Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2115/04.7TBOVR.P3.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: CABRAL TAVARES
Descritores: DIREITO À QUALIDADE DE VIDA
DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA
INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS
COLISÃO DE DIREITOS
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / COLISÃO DE DIREITOS.
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS / DIREITOS E DEVERES ECONÓMICOS SOCIAIS E CULTURAIS / ORGANIZAÇÃO ECONÓMICA.
Doutrina:
-Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, p. 906;
-Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, p. 67;
-Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, 5.ª edição, p. 178/9 e 185.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 335.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 17.º, 25.º, 61 N.º 1, 66.º E 80.º, ALÍNEA C).
DL N.º 43355, DE 24/11/21960: - ARTIGO 37.º.

Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIUBNAL DE JUSTIÇA:

- DE 02-12-2013, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-10-2003, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-03-2008, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-02-2013, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-09-2016, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-01-2002, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-03-2018, PROCESSO N.º184/13;
- DE 27-04-2017, SUMÁRIOS IN WWW.STJ.PT;
- DE 28-092017, SUMÁRIOS IN WWW.STJ.PT;
- DE 30-03-2006, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A colisão entre o direito dos autores a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado, e à integridade física – arts. 17.º, 25.º e 66.º, da CRP – e o direito da ré à organização da sua atividade económica – arts. 61.º, n.º 1 e 80.º, al. c), da CRP, deve ser resolvida pelo disposto no art. 335.º do CC.

II - Neste contexto, a instalação pela ré de subestação eléctrica, com seis linhas de alta tensão que sobrepassam o prédio dos autores, produtora de ruído prejudicial ao repouso, sono e tranquilidade dos últimos, deve ser solucionada com a instalação de barreiras acústicas e com a atribuição de indemnização, pelos danos não patrimoniais e pela desvalorização daquele prédio (em consequência da localização relativa das linhas) – art. 37.º do DL 43 355.

Decisão Texto Integral:

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1. AA e Mulher, BB, intentaram ação originariamente contra CC, S.A., ao lado da qual vieram a intervir, a título principal, DD, S.A. e a EE – Energia, S.A., pedindo que a Ré seja condenada a remover toda a estrutura da subestação elétrica, incluindo as seis linhas de alta tensão que passam por cima do prédio dos AA., sustentadas por dois postes, ou, em alternativa, a proceder à desativação/encerramento da mesma, ou, subsidiariamente, a indemnizar os AA. na quantia de € 157 000, correspondente ao valor da desvalorização do prédio, quantia acrescida dos juros vincendos, à taxa de 7%, desde a data da citação, até integral pagamento; em qualquer dos casos, pede cumulativamente a condenação da Ré a pagar aos AA. a quantia de € 12 500, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos, quantia igualmente acrescida de juros vincendos. 

Contestaram Ré e Intervenientes, por exceção e impugnação.

Proferido saneador-sentença, a conhecer parcialmente da procedência da exceção perentória de prescrição do direito à indemnização, alegada pelos intervenientes, julgando-a improcedente quanto aos danos invocados que se reportem aos últimos três anos anteriores à ação. O assim decidido transitou em julgado.

Prolatada sentença, absolvendo do pedido a Ré originária, bem como a Interveniente DD, S.A. e a julgar a ação parcialmente procedente unicamente quanto à Interveniente EE, S.A., condenando-a ao pagamento de indemnização, por danos não patrimoniais, ao 1º A., no montante de € 4.000,00 e à 2ª A., no montante de € 6.000,00; mostrando-se atualizados tais montantes, serão devidos juros de mora, à taxa civil, desde a data da prolação da sentença.

2. Interpostos recursos para a Relação, por parte dos AA. e, subordinadamente, por parte da Interveniente.

Proferido acórdão a julgar improcedentes os recursos e a confirmar a sentença da 1ª instância.

3. Pedem revista os AA., concluindo, a final das suas alegações:

«1 - Se é verdade que os factos constantes dos n°s 12, 15, e 16 dos factos provados se encontram prescritos, de acordo com o entendimento do douto despacho saneador-sentença, já o mesmo não se pode concluir quanto aos factos constantes do n° 17.

2 - Tais factos pela sua gravidade merecem a tutela do direito pois que a circunstância de os Autores viverem num estado de ansiedade e inquietação, com receio de que as linhas de alta tensão que passam por cima do seu prédio/residência lhes caíam em cima e de explosões na subestação, o que lhes provoca desgaste físico e psicológico, não se deve a uma "mera sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada", mas tem razão de ser em factos que, apesar de prescritos, já se verificaram - factos provados 12, 15, 16.

3 - O douto acórdão não apreciou o facto constante do n° 14 dos factos provados.

4 - Tais factos merecem, igualmente, atenta a sua gravidade, a tutela do direito, pois que a circunstância de os mesmos não se sentirem bem no seu prédio se deve, designadamente, aos factos objectivos referidos nos n°s 12, 15, 16, e 17, e não a razões, mais uma vez, de "mera sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada."

5 - Os factos referidos - n°s 14 e 17 - consubstanciam, assim, ofensas aos direitos dos autores a um ambiente e qualidade de vida sadios, à proteção da sua saúde, na vertente física e psíquica, e são impostos diariamente na sua residência, centro da sua vida pessoal, onde têm direito a serem menos perturbados.

6 - Temos pois, que a realidade da matéria de facto supra configura a existência concreta de danos não patrimoniais sofridos pelos autores.

7 - Estes danos são imputáveis à actividade desenvolvida pela Interveniente EE na subestação e na exploração das linhas que dela chegam e saem, designadamente, das linhas que passam sobre a casa dos Autores, uma vez que in casu, se encontram verificados os elementos integradores da responsabilidade civil extracontratual da Interveniente EE, nos termos expostos supra expostos.

8 - A Interveniente EE não ilidiu a presunção de culpa do 493°, n°2, dado que não mostrou que " empregou todas as providências exigidas peias circunstâncias com o fim de os prevenir.", nos termos expostos em V-A) das presentes alegações, e que aqui se dá por integramente reproduzido.

