Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1084/12.4TBPTL.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
TEMAS DA PROVA
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
SIMULAÇÃO DE CONTRATO
CASO JULGADO FORMAL
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
INTERESSE EM AGIR
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
MATÉRIA DE DIREITO
PROVA VINCULADA
AUTONOMIA PRIVADA
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
Data do Acordão: 01/20/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. As partes principais têm legitimidade para recorrer se não obtiveram a decisão mais favorável que poderiam ter alcançado.

II Não cabe no âmbito do recurso de revista o controlo de meios de prova sem valor tabelado na lei, ou seja, sujeitos à regra da livre apreciação da prova.

III. O sistema português de recursos está construído de forma a comportar um grau de recurso das decisões sobre a matéria de facto e dois graus de recurso em matéria de direito; apreciar decisões de facto assentes em meios de prova com valor tabelado na lei é, ainda, matéria de direito.

IV. A enunciação dos temas da prova não é mais do que a elaboração de uma peça instrumental, preparatória, das fases processuais que se seguem, a produção de prova e o julgamento da matéria de facto, hoje constante da sentença; e assenta na ideia de que é útil a concentração da matéria de facto controvertida, mas sem corresponder a uma lista de factos a provar.

V. Sejam enunciados de forma mais genérica ou de modo mais concretizado, os temas da prova devem corresponder a questões de facto controvertidas que interessem à decisão da causa, perspectivada esta de modo a abranger as soluções de direito que forem plausíveis.

VI. A enunciação dos temas da prova não corresponde a nenhuma decisão definitiva no processo, que adquira força de caso julgado formal.

VII. A regra da metade na participação dos cônjuges no património comum limita a autonomia dos ex-cônjuges na partilha subsequente ao divórcio, mas não a elimina.

VIII. O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que a regra da metade é violada, o que torna nula a partilha, ou o correspondente contrato-promessa, quer quando não constam do ou dos contratos elementos que permitam controlar a igualação dos ex-cônjuges, quer quando dos respectivos termos resulta uma manifesta desproporção nas atribuições.

IX. É a data a partir da qual se consideram cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges que releva para se ter como fixada a massa de bens comuns.

X. Não se inclui no âmbito possível do recurso de revista o controlo da conclusão a que o acórdão recorrido chegou quanto à vontade real do recorrente e da recorrida para o efeito de interpretação, quer do contrato-promessa, quer do contrato definitivo; nem tão pouco, do ponto de vista fáctico, a conclusão de existência de uma lacuna no contrato de partilha, que o acórdão recorrido integrou considerando a vontade real das partes.

XI. Não se confunde a falsidade de um documento autêntico com a simulação das declarações negociais que o notário atestou terem sido emitidas.

XII. A alegação de simulação de uma declaração cuja emissão foi atestada por notário não põe em causa a força probatória do documento autêntico: não é acessível às percepções do documentador a coincidência ou a divergência entre a vontade real e a declaração.

XIII. A natureza formal de um contrato de partilha que inclui imóveis não impede, nem a sua interpretação, nem a integração de eventuais lacunas, de acordo com a vontade real das partes, mesmo que esta vontade não tenha correspondência no texto, desde que não seja posta em causa a razão de ser da exigência da forma legal.

XIV. Vindo provada a constituição do direito da ré ao pagamento de tornas, não pode proceder o pedido do autor de declaração de que não é devedor de qualquer quantia à ré a título de tornas da partilha de bens comuns do casal.

Decisão Texto Integral:



Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA instaurou contra BB uma acção na qual pediu que se declarasse “que o autor não é devedor de qualquer quantia à ré a título de tornas da partilha de bens comuns do casal”.

Para o efeito, e em síntese, alegou terem contraído casamento em 21 de Fevereiro de 1992, sem convenção antenupcial, casamento esse que veio a ser dissolvido por divórcio em 4 de Janeiro de 2008; que decidiram “não proceder à imediata partilha dos bens do casal”; que, em 28 de Fevereiro de 2011, celebraram, por documento particular, um “contrato-promessa de partilha de bens comuns”, do qual constava, segundo alega, “que o aqui A prometeu pagar a si mesmo a quantia de € 1 400 000,00 de tornas – cláusula terceira, alínea a)”, “assim como prometeu pagar à aqui Ré um milhão e quatrocentos mil euros a título de tornas, cláusula terceira, alínea b)”, a pagar quando “as dívidas das sociedades cujas quotas à Ré foram adjudicadas, às sociedades cujas quotas ao aqui Autor, também adjudicadas foram, estivessem integralmente pagas”; que, no entanto, não se percebe a razão deste pagamento à ré, porque foi o seu quinhão que ”foi preenchido por defeito e este teria direito a receber € 195.057,52 da ré BB”; que, em 7 de Abril seguinte, celebraram o contrato de partilha, por escritura pública na qual, por entre o mais, ambos declararam que “Feita a compensação entre o activo e o passivo não há lugar ao pagamento de tornas”; que, no entanto, “a ré entende que é credora de tornas no valor de 1.400.000,00 € sobre o autor”, o que além do mais constitui abuso de direito; mas que “nunca tal repartição de activos e passivos do património comum (onde a R a mais do que já levou teria direito a € 1 400 000,00), seria permitida face ao disposto de forma imperativa pelo art. 1730 do Código Civil”.

A ré contestou, concluindo que devia ser absolvida do pedido, e deduzindo reconvenção, na qual pediu (a) que a escritura de partilha fosse declarada “um documento falso, no que se refere ao valor atribuído aos bens e na parte em que se declara que «Feita a compensação entre o activo e o passivo, não há lugar ao pagamento de tornas»”, declaração que ficou na escritura a pedido do autor; (b) que se declarasse “que assiste à ré o direito a receber do autor, a título de tornas, a quantia de € 1 400 000,00” (c) que o autor fosse condenado a pagar-lhe “a quantia de € 1 400 000,00, a título de tornas devidas por efeito da partilha dos bens comuns do casal, acrescida de juros moratórios, contados sobre o capital em dívida à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento” e, subsidiariamente, a mesma condenação, por enriquecimento sem causa.

O autor replicou. Sustentou a inadmissibilidade da reconvenção, respondeu e pediu, “caso a acção improceda e por mera cautela”, que se declarasse “que nos termos da cláusula 4.ª do contrato promessa de partilha (…) só está obrigado a pagar 1 400 000,00 a título de tornas à ré, depois de que as sociedades comerciais A..., Lda. e I..., Lda., paguem às sociedades D..., Lda. e Im..., Lda., a quantia de € 1 400 000,00” e que “não são devidos quaisquer montantes a título de juros pelo A à R".

A ré treplicou, respondendo às excepções opostas à reconvenção.

No saneador, a fls. 358, por entre o mais, foram admitidas a reconvenção e a ampliação do pedido, constante da réplica. Foram ainda definidos o objecto do litígio (“Aferir se o Autor é ou não devedor de quantias junto da Ré, a título de tornas, mormente dos ajuizados 1 400 000,00 €; e, na  perspetiva positiva da afirmação do direito da Ré, saber se a mesma é ou não exigível, em virtude dos termos da cláusula 4 do contrato de promessa de partilha dos bens comuns junto aos autos a fls. 30 e segs.”) e os temas da prova (“Considerando que por prova documental e atentas as posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados, se mostra assente que as partes outorgaram contrato de promessa para partilha de bens comuns patenteado a fls. 30 e ss, bem como a adenda ao contrato de promessa de partilha de bens comuns patenteada a fls. 41 e ss, bem como ainda a escritura pública de partilha patenteada a fls. 45 e ss, cumpre aferir entre o mais, da real e concreta vontade das partes na celebração do contrato de partilha atrás referido, mormente se as partes acordaram entre si em excluir dos termos finais de tal contrato o pagamento de tornas convencionado no contrato promessa de partilha atrás igualmente referido, sem mais, sem reservas, por acordo e aceitação de ambas as partes, ou, tendo acordado entre si que tal pagamento continuava a ser devido, por mero pedido expresso do Autor, simplesmente acordaram em não o incluir nos termos da escritura de partilha, com o fito de, entre o mais, iludir obrigações fiscais. Aferir do concreto e real valor dos lotes que compõem cada um dos quinhões segundo os quais as partes acordaram proceder à partilha”.

Pela sentença de fls. 1196 a acção foi julgada procedente, “declarando-se que o autor não é devedor de qualquer quantia à ré a título de tornas da partilha de bens comuns do casal”. A reconvenção foi julgada improcedente, sendo o autor absolvido dos correspondentes pedidos. Foram ainda declarados nulos o contrato-promessa de partilha e a partilha posteriormente feita por escritura pública, por infracção da regra de que “Os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido contrário” (n.º 1 do artigo 1730.º do Código Civil) e consideradas prejudicadas as demais questões.

Quanto ao contrato-promessa, entendeu-se na sentença que “(…) dos factos provados e não provados e respectiva prova e motivação, resulta à evidência que no referido contrato-promessa, ao fixar-se a título de tornas a quantia de €1.400.000,00, sendo delas devedor o A. e credora a Ré, se atribuem às outorgantes prestações manifestamente desproporcionais (cf. 1.6. dos factos provados), pelo que se impõe declarar nulo tal contrato-promessa, nos termos do artigo 1730º, nº 1 CC e teor da jurisprudência supra citada.”

Relativamente ao pedido da ré de que a escritura de partilha fosse considerado  «um documento falso, no que se refere ao valor atribuído aos bens e na parte em que se declara que “Feita a compensação entre o activoe o passivo, não lugar ao pagamento de tornas”», a sentença observou que  a questão colocada pela ré não se reconduz a um problema de falsidade do documento, mas  de “simulação das declarações emitidas pelos declarantes”;  e que não se provaram os requisitos da simulação.  

No que   respeita à invalidade por infracção da regra constante do citado artigo 1730.º do Código Civil pelo contrato de partilha, a sentença esclareceu que se impunha “ a declaração da nulidade total da partilha”, não sendo viável a aplicação do “princípio da conservação dos negócios jurídicos”, porque “resulta que a Ré pretende ser credora de tornas, quando se apurou ser devedora das mesmas, tendo em conta o valor das verbas que integram o património activo e passivo a partilhar”.

2. A ré recorreu para o Tribunal da Relação ..., que concedeu provimento à apelação, alterando diversos pontos da decisão sobre a matéria de facto e julgando improcedente a acção e procedente a reconvenção, decidindo desta forma:

«a) Declara-se que o exarado na escritura de partilha, celebrada no dia 7 de Abril de dois mil e onze, no Cartório Notarial sito na Alameda ..., na cidade de ..., perante o Notário CC, que constitui o doc. n.º 5, junto com a P.I.., é falso, no que se refere às declarações dos outorgantes quanto ao valor atribuído aos bens, pois que o que as partes pretendiam realmente declarar era que o valor das quotas sociais, aí descritas sob as verbas 22, 23, 26 e 27, excedia em €1.400.000 o valor declarado.

b) Consequentemente não corresponde à verdade o que nela se exarou, na parte em que se refere: “Feita a compensação entre o activo e o passivo, não há lugar ao pagamento de tornas”, pois havia lugar a tornas nesse montante de €1.400.000, a pagar pelo primeiro outorgante à segunda outorgante.

c) Condena-se o autor/reconvindo a pagar à ré/reconvinte a quantia de €1.400.000,00, a título de tornas devidas por efeito da partilha dos bens comuns do extinto casal, acrescida de juros moratórios, à taxa de 4% ao ano, desde a citação (notificação da reconvenção) e até integral pagamento.»

Na sequência de alterações significativas da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal da Relação ... considerou, no essencial, que, nem o contrato-promessa de partilha, nem a partilha que se lhe seguiu infringiam a já referida “regra da metade”, constante do n.º 1 do artigo 1730.º do Código Civil:  “(…) a contemplação, no contrato promessa, do valor das tornas (€1.400.000) era essencial à justa composição das meações, não se mostrando violada a regra da metade consagrada no art.º 1730º, n.º 1, do C. Civil, pois tal contrato deverá ser interpretado no sentido de que o lote de bens que seria adjudicado à ré tinha um valor inferior ao do que seria adjudicado ao autor e nesse exacto valor.

Essa cláusula só não foi transposta para o contrato prometido, porque o réu assim o solicitou, invocando motivos fiscais e a ré, de boa fé, assessorada pela respectiva advogada, confiou em que o autor manteria o acordado. (…).

O contrato de partilha deve conservar-se, sendo interpretado e integrado nos termos do art.º 239.º do CC (…).

Consequentemente, provada a falsidade das declarações prestadas perante o notário no que tange aos valores que as partes atribuíram aos bens que integrariam as respectivas meações, mais concretamente ao valor das supra referidas quotas sociais e a consequente falsidade da constatação, nela exarada, de que não havia lugar a tornas, o contrato, relativamente a estes pontos, agora omissos, terá de ser integrado de acordo com a vontade real das partes ou de acordo com os ditames da boa fé, quando estes imponham solução diversa.

A vontade real das partes, que presidiu à celebração do contrato, era no sentido de que o lote de bens adjudicado ao autor tinha um valor superior em €1.400.000 ao lote de bens adjudicado à ré e, que, consequentemente, sobre o autor impendia a obrigação de pagar à ré a quantia de €1.400.000, a fim de esta efectuar suprimentos, às sociedades cujas quotas lhe foram adjudicadas na partilha, que lhes permitiriam pagar os débitos para com as sociedades, cujas quotas foram adjudicadas ao autor.

É essa também a solução que é imposta pelos “ditames da boa fé”, ou seja, pelo conceito de boa fé objectiva, no plano dos princípios normativos, como base orientadora e fundamento de efectivas soluções reguladoras dos conflitos de interesses.”.


3. O autor recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça; o recurso foi admitido.

Nas alegações que apresentou, o recorrente formulou as seguintes conclusões:

«A) Por mera economia dá-se por integralmente reproduzido o alegado nos pontos 1 a 4, supra.

B) Sendo que foi fixado como tema de prova dos presentes autos: Aferir do concreto e real valor dos lotes que compõem cada um dos quinhões, segundo os quais as partes acordaram proceder à partilha.

Isto porque

C) Os quinhões constituídos e partilhados no ano de 2011, correspondem exatamente ao acervo de bens que o casal detinha no património comum no ano do divórcio, em 2008;

D) Sendo que, na data do divórcio, entenderam recorrente e recorrida, por acordo escrito – junto à contestação artigos 93º e 94º e documento 5 – relacionar os bens comuns do casal e não os partilhar durante cinco anos.

Ou seja,

E) Os bens relacionados no contrato promessa de partilha, não são mais nem menos do que os bens que recorrente e recorrida possuíam no acervo do património conjugal em 01.04.2008, que só prometeram partilhar em 28.02.2011, nos exatos termos que consta da relação de bens do contrato promessa, quer quanto aos valores atribuídos aos bens que compõem os dois quinhões bem como das tornas devidas.

F) Claro que, de 2008 a 2011, alguns desses bens valorizaram, (o valor real das quotas detidas por ambos nas sociedades comerciais) e pelo menos um deles (o imóvel sito no ...) desvalorizou, face ao preço de compra efetuada pelo casal.

G) Circunstância que levou a que, posta judicialmente em crise a validade da promessa de partilha, ambas as partes requeressem a avaliação dos quinhões que a cada um tocou e o tribunal deferiu, em 1º instância, desde logo de modo a aferir o cumprimento da regra imperativa insta no art.º 1730º, n.º 1 do C.Civ..

De resto,

H) Como resulta do contrato promessa de partilha:

i.  Não pretenderam recorrente e recorrida atribuir ao lote denominado P..., um valor superior em € 1.400.000,00 relativamente ao lote de A..., desde logo porque não fizeram constar essa intenção no valor que atribuíram aos bens que compõem cada lote.

ii.       Sendo claro que, como resulta da simples soma aritmética dos valores atribuídos – facto que foi dado como provado pelas instâncias – se se tiver em conta os valores dos bens indicados no contrato promessa, a recorrida teria de pagar de tornas ao recorrente o valor de € 194 557, 70.

Destarte,


I) A inclusão na cláusula Terceira da alínea b) escrita nestes termos: b) Os bens descritos nas verbas 1, 2, 3, 4, 5, 10, 14, 16, 18, 19, 24, 25, 28, 29, 31, 34 ficam adjudicados à segunda outorgante a quem cabe receber, do primeiro outorgante, o valor de € 1.4000.000,00 (um milhão e quatrocentos mil euros) a título de tornas pelo excesso no preenchimento do respetivo quinhão” é ostensivamente reveladora da violação da regra do artigo 1730º, n.º 1 do C. Civ.

Aliás, sempre se dirá que,

J) Não olvidando a regra formal de que nas partilhas os imóveis se relacionam pelo valor matricial e pelo valor atribuído, o mesmo valendo para, designadamente as participações sociais, nada impedia que os ali promitentes contraentes, devidamente aconselhados por técnicos da área, tivessem feito constar, precisamente na atribuição dos valores aos bens, os necessários para que aritmeticamente se chegasse à conclusão referida na alínea b) transcrita na precedente conclusão I).

Todavia,

K) Como ficou considerado provado – quer pelas declarações da então advogada da recorrida que participou nas negociações, quer ainda pelos TOC e Roc das sociedades e, ainda como decorre das cláusulas terceira e quarta do contrato promessa – como não era possível, contabilisticamente, eliminar as dívidas das sociedades dos A... (da recorrida) às sociedades de P... (do recorrente), inseriu-se naquela alínea b) do Contrato promessa e, sem causa justificativa, o valor de tornas de € 1.400.000,00 que o recorrente só deveria pagar à recorrida à data em que estiverem pagos os débitos existentes entre as sociedades.

De resto

L) Dos documentos que o Tribunal recorrido diz ter apreciado para dar como provada a intenção de recorrente e recorrida atribuírem um valor superior ao lote de P... no montante de € 1.400.000,00 não resulta essa intenção por banda do recorrente que, pelo contrário, unicamente propõe que, para ir pagando as dívidas societárias de A... a P... as sociedades elaborem um mútuo.

Assim,

M) Não deve ser admitida por ilegal e por violação da regra do art.º 1730, nº 1 do C. Civ a eliminação dos factos provados em 1.50 a 1.55 como se fez no Acórdão recorrido, entre o mais, por violação do caso julgado formal, relativamente à decisão de fixação dos temas de prova.

N) Tal decisão é impeditiva de que se apure o valor real da composição dos quinhões à data em que recorrente e recorrida decidiram prometer efetuar a partilha.

O) Na verdade, o Acórdão posto em crise, para além de apenas enunciar os artigos 1688 e 1795-A do C. Civ, 1789, nº 1 e 1689º do mesmo código, não nos resolve dois problemas que não poderia deixar de solver:

I) Qual o valor do património comum (ativo e passivo) em 1.4.2008 (data do divórcio)? (sobretudo se tivermos em conta que, como a perícia apurou, a dívidas dos A... a P... em 2008 eram só no montante de € 485.000,00 e não de € 1.400.000,00).

II) O que fazer ao incremento/desvalorização desse património comum não dissolvido, gerido em comum por decisão das partes, até 28.02.2011?

P) As perícias eram, como são, fundamentais e necessárias para avaliar se a promessa de partilha viola ou não a meação, tanto mais que, no ano de 2008, por opção das partes, não se sabia quem ficava com o quê e o valor real dos bens.

 Por outro lado, os factos aditados como provados nos pontos 1.37-A a D 1.42-A a D. mantidos que sejam os factos eliminados não fazem qualquer sentido nem permitem chegar à decisão aqui recorrida.

Desde logo porque, para além do que já se concluiu acresce o seguinte:

Q) Não podiam, recorrente e recorrida acertar as contas societárias nas suas partilhas.

R) Tal facto é contra lei, chama-se branqueamento de capitais e fraude fiscal o que consubstancia dois tipos legais de crimes.

S) Mormente em sociedades com um terceiro sócio o IT... que nada tem a ver comas relações patrimoniais do ex-cônjuges.

T) De resto, 5º; 6º, 252º a 262.ºA do Código das Sociedades Comerciais, deixam claro que antes se afirmou.

U) Nem, salvo o devido respeito, se entende como o Tribunal recorrido deu o valor que deu às declarações da Sra Dra DD, advogada da recorrida que a assistiu na elaboração do contrato promessa (com óbvio interesse de parte, portanto).

Vejamos,

V) O tribunal recorrido sufragou a tese de que foi o recorrente que na escritura não aceitou que constassem as tornas que tinha de pagar por “razões fiscais”

W) As razões fiscais, correm todas contra a recorrida. Ela é que beneficiou fiscalmente pelo facto de as tornas não constarem da escritura.

X) Não pagou como era obrigado imposto de selo sobre as tornas, assim como não foi obrigada a declará-las em sede de IRS.

Y) Mais a mais, a escritura se reproduzisse o contrato promessa de partilha não permitia que se chegasse à conclusão de que o recorrente pagaria, por excesso do seu quinhão o valor de € 1.4000.000,00 de tornas à recorrida, porque na verdade teria de receber o valor de € 194.557,70.

Z) A partilha também seria nula por violação do artigo 1730º, n.º 1 do C.Civ.

AA) Por economia, dá-se por integralmente reproduzido o alegado no ponto 97.

BB) O recorrente e a recorrida não sabiam do valor dos quinhões porque, segundo eles, tudo foi tratado pelos advogados que os assessoravam e, pelos vistos, até deixaram assinadas as folhas da escritura, em branco… a qual foi elaborada depois.

CC) Por isso, recorrente e recorrida, requereram as perícias e, pese emboraa recorrida não concorde como resultado maioritário das mesmas (Parecer sufragado por 5 peritos, incluído o dela na primeira peritagem, contra um, o dela, na segunda peritagem) os resultados das mesmas são inequívocos.

DD) Pese embora, a dívida das empresas de A.… a P…, a recorrida recebeu na partilha um quinhão vais valioso do que o do recorrente em € 171.672,50. Esta é a realidade que, com a ilegal eliminação dos factos provados em 1.50 a 1.55, o Acórdão recorrido recusa reconhecer em violação do teor imperativo do artigo 1730º, nº 1 do C. Civ.

Quanto à escritura de partilha,

EE) Para além de recorrente e recorrida alegarem desconhecer osvalores ali inseridos, relativamente a cada verba, para chegar ao resultado de não haver lugar a pagamento de tornas,

FF) Entende-se que a sua simulação nessa parte corresponde a uma simulação parcial (quanto aos valores, mas não quanto aos bens a partilhar e à sua adjudicação).

GG) Pelo que, mantendo-se como parece ser de manter os factos provados de 1.50 a 1.55 e eliminados os inseridos pontos 1.37-A a D e 1.42-A a D, deverá ser declarada a nulidade parcial da mesma relativamente às tornas, devendo ser alterada a sua redação fazendo constar que a recorrida recebeu a mais no seu quinhão o montante de € 171.672, 50.

HH)      O Acórdão recorrido viola os artigos: 1730º, nº 1 do C Civ; 620º do CPC, artigos 5º, 6º 252 a 262-A do CSC.


Termos em que, e nos melhores de direito, sempre com o Douto suprimento de V. Exas. Senhores Juízes Conselheiros:

I) Deverá ser revogado o Acórdão recorrido, e dando provimento aos pedidos formulados pelo autor/recorrente, na PI e na Réplica (este por mera cautela e dever de patrocínio);

II)      Improceder todos os pedidos formulados pela Ré/recorrida e

II) (Relativamente à nulidade da partilha, por padecer de simulação relativa), deverá ser declarada a partilha válida, todavia, declarando falsa a cláusula da inexistência de tornas, fazendo-a substituir por outra que contemple que a recorrida recebeu a mais no seu quinhão valor de € 171.672,50, o qual deve de tornas ao recorrente».


A recorrida contra-alegou, sustentando a manutenção da decisão recorrida. Para a hipótese de a revista proceder, veio ampliar o objecto do recurso. Terminou desta forma a sua alegação:

1. A decisão recorrida, na parte em que se absteve de pronunciar sobre a nulidade da partilha, não se integra no n.º 1 do art. 671.º do Cód. Proc. Civil, pelo que o recurso deve ser rejeitado, na parte em que visa impugnar esse segmento do Douto Acórdão recorrido.

2. Nenhum dos fundamentos invocados para atacar a decisão da matéria de facto se integra na previsão da norma do n.º 3 do art. 674.º, o que impõe a rejeição do recