Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1652/16.5T8PNF.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
AUDIÇÃO PRÉVIA DAS PARTES
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
FALECIMENTO DE PARTE
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
ÓNUS
NEGLIGÊNCIA
REVISTA EXCECIONAL
Apenso:
Data do Acordão: 05/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Declarada a suspensão da instância por óbito de uma das partes passa a recair sobre a parte ou os sucessores da parte falecida, o ónus de promover a habilitação dos sucessores, como decorre dos art. 276º/1 a) e art. 351º CPC e ainda, art. 3º/1 e art. 5º CPC.

II. Nestas circunstâncias não cumpre ao tribunal promover a audição da parte sobre a negligência, tendo em vista formular um juízo sobre a razão da inércia, por não resultar da lei a realização de tal diligência.

III. A negligência será avaliada em função dos elementos objetivos que resultarem do processo. Recai sobre a parte o ónus de informar o tribunal sobre algum obstáculo que possa surgir.

IV. A declaração de deserção, nos termos do art. 281º/1 CPC, constitui uma consequência processual diretamente associada na lei à omissão negligente da parte tal como retratada objetivamente no processo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum em que figuram como:

- AUTORA: AA, solteira, menor, representada pelos seus pais BB e mulher CC; e

- RÉ: Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA

Pede a autora a atribuição de uma indemnização pelos prejuízos sofridos em consequência do acidente de viação que sofreu, sob a forma de atropelamento e imputável ao condutor do veículo segurado.


2. Citada a ré contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação. Por excepção, suscitou a caducidade do contrato de seguro, porque o veículo interveniente no sinistro foi objecto de venda em data anterior ao acidente, sem que tal venda tenha sido comunicada à seguradora e constituído novo contrato de seguro.

Apresentou uma outra versão dos factos concluindo não lhe ser imputável a ocorrência do sinistro.


3. Na resposta a autora refutou os factos alegados na contestação.

4. Em incidente de intervenção principal provocada, veio requerer a intervenção passiva do Fundo de Garantia Automóvel e do condutor do veículo.

5. Proferiu-se despacho que convidou a autora a fazer intervir o Fundo de Garantia Automóvel, bem como, os responsáveis civis: proprietário e condutor do veículo à data do sinistro.

6. A A., dando satisfação ao solicitado, veio rectificar o requerimento esclarecendo que o condutor e o proprietário do veículo são a mesma pessoa.

7. Admitido e deferido o incidente, procedeu-se à citação dos intervenientes Fundo de Garantia Automóvel e DD.

8. O Fundo de Garantia Automóvel veio contestar.

9. O CENTRO HOSPITALAR ..., veio requerer a sua intervenção espontânea ao lado da autora e formulou o pedido de condenação da ré, ou intervenientes, no pagamento das despesas realizadas com os tratamentos administrados à autora.

10. A ré seguradora e o Fundo de Garantia Automóvel vieram contestar o pedido formulado pela interveniente espontânea.


11. Elaborou-se o despacho saneador e o despacho que fixou o objeto do litígio e os temas de prova.


12. Concluídas as diligências de instrução, com realização de perícia médica, diligenciou-se pela marcação da audiência de julgamento.


13. Na data designada para a realização da audiência de julgamento, dia 08 de maio de 2018, as partes requereram a suspensão da instância pelo período de 30 dias, ao abrigo do art. 272º CPC, o que foi deferido.


14. Em 14 de junho de 2018, nova data designada para realização do julgamento, foi suscitada pelas partes a questão da capacidade judiciária de DD, o que levou o tribunal a determinar a realização de uma perícia.


15. Promoveram-se diligências para realização do exame pericial.


16. Em 03 de junho de 2020 por requerimento (ref. Citius ...14) veio o patrono nomeado ao interveniente DD comunicar aos autos o óbito do mesmo, referindo apenas ter sido informado do óbito nesta data. Juntou certidão de assento de óbito.


17. Em 05 de junho de 2020 proferiu-se o despacho que se transcreve (ref. Citius ...78):

“Face à junção do assento de óbito do interveniente principal DD, ao abrigo do disposto nos arts. 269º, n.º 1, al. a) e 270º do CPC, declaro suspensa a instância, sem prejuízo do disposto no art. 281º, n.º 5, do CPC.

Notifique”.


18. Em 05 de junho de 2020 foram as partes na acção notificadas do despacho.

19. Em 04 de janeiro de 2021 (ref. Citius ...48) proferiu-se o despacho que se transcreve:

Atenta a inércia das partes por mais de 6 meses e tendo em conta o último despacho proferido, nos termos do art. 281º, n.º 1, do CPC e de acordo com os seus pressupostos que se encontram preenchidos, julgo deserta a instância e declaro, assim, extinta a referida instância (arts. 277º, al. c) e 281º, n.º 1, do CPC).

Custas a suportar pela A.”.


20. A Autora veio interpor recurso deste despacho para o Tribunal da Relação, que conheceu do recurso e decidiu:

“Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão.”


21. O acórdão recorrido foi aprovado por unanimidade e sem fundamentação essencialmente diversa do despacho recorrido da 1ª instância.


22. Não se conformando veio a A. interpor recurso de revista excepcional.


23. No Tribunal da Relação foi proferido despacho a remeter o processo ao STJ, por se tratar de revista excepcional, dizendo-se:

“AA veio interpor recurso de revista excecional, com fundamento no art. 672º/1 c) do CPC (ref. Citius ...23), do acórdão do Tribunal da Relação proferido em 08 de novembro de 2022 (ref. Citius ...36).

A recorrente tem legitimidade e o recurso é tempestivo.

A verificação dos pressupostos de admissibilidade constitui matéria da competência do Supremo Tribunal de Justiça – art. 672º/3 CPC.

Notifique.

Remeta os autos ao Supremo Tribunal de Justiça.”


24. No recurso de revista vêm formuladas as seguintes conclusões (transcrição):

1a - No douto Acórdão recorrido é expresso o entendimento que não existe o dever de o juiz determinar a audição das partes antes de proferir despacho a decretar deserção da instância, por forma a que seja possível, antes daquela gravosa decisão, ser apreciada e valorada a conduta da autora, permitindo assim, uma avaliação sobre se existiu, ou não, negligência sua em promover o andamento do processo.

2a - No Acórdão recorrido refere-se expressamente que a lei não determina que a decisão a proferir seja precedida da audição prévia das partes.

3a - E é também expresso o entendimento que o princípio do contraditório tem em vista questões de facto ou de direito que sejam suscitadas no processo, impondo-se ao Tribunal decidi-las, não tem em vista, o que é completamente diferente, impor ao Tribunal no âmbito de um incidente inominado, que não está previsto na lei, convidar os interessados que no aludido período de seis meses optaram por não juntar aos autos nenhum documento nem suscitar qualquer questão explicar o seu comportamento ou apresentar os documentos ou suscitar as questões que podiam ter sido suscitadas e não suscitaram.

Ao invés e em oposição.

4a - No Acórdão fundamento, proferido por unanimidade, Acórdão da Relação de Coimbra de 20/09/2016, Pro nº 1215714.0TBPBL-B.C.1, disponível em www.dgsi.pt, a propósito da mesma questão, ficou claramente afirmado o seguinte:

"I - Como claramente emerge da norma do artigo 281° n° 1 do CPC, a deserção da instância nela cominada só pode ser declarada judicialmente não caso de ser declarada negligente a falta de satisfação do ónus de impulso processual por parte daqueles sobre quem tal ónus impende.

II - Tal negligência não pode presumir-se do facto de ter decorrido o aludido prazo de seis meses sem que alguma diligência por parte daquele que tem aquele ónus.

III - O tribunal deve diligenciar, antes de declarar a deserção da instância, pelo apuramento do circunstancialismo factual que permita sustentar a afirmação do comportamento negligente que procura sancionar com a cominada deserção.

IV- Em obediência ao princípio do contraditório e salvo em casos de manifesta necessidade devidamente justificada, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente contra aquele contra quem ela é dirigida, a efectiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar.

V - A violação do contraditório gera nulidade processual se aquela for susceptível de influir decisivamente na decisão da causa."

5a - Também, nos Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 05/07/2018, Proc. 105415/12.2YIPRT.P1.S1 e de 03/10/2019, Proc. 1980/14.4TBVDLL1.S1, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/05/2017, Proc. 407/09.8TBN2R.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18/12/2017, Proc. 3401/12.8TBGMR.G2 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/06/2017, Proc. 239/13.9TBPDL, entre outros, foi decidido em sentido oposto ao do Acórdão recorrido.

6ª - Ora não sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o julgador, antes de proferir o despacho de deserção da instância, deve, num juízo prudencial, ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente de alguma delas.

7a - Pelo que no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o Acórdão recorrido contraria não só corrente jurisprudencial dos Tribunais Superiores, mas está em manifesta oposição com o Acórdão fundamento supra invocado, tal como está também em manifesta oposição com os restasntes acórdãos citados.

8a - A questão bem apreciada no fundamento e nos demais acórdãos citados consiste no entendimento e na obrigatoriedade de o Juiz antes de proferir a decisão que decreta a deserção a instância, por o processo estar parado mais de seis meses, dever averiguar se ocorre negligência de qualquer das partes em promover o andamento do processo, o que se traduz na obrigação de efetuar uma apreciação e valoração do comportamento destas, por forma a poder concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo, resulta de negligência destas, ou de um entendimento diferente quanto a uma disposição legal.