9 - Mesmo admitindo - o que só por mera hipótese se presume -, que a Interveniente conseguiu ilidir a presunção de culpa do n° 2 do art. 493° do CC, sempre teriam que sobrepor-se, no caso concreto, os direitos de personalidade dos Autores ofendidos com a actividade da Interveniente EE, aos direitos económicos desta última, nos termos expostos em V-A) das presentes alegações, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

10 - Temos, assim, de um lado, o direito dos Autores a um ambiente de vida humano, sadio, ecologicamente equilibrado (art.66° da CRP), o direito ao repouso necessário à preservação da integridade pessoal (art.25° da CRP), o direito à saúde (art. 64° da CRP),o direito à habitação que preserve a intimidade pessoal e a privacidade da família (art. 65° da CRP), o direito à tutela geral da personalidade prevista no art.°70° do C. Civil; e, do outro, temos o direito da Interveniente EE ao exercício da sua actividade económica/comercial de exploração/distribuição de energia eléctrica (direito à iniciativa privada).

11 - Pelo que estará aqui em causa a questão da compatibilização entre direitos fundamentais em conflito.

12 - A C.R.P. concede uma maior proteção aos direitos de natureza "Direitos, Liberdades, Garantias", do que aos direitos de natureza "económica, social e cultural".

13 - Por sua vez, determina o art.º 335°, n°l do CC que "havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes". E o seu n°2 acrescenta que "se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior."

14 - A jurisprudência dominante tem vindo a entender que no caso de colisão entre um direito de personalidade e um direito de não personalidade (direito económico), devem prevalecer, em princípio os bens ou valores pessoais aos bens ou valores patrimoniais, de acordo com o estipulado no n°2 do artigo citado.

15 - E, ainda, que o exercício de uma actividade económica deve ceder perante direitos de personalidade merecedores de tutela jurídica, mesmo nos casos em que aquela actividade seja autorizada administrativamente, ou respeite, por exemplo os níveis de ruído permitidos por lei, desde que provados danos em concreto.

16 - Nestes casos, mesmo que a actividade em causa possua as competentes licenças de exploração/funcionamento, continua a existir o direito de oposição por particulares quando haja ofensa dos seus direitos de personalidade. É que os direitos de personalidade são protegidos, em termos gerais, contra qualquer ofensa ilícita, independentemente de culpa ou de intenção de prejudicar terceiros.

17 - Há que averiguar, in casu, se se justifica um dever/obrigação por parte dos AA. de suportar, em exclusivo, na sua esfera jurídica, lesões dos seus mais elementares direitos de personalidade, constitucionalmente protegidos, em nome do interesse publico que, inegavelmente, reveste a actividade privada desenvolvida pela Interveniente EE

18 - Entende-se que no caso concreto deverão prevalecer os direitos dos Autores supra descritos, em detrimento do direito económico da Interveniente EE ao exercício da sua actividade comercial, nos termos supra exposto em V-B), que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

19 - Como se entendeu no Ac. Rel. Lisboa, de 12.02.2013, Proc. 110/2000.Ll-7, in www.dgsi.pt, num caso semelhante de colisão de direitos, "Todavia, os particulares não estão sujeitos ao dever de, em qualquer circunstância, em nome do interesse público, suportar exclusivamente lesões dos seus direitos ou suportar sacrifícios que em nome do bem comum ou da sociedade devam ser suportadas por esta."

20 - Pelo que assiste aos Autores o direito de exigirem a remoção ou desactivação da subestação e das linhas que passam sobre a casa.

21 - É que, apesar da remoção ou desactivação da subestação e das linhas ter um custo económico apreciável, pelo menos, para o comum das pessoas, nunca é demais salientar que os lucros da EDP em 2014 foram de 1.040 milhões de euros! E que em 2015 a própria EDP fez uma previsão de lucros superiores a 900 milhões!

22 - E, se é certo que a Interveniente exerce, como se referiu uma actividade de interesse público, a mesma não deixa de ser uma actividade comercial de natureza privada que prossegue o objectivo do lucro com vista aos interesses "egoístas" dos seus acionistas.

23 - Assistiria sempre em qualquer dos casos, o direito dos autores a exigir a desactivação/remoção da subestação com base na aplicação do princípio da precaução pois está em causa o direito dos autores a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado, direito que pode estar a ser colocado em risco devido à existência do campo elétrico e magnético, conforme o exposto supra em V - B).

24 - Ao contrário do entendido pelo douto acórdão recorrido a responsabilidade aquiliana pelo dano da desvalorização não está afastada, conforme o supra exposto em V - C).

25 - Ao contrário do decidido no douto acórdão recorrido não há lugar no caso concreto ao afastamento da aplicação do artigo 37° do DL 43.335.

26 - Os autores intentaram a presente acção com base em responsabilidade civil extracontratual da Ré e Intervenientes, mas tal não impediria a qualificação posterior pelas instâncias como sendo um caso de constituição de uma servidão administrativa aérea, subsumindo e enquadrando os factos provados à responsabilidade civil por factos lícitos nos termos previstos naquele art. 37° (cfr. Ac. STJ, P.116S/06.8TBMCN.P1.S1, www.dgsi.pt).

27 - Mas, no caso dos autos nunca tal normativo poderia aplicar-se relativamente à subestação em si, que não foi construída em prédio pertença dos AA..

28 - Ora o prejuízo da desvalorização deve-se, quer à existência/actividade da subestação, com todo o seu equipamento, quer às linhas eléctricas que passam sobre o telhado do prédio dos AA..

29 - O direito à indemnização pelo dano da desvalorização não está prescrito, nos termos expostos em V - C).

30 -Os AA. só verdadeiramente ficaram consciente deste facto - DESVALORIZAÇÃO DO PRÉDIO -, quando o colocaram à venda durante um período de cerca de quatro anos - 1998-2001 - , e ninguém se mostrou interessado em o adquirir.

31 - O dano da desvalorização é um dano presente, permanente, continuado, variável ao longo do tempo.

32 - Em nenhuma parte dos factos provados se encontra demonstrado que foi constituída regularmente a favor Interveniente EDP uma servidão administrativa aérea por cima do telhado dos autores e aceite por estes.

33 - Ainda que se entenda que a constituição da servidão administrativa de passagem de linhas aéreas resulta dos factos provados, a verdade é que a Interveniente nunca indemnizou os autores do prejuízo pela passagem das linhas.

34 - A Interveniente EE, proprietária da subestação, usufruindo de todas as vantagens que a mesma lhe proporciona, tem contra si uma presunção de culpa que tem de ser ilidida por prova em contrário, incumbindo-lhe demonstrar que empregou todos os deveres exigidos pelas circunstâncias com o fim de evitar os danos.

35 - A própria Interveniente EE em documento denominado "Guia de Boas Práticas para a Integração Paisagística de Infraestruturas Eléctricas -Vol. 2", e que pode ser consultado na íntegra no site da EE (www.edpdistribuicao.pt), assume relativamente às grandes infraestruturas eléctricas, onde se incluem as subestações, como principais impactes, entre outros, colisão e eletrocussão de aves, risco de incêndio, riscos aos conforto e segurança das populações associados à natureza dos objectos (risco de queda de uma linha e risco de eletrocussões), perceção social do objecto - ruído e impactes na saúde (a perceção certa ou errada que a exposição aos campos eletromagneticos pode trazer consequências para a saúde constitui um factor de desconforto e perturbação), desvalorização das propriedades produtivas que são atravessadas por uma linha eléctrica, desvalorização de áreas residenciais que se encontrem nas proximidades, desvalorização da paisagem provocada pela degradação do seu valor cénico."

36 - Não podia a Interveniente deixar de conhecer que a construção e manutenção em actividade de uma subestação em zona residencial, além de todos os perigos potenciais daí decorrentes para os prédios vizinhos (cfr. o citado Guia de Boas práticas), acarreta, também, desvalorização destes mesmos prédios, e desde logo, tal é facto público e notório para qualquer pessoa medianamente informada.

37 - A Interveniente não agiu como uma pessoa cautelosa, atenta informada e sagaz, empregando todas as providências exigidas pelas circunstâncias para evitar os danos, pelo que não ilidiu a presunção quer de culpa, quer de ilicitude.

38 - É imputável à Interveniente a responsabilidade pela indemnização sofrida pelos autores relativa ao dano sofrido com a desvalorização da casa, quer por via do citado art. 37° do DL 43.335, quanto às linhas que passam sobre o telhado da casa, quer por via do art.493°,n°2 quanto à subestação.

39 - Caso se entenda que no caso concreto a Interveniente ilidiu a presunção de culpa, sempre o pedido dos autores deveria proceder - quanto ao dano emergente da existência em actividade da substação - por aplicação, por via da analogia do preceituado no art. 1346° do Cód. Civil que contém um princípio genérico de responsabilidade civil.

40 - O quantum indemnizatório para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores deverá ser de €12.500,00, conforme o exposto supra em V-C).

41 - O douto acórdão recorrido, nos termos supra expostos, e saldo o devido respeito, não interpretou e aplicou corretamente o direito aos factos.

42 - O douto acórdão recorrido violou, designadamente, os artigos 335°, 483, n°1, 493º,n°2, 495°, 496°,n°3, 497°, 1346° todos do C. Civil, 8º, n°s 1 e 2, e 13° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), 25°, 26°, n°1, 64°, 65°, 66° da Constituição da República Portuguesa.»

Contra-alegou a EDP, concluindo no sentido da manutenção do acórdão recorrido.

4. Vistos os autos, cumpre decidir.


II

5. Consideradas as transcritas conclusões da alegação dos Recorrentes (CPC, arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2), respeitam as questões a decidir no presente recurso a saber se:
(i) Os danos sofridos pelos AA. – por estes destacados os que vêm referidos nos nºs. 14 e 17 dos factos provados –, consubstanciadores de «ofensas aos direitos dos autores a um ambiente e qualidade de vida sadios, à proteção da sua saúde, na vertente física e psíquica», devem determinar a procedência do pedido respeitante à remoção ou desativação da subestação e das linhas de média tensão que passam sobre a sua casa de habitação, em razão (i.i) desde logo, da imputação de tais danos à Recorrida, no quadro de previsão do nº 2 do art. 493º do CC e (i.ii) da prevalência dos enunciados direitos dos AA., enquanto emanação de direitos fundamentais de personalidade constitucionalmente tutelados, sobre o direito da Recorrida em manter no local as instalações e equipamentos em causa, embora devidamente licenciados – conclusões 1/23 e 42;

(ii) O dano sofrido com a desvalorização da casa de habitação dos AA. – no caso de improcedência do pedido respeitante  à remoção ou desativação da subestação e das linhas de média tensão – deve ser imputado à Recorrida, seja, quanto às linhas que sobrepassam a casa de habitação,  por via do art. 37º do DL 43.335, de 19 de Novembro de 1960, seja, quanto à subestação, por via do nº 2 do art. 493º do CC – conclusões 24/39 e 42;

(iii) A indemnização por danos não patrimoniais deverá fixar-se no montante peticionado de € 12 500 – conclusões 40/41 e 42.

6. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):

«1 – Os AA. são donos de um prédio urbano, composto de rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação e sito no Lugar ..., a confrontar do norte e poente com os próprios, do sul com a Chamada EE – ..., S.A., e do nascente com caminho público, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1196 (alínea A) da matéria assente).

2 – Os AA. construíram o prédio identificado em 1 dos Factos Provados durante o ano de 1969 e passaram a utilizá-lo como casa de morada de família em 1970.

3 – Em 1972, a União Eléctrica Portuguesa (UEP) construiu e instalou uma subestação de 60/15 kV contígua ao prédio dos AA., do lado sul. Esta subestação integra, desde 2000, o património da Interveniente EE, S.A., e é explorada por ela.

4 – A estrutura da subestação comporta dezenas de linhas de alta (60 kV) e de média (15 kV) tensão, suportadas por postes, dois potentes transformadores, e um mais pequeno que serve para alimentar os serviços auxiliares da própria subestação, e respectivos ventiladores de arrefecimento, e demais equipamento necessário ao funcionamento da subestação.

5 – Mesmo junto ao prédio identificado em 1 dos Factos Provados, a uma distância de cerca de 72 centímetros da parede sul, existe um poste de linhas de média tensão (15 kV), e um outro a cerca de 3,67 centímetros da mesma parede.

6 – Três fios eléctricos de média tensão, sustentados por aqueles postes, passam por cima do telhado do prédio identificado em 1 dos Factos Provados. A mais curta distância do edifício de habitação dos AA. à linha mais próxima é de 5,67 metros.

7 – Pouco tempo depois da entrada em funcionamento da subestação, a A., que era o membro do agregado familiar que mais tempo passava em casa, começou a sofrer de um mal-estar, o qual se manifestava através de sensações de queimaduras, calores e irritação da pele ao nível da cabeça, face, pescoço e braços e inflamação na garganta, sentindo náuseas e dores na cabeça, nos ossos e articulações; em consequência do mal-estar sofrido pela A., esta consultou diversos médicos especialistas (2ª parte aditada nesta instância, consoante fundamentação infra).

8 – A A., que gostava de ter a companhia dos seus dois netos no prédio identificado em 1 dos Factos Provados, deixou de os ter a seu lado, por recear que possam vir a sofrer dos sintomas de que padece, já que os mesmos apresentavam queixas de calor na face.

9 – Na subestação existem dois transformadores que produzem de modo contínuo e permanente, durante o dia e durante a noite, um ruído, que era audível tanto no exterior como no interior do prédio identificado em 1 dos Factos Provados e muito incomodativo para os AA. (conforme alteração efectuada nesta instância – cf. fundamentação infra).

10 – Existem, igualmente, dois ventiladores, situando-se os mesmos a uma distância não superior a 15 metros do lado sul do prédio identificado em 1 dos Factos Provados, e que, quando em funcionamento, produziam um ruído contínuo, audível tanto no exterior como no interior do prédio dos AA. (conforme alteração efectuada nesta instância – cf. fundamentação infra).

11 – O ruído produzido por aqueles transformadores e ventiladores era perfeitamente audível até 2011/2012 e impedia os AA., principalmente durante a noite, de desfrutar de um ambiente calmo e tranquilo, ficando o seu sono e repouso perturbados. Em 2011/2012, a Interveniente EE - ..., S.A., colocou barreiras acústicas à volta dos transformadores e ventiladores o que atenua muito o ruído feito pelos mesmos. Actualmente o nível de incomodidade feito pelos mesmos cumpre o disposto no art. 13.º do D.L. nº 9/2007, de 17/01.

12 – Com tempo de trovoada e chuva intensa, verificam-se, de tempos a tempos, curto-circuitos acompanhados da formação de arcos eléctricos causadores de ondas acústicas que produzem barulho e que já fizeram estremecer, em data anterior a 1995, o prédio dos AA.

13 – Alguns dos holofotes da subestação estiveram colocados de uma forma que iluminava as janelas do prédio dos AA., do lado poente, durante um período não inferior a oito anos e até há cerca de um ano (à data da propositura da acção), causando muitos incómodos aos AA.

14 – Por não se sentirem bem no prédio identificado em 1 dos Factos Provados, e mesmo fora dele, no seu jardim, os AA. deslocam-se, quando tal lhes é possível, a casa de familiares, no Norte do país, a fim de descansar, ou vão dormir a casa de pessoas amigas, na cidade de ....

15 – Ocorreram já 2 ou 3 “explosões” nos postes de alta tensão da subestação as quais provocaram: a) a queda de um candeeiro de parede; b) que se queimasse o quadro eléctrico situado na entrada do prédio dos AA., uma televisão e uma lâmpada fluorescente existente no referido prédio.

16 – Estes factos ocorreram antes de 1995, altura em que a EDP “ligou” o sistema eléctrico de casa dos AA. a um fio terra existente na subestação.

17 – Os AA. vivem num estado de ansiedade e inquietação, com receio de que as linhas de alta tensão que passam por cima do prédio identificado em 1 dos Factos Provados lhes caiam em cima e de explosões na subestação, situação que lhes provoca desgaste físico e psicológico.

18 – As linhas eléctricas de alta e média tensão criam campos eléctricos e campos magnéticos.

19 – Há cerca de seis anos (à data da propositura da acção), os AA. decidiram colocar à venda o prédio identificado em 1 dos Factos Provados, tendo entregue a promoção dessa venda a vários mediadores e agências imobiliárias, designadamente, ..., Réplica e Sítio.

20 – O referido prédio esteve à venda durante cerca de quatro anos e, durante este período de tempo, alguns dos possíveis interessados na compra, quando constatavam que o prédio se localizava ao lado da subestação eléctrica e com cabos de alta tensão a passar por cima, imediatamente desistiam do negócio, não perguntando o preço nem entrando para ver o prédio.

21 – A FF, SARL, construiu a subestação 60/15 kV de ... em 1972.

22 – A sua construção obedeceu a todos os regulamentos técnicos existentes à data.

23 – A subestação foi licenciada pela Direcção Geral dos Serviços Eléctricos.

24 – E entrou em funcionamento em 1973.

25 – A subestação foi concebida recebendo energia a 60 kV da subestação de ... e da subestação de ..., através das respectivas linhas de alta tensão, e distribuindo energia eléctrica a 15 kV, designadamente através de duas linhas a 15 kV.

26 – Estas linhas foram executadas em obediência aos regulamentos técnicos existente à data.

27 – E foram licenciadas pela Fiscalização Eléctrica.

28 – Ao longo dos anos as linhas e a subestação foram sendo mantidas em bom estado de conservação e exploração e de acordo com o projecto licenciado.

29 – Em 1976 a subestação e as linhas passaram a integrar o património da GG, E.P..

30 – Em 1991 passaram a integrar o património da GG – GG, S.A..

31 – Em 1994 passaram a integrar o património da HH, S.A..

32 – Posteriormente, em 2000, por fusão das empresas distribuidoras do grupo II, passaram a integrar, como hoje integram, o património da EE – ..., S.A..

33 – O valor do campo magnético gerado pelas redes eléctricas que sobrepassam a casa dos AA. em situação de carga máxima é inferior a 5 ut. No dia 31/01/2012, foram medidos os campos eléctrico e magnético em casa dos AA. tendo-se registado os seguintes valores: a) o valor máximo do campo eléctrico foi registado na varanda da habitação, sendo de 53 V7m. Dentro da habitação, o campo eléctrico medido não ultrapassou 4 V/m; b) o valor máximo do campo magnético foi registado num dos quartos do 1º andar, sendo de 1,1 ut. Estes valores são muito inferiores aos limites estipulados pela Organização Mundial da Saúde, pelos Conselho e Parlamento Europeus e pela legislação portuguesa.

34 – A intensidade máxima nas linhas de 15 kV que sobrepassam a casa dos AA. – ... e ... – não sobrepassa os 400 amperes.  No dia em que foi efectuada a medição não atingiu os 150 amperes na linha ... e os 60 amperes na linha .... São valores representativos dos valores máximos correspondentes à operação normal das linhas em questão, por corresponderem (terem sido medidos) a um dia de semana no inverno.

35 – A subestação e as linhas asseguram a distribuição de energia eléctrica a dezenas de PTs privativos e públicos.

36 – A remoção da subestação e das redes eléctricas de e para a subestação implicam trabalhos com custo superior a € 500.000,00.

37 – A construção de uma nova subestação exige vários meses, senão anos, e um investimento de centenas de milhares de euros.

38 – O valor de casa dos AA. é de cerca de € 80.000,00.

39 – Os AA. possuem uma segunda casa, em ..., onde passam algum tempo.»

7. Do Direito.

7.1. Do pedido de remoção/desativação da subestação e das linhas de média tensão que passam sobre a casa de habitação dos AA. [supra, 5, (i)].

7.1.1. O conceito atividade perigosa, contido no nº 2 do art. 493.º do CC, apresenta-se como conceito relativamente indeterminado, carecido de preenchimento valorativo.

No que respeita à atividade de transporte, distribuição e fornecimento de energia elétrica, tal como exercida pela Recorrida, deve ela ser considerada perigosa por sua própria natureza, para efeitos de aplicação da presunção de culpa prevista na referida disposição normativa, conforme jurisprudência reiterada deste tribunal (além dos arestos citados no acórdão recorrido, vejam-se, mais recentemente, ASTJ de 27 de Abril e de 28 de Setembro de 2017, sumários publicados em www.stj.pt).

Responde, ainda, pelo risco, «tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da eletricidade (…), como pelos danos resultantes da própria instalação», nos termos previstos no nº 1 do art. 509º do mesmo código.

Considerado o mais severo regime de responsabilidade a que a Recorrida, na atividade exercida, se encontra sujeita, podendo, quanto ao elemento relativo à culpa, desta presumir-se, ou mesmo prescindir-se, sempre haverá que exigir a verificação de um nexo de causalidade (CC, arts. 483º, nº 1 e 563º).

7.1.2. Os danos sofridos pelos Recorrentes, consubstanciadores, conforme alegam, de «ofensas aos direitos (…) a um ambiente e qualidade de vida sadios, à proteção da sua saúde, na vertente física e psíquica», a fundar o pedido de remoção/desativação da subestação e das linhas de média tensão que passam sobre a sua casa de habitação, constam, por um lado, do nº 7 (restringidos à A., «que mais tempo passava em casa, começou a sofrer de um mal-estar, o qual se manifestava através de sensações de queimaduras, calores e irritação da pele ao nível da cabeça, face, pescoço e braços e inflamação na garganta, sentindo náuseas e dores na cabeça, nos ossos e articulações») e, por outro, dos nºs. (9, 10) 11 e 13 dos factos provados (ruído produzido pelos transformadores e ventiladores e iluminação, por holofotes, das janelas da casa); a responsabilidade pelos danos referidos nos nºs. 12, 15 e 16 encontra-se definitivamente afastada (1ª parte do nº 1 das conclusões da alegação dos recorrentes).

O dimensionamento jurídico dos factos constantes dos nºs. 14 e 17, que os Recorrentes entendem não ter sido devidamente valorados no acórdão da Relação e aos quais agora se estreita o fundamento do pedido (conclusões 1/6 da alegação), será seguidamente apreciado – infra, 7.1.5.

7.1.3. A segunda parte do nº 7 dos factos provados foi aditada pela Relação, nessa parte considerada procedente a impugnação dos Recorrentes.

Já, quanto ao pelos mesmos alegado de que «as linhas elétricas que passam por cima da casa dos AA., a subestação e todo o equipamento que a compõe, provocaram e provocam os efeitos na saúde dos AA. acima descritos», foi pela Relação julgado improcedente, nos seguintes termos (realce final acresc.):

«(…) É sobretudo de salientar que outros adultos conviventes com a Autora não registaram esses efeitos (ou outros) na respectiva saúde – e também há que salientar que a casa dos Autores, se bem que a única contígua ou confrontante com a subestação da Interveniente, não é a única que se situa próximo, ou muito próximo, da subestação: do lado Nascente da actual rua onde se situa a casa dos AA. (asfaltada, mas de largura estreita, mal servindo dois veículos em cruzamento) existem diversas casas de habitação de cujos residentes não existiu notícia de que se queixassem, designadamente das citadas doenças, com origem no funcionamento da subestação e na passagem superior de cabos de tensão eléctrica. Para cúmulo, as duas perícias realizadas – a perícia médica colegial, levada a efeito por dois professores de medicina e uma delegada de saúde (fls. 1616) e a perícia de electrotecnia (realizada por três docentes universitários do IST) são claros em afastar o juízo de causalidade referido. Acresceram os esclarecimentos em audiência, no mesmo e inequívoco sentido, prestados pelos peritos em referência. Ou seja, e em suma, improcede, neste ponto, a pretendida prova do efeito causal da subestação e linhas eléctricas sobre a saúde dos AA.»

7.1.4. O juízo respeitante ao estabelecimento de uma relação de causalidade, conforme jurisprudência corrente deste Tribunal, integra, por um lado, matéria de facto, quanto à existência de um facto naturalístico concreto e determinado, que funcionou efetivamente como condição desencadeante de determinado efeito e, por outro, matéria de direito, designadamente a determinação, no plano geral e abstrato, se aquela condição foi ou não causa adequada do evento, ou seja se, dada a sua natureza, era ou não indiferente para a sua verificação (art. 563º do CC) – entre outros, ASTJ de 7.10.2003, de 30.3.2006, de 13.3.2008, de 15.9.2016, disponíveis em www.dgsi.pt.

