10/3/2003 da execução, apenso D da acção ordinária n.º 202/95, onde consta o valor da quantia exequenda de 10.474,76€ e se menciona que o executado não está notificado legalmente e para efeitos de registo; ofício para o Banco Portugal para indicação de instituições bancárias onde o executado é titular de conta bancária; mandado para notificação e penhora datado de 10/3/2003; ofício para Caixa Geral de Aposentações datado de 10/3/2003, para penhora de pensão de reforma (alínea ZI) dos Factos Assentes).

            27. O teor do documento de fls. 146 e 147 (doc. 33 e 34) constituído por termo de penhora da fracção E, sita em Ferreiros, Braga; ofício de 31/3/2003 da CGA onde se refere o início de penhora de pensão de reforma em Abril (alínea Z2) dos Factos Assentes).

            28. O teor do documento de fls. 148 a 152 (doc. 35) constituído pela carta subscrita pela autora BB e dirigida para o réu da presente acção, remetida em 12/5/2003 (alínea Z3) dos Factos Assentes).

            29. O teor do documento de fls. 153 (doc. 36) constituído por procuração forense datada de 6/6/1991, outorgada pelos autores conferindo poderes ao Réu Dr. CC e ao Dr. JJ (alínea Z4) dos Factos Assentes).

            30. O teor do documento de fls. 154 (doc. 37) constituído por cheque no valor de 150.000$00, emitido pelo autor AA, a favor do réu Dr. CC, datado de 29/10/98 (alínea Z5) dos Factos Assentes).

            31. O teor do documento de fls. 155 (doc. 38) constituído por cheque no valor de 2.000.000$00, emitido pelo autor AA, datado de 31/3/1995 (alínea Z6) dos Factos Assentes).

            32. O teor do documento de fls. 157 (doc. 39) constituído por carta datada de 30/4/2004, subscrita pelo réu e dirigida ao Sr. KK, no qual se indica a intenção de apresentar requerimento no processo judicial para a definição da titularidade da casa onde faleceram os sogros do destinatário, anexa requerimento dirigido ao processo n. ° 147/92, no qual AA requer o prosseguimento dos autos (alínea Z7) dos Factos Assentes).

            33. Na procuração forense outorgada em 12/12/1995 e junta com a contestação na acção que correu termos com o n.º 202/95 consta a mesma morada relativamente aos ali réus GG e AA (resposta ao quesito 1.° da base instrutória).

            34. O réu representava os autores, mediante procuração outorgada em 6/6/1991, no processo de inventário por óbito dos pais do autor e de GG, que correu termos sob o n.º 147/1992 (resposta ao quesito 2.° da base instrutória).

            35. No dia 30/9/1998 ocorreu a entrega judicial do prédio à exequente FF, na presença de GG, no âmbito do processo de execução que correu termos por apenso ao processo n.º 202/95 (Apenso C) - (resposta ao quesito 7º da base instrutória).

            36. Em data não apurada, já depois de instaurada a acção n.º 202/95, GG deslocou-se, na companhia da Sra. LL, ao escritório do réu e nessa ocasião, manifestando GG preocupação quanto à situação do prédio que integrava a herança aberta por óbito dos pais, o réu tranquilizou-o, assegurando-lhe que o imóvel não sairia da família (resposta ao quesito 11.º da base instrutória).

                        37. O autor assinou no dia 13 de Outubro de 1998 a certidão de notificação da entrega judicial do imóvel e para no prazo legal deduzir embargos (resposta ao quesito 14.º da base instrutória).

            38. O autor entregou ao réu a quantia de 150.000$00 através do cheque datado de 29/10/98, a que se reporta a alínea Z) dos Factos Assentes (resposta ao quesito 15.º da base instrutória).

            39. Em 21 de Janeiro de 1999 o réu juntou aos autos (Apenso D) um requerimento contendo uma assinatura que não foi feita pelo punho do autor, além da assinatura do seu irmão J..., e no mesmo requerimento fez mencionar o seguinte: " (...) notificados para o aceite da entrega dos móveis em poder da exequente, vêm declarar que propõem para esse efeito o próximo dia 1 de Fevereiro, pelas 10 horas, rogando a notificação do fiel depositário para a sua necessária disponibilidade (. . .) "(resposta ao quesito 17.º da base instrutória).

            40. Em 19 de Março de 1999 o autor dirigiu-se ao local que fora indicado pela exequente FF no requerimento aludido na alínea O) dos Factos Assentes (Apenso C), onde se encontravam apenas parte dos móveis, os quais lhe foram entregues, a saber 2 picas, 1 serra, 3 ferros e aço, encontrando-se outros depositados na casa já entregue à exequente, conforme se encontra discriminado no termo de entrega a que se refere a alínea P) dos Factos Assentes (resposta ao quesito 18.º da base instrutória).

            41. Em 3/3/1999, o autor foi notificado do requerimento inicial de liquidação em execução de sentença (Apenso D) e entregou a correspondência ao réu (resposta ao quesito 20. da base instrutória).

            42. Os autores não se encontravam presentes na audiência de julgamento realizada no dia 23 de Novembro de 2001 e não foram previamente consultados sobre os termos do acordo (resposta ao quesito 22.º da base instrutória).

            43.  No requerimento de 7/12/2001 do Apenso D (doc 20 a que se refere a alínea V) dos Factos Assentes) constam duas assinaturas que não foram apostas pelo punho dos autores, além da indicação de nºs de BI, data e local de emissão (resposta ao quesito 24.º da base instrutória).

            44. Em 7 de Junho de 2002 o autor outorgou procuração conferindo poderes forenses ao Dr. II (doc 26 a que se refere a alínea Z) dos Factos Assentes) - (resposta ao quesito 29.º da base instrutória).

            45. No seguimento das penhoras efectuadas no Apenso D foi depositada a quantia global de 17.156,61 € (resposta ao quesito 33.º da base instrutória).

            46. As penhoras atingiram a imagem dos autores junto das instituições bancárias (resposta ao quesito 34.º da base instrutória).

            47. Os autores sentiram-se humilhados e entristecidos, por virtude das penhoras (resposta ao quesito 35.º da base instrutória).

            48. O autor emitiu e entregou ao réu um cheque no valor de 2.000.000$00, datado de 31/3/1995, a que se refere a alínea Z4) dos Factos Assentes (resposta ao quesito 36.º da base instrutória).

            49. O autor solicitou ao seu cunhado, KK, a entrega da quantia de 500.000$00, que se comprometeu a restituir, invocando que a mesma importância se destinava a completar o seu saldo bancário para permitir o pagamento do cheque aludido na resposta ao quesito 36.º e na alínea Z4) dos Factos Assentes (resposta ao quesito 41.º da base instrutória).

            50. Em data não apurada de ano de 2004, mas anterior a 30 de Abril do mesmo ano, o réu comprometeu-se perante o cunhado do autor, KK, a impulsionar o inventário, enquanto este se comprometeu a diligenciar no sentido de ser retirada a queixa apresentada pela autora contra o réu na Ordem dos Advogados (resposta ao quesito 43.º da base instrutória).

            51. O réu elaborou e fez chegar ao cunhado do autor, KK, a carta datada de 30/4/2004 a que se refere a alínea Z7) dos Factos Assentes, à qual juntou um requerimento onde refere o seguinte: "( ... ) AA, interessado cabeça cabeça de casal nos autos do processo de inventário à margem referenciados, por se terem frustrado todas as diligências efectuadas até à presente data para a partilha amigável que parecia fácil e de interesse de todos os interessados, vem requerer o prosseguimento dos presentes autos até final." (resposta ao quesito 44.° da base instrutória).

            52. O réu não juntou aos autos de inventário o requerimento aludido na resposta ao quesito 44.°, encontrando-se o processo no arquivo desde 1997 (resposta ao quesito 45.° da base instrutória).

            53. O réu sabia que o prédio penhorado não correspondia ao imóvel pertencente a EE mas antes à herança e que o autor não ocupava esse prédio (resposta ao quesito 46.° da base instrutória).

            54. Os autores tomaram-se pessoas tristes e irritadiças (resposta ao quesito 48.° da base instrutória).

            55. Os vizinhos souberam das penhoras o que contribuiu para os autores sentirem tristeza (resposta ao quesito 52.° da base instrutória).

São, como é bem sabido, as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.

Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pelos recorrentes nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.

As quais se podem resumir às seguintes:

1ª – A da nulidade, que está sanada, da não redução a escrito da confissão do réu obtida em depoimento de parte;

2ª – A da livre apreciação, pelo Tribunal, da confissão judicial não reduzida a escrito, bem como do reconhecimento de factos desfavoráveis que não possam valer como confissão;

3ª – A da errada reapreciação da prova feita pela Relação, com mau uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 712.º, nº 2 do CPC[1], devendo ser alteradas as respostas dadas aos quesitos 27.º, 29.º, 31.º in fine, 34.º e 36.º, com relação às respostas dadas aos quesitos 38.º a 41.º;

4ª – A da culpa do réu no incumprimento do mandato assumido;

5ª – A da presunção de culpa do réu no incumprimento do mandato assumido;

6ª – A da responsabilidade do réu pelos actos das pessoas que utilize no cumprimento da sua obrigação;

7ª – A da responsabilidade do réu pelos danos causados aos autores;

8ª – A do erro de julgamento por banda do tribunal recorrido.

Comecemos pelas primeiras duas questões : a da nulidade, que está sanada, da não redução a escrito da confissão do réu obtida em depoimento de parte e a da livre apreciação, pelo Tribunal, da confissão judicial não reduzida a escrito, bem como do reconhecimento de factos desfavoráveis que não possam valer como confissão.

Entendeu a Relação – e bem, desde já se diga – que o depoimento pelo réu prestado em audiência, porque, mesmo que gravado, não se encontra reduzido a escrito, não pode conter confissão que possa contra ele ser invocada (art. 563.º do CPC). Não tendo, por isso, e em consequência, acrescentamos nós, força probatória plena contra o confitente (art. 358.º, nº 1 do CC).

E, assim, sempre que o depoimento de parte redunde em confissão, há que reduzi-lo a escrito, para assegurar a prova plena. Mesmo que tenha havido gravação da prova.

Sendo certo que a falta de redução a escrito do depoimento de parte, nos casos em que a lei o exige (para conter confissão), constitui nulidade que, para não ficar sanada, haverá de ser arguida pela parte contrária até ao termo do depoimento (arts 201.º, nº 1 e 205.º do CPC)[2].

Não tendo a ora falada nulidade sido tempestivamente arguida, não constituindo, assim, confissão, com o valor que o citado art. 358.º, nº 1 lhe atribui, a declaração pela parte prestada, em depoimento, só pode ser livremente valorada pelo Tribunal, tal como dispõe o nº 4 do mesmo art. 358.º[3].

Passemos à terceira questão: a do mau uso dos poderes que são conferidos à Relação pelo art. 712.º, nº 2 do CPC, devendo ser alteradas as respostas dadas aos quesitos 27.º, 29.º, 31.º in fine, 34.º e 36.º, com relação às respostas dadas aos quesitos 38.º a 41.º.

            Começam os recorrentes por discordar da forma como a Relação decidiu, no acórdão recorrido, a sua impugnação da matéria de facto constante dos quesitos antes aludidos, por falta de análise exaustiva da prova carreada para os autos, mormente dos factos admitidos por acordo, da prova documental, da prova pericial e de “próprio depoimento de parte do réu/confissão”[4].

            E, com efeito, na sua apelação, vieram já os ora recorrentes, e em primeira linha, impugnar a decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto constante das respostas dadas aos quesitos 27.º, 29.º, 31.º in fine, 34.º e 36.º, com relação às respostas dadas aos quesitos 38.º e 41.º, porque deficientes (restritivas e omissivas), sustentando que outra, que melhor indicam, resulta, quer do depoimento prestado pelo réu, quer de depoimentos prestados por testemunhas que identificam (e transcrevem), quer de documentos e da prova pericial.

            A Relação, de forma bem comedida, é certo, quase a raiar a deficiente fundamentação, vem sustentar, no acórdão ora em causa, que da prova produzida nos autos, que, naturalmente, melhor precisa, não resultam outras respostas à matéria de facto pelos autores impugnada, pelo que manteve o anteriormente, e pela 1ª instância, decidido.

            Vejamos, então, o que dizer:

            Tendo havido gravação da prova em audiência – como houve - pode, no regime aqui vigente[5], o recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, desde que se mostrem cumpridos os ónus impostos pelo art. 690.º-A.

                        Podendo, assim, a Relação alterar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, reapreciando para o efeito as provas em que assentou a parte impugnada, sem prejuí­zo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento á decisão - art. 712. °, nºs 1, al. a) e 2.

                        De facto, o DL 39/95, de 15 de Fevereiro, veio consagrar[6], na área do processo civil, a possibilidade da documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida, assim se permitindo um duplo grau de jurisdição quanto á matéria de facto.

                        Contudo, tal garantia - a do duplo grau de jurisdição como o próprio legislador refere, "nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente" - preâmbulo do ora mencionado diploma legal[7].

                        Devendo, também, a reapreciação da prova na Relação, de acordo com o regime legal aqui em vigor, e sem, por isso, em si mesmo, se subverter o princípio da livre apreciação das provas estabelecido no art. 655°, nº 1[8], ponderar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, actos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador[9]/[10].

                        Sem prejuízo, de, e em princípio[11], tal reapreciação da prova pela Relação coincidir em amplitude com a da 1ª instância[12].

                        Pelo que, impugnada que seja a decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto e havendo gravação da prova, tem a Relação[13], tendo em atenção o conteúdo das alegações dos recorrente e dos recorridos, que reponderar a prova produzida em que assentou a decisão impugnada, reapreciando-a, quer ouvindo a gravação dos depoimentos a respeito produzidos, quer lendo-os, se transcritos estiverem. Sem prejuízo, como já aflorado, de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de factos impugnados – art. 712º, nº 2.

            Impondo-se, assim, à Relação declarar se os pontos de facto impugnados foram bem ou mal julgados, mantendo ou alterando tal decisão em conformidade[14].

            Sem se cingir à eventual conformidade da fundamentação das respostas dadas à matéria de facto controvertida.

                        Devendo ir bem mais longe do que isso, formando ela própria, dentro dos condicionalismos falados, a sua convicção quanto à decisão a proferir sobre tal matéria de facto.

                        Pelo que, só depois de ouvir (ou de ler) os depoimentos gravados e de examinar os documentos apresentados, no uso da sua liberdade de convicção probatória, é que a Relação, à semelhança da 1ª instância, pode aderir (ou não) aos fundamentos por esta estabelecidos.

                        Voltando a liberdade de julgamento a operar depois da Relação ouvir e examinar as provas.

                        E, assim, quando o Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova antes produzida, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, conseguir formar sobre os pontos impugnados uma convicção segura acerca de erro de julgamento da matéria de facto, deve, então, proceder à alteração da decisão, assim ficando garantido o segundo grau de jurisdição[15].

            Podendo até determinar, se assim entender necessário, a própria renovação dos meios de prova produzidos em 1ª instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade[16].

            Ora, e salvo o devido respeito, de forma parcimoniosa, é certo, mas que se tem, apesar de tudo, como bastante, a Relação, atenta a matéria de facto pelos recorrentes impugnada e a prova sobre ela efectuada nos autos, sobre as mesmas se pronunciou, mantendo, embora, dentro dos seus poderes/deveres legais antes enunciados, a mesma convicção formada pelo Tribunal de 1ª instância e, em consequência, as respostas que neste foram dadas.

            Assim, actuando em conformidade com a lei, com o uso dos poderes/deveres que esta lhe confere.

            Pelo que, acabando por fazer um reexame das provas que os recorrentes têm como sustentadoras de outra decisão, assim assegurou, como a melhor interpretação da lei impõe, um verdadeiro e eficaz segundo grau de jurisdição em matéria de facto.

            Bem usando, a final, os poderes que a propósito lhe são conferidos.

                        E, se é certo que este Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar a decisão que a Relação venha a tomar em sede de reapreciação da matéria de facto, não havendo sequer recurso das decisões previstas no citado art. 712.º, já deve, no entanto, censurar o mau uso que a mesma venha eventualmente, a fazer dos poderes que tal preceito lhe confere a propósito, decidindo se os exerceu dentro dos limites legais.

            Concluindo-se, na análise desta questão, por razões para tal não haver, não se dever, também a este propósito, censurar a Relação.     

            Sendo certo não ser caso de ampliação da matéria de facto, por outra, para alem da oportunamente quesitada, se ver agora com interesse para a justa decisão da causa.


*

            Agora, as questões quarta e quinta, sobre a culpa do réu no incumprimento do mandato assumido.

            Sustentam, ainda, os recorrentes, mesmo mantendo-se a factualidade que nas instâncias se tem como apurada, não tendo os mesmos estruturado esta sua acção apenas na responsabilidade contratual do réu, mas sim, e também, na responsabilidade aquiliana conjunta, e, provado que ficou, dizem, o incumprimento do réu, preenchidos se encontrarem os pressupostos da obrigação de indemnizar. E, provado tal incumprimento, por banda do réu, incumbe sobre ele, desde logo, presunção de culpa (art. 799.º do CC) que não ilidiu.

            O recorrido, na sua contra-alegação, pugna pela improcedência da revista, invocando não ter ficado demonstrado, na factualidade a propósito provada, qualquer facto ilícito, de natureza contratual ou extracontratual, ou nexo causalidade do mesmo com os danos pelos recorrentes invocados.

            A Relação, também com sintética fundamentação, começando por dizer não terem os autores demonstrado o incumprimento das obrigações emergentes do contrato de mandato ou o seu cumprimento defeituoso, por banda do réu, sejam elas advenientes da responsabilidade contratual e/ou responsabilidade civil por factos ilícitos, e sabido que o advogado não pode garantir resultados aos seus clientes, concluiu improceder, desde logo, sem curarmos da culpa do réu e/ou da sua ilisão, a pretensão dos autores baseada em tal pressuposto.

            Ora, os autores, na sua demanda, invocando terem constituído o réu, advogado, seu mandatário, para os representar no âmbito de um processo de inventário, numa acção ordinária de reivindicação, bem como em execuções para entrega de coisa certa e pagamento de quantia certa, com liquidação, que correram por apenso a tal acção, imputam-lhe várias violações dos seus deveres deontológicos, que, segundo eles, configuram violação do aludido mandato. Entendendo ter o réu, como advogado, violado os deveres de diligência, informação e zelo e o EOA, nomeadamente os previstos no art. 83.º, als d), e), f), h), i) e k) do DL 84/84, de 16 de Março[17]. Configurando tal comportamento, dizem ainda, “violação contratual dos deveres de mandato”, mormente os previstos nos arts 1161.º e 1164.º do CC. O que lhes causou os arrogados danos.