9a - Ê abundante a jurisprudência, nela se incluindo o Acórdão fundamento, que são unânimes em afirmar que, não sendo automática a deserção pelo decurso do prazo de seis meses, o julgador, antes de proferir o despacho de extinção da instância por deserção, deve, num juízo prudencial ouvir as partes, com o alcance jurisdicional que a sua função de juiz lhe impõe.

10a - Já o Acórdão recorrido, ao invés de todos estes Acórdãos citados, acolhe o entendimento de que não se impõe ao tribunal que a decisão de suspensão da instância por deserção seja precedida de audição das partes.

11a - Se o Tribunal de Primeira instância tivesse dado oportunidade à recorrente de se pronunciar, teria esta explicado e provado, que desde a propositura da acção tudo fez para  o seu normal prosseguimento, nomeadamente requerendo incidente de intervenção principal provocada do Fundo de Garantia Automóvel e do DD, requerimentos probatórios incluindo perícias médicas à Autora, e só não requereu o incidente de habilitação de herdeiros do interveniente principal DD porque, em seu entender, e uma vez que já se tinham iniciado duas audiências de discussão e julgamento, nos termos do artigo 270° n° 1 in fine do CPC a instância só deveria suspender-se depois de proferida a sentença.

12a - Mas como os autos evidenciam a recorrente não foi ouvida.

13a - Nem foi feito nenhum juízo sobre a existência de negligência da recorrente.

14a - O artigo 281° n° 1 do CPC estabelece que o que determina a deserção da instância é não só o processo estar parado há mais de seis meses como também a existência de uma omissão negligente da parte em promover o seu andamento, quando era à parte quem competia promover o andamento do processo.

15a - Assim, não sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o Tribunal de primeira instância, antes de proferir o despacho de extinção da instância por deserção, deve ouvir as partes por forma a melhor avaliar a existência de um comportamento negligente da parte.

16a - As consequências gravosas, para a autora, da deserção da instância, e a necessidade de verificação segura de que a ausência de impulso processual há mais de seis meses se deve a negligência da das partes, impõe que o Tribunal, antes de proferir uma tal decisão, e na concretização do princípio dever de cooperação e no cumprimento do princípio do contraditório, dê às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre essa matéria.

17 a - Acresce que os presentes autos contam com várias partes, uma delas, a interveniente espontânea ao lado da autora, ora não decorre da lei nenhum ónus específico de promoção da actividade processual sobre a recorrente.

18a - A recorrente tem um ónus, mas não tem um ónus de promoção específico, pelo que se não recaia sobre a recorrente um ónus específico de promoção da actividade processual, não podia, tal como foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/10/2019, Proc. 1980/14.4TBVDLL1.S1, ter sido, nos termos em que aqui foi proferido despacho de deserção da instância.

19a - Por outro lado no despacho que suspendeu a instância, o tribunal de primeira instância não advertiu as partes para a cominação prevista no n° 1 do artigo 281° do CPC.

20a - Pelo que a mesma não pode deixar de se considerar como uma decisão surpresa, uma vez que foi extinta uma instância judicial com várias partes, e que essas partes não foram advertidas para a cominação do n° 1 do artigo 281° do CPC, nem ouvida antes de ser proferida a decisão de extinção da instância por deserção.

21a - Acresce que é patente a existência de contradição entre os Acórdão supra citados, nomeadamente entre o Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido, sobre a mesma questão fundamental de direito, o que torna admissível o presente recurso de revista.

22a - Também todos estes Acórdão foram proferidos no âmbito da mesma legislação, e em todos eles, quer nos Acórdãos fundamento, quer no recorrido, se discute a mesma questão fundamental de direito.

23a - Diga-se também que não existe Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, relativamente à concreta questão de direito, a necessidade de ouvir as partes, nos termos acima descritos, antes de ser decretada a deserção da instância.

24a - Verificam-se, pois, os requisitos para ser admitido o recurso de Revista, previsto no artigo 672° n° 1 alínea c) do CPC, dado que sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação, o douto Acórdão recorrido está em oposição com os supra citados Acórdãos.

25a - Salvo o devido respeito, a razão está de lado do Acórdão fundamento, cuja cópia se junta, e dos outros acórdãos citados, e bem assim da doutrina e da jurisprudência, que vem aplicando o entendimento supra referido.

26a - Assim sendo, e salvo o devido respeito, o douto Acórdão recorrido violou e/ou interpretou erradamente entre outros os artigos 3o, 6o, 7o, 270° n° 1 e 281° n°s 1 e 4 do Código de Processo Civil”


E vem pedida a revogação do acórdão recorrido e sua substituição por outra decisão conforme o alegado.


25. Não foram apresentadas contra-alegações.


26. Tendo o processo sido distribuído no STJ, incumbia ao relator verificar se alguma circunstância obstava ao conhecimento do seu objecto, nomeadamente aferindo os pressupostos gerais de recorribilidade, o que foi efectuado por despacho onde se disse, nomeadamente:

“26. O processo tem como valor da causa 76 197,10 €, superior à alçada do Tribunal de Relação, presumindo-se que a sucumbência tem o mesmo valor.

O recurso foi interposto por quem legitimidade, atempadamente e reporta-se a decisão recorrível – põe termo à causa – n.º 1 do art.º 671.º CPC - não fora a dupla conformidade decisória.

Vem solicitada a admissão da revista como excepcional, com fundamento na alínea c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC, tendo sido junto o acórdão fundamento - por cópia simples Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-09-2016, Processo 1215/14.0TBPBL-B.C1, retirado do site da dgsi.pt

27. Não se presumindo o trânsito em julgado dos acórdãos do Tribunal da Relação, e devendo a requerente comprovar este requisito, convidou-se a mesma a juntar nota do trânsito em julgado, no prazo de 10 dias, após o que o processo deveria ser remetido à formação (art.º 672.º do CPC), para análise da admissibilidade da revista excepcional, por a revista regra ser impedida pela dupla conformidade decisória.”


27. Recebidos os autos na formação a que se reporta o art.º 672.º, foi pela mesma proferido acórdão a admitir a revista excepcional.


Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.


II. Fundamentação

De facto

28. Relevam os factos constantes do relatório supra.


De Direito

29. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

A questão suscitada pela recorrente prende-se com a necessidade de pronúncia prévia da parte antes de o tribunal declarar a instância deserta.

30. No entendimento da recorrente o tribunal não podia declarar extinta a instância, por deserção, sem previamente ter ouvido as partes sobre a situação que motivava a extinção.

A questão em causa tem sido objecto de vários arestos dos tribunais superiores, nomeadamente do STJ.

31. É esse o caso do Ac. STJ de12-01-2021, relativo ao Proc. 3820/17.3T8SNT.L1.S1, em cujo sumário se lê:

I. Do disposto no artigo 281º do Código de Processo Civil conclui-se que: é necessário que seja proferida decisão sobre a deserção (referindo-se o nº 4 do artigo 281º do Código de Processo Civil a “simples despacho”), não ocorrendo, portanto, de forma automática.

II. Não basta o mero decurso do prazo de seis meses para que ocorra a deserção da instância, é necessário, também, apurar-se se o processo está parado por negligência das partes.

III. No que respeita à audição antes de ser proferida a decisão a julgar extinta a instância por deserção, não se encontra qualquer disposição legal que determina essa audição, nem a mesma decorre do princípio do contraditório ou do princípio da cooperação e do dever de gestão processual.

IV. A não intervenção do Tribunal desde o despacho que suspende a instância por óbito de um interessado até à decisão que julga extinta a instância por deserção, não viola o princípio da cooperação previsto no artigo 7º do Código de Processo Civil ou o dever de gestão processual previsto no artigo 6º deste diploma legal, porquanto não cabe ao Tribunal terminar com a inércia das partes, impondo-lhes a prática de atos que as mesmas não pretendam praticar (devendo sofrer as consequências legais da sua omissão), pois a maior intervenção que o Código de Processo Civil confere ao Juiz para providenciar pelo andamento célere do processo e com vista à prevalência da justiça material em detrimento da justiça adjetiva, não afasta o princípio da autorresponsabilização das partes.

V. Não ocorre inconstitucionalidade por violação do princípio do processo equitativo, do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.

Neste processo a situação apresentava paralelismo fáctico com a que nos é agora trazida em recurso:  falecimento de parte; suspensão da instância por despacho; decurso de mais de 6 meses sem junção de habilitação de herdeiros; despacho de deserção da instância, sem prévia audição das partes.

E aí se disse (transcrição):

“Conforme supra referido, tendo decorrido mais de seis meses após a notificação às partes do despacho que determinou a suspensão da instância fundada no falecimento da ré AA, sem que tivesse sido requerida a respetiva habilitação de herdeiros, a 1ª instância declarou, de imediato e sem a prévia audição das partes, a deserção da instância, ao abrigo do disposto no artigo 281º do CPC, em cujo nº 1 se estabelece que “sem prejuízo do disposto no nº 5 (ora sem interesse) considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.

Por sua vez, a Relação (muito embora reconhecendo ser diversa e contraditória a jurisprudência sobre a matéria) seguiu o entendimento contrário, ou seja, no sentido de se impor a prévia audição das partes (e daí a revogação da decisão da 1ª instância, nos termos supra assinalados) – o que justificou nos seguintes termos:

“… abandonado o regime da interrupção, a negligência constitui agora pressuposto da deserção, implicando, de acordo com o artigo 281.º transcrito, uma apreciação judicial.

Temos assim como certo que não basta à declaração de deserção a mera constatação de que, desde a suspensão decorreu o prazo assinalado pela lei, antes importa que tenha decorrido sem utilidade, porque a parte foi negligente em promover a acção.

Em suma, a deserção da instância deve ser decretada em despacho que aprecie dois pressupostos: o decurso de prazo de suspensão e a negligência da parte em promover os termos da acção.

O ponto é saber qual o regime dessa apreciação no que à negligência concerne, nomeadamente quanto à questão que os autos colocam de necessidade de prévio contraditório para pronúncia das partes quanto à sua verificação.

E, após fazer referência a alguma jurisprudência do STJ (designadamente aquela a que adiante nos referiremos, e que seguiu o entendimento contrário), concluiu:

“Do que concluímos que o Supremo, com a indicada exceção, considera em alguns arestos necessário contraditório prévio à deserção, mesmo que tabelar pela referência ao artigo 281.º, n.º 1, e em todos os outros, com aquela exceção, julga indispensável a apreciação da situação de negligência em concreto do que decorre do processo, não bastando a mera verificação da inércia”.

Tal entendimento e decisão da Relação não logrou obter a concordância de todo o coletivo, sendo que um dos respetivos elementos lavrou voto de vencido nos seguintes termos:

“Voto vencido, por se nos afigurar que a decisão recorrida justificava ser confirmada [nos termos do projecto por nós elaborado], pois que, estando em causa a prolação de despacho de suspensão da instância com fundamento em expressa disposição legal do CPC que a impõe (ope legis) e determina [artº 270º,nº 1], decorrendo igualmente de específica norma do mesmo diploma legal [artº 276º, nº 1, alínea a)] quando e como deve cessar a suspensão decretada [necessariamente através da dedução de incidente de habilitação, a cargo da apelante]”.

É contra tal entendimento da Relação que se manifestam os recorrentes, nos termos constantes das conclusões recursórias supra transcritas.

Desde já se diga que, não obstante a divergência jurisprudencial sobre a questão em apreço, estamos inteiramente de acordo com o entendimento defendido no voto de vencido, ou seja, na linha do entendimento da 1ª instância e daquele que é defendido pelos recorrentes.

Isto, aliás, na linha daquilo que se nos afigura ser o entendimento dominante da mais recente jurisprudência do STJ.

Atento o disposto no nº 1 do artigo 281º do CPC (supra transcrito), a deserção da instância, enquanto forma da extinção da instância, tem lugar quando o processo esteja numa situação de inércia motivada pela falta de impulso processual das partes e quando essa inércia seja causada por negligência das partes em promover o regular andamento do processo, sendo que, conforme bem se considerou no acórdão do STJ de 02.05.2019 (proc. nº 1598/15.4T8GMR.G1.S2, in www.dgsi.pt)“apenas releva a paragem imposta pela omissão no cumprimento de um ónus, ou seja, a omissão de um dever da parte que impede o normal prosseguimento dos autos” .

Na mesma linha, o acórdão do STJ de 14.05.2019 (proc. nº 3422/15.9T8LSB.L1.S2, in www.dgsi.pt); “A deserção assenta na omissão negligente da parte em promover o andamento do processo (quando apenas a ela lhe incumba fazê-lo) e na paragem da sua marcha (globalmente considerada), constituindo-se este como um resultado casualmente adequado daquela atitude omissiva.”

Por isso estamos inteiramente de acordo com o entendimento seguido no acórdão fundamento (acórdão do STJ de 08.03.2018 – processo nº 225/15.4T8VNG.P1-A.S1 in www.dgsi.pt) no sentido de que “a negligência a que se refere o art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil, é a negligência retratada objetivamente no processo (negligência processual ou aparente), pelo que a assunção pela parte de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência.”

A nosso ver, é essa, claramente, a situação dos autos.

Uma vez decretada a suspensão da instância, com fundamento no falecimento de uma das partes, o prosseguimento dos autos estava dependente da respetiva habilitação de herdeiros – habilitação essa que tinha que ser promovida, não pelo tribunal, mas por qualquer das partes, e particularmente pelo autor, com interesse no prosseguimento da ação por si intentada (conforme este, na pessoa do seu mandatário, não podia deixar de saber).

O tribunal, que nada tinha a ordenar, apenas tinha que aguardar que a habilitação fosse requerida.

E, ainda que os restantes réus também o pudessem fazer, era especialmente sobre o autor que, enquanto interessado direto, recaía o ónus de promover a habilitação de herdeiros, sendo que, caso se deparasse com algum obstáculo, lhe competia disso vir a dar conhecimento ao tribunal, requerendo o que se mostrasse necessário, designadamente a concessão de novo prazo (o que, in casu, não ocorreu).

Neste sentido, vide A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. Pires de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração) segundo os quais, a conduta negligente se verifica “quando esteja em causa um ato ou atividade unicamente dependente da sua iniciativa, sendo o caso mais flagrante o da suspensão da instância por óbito de alguma das partes, a aguardar a habilitação dos sucessores”.

No mesmo sentido, vide (de entre outros, designadamente os citados pelos recorrentes):

- Acórdão do STJ de 20.09.2016 (proc. nº 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, in www.dgsi.pt):

“I. Limitando-se a Autora a fazer juntar ao processo uma certidão de habilitação notarial dos herdeiros de réu falecido, nada promovendo em termos de incidente de habilitação de sucessores, não cumpre o ónus de impulso processual necessário a fazer cessar a suspensão da instância que havia sido declarada.

II. Não competia ao tribunal providenciar oficiosamente, com base em tal certidão, pela habilitação judicial dos sucessores.

III. Não constituindo a dita junção qualquer requerimento inicial, não podia o tribunal convidar ao seu aperfeiçoamento.

IV. Deixando a Autora de impulsionar o processo, por mais de seis meses, através da dedução do processo incidental de habilitação de sucessores, nem tendo apresentado dentro desse período de tempo qualquer razão impeditiva da não promoção, estamos perante uma omissão de impulso a qualificar necessária e automaticamente como negligente, e que implica a deserção da instância.

V. A negligência a que se refere o nº 1 do art. 281º do CPC não é uma negligência que tenha de ser aferida para além dos elementos que o processo revela, pelo contrário trata-se da negligência ali objetiva e imediatamente espelhada (negligência processual ou aparente).

VI. Tal negligência só deixa de estar constituída quando a parte onerada tenha mostrado atempadamente estar impossibilitada de dar impulso ao processo.

VII. Inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes no contexto da deserção da instância com vista a aquilatar da negligência da parte a quem cabe o ónus do impulso processual.”

- Acórdão do STJ de 14.12.2016 (proc. nº 105/14.0TVLSB.G1.S1, in www.dgsi.pt):

“I - Suspensa a instância por óbito do autor e decorrido o prazo de seis meses em que o processo se encontra a aguardar impulso processual, o Tribunal deve proferir despacho a julgar deserta a instância (artigo 281.º do CPC/2013), não impondo a lei que o Tribunal, antes de proferir a decisão, ouça as partes ou qualquer dos sucessores tendo em vista determinar as razões da sua inércia.

- Acórdão do STJ de 05.07.2018 (proc. nº 5314/05.0TVLSB.L1.S2, in www.dgsi.pt):

“I - Tendo-se indicado, no despacho determinativo da suspensão da instância, o prazo pelo qual aquela perduraria e, bem assim, que, findo o mesmo, os autos aguardariam o impulso processual do autor nos termos do art. 281.º do CPC, é de concluir que este ficou ciente de que impendia sobre si o cumprimento do ónus de impulso processual (não cabendo, pois, ao juiz o dever de ordenar o prosseguimento dos termos da causa) e das consequências que adviriam do seu inadimplemento.

II - O dever de gestão processual (art. 6.º do CPC) tem como pressuposto o cumprimento do ónus de impulso processual, ainda que este seja imposto por determinação judicial, tanto mais que a mesma encontra respaldo na lei.

III - A aferição da negligência da parte, enquanto pressupostos da deserção da instância, deve ser feita em face dos elementos que constam do processo, pelo que inexiste fundamento para a respectiva decisão ser precedida de audiência prévia das partes.”

- Acórdão do STJ de 18.09.2018 (proc. nº 2096/14.9T8LOU-D.P1.S1, in www.dgsi.pt):

“II - Tendo, em 20-06-2016, sido proferido despacho, que foi notificado à recorrente, a declarar a instância suspensa (em virtude do óbito de uma das partes), “sem prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º 5, do CPC” e tendo o processo estado parado até 23-01-2017, mostram-se preenchidos os pressupostos enunciados em I, dado que, sabendo a recorrente que a sua inércia conduziria à deserção da instância, a paragem do processo por período superior a seis meses decorreu de negligência sua.

III - Nessas circunstâncias, não cabia ao tribunal ordenar o prosseguimento dos autos através de qualquer diligência, nem lhe era exigível determinar a notificação da recorrente antes de proferir o despacho a declarar extinta a instância.

- Acórdão de 02-06-2020 Revista n.º 139/15.8T8FAF-A.G1.S1, no qual tiveram intervenção dois dos elementos deste coletivo, (in Sumários dos Acórdãos Cíveis do STJ):

“I - A deserção da instância, nos termos do art. 281.º, n.º 1, do CPC, depende da verificação cumulativa de dois pressupostos: um de natureza objectiva, que se traduz na demora superior a 6 meses no impulso processual legalmente necessário, e outro de natureza subjectiva, que consiste na inércia imputável a negligência das partes.

II - A parte deve promover o andamento do processo sempre que o prosseguimento da instância dependa de impulso seu decorrente de algum preceito legal ou quando, sem embargo da actuação da parte nesse sentido, recaia também sobre o tribunal o dever de cooperação exercendo o dever de gestão processual em conformidade com o disposto no art. 6.º do CPC.

III - Nos casos em que a suspensão da instância é motivada pelo falecimento de alguma das partes na pendência da acção, o impulso processual depende exclusivamente das partes ou dos sucessores dos falecidos, os quais têm o ónus de requerer a respectiva habilitação.

IV - O decurso do prazo de seis meses após a notificação do despacho que suspendeu a instância por óbito de alguma das partes sem que tenha sido requerida a habilitação ou apresentada alguma razão que impedisse ou dificultasse o exercício desse ónus, tem como efeito a extinção da instância, por deserção, independentemente de a instância também ter sido suspensa com outro fundamento.

V - Constituindo a habilitação de sucessores um ónus que, além destes, recai sobre a parte, em face da clareza do início do prazo de seis meses e das respectivas consequências, a declaração de extinção da instância por deserção não tinha que ser precedida de despacho a indicar tal cominação, inexistindo fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para prévia audição das partes com vista a aquilatar da sua negligência.”.

Em face do exposto, na procedência da revista, haveremos do concluir no sentido de se impor a revogação do acórdão recorrido e a repristinação do decidido na 1ª instância.

Termos em que, concedendo-se a revista, se acorda em revogar o acórdão recorrido e em repristinar a decisão da 1ª instância, no sentido da declaração da deserção da instância.”

E porque no indicado aresto constam todos os argumentos essenciais que suportam a posição do tribunal, dão-se os mesmos por aplicáveis ao presente recurso, e bem assim relativamente à demais jurisprudência deste STJ até citada.

32. Em síntese, acompanha-se a posição assumida no acórdão recorrido, quando aí se afirma:

- Nos termos do art. 269º/1 a) CPC a instância suspende-se quando falecer alguma das partes.

- Prevê o art. 270º/1 CPC que junto ao processo documento que prove o falecimento de qualquer das partes, suspende-se imediatamente a instância, salvo se já tiver começado a audiência de discussão oral, pois neste caso a audiência só se suspende depois de proferida a sentença.

- Prevê o art. 277ºc) CPC que a instância extingue-se com a deserção. O art. 281º/1 CPC estatui:

“1. Sem prejuízo do disposto no nº 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.

2.[…]

3.Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.

4.A deserção é julgada no tribunal onde se verifica a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.

5.[…]”

- No caso concreto, a notícia do óbito de uma das partes na ação ocorreu já na fase de julgamento, mas antes de se iniciar a produção de prova, muito antes do início das alegações orais, pois o processo não chegou a atingir tal fase.

- Perante a notícia do óbito proferiu-se despacho que determinou a suspensão da instância, como se impunha;

- A deserção constitui um dos fundamentos de extinção da instância. Este regime assenta os seus fundamentos no princípio da autorresponsabilização das partes;

A inércia processual das partes (seja por inépcia ou impreparação sua em termos técnico-processuais, seja intencionalmente em função de uma certa interpretação do direito aplicável) produz consequências negativas (desvantagens ou perda de vantagens) para elas, só havendo lugar à desvalorização do princípio da sua autorresponsabilização mediante a intervenção tutelar, assistencial ou corretiva do tribunal quando a lei o preveja

O regime da deserção encontra a sua razão de ser no facto de não ser desejável, numa justiça que se pretende célere e cooperada, que os processos se eternizem em tribunal, quando a parte se desinteressa da lide ou negligencia a sua atuação, não promovendo o andamento do processo quando lhe compete fazê-lo;

A extinção da instância por deserção pressupõe a verificação de dois pressupostos:

- um de caráter objetivo: decurso do prazo de seis meses sem andamento do processo, quando ele dependa do impulso processual das partes; e

- outro de natureza subjetiva: tal inércia deve-se ou é imputável a negligência da parte.

Para que se verifique o primeiro requisito é necessário que o prosseguimento da instância dependa de impulso da parte decorrente de algum preceito legal.

Declarada a suspensão da instância por óbito de uma das partes passa a recair sobre a parte ou os sucessores da parte falecida o ónus de promover a habilitação dos sucessores, como decorre do art. 351º CPC.

A suspensão da instância resulta da lei, por efeito do regime previsto no art. 270º/1 CPC e só com a notificação da decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida cessa a suspensão ( art. 276º/1 a) CPC).

A conduta negligente conducente à deserção da instância consubstancia-se numa situação de inércia imputável à parte, ou seja, em que esteja em causa um ato ou atividade unicamente dependente da sua iniciativa.

A decisão que julgue deserta a instância tem de conter um juízo que aponte para a negligência da parte em termos de impulso processual

A lei não determina que a decisão a proferir seja precedida da audição prévia das partes.

A negligência de que fala a lei é necessariamente a negligência retratada ou espelhada objetivamente no processo (negligência processual ou aparente). Se a parte não promove o andamento do processo e nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que inculque a ideia de que a inação se deve a causas estranhas à vontade da parte, está constituída uma situação de desinteresse, logo de negligência.