Podendo este Tribunal sindicar o juízo da Relação acerca do respeito pelo critério normativo da causalidade, já não no que primeiramente respeita  a uma mera perspetiva naturalística de apuramento da relação causa-efeito, quadrada no plano puramente factual, e como tal insindicável, nos termos e com as ressalvas dos arts. 682º, nºs. 1, 2 e 674º, nº 3 do CPC.

O juízo expresso pela Relação quanto ao afastamento de uma relação de causalidade entre, por um lado, o funcionamento e operabilidade da subestação e das linhas de média tensão e, por outro, os descritos danos na saúde dos AA. – rectius, da 1ª A. – situa-se, precisamente, no puro plano factual, como tal insindicável no presente recurso de revista.

7.1.5. A causa de pedir, no que respeita ao pedido de remoção/desativação da subestação e das linhas de média tensão que sobrepassam a casa de habitação dos AA., vem, portanto, circunscrita aos factos constantes dos nºs. 14 e 17, que os Recorrentes entendem não ter sido devidamente valorados no acórdão da Relação (supra, 7.1.2).

7.1.5.1. A contingência das deslocações referidas no nº 14 (deslocações dos AA. a fim de descansar, por não se sentirem bem na sua casa de habitação) articula-se, em encadeamento factual, com as lesões de saúde da 1ª. A., descritas no nº 7 e com o ruído e luminosidade, considerados nos nºs. 11 e 13: enquanto alegada consequência das primeiras, não sendo elas causadas pela atividade da Recorrida, nessa considerada medida não podem tais deslocações ser à mesma imputadas; como possível consequência do segundo grupo de eventos, tendo entretanto cessado as projeções de feixes de luz (nº 13), apenas poderá subsistir, enquanto unicamente correlacionada com a produção de ruídos, questão adiante examinada (infra, 7.1.6), tudo sem embargo do seu contributo para a densificação dos danos não patrimoniais – não são pelos AA. invocadas despesas implicadas nas deslocações em causa –, objeto de compensação (infra, 7.3) .

7.1.5.2. No que respeita ao estado de ansiedade e inquietação, consignado no nº 17, não poderá ele, do mesmo modo, ter-se como adequadamente resultante do mal-estar e lesões de saúde descritas no nº 7.

Enquanto motivado, da parte dos AA., pelo «receio que as linhas de alta [média] tensão (…) lhes caiam em cima e de explosões na subestação», devendo a avaliação da gravidade do dano, tendo em conta as circunstâncias de cada caso, reger-se por um padrão objetivo e não guiada por fatores subjetivos – como, aliás, reconhecem os Recorrentes no corpo da sua alegação –, manifestamente não pode tal asserção ser relevada.

Não contradita o perfilhado entendimento a ocorrência, na história do caso, dos factos referidos no nºs. 12 e 15, atenta a verificada cessação definitiva dos mesmos, objetivamente justificada no nº 16.

7.1.6. Subsiste, pois, como causa para o pedido de remoção formulado pelos AA., a produção de ruídos, durante o dia e durante a noite, gerados pelos dois transformadores e ventiladores existentes na subestação, tendo a Recorrida, em 2011/2012, adotado medidas de redução na fonte ou no meio de propagação desses mesmos ruídos, os quais se passaram a conter nos limites regulamentarmente admissíveis (nºs. 9, 10 e 11).

7.1.6.1. No tema da produção ou emissão de ruídos, lesivas de direitos individuais ou coletivos, tem a jurisprudência deste tribunal, consistentemente e desde há vários anos, convocado uma tríplice tutela jurídica (entre outros, ASTJ de 17.1.2002 e de 2.12.2013, disponíveis em www.dgsi.pt): (i) a da tutela do direito de propriedade, designadamente no domínio das relações de vizinhança (art. 1346º do CC); (ii) a do direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado (art. 66.º, da CRP e Lei 19/2014, de 14 de Abril – anteriormente Lei 11/87, de 7 de Abril) e (iii) a dos direitos fundamentais de personalidade, o direito à integridade moral e física, ao livre desenvolvimento da personalidade (arts. 25º, 26º, n.º 1 da CRP e art. 70º do CC).

7.1.6.2. Estando aqui unicamente em causa a referida produção de ruídos – afastado o receio de perigo manifestado pelos Recorrentes (supra, 7.1.5.2), nem outro vindo objetivamente identificado, maxime o alegadamente causado pela existência do campo elétrico e magnético criado pelas linhas de média tensão –, não há, no caso dos autos, que proceder à ponderação dos direitos conexos com a relação de vizinhança, a partir da violação do dever geral de precaução ou de prevenção do perigo, ou de um dever geral de diligência, por parte da Recorrida (ao cumprimento do dever de conservação e de devida exploração, este conforme o projeto licenciado, reporta-se o nº 28).

7.1.6.3. A questão deve decisivamente ser apreciada à luz do disposto no art. 335º do CC, no quadro de colisão, por um lado, dos invocados direitos dos AA., constitucionalmente garantidos (CRP, arts. 17º, 25º e 66º, cits.) e, por outro, do direito da Recorrida à organização e exercício da sua atividade económica (nas suas plúrimas concretizações), ainda que atividade de interesse público, na promoção do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas (quanto ao alcance, no caso, veja-se o consignado no nº 35 dos factos assentes) e igualmente com tutela constitucional [CRP, arts. 61º, nº 1 e 80º, alínea c)], presentes os custos incidentais consignados nos nºs. 36 e 37.

Escreve-se em recente acórdão deste tribunal, de 22 de Março último, Proc. 184/13 (ainda não publicado, por atraso no procedimento), firmando-se entendimento jurisprudencial: «O direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade, constituindo uma emanação dos direitos fundamentais de personalidade, constitucionalmente tutelados, é superior ao direito da R. em manter o poste de média no local em que se encontra implantado, devendo prevalecer sobre este, sem que o facto de a atividade da R. se encontrar licenciada e os níveis de ruído não excederem os limites regulamentares, permita concluir de forma diversa».

No mesmo sentido, anteriormente, além dos citados acórdão de 17.1.2002 e de 2.12.2013, entre outros, os de 28.2.2013 e de 30.5.2013, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Precisando o caso dos autos, dos citados nºs. 9, 10 e 11 dos factos assentes, que no quadro relevam, do último deles resulta que apenas ficou provado que a perturbação do sono e repouso se verificou até 2011/2012 – já não após essa data, com a colocação de barreiras acústicas –, embora a incomodidade se continue a verificar, mas sem o referido alcance, a esse respeito se consignando que os níveis de ruído não excedem os limites regulamentares.

Dito de outro modo, não vem provado que, após 2011/2012, com as medidas adotadas pela Recorrida de redução na fonte ou no meio de propagação dos ruídos mencionados, a sua percetibilidade, mantendo-se embora de natureza perturbadora, impeça o sono e o repouso dos AA.

No caso dos autos, tal como vem configurado pelas instâncias, não assumindo a ofensa do direito à tranquilidade dos AA., pelo seu grau, a radicalidade e o alcance das diferentes situações consideradas na jurisprudência acima citada, quando em confronto com o direito da Recorrida no exercício da sua atividade, em regime de concessão de serviço público, com as inerentes obrigações, incluindo a adoção das providências adequadas à minimização dos impactes ambientais (arts. 5º e 7º do DL 29/2006, de 15 de Fevereiro), no caso concretizadas com a colocação de barreiras acústicas, presentes os custos incidentais implicados na remoção ou desativação de todo o equipamento pedida pelos AA., não pode tal pretensão manter-se prevalente.

Na colisão dos direitos em causa, o núcleo do direito dos AA. ao repouso, ao sono e à tranquilidade – enquanto emanação dos direitos fundamentais de personalidade, com tutela constitucional –, na sequência das medidas instrumentais adotadas pela Recorrida, foi reconhecido e prevaleceu.

Assegurar, no caso dos autos, a manutenção da prevalência do direito à tranquilidade dos AA., em todo o seu extenso limite, para além do considerado núcleo que o superioriza, erradicando o direito de implantação do equipamento no local, conforme projetado e executado (e licenciado), com os custos incidentais referidos nos nºs. 35/37 dos factos assentes, não corresponderia a uma solução equilibrada e proporcional dos interesses em confronto.

A solução alcançada, com a instalação de barreiras acústicas propiciadoras dos efeitos acima detalhados (não vem questionada a possibilidade de outras medidas, complementares ou substitutivas das adotadas, em vista a uma  redução mais intensa na produção ou emissão dos ruídos), acrescida de compensação devida por danos não patrimoniaisinfra, 7.3 –, corresponderá ao patamar, adequado ao caso, de concordância prática dos direitos colidentes.

7.2. Da imputação à Recorrida do dano sofrido com a desvalorização da casa de habitação dos AA. [supra, 5, (ii)].

7.2.1. Estabelece o nº 1 do art. 1344º do CC que «a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, (…)».

Espaço aéreo esse sujeito a uma reserva de soberania, nos termos da alínea  b) do n.º 1 do art. 84.º da Constituição: «As camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário».

Precisa-se na alínea f) do DL 477/80, de 15 de Outubro, que integram o domínio público do Estado «As camadas aéreas superiores aos terrenos e às águas do domínio público, bem como as situadas sobre qualquer imóvel do domínio privado para além dos limites fixados na lei em benefício do proprietário do solo».

Na ausência da prevista fixação legal, tem a doutrina procurado dimensionar tais limites.

Assim, «Marcello Caetano [Manual de Direito Administrativo, vol. II, pág. 906] sustenta que integra o domínio público o espaço aéreo a partir do qual o proprietário já não tem interesse legítimo em impedir actos de terceiro. Menezes Cordeiro [Tratado de Direito Civil, pág. 67] considera que o domínio público aéreo começa para lá da altitude onde o proprietário já não alcança (…). Oliveira Ascensão [Direito Civil, Reais, 5.ª edição, págs. 178/9 e 185] entende que o critério dominante da extensão dos limites em altura dos direitos incidentes sobre imóveis reside no interesse prático influenciado pela consagração do princípio da função social: são inaceitáveis “poderes de expansão” do direito a outras zonas que não correspondam a qualquer interesse efectivo do respectivo titular (…)» (ASTJ, de 14.2.2013, publicado em www.dgsi.pt).

Nos casos de servidão administrativa de linhas de transporte de eletricidade (aí incluídas as de alta tensão, de mais elevada altura), dispõe o art. 37º do DL 43.335, de 19 de Novembro de 1960, preceito ainda atualmente vigente, que «Os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas».

7.2.2. Pretendem os AA. ser indemnizados pelos danos respeitantes à desvalorização da sua casa de habitação, não apenas causados pela passagem de linhas de média tensão que a sobrepassam (factos nºs. 5 e 6) – indemnização essa genericamente prevista na parte final  do art. 37º do DL 43.335, acima transcrito –, mas também pela construção contígua da subestação (factos nºs. 3 e 4).

7.2.2.1. Sobre a questão pronunciou-se a Relação, confirmando a decisão da 1ª instância, nos seguintes termos:

«(…) Mas a Mmª Juiz “a quo” afastou a aplicação da norma [art. 37º do DL 43335], sob a invocação de que “este era um direito a exercer na altura da construção da subestação e que nada tem a ver com os direitos que os AA. vêm exercer nesta acção, os quais respeitam aos seus direitos pessoais à tranquilidade, sossego, bem estar, isto é, à sua saúde; (…)”.

Tem absoluta razão a Mmª Juiz “a quo”, e a afirmação feita decorre claramente da forma como a acção foi estruturada.

Não sendo assim caso de perspectivar uma indemnização por acto lícito, ou seja, em decorrência da constituição de uma servidão administrativa que nem sequer foi invocada no douto petitório, não cabe extrair efeitos do processo não previstos ou decorrentes do princípio dispositivo.

Significativamente, tal matéria ficou em absoluto ausente da discussão entre as partes, com ressalva da menção à matéria efectuada na Contestação da Interveniente, em vista de afastar a possibilidade de fixação de uma indemnização por via da constituição de servidão administrativa.

Para finalizar, são os AA. quem descaracteriza expressamente a fixação da indemnização com este fundamento, nas respectivas doutas alegações de recurso, pelo que não existe norma expressa que, com fundamento na responsabilidade por actos lícitos, possa fundamentar a fixação da indemnização aos AA. decorrente da desvalorização do prédio urbano no qual se situa a respectiva casa de habitação»

7.2.2.2. É sabido que os factos que constituem a causa de pedir não têm de ser juridicamente conformados pelo tribunal com o sentido pretendido pelo AA. ou contraditado pelos RR. (art. 5º, nº 3 do CPC).

No que respeita à pretendida indemnização por desvalorização da casa de habitação, na parte em que vem fundada na implantação contígua da subestação (alegação dos Recorrentes, conclusões nºs. 28, 1ª parte; 38, 2ª parte e 39), inexistindo norma expressa, que, a essa luz, estabeleça responsabilidade por ato lícito, não pode ela proceder, conforme examinado pelas instâncias.

Os arts. 493º, nº 2 e 1346º do CC, para tanto invocados pelos Recorrentes, quadram-se no tema das relações entre proprietários de prédios vizinhos.

A jurisprudência deste tribunal, na ponderação dos direitos conexos com a relação de vizinhança em causa, assenta na violação do dever geral de prevenção do perigo, ou do dever geral de diligência (com citações doutrinárias e de anteriores acórdãos, ASTJ de 14.2.2017, disponível em www.dgsi.pt), violação essa não verificada no caso dos autos.

7.2.2.3. Já diferentemente do decidido pelas instâncias, vindo provada a alegada desvalorização do imóvel, enquanto fundada na existência das linhas de média tensão que o sobrepassam (factos 6, 19 e 20 da matéria assente), deve ela juridicamente compreender-se no objeto de indemnização prevista no considerado art. 37º do DL 43.335 (supra, 7.2.1), firmando-se o entendimento a esse respeito expresso em anteriores acórdãos deste tribunal (entre os mais recentes, ASTJ de 3.7.2014, disponível em www.dgsi.pt e de 11.10.2016, sumário publicado em www.stj.pt).

Parece fluir do passo acima transcrito do acórdão da Relação, confirmativo do juízo da 1ª instância, que tal desvalorização sempre deveria ser objetivamente reportada à data de ocorrência do facto dela causador, no ano de 1972 (facto nº 3), mais de 30 anos antes da propositura da ação.

Podendo, a essa data, na normalidade das coisas, tratando-se de facto danoso de manifesta e imediata apreensão, corresponder o conhecimento – conhecimento empírico – do lesado, para os efeitos previstos no art. 498º, nº 1 do CC, impõe-se no presente processo entendimento contrário, à luz do despacho saneador proferido, nessa parte transitado, afastando a exceção de prescrição então invocada pelas intervenientes, ao julgar que «este dano não se produziu em definitivo e consolidou no património dos autores mais de três anos antes da instauração da ação, este dano ainda hoje se está a produzir (ainda que a sua expressão monetária possa ser a mesma – ou diferente – de há alguns anos a esta parte) e vai continuar a produzir, pelo que o respectivo direito não está prescrito» (despacho saneador, a fls. 1169/71).

7.2.2.4. Mostrando-se devida a indemnização aos AA. pela desvalorização do imóvel, enquanto fundada no art. 37º do DL 43.335, importará fixar o respetivo montante.

Tal montante, obviamente inferior ao atual valor da casa consignado no nº 38 dos factos assentes, há-de corresponder à diferença entre esse valor e o que lhe deveria corresponder se não existissem as linhas de média tensão que a sobrepassam (a diferença assim obtida determinará o montante dos danos certos e atuais, em causa).

Não tendo a considerada quantificação do prejuízo sido apurada, impõe-se relegar a fixação do quantum indemnizatório para o que ulteriormente vier a ser liquidado (art. 609º, nº 2 do CPC).

7.3. Do montante da compensação arbitrada aos AA. por danos não patrimoniais [supra, 5, (iii)].

7.3.1. Em causa a compensação pelos danos relativos aos factos provados nos nºs. 11 e 13, acima considerados.

A Relação teve por ajustado manter a indemnização arbitrada pela 1ª instância, no total de € 10.000 (€ 6 000 para a Autora mulher e € 4 000 para o Autor marido).

Os AA., afirmando no corpo da alegação que «a indemnização por danos morais ou não patrimoniais não pode ser simbólica, nem miserabilista», reafirmam o pedido, no montante total de € 12.500.

7.3.2. As indemnizações em causa foram, nos termos legalmente previstos, fixadas segundo a equidade (arts. 566º, n.º 3 e 496º, nº 3 do CC).

O recurso a equidade significa que «o que passa a ter força especial são as razões de conveniência, de oportunidade, principalmente de justiça concreta, em que a equidade se funda. E o que fundamentalmente interessa é a ideia de que o julgador não está, nestes casos, subordinado aos critérios normativos fixados na lei» (Pires de Lima / Antunes Varela, em anotação ao art. 4º do CC).

Deste modo, quando o cálculo da indemnização resulte decisivamente de juízos de equidade – como é o caso dos autos –, ao Supremo não compete a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar, já que a aplicação de tais juízos de equidade não se totaliza na resolução de uma questão de direito, contendo-se o seu conhecimento na eventual sindicância dos limites e pressupostos à luz dos quais se situou o juízo equitativo expresso pelas instâncias, na ponderação casuística da individualidade do caso concreto sub juditio (entre outros, ASTJ de 5.11.2009, 28.10.2010, 8.5.2013, todos, bem como o adiante citado, disponíveis em www.dgsi.pt).

Trata-se, em suma – naturalmente ressalvada a harmonização com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência atualista, devam ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis (ASTJ de 8.6.2017), o que no caso não se suscita –, de questão insuscetível de ser sindicada em recurso para o STJ, enquanto tribunal de revista (citados arts. 46º da LOSJ e 674º, nº 3 do CPC; cf., ainda, art. 682º deste último diploma).


III

Nos termos expostos, acorda-se em conceder a revista, apenas na parte relativa à indemnização pela desvalorização da casa de habitação dos AA., enquanto fundada no disposto no art. 33º do DL 43.335, de 19 de Novembro de 1960, indo o respetivo montante relegado para execução (art. 609º, nº 2 do CPC), em tudo o mais se mantendo o acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes e Recorrida, na proporção do respetivo decaimento.


Lisboa, 3 de Maio de 2018.

J. Cabral Tavares (Relator)

Fátima Gomes

Acácio das Neves