Configurando tal negócio jurídico entre autores e réu celebrado, ao que tudo leva a crer, um contrato de mandato oneroso e com representação (arts 1157.º, 1158.º, nº 1, 1178.º, 258.º e 262.º, do CC[18]/[19]/[20].

Assumindo o advogado uma obrigação de meios e não de resultado.

Competindo-lhe representar o cliente em Juízo, defendendo pela melhor forma possível os interesses que este lhe confiou.

Sempre se dizendo que o pedido que o autor formula na acção que intentou é o de indemnização por incumprimento do mandato que terá celebrado com o réu, advogado, para o representar em acções pendentes em Juízo, tendo o mesmo, segundo alega, com a sua conduta, violado deveres deontológicos que lhe eram estatutariamente impostos, como sejam os de cuidado e zelo, no tratamento das questões que lhe foram suscitadas, de guardar segredo profissional, de aconselhamento, de aplicação devida de valores que lhe tenham sido confiados, de não abandono de patrocínio do constituinte ou do acompanhamento das questões que lhe estão cometidas sem motivo justificado. Tendo, por via disso, os autores sofrido prejuízos.

E, assim, a responsabilidade civil que ao réu é assacada é a contratual, nos termos do art. 798.º e ss, já que advirá do não cumprimento de uma obrigação pelo réu contraída por força do aludido mandato forense.

Com efeito, de acordo com a factualidade pelos autores alegada na sua petição inicial, a violação dos deveres deontológicos pelo réu assumidos por força do contrato de mandato entre eles celebrado, resultou, essencialmente, da omissão do dever de informar os seus constituintes sobre o desfecho do processo principal, bem como quanto à verdadeira situação do processo de execução para entrega de coisa certa e na falta de informação quanto à tramitação processual da execução para pagamento de quantia certa e na representação dos mesmos autores sem sua prévia consulta, designadamente, do autor marido, e até à sua revelia. Violando, ainda, os deveres de zelo e de diligência na falta de apresentação da alegação do recurso interposto, com a sua consequente deserção, na omissão de qualquer conduta com vista a não ser entregue o prédio que pertencia à herança aberta por óbito dos pais do autor, na revogação do mandato, na apresentação de documento com assinaturas falsificadas dos autores e na omissão da apresentação das alegações de recurso da decisão final proferida na liquidação da quantia exequenda.

Pretendendo os autores ser ressarcidos dos prejuízos que lhes advieram do incumprimento do mandato forense.

Sendo, com efeito, dever do advogado, na sua relação com o cliente, alem de outros, “(…) tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade – art. 83.º, nº 1, al. d) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo DL 84/84, de 16 de Março, então em vigor[21].

Devendo o advogado cumprir pontual e escrupulosamente, e alem do mais, todos os deveres consignados no Estatuto – seu art. 76.º, nº 3.

Presumindo-se a culpa do réu na responsabilidade contratual em apreço, já que, nos termos do prescrito no art. 799.º, nº 1, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.

Todavia, tal presunção de culpa, não dispensa os autores, arrogados lesados, tal como, aliás, sucede na responsabilidade aquiliana, desde logo, quer da prova do dano daquele para quem o serviço é prestado, quer do nexo de causalidade entre a culpa e o dano.

Tendo a Relação entendido não terem ficado provados os contornos de cada questão e daquilo que deveria ter sido uma actuação diligente do réu relativamente a cada uma delas. Não tendo ficado provado, assim, e desde logo, o incumprimento por banda do réu.

Ora, provado ficou, para alem da profissão de advogado do réu e no decurso da mesma, que o autor marido lhe outorgou procuração, conferindo-lhe poderes forenses, com vista à contestação e representação na acção 202/95, e que aquele, após a prolação da sentença, interpôs recurso da mesma, o qual, por razões não sabidas, deixou ficar deserto.

E que o réu renunciou a tal procuração por requerimento de 18/1/2002.

Bem como que, tendo sido interposto recurso pelo então executado, ora autor marido, da sentença proferida no apenso D, que liquidou a quantia exequenda em € 10 474,76, sendo já seu mandatário o Dr. II (procuração de 7/6/2002), foi o mesmo, de igual modo, julgado deserto, por despacho de 1/10/2002.

E que o autor, em 29/10/98 emitiu um cheque, no montante de 150 000$00 a favor do réu, tendo emitido outro cheque, no valor de 2. 000.000$00, em 31/3/95, também a favor do réu.

Tendo ficado ainda provado que:

O réu representava também os autores, como seu mandatário forense, por procuração dos mesmos, outorgada em 6/6/1991, no inventário que correu termos sob o nº 147/1992, por óbito dos pais do autor marido.

Em 21/1/1999 o réu juntou ao referido apenso D um requerimento contendo uma assinatura que não foi feita pelo punho do autor, onde era proposto, para entrega dos móveis em poder da exequente FF, o próximo dia 1 de Fevereiro, pelas 10H00.

Em 3/3/1999 o autor foi notificado do requerimento inicial de liquidação em execução de sentença, no apenso D, tendo entregue tal correspondência ao réu.

Na acta de audiência de 23/11/2001, no apenso D, na qual estavam presentes os mandatários (entre eles o réu) e a exequente, foi lavrado um termo de transacção, onde as partes fixaram a quantia exequenda em 900.000$00, exigível de imediato, com juros desde a mesma data, que foi homologado por sentença. Tendo sido ordenado o cumprimento do art. 301.º, nº 3 do CPC.

Os autores não se encontravam presentes na audiência de julgamento do dia 23 de Novembro de 2011 e não foram previamente consultados sobre os termos do acordo.

Por requerimento de 7/12/2001, consta declararem os ora autores não darem anuência à transacção, não ratificando a mesma.

Nesse requerimento constam duas assinaturas que não foram apostas pelo punho dos autores, alem da indicação dos nºs do BI, data e local da emissão.

Por despacho de 14/12/2001 foi determinado que a transacção não produzia efeitos, tendo sido designada data para julgamento.