Na situação concreta, em que surgiu um incidente com efeito suspensivo, motivado pelo óbito de uma das partes, o impulso processual está a cargo da parte. Mostra-se evidente que o impulso processual está a cargo da parte, pois decorre da lei, sendo certo que a lei não determina a prévia audição da parte sobre quem recai o ónus de impulso processual (art. 276º/1 a) e art. 351º CPC e ainda, art. 3º/1 e art. 5º CPC).”

33. Para que não restem dúvidas sobre a análise específica do entendimento do recorrente, importa ainda aludir a alguns dos seus argumentos principais:


33.1. Conclusão 11a - Se o Tribunal de Primeira instância tivesse dado oportunidade à recorrente de se pronunciar, teria esta explicado e provado, que desde a propositura da acção tudo fez para  o seu normal prosseguimento, nomeadamente requerendo incidente de intervenção principal provocada do Fundo de Garantia Automóvel e do DD, requerimentos probatórios incluindo perícias médicas à Autora, e só não requereu o incidente de habilitação de herdeiros do interveniente principal DD porque, em seu entender, e uma vez que já se tinham iniciado duas audiências de discussão e julgamento, nos termos do artigo 270° n° 1 in fine do CPC a instância só deveria suspender-se depois de proferida a sentença.


Relativamente a este ponto pode dizer-se que a recorrente não pode ser desresponsabilizada pela omissão de esclarecimento ou de pedido de ajuda ao tribunal no sentido de não deixar a instância extinguir-se por deserção. Se tinha algum elemento a fornecer ao tribunal ou pedido/esclarecimento devia tê-lo realizado no prazo da suspensão – 6 meses.

Não o tendo efectuado não pode atribuir a responsabilidade ao tribunal pelo cumprimento da lei, procurando obviar à sua própria omissão e correspondente consequência negativa.


33.2. Conclusão 17 a - Acresce que os presentes autos contam com várias partes, uma delas, a interveniente espontânea ao lado da autora, ora não decorre da lei nenhum ónus específico de promoção da actividade processual sobre a recorrente.

Não se reconhece razão ao argumento indicado pelo facto de existirem várias partes, pois a cominação legal envolve todas e o dever de promover o andamento do processo embora seja inerente à qualidade de parte é muitas vezes principalmente do A., atenta a consequência negativa que a lei cria para a deserção da instância.


33.3. Conclusão 18a - A recorrente tem um ónus, mas não tem um ónus de promoção específico, pelo que se não recaia sobre a recorrente um ónus específico de promoção da actividade processual, não podia, tal como foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/10/2019, Proc. 1980/14.4TBVDLL1.S1, ter sido, nos termos em que aqui foi proferido despacho de deserção da instância.

Não se reconhece razão ao argumento indicado.

 A existência do ónus – geral ou específico – como se lhe pretenda chamar está já justificado com as disposições legais relativas à suspensão da instância e necessidade de impulso dos interessados – qualquer um – no andamento do processo, conforme disposições legais reproduzidas.


33.4. Conclusão 19a - Por outro lado no despacho que suspendeu a instância, o tribunal de primeira instância não advertiu as partes para a cominação prevista no n° 1 do artigo 281° do CPC.

Não se reconhece razão ao argumento indicado.

As partes, através dos eus mandatários devem conhecer as disposições legais e os efeitos decorrentes da sua aplicação, motivo pelo qual estão assessoradas em juízo, excepto se o legislador impuser ao juiz que realize uma determinada advertência específica de modo expresso – norma que o recorrente não indica ter sido violada.


33.5. 20a - Pelo que a mesma não pode deixar de se considerar como uma decisão surpresa, uma vez que foi extinta uma instância judicial com várias partes, e que essas partes não foram advertidas para a cominação do n° 1 do artigo 281° do CPC, nem ouvida antes de ser proferida a decisão de extinção da instância por deserção.

Não se reconhece razão ao argumento indicado.

Por duas ordens de razão – em primeiro lugar a referida no ponto 33.4.

Em segundo lugar porque o regime do convite à pronúncia ou contraditório decorrente do art.º 3.º do CPC, nomeadamente, tem uma finalidade específica que não surge no caso concreto, como também se diz no acórdão recorrido: “o princípio do contraditório tem em vista questões de facto ou de direito que sejam suscitadas no processo, impondo-se ao Tribunal decidi-las, não tem em vista, o que é completamente diferente, impor ao Tribunal, no âmbito de um incidente inominado que não está previsto na lei, convidar os interessados que, no aludido período de seis meses optaram por não juntar aos autos nenhum documento nem suscitar qualquer questão, explicar o seu comportamento ou apresentar os documentos ou suscitar as questões que podiam ter suscitado e não suscitaram.”


III. Decisão

Pelos fundamentos indicados é negada a revista.


Custa pelo recorrente.


Lisboa, 5 de Maio de 2022


Fátima Gomes (relatora)

Oliveira Abreu

Nuno Pinto Oliveira