Foram efectuadas penhoras no apenso D, que atingiram a imagem dos autores junto das instituições bancárias, sentindo-se os mesmos, por via delas, envergonhados e entristecidos. Tendo os seus vizinhos sabido das penhoras, o que contribuiu para os autores sentirem tristeza.

O réu elaborou e fez chegar ao cunhado do autor, a carta datada de 30/4/2004, à qual juntou um requerimento onde refere que: (…) AA, interessado cabeça-de-casal nos autos de processo de inventário à margem referenciados, por se terem frustrado todas as diligências efectuadas até à presente data para partilha amigável que parecia fácil e de interesse de todos os interessados, vem requer o prosseguimento dos presentes autos até final”. Não tendo o réu procedido à junção de tal requerimento aos autos, encontrando-se o processo de inventário no arquivo desde 1997.

O réu sabia que o prédio penhorado não correspondia ao imóvel pertencente a GG, mas sim à herança e que o autor não ocupava esse prédio.

Mais se provando outros factos dos quais não se pode extrair, desde logo, qualquer conduta do réu que possibilite concluir pelo seu incumprimento do contrato de mandato celebrado com o autor marido ou com os autores.

Concluir se devendo, da factualidade apurada, não ter ficado provado, à partida, qualquer incumprimento por parte do réu ou, podendo este antever-se, qualquer nexo causal entre o mesmo e os arrogados danos.

Sendo certo que a deserção do recurso, ocorrida em 1/10/2002, já após a renúncia do réu, cujos contornos e razões desconhecemos de todo em todo, teve lugar no decurso do mandato de outro advogado, o Dr. II. Não se vendo, na falta de outra factualidade apurada a respeito, como poder responsabilizar o réu por tal feito. Não se vendo que o Dr. II com o réu tivesse qualquer relação ou até que por este tivesse sido indicado para continuar o trabalho que vinha desenvolvendo em Juízo e fora dele.

O mesmo sucedendo a respeito dos cheques, mormente o de 2.000.000$00, nada se sabendo, em concreto, para alem do meramente alegado, sem comprovação, sobre a razão da sua emissão e da sua entrega ao réu.

Desconhecendo-se porque razão deixou deserto o outro recurso. Já que nada mais se provou a este respeito. Não se sabendo, desde logo, se a impugnação da sentença em causa tinha qualquer viabilidade de êxito.

Desconhecendo-se quem imitou as assinaturas dos autores, se o réu sabia que as mesmas não foram feitas pelo punho dos mesmos, se estes sabiam ou não que elas constavam de tais requerimentos.

Desconhecendo-se se o termo de transacção, outorgado à revelia dos autores, que não os vinculou, era ou não, tendo em conta a acção em que foi efectuado, para eles vantajoso ou prejudicial[22].

Desconhecendo-se qual o estado do processo de inventário no arquivo, bem como quais as consequências necessárias da não apresentação do requerimento que fez chegar ao cunhado do autor, com a carta de 30/4/2004.

Desconhecendo-se se a conduta do réu foi a causa das penhoras efectuadas, que atingiram a imagem dos autores e lhes provocaram tristeza.

Desconhecendo-se qualquer conflito de interesses entre o autor e seu irmão, também pelo réu representado.

Ora, é sabido ser necessária a alegação e prova, por banda do autor, do nexo de causalidade entre o facto (a conduta omissiva e/ou infractora do réu) e os invocados danos.

Sabendo-se também que o problema do nexo de causalidade, na sua vertente naturalística, envolve somente matéria de facto, assim escapando ao controlo deste STJ, como Tribunal de revista.

Não bastando, com efeito, qualquer acto ou omissão no exercício do mandato para que surja, por banda do advogado, e sem mais, obrigação de indemnizar os invocados e até comprovados prejuízos.

Tendo a actuação (ou omissão) do causídico, mesmo que culposa, que ser adequada a produzir tais danos.

Pois, como já dito, o nexo de causalidade entre o facto e o dano é um dos requisitos da obrigação de indemnizar (mesmo na responsabilidade contratual).

Prescrevendo o art. 563.º, sob a epígrafe de “nexo de causalidade”, que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

Acolhendo o nosso Código Civil, se bem que de forma não inteiramente correcta, a doutrina da causalidade adequada[23] que, de resto, já vinha sendo a dominante em Portugal, resultando dos trabalhos preparatórios de tal diploma (de 1966) o propósito de a aceitar[24].

E, assim, não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito, para que este, sob o ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele: sendo ainda necessário que o evento danoso seja uma causa provável, adequada desse efeito. Não bastando, pois, a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano, sendo, ainda, preciso que, em abstracto, o facto seja uma causa adequada do dano[25].

Sendo antes necessário, para que um facto seja causa de um dano, que, por um lado, no plano naturalístico, ele seja condição (directa ou indirecta) sem a qual o dano se não teria verificado, e, por outro, que em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo.

Afirmando Vaz Serra, a propósito: “Não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse resultado”[26].

Ora, como já aflorado, mesmo a considerar que o réu possa ter infringido alguns dos seus deveres de advogado na sua relação com o cliente – o que nem sequer se pode dar de barato – com a consequente censura do seu comportamento, que não terá sempre adequado à defesa dos interesses dos autores, não se apurou, não obstante a presunção da sua conduta culposa, se a mesma foi causa adequada dos alegados danos. Prova essa que incumbia aos autores (art. 342.º, nº 1).

Não se tendo minimamente apurado se, não fora a deserção do primeiro recurso atrás aludido, os autores teriam saído vencedores na acção.

Incumbindo aos mesmos a alegação e prova de que tal recurso teria possibilidade de êxito na acção nº 202/95, na qual o autor marido era também réu, cuja sentença levou à penhora de bens.

Sendo da experiência comum que os recursos, nas acções judiciais, podem não lograr vencimento. Assim sucedendo em inúmeras ocasiões.

Não se podendo, assim, na parte aqui em apreço - e sem prejuízo de não se obrigar os ora recorrentes a comprovar que o ora autor marido não teria seguramente decaído na aludida acção contra ele antes proposta - dar, sem mais, como apurado o nexo de causa/efeito entre o facto e o dano, sob o ponto de vista da causalidade adequada de que ora curamos[27]. Sendo a deserção do recurso, sem outros factos provados a respeito[28], e, assim, desde logo, sem outros factos a propósito apurados, segundo as regras da experiência, condição do prejuízo.

E, se dizemos não constar da matéria de facto apurada base suficiente para se aferir da aludida causalidade adequada, sucede que tal matéria não está minimamente alegada pelo ora autor, o qual, a propósito, apenas conclui que a deserção do recurso, por via da conduta do seu então advogado, ora réu, permitiu a sua condenação na acção.

Trata-se, como dito, de uma mera conclusão, que deveria ter sido espraiada em factos que a permitissem afirmar[29].

Sendo certo que o princípio dispositivo, ainda hoje, embora de forma mitigada, básico na nossa processualística civil, tem como reverso da medalha o princípio da auto-responsabilidade das partes[30].

Suportando cada uma delas, como resultado de tal princípio, um ónus de afirmação (alegação).

E, decidir que tal ónus pertence a uma das partes – o ónus de alegar factos donde se possa inferir o aludido e adequado nexo causal pertence ao autor que invoca a responsabilidade contratual (ou extra-contratual, vai dar ao mesmo) do réu – significa que será julgado o pleito contra si se os factos não alegados forem indispensáveis à sua pretensão.

Sendo certo que o problema do ónus de afirmação – o de saber quem corre o risco da falta de alegação de factos indispensáveis para se decidir o pleito em certo sentido – não deixa de ser idêntico ao do ónus de prova – o de saber quem corre o risco de não provar o respectivo facto alegado – tudo isto significando que os critérios gerais em sede de ónus de prova valem, de igual modo, para o ónus de afirmação[31].

Mais se podendo dizer, e como também é bem sabido, estar consagrado no nosso ordenamento jurídico o princípio da substanciação, segundo o qual não basta a indicação genérica do direito que se pretende fazer valer, sendo antes necessária a indicação especificada dos factos constitutivos desse direito[32].

Competindo, assim, ao autor, articular os factos essenciais e concretos que se inserem na previsão da norma ou normas jurídicas que acolhem o seu arrogado direito, como meio, desde logo, de satisfazer o contraditório, porquanto só dessa maneira o réu se poderá cabalmente defender.

O que in casu, não sucedeu.

Sendo, ainda, certo, sempre se dirá, que o dano pode não resultar da perda da acção em si mesma, mas sim do que se designa por “perda de chance”, ou seja, da perda pelo autor da oportunidade de se concretizar a expectativa da decisão apreciar o seu direito

Estamos, agora, perante a problemática da denominada “perda de chance”, ou de oportunidade, muito actual no campo da responsabilidade civil, mormente no da responsabilidade civil dos médicos e dos advogados.

Tendo tal doutrina surgido em França, nos anos sessenta do século passado, sem grande acolhimento na nossa doutrina e na jurisprudência deste Supremo Tribunal[33]/[34].

Acolhendo-se aqui, pela sua bondade, e na generalidade, a apreciação doutrinal a que a teoria da perda de chance, ora em apreço, foi esquematicamente sujeita no acórdão deste STJ de 26/10/2010, da autoria, como relator, do Conselheiro Azevedo Ramos[35], o qual, com a vénia devida, se segue de perto.

Segundo Armando Braga[36], consiste tal dano na perda da probabilidade de obter uma futura vantagem, sendo, contudo, a perda de chance uma realidade actual e não futura.

Reportando-se o mesmo dano ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado.

Devendo ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança, e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida.

Carneiro da Frada[37], estudando também o problema, em foco na responsabilidade médica (o atraso do diagnóstico que diminui em 40% as possibilidades de cura do doente) e na exclusão (indevida) de um sujeito a concurso, privando-o da hipótese de o ganhar, conclui que uma das formas de resolver este género de problemas é o de considerar a perda de oportunidade como um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano (apenas hipotético, v.g., ausência de cura, perda de concurso), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente.

Havendo que se consubstanciar como um bem jurídico tutelável a mera possibilidade de uma pessoa se curar, de se apresentar a um concurso (…).

E, se no plano contratual, a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes, no campo delitual tal caminho é bem mais difícil de trilhar.

Afigurando-se indispensável na quantificação do dano, e nos problemas que daí advirão, um juízo de probabilidade.

Rute Pedro[38] refere que a perda de chance, enquanto tal, está ausente no nosso direito, poucos sendo os autores que a ela aludem, sendo certo que, quando o fazem, dedicam-lhe uma atenção lateral e pouco desenvolvida.

Erigindo a chance à categoria de entidade autónoma, sendo o dano que resultará da sua frustração também dotado de autonomia e substancialmente diverso do dano decorrente da perda do resultado por ela propiciado.

Pressupondo a aceitação do ressarcimento do dano derivado da frustração de uma chance a prova inequívoca da sua existência.[39]

Para Júlio Gomes[40] afigura-se-lhe que a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória.

E, na medida em que a doutrina ora em questão seja invocada para introduzir uma noção de causalidade probabilística, parece-lhe que a mesma, pelo menos de jure condito, deverá ser rejeitada entre nós[41].

Admitindo, contudo, um espaço ou dimensão residual da perda de chance no nosso direito vigente: no caso de situações pontuais, como a situação em que ocorre a perda de um bilhete de lotaria, ou em que se é ilicitamente afastado de um concurso. Tratando-se de situações em que a chance já se densificou o suficiente para, sem se cair no arbítrio do juiz, se poder falar no que Tony Weir apelidou de “uma quase propriedade”, de “um bem”.

Também Mota Pinto[42] nos diz que não parece que exista, para já entre nós, base jurídico-positiva para apoiar a indemnização baseada na perda de chance.

Também aqui se concluindo não relevar a teoria em apreço, a da perda de chance, por esta, desde logo, não estar, in casu, suficientemente densificada, contrariando em absoluto, a ser agora seguida, as regras da causalidade adequada atrás enunciadas e a devida certeza dos danos.

Caindo-se, se acolhida fosse, nas presentes circunstâncias, no puro arbítrio do Tribunal, desconhecendo-se de todo em todo se a aparentemente censurável conduta do réu, descurando, em abstracto os interesses do ora autor, foi condição adequada ou até bem provável do dano arrogado. Não se sabendo, desde logo por falta de alegação do autor a propósito, e como já dito, se havia alguma hipótese de, com a alegação do réu, a tese do mesmo pudesse lograr vencimento, com a improcedência da acção[43].

Agora, as restantes questões, a sexta, sétima e oitava: sejam, a da responsabilidade do réu pelos actos das pessoas que utilize no cumprimento da sua obrigação, a da responsabilidade do réu pelos danos causados aos autores e a do erro de julgamento por banda do tribunal recorrido.

Quanto à responsabilidade do réu já atrás vimos não terem resultado preenchidos os seus pressupostos.

Pois, como aflorado antes, mesmo tratando-se de responsabilidade obrigacional imputada ao réu, prevista no art. 798.º, há uma clara equiparação dos pressupostos desta aos da responsabilidade civil delitual, exigindo-se, para alem do facto do agente, a ilicitude, resultante do não cumprimento da obrigação (ou do seu cumprimento defeituoso), a culpa (que apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil, se presume (art. 799.º), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano[44].

Tendo o arrogado credor que provar a existência do direito de crédito (art. 342.º, nº 1), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Não tendo os autores provado, pelo menos, quer a existência do crédito que invocam, nem o aludido nexo causal.

Desconhecendo-se, como já dito, a autoria, como se fosse pelo punho dos autores, da sua assinatura e se o réu sabia de tal imitação. Bem como, ainda, se os autores, quando os requerimentos onde constam tais assinaturas foram juntos aos autos, conheciam que as mesmas não foram feitas pelo seu punho, nada dizendo a respeito.

Não se descortinando qualquer erro de julgamento, ou seja, qualquer decisão “contra legem” ou contra os factos apurados[45], por banda do Tribunal recorrido.

Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em se negar a revista, confirmando-se o acórdão da Relação recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 30 de Maio de 2013

Serra Baptista (Relator)

Álvaro Rodrigues

Fernando Bento

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[1] Sendo deste diploma legal todas as disposições a seguir citadas sem referência expressa
[2] Lebre de Freitas e outros, CPC Anotado, vol. 2.º, p. 484.
[3] Lebre de Freitas, Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, p. 376.
[4] Quanto a este já antes nos pronunciamos quanto ao seu valor, podendo apenas ser livremente valorado pelas instâncias, sem o valor inerente à confissão
[5] Estamos a falar no regime anterior à entrada em vigor das alterações ao processo civil introduzidas pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, que é o que nestes autos vigora.
[6] As Relações, constitucionalmente consideradas como tribunais de 2ª instância (art. 210.º, nº 4 da CRP), conhecem tanto de questões de facto como de direito, mas, antes da publicação deste diploma, tendo em conta o princípio da oralidade plena, o julgamento da matéria de facto era praticamente imodificável. O que era alvo de severas críticas por banda de muitos processualistas e demais juristas, já que no fundo, sem mais apelo, a decisão da matéria de facto era definitivamente julgada na 1ª instância. Tal sistema veio, então, com o aludido DL 39/95, a ser substituído pelo da oralidade mitigada, preconizado por Franz Klein, assim se permitindo um amplo recurso sobre a matéria de facto. Possibilidade essa que veio a ser reforçada pela Reforma de 95/96. E, assim, com o dever de motivação das decisões – a fundamentação da convicção do julgador - expresso no art. 653º, nº 2, constitucionalmente consagrado no art. 205º, nº 1 da CRP, e assegurada que está a documentação da prova, criadas estão as condições para o julgamento eficaz do segundo grau de jurisdição em matéria de facto – cfr., a propósito e para maiores desenvolvimentos, Ac. do STJ de 19/3/2009 (Santos Bernardino), Pº 08B3745, in www.dgsi.pt, aqui estando publicada toda a demais jurisprudência citada sem outra menção.
[7] O “erro de julgamento” aludido, não inquinará normalmente toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo “facto”, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente – aresto atrás citado e Lopes do Rego, Comentário ao CPC, vol. I, p. 608.
[8] O princípio da livre apreciação da prova também pertence à Relação, como tribunal de instância que é, conferindo-lhe, como tal, e nos termos do art. 712º, o pleno poder de alterar a matéria de facto antes decidida pelo tribunal de 1ª instância, fixando, a final, a matéria de facto necessária à boa decisão da causa.
[9] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., p. 257, citando, a propósito, Eurico Lopes Cardoso, Bol. nº 80, pags 220 e 221.
[10] Sendo certo que alguns desses sinais poderão ainda ser detectados na gravação efectuada, como acontecerá com as pausas ocorridas no discurso da testemunha, com as indecisões, imprecisões e contradições na respectiva narração. Bem podendo também tais circunstâncias, não apreensíveis na transcrição ou na audição dos depoimentos gravados, pelo menos no essencial e quando decisivas, constarem na motivação da decisão de facto como elemento importante para a convicção do julgador - art. 653º, nº 2. Permitindo tal motivação, se bem operada, que a Relação se aperceba, no essencial, da motivação de índole subjectiva que levou a 1ª instância a formar a sua convicção em determinado sentido, perante aquela prova concreta - cfr., também, Ac. do STJ de 1/7/2008 (Moreira Alves), revista 198/08-1.
[11]Cfr. a propósito, Ac. do STJ de 13/5/04 (Bettencourt de Faria), Pº 04B4647.
[12]Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, p. 228.
[13]Pressupondo-se, naturalmente, que estejam preenchidos os ónus exigidos pelo citado art. 690º-A.  
[14]Cfr. demais jurisprudência citada no referido Ac. deste STJ de 19/3/2009.
[15]Abrantes Geraldes, Reforma dos Recursos em Processo Civil, Revista Julgar, nº 4, Janeiro/Abril 2008, p. 69 a 76 e Recursos em Processo Civil – Novo Regime, p. 279 a 286, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, p. 228 e acs deste STJ de 1/7/2008 (Moreira Alves), Pº 08A191, de 25/11/2008 (Nuno Cameira), Pº 08A3334, de 12/3/2009 (Santos Bernardino), Pº 08B3684 (Santos Bernardino), de 28/5/2009, Pº 4303/05.0TBTVD.S1, de 15/9/2010 (Pinto Hespanhol), Pº 241/05.4TTSNT.L1.S1 e de 2/3/2011 (Garcia Calejo), Pº 1675/06.2TBPRD.P1.S1.
[16]Trata-se de uma faculdade concedida aos Juízes da Relação para, em casos necessariamente excepcionais, removerem a dúvida insanável sobre a correcção do decidido em 1ª instância, quando a ponderação dos registos e dos demais elementos do processo não tiver logrado esclarecer integralmente o julgador – Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 3º, p. 97, citando Lopes do Rego, ob. e vol. cit., p. 97.
[17] Que seria o que, à data, estaria em vigor.
[18] Sendo, agora, deste diploma legal todas as disposições a seguir citadas sem outra menção.
[19] Tem-se discutido se a responsabilidade civil profissional do advogado é de natureza contratual, extracontratual ou mista. Defendendo-se, na primeira tese, que ela resulta do contrato de mandato, ou de contrato sui generis, atípico ou inominado; na segunda, o carácter público da actividade forense e a violação dos deveres que legalmente lhe são exigíveis; na terceira, adoptando-se a concorrência de ambas as responsabilidades, podendo o acto ou omissão do advogado constituir responsabilidade contratual ou extracontratual, havendo que fixar em concreto o respectivo regime jurídico – António Arnault, Iniciação à Advocacia, p. 130, com menção de doutrina a respeito.
[20] Segundo a chamada doutrina do cúmulo ou da opção, o lesado tanto pode beneficiar das regras de um ou do outro tipo de responsabilidade (da contratual ou da extracontratual ou aquiliana), invocando aquelas que melhor lhe convierem desde que não se socorra, na mesma acção, das regras privativas de uma ou de outra espécie de responsabilidade. Sendo certo que em ambas terão que ser sempre preenchidos os seguintes elementos cumulativos – (i) culpa de quem presta o serviço, (ii) dano daquele para quem o serviço é prestado, e (iii) nexo de causalidade entre a culpa e o dano – Moitinho de Almeida, Responsabilidade Civil dos Advogados, p. 8 e ss.
[21] Sendo comummente entendido que a omissão dos deveres profissionais do advogado, alem da responsabilidade disciplinar em que o fará incorrer, também os faz incorrer em responsabilidade civil – Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, XII, p. 409.
[22] A sentença que acabou por ser proferida, liquidou a quantia exequenda em € 10 474,76 (+/- 2.100.000$00).
[23] Que Galvão Telles também assim formulou: “Como causa adequada deve considerar-se, em princípio, toda e qualquer condição do prejuízo. Mas uma condição deixará de ser causa adequada, tornando-se, pois, juridicamente indiferente, desde que seja irrelevante para a produção do dano segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias conhecidas do agente, ou susceptíveis de ser conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática da acção. E dir-se-á que existe aquela irrelevância quando, dentro deste condicionalismo, a acção não se apresenta de molde a agravar o risco de verificação do dano – Direito das Obrigações, p. 405.
[24] Galvão Telles, ob. cit., p. 404 e ss.
[25] P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. I, p. 579 e Acs do STJ de 25/6/98 (Miranda Gusmão), Bol. 478, p. 369/370 e de 10/5/2001 (Óscar Catrola), Pº 01B829, in www.dgsi.pt, entre outros.
[26] Ac. do STJ de 26/10/2010, já antes citado.
[27] Acs do STJ de 10/5/2001, já citado, a propósito de um caso de falta de alegação neste Tribunal, com perda da causa, de 13/1/2009 (Garcia Calejo), Pº 3396/08-1, crendo-se que não publicado, de 29/5/2012 (João Camilo), Pº 8972/06.5TBBRG.G1.S1 e da RL de 9/3/2010 (Antas de Barros), apelação nº 1712/05.8TVLSB.L1.
[28] Que apontassem para uma forte probabilidade do ora autor, réu na aludida acção, obter ganho de causa, sem condenação.
[29] Não se exigindo ao aqui autor, com este nosso entendimento, um esforço hercúleo, desproporcionado ao exercício do seu arrogado direito, pois bastar-lhe-ia alegar (e provar) factos que permitissem concluir que o mesmo, com o recurso interposto, não decairia na acção que contra ele foi proposta.
[30] M. Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 378.
[31] M. Andrade, ob. cit., p. 187.
[32] A. Reis, CPC Anotado, vol. II, p. 356, M. Andrade, ob. cit., p. 297, Castro Mendes, Manual de Processo Civil, p. 299 e A. Varela, Manual de Processo Civil, p. 692.
[33] Citado Ac. deste STJ de 29/5/2012.
[34] Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, Reflexões sobre a noção da perda de chance a tutela do doente lesado, p. 192, dá-nos conta que as primeiras aplicações desta figura, em França, remontam ao fim do século XIX.
[35] Pº 1410/04.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[36] A Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual, p. 125.
[37] Direito Civil, Responsabilidade Civil, Método do Caso.
[38] Ob. cit., p. 179 e ss.
[39] Esta autora, na mencionada obra, falando-nos dos diferentes núcleos respeitantes à doutrina em questão, refere-se, de forma expressa, à perda de chance processual, dando como exemplo, entre outros, o do advogado que não contesta a acção ou que o faz depois de decorrido o prazo (p. 190). Reconhecendo, a seguir, que na efectivação da responsabilidade civil do advogado se encontra um obstáculo de grande monta no que tange à afirmação e apreciação do nexo causal entre a conduta culposa do jurista e o dano de que o seu cliente se lamenta. Sendo certo que o êxito judicial é função de múltiplos elementos que são estranhos ao cumprimento ou incumprimento do advogado.
[40] Direito e Justiça (Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa), vol. XIX (2005), T. II, p. 9 e ss, maxime p. 44.
[41] Concluindo o referido autor, lançando a questão, se a melhor forma de resolver os problemas que se querem apoiar na teoria da perda de chance não será antes motivo para rever as regras em matéria de “causalidade”, ou reconhecendo a relevância da chamada “causalidade probabilística” ou revendo as regras sobre a causalidade alternativa (p. 47).
[42] Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I,  p. 1103, nota de pé de página.
[43] No sentido da mera perda de chance não ter, em geral, virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória, citados acórdãos deste STJ de 26/10/2010 e de 29/5/2012. O Ac. do STJ de 10/3/2011 também já referido, sustenta que a perda de chance só poderá ser valorada em termos de uma “possibilidade real” de êxito que se frustrou.
[44] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, p. 329/330.
[45] Anselmo de castro, Lições de Processo Civil, 3.º, p. 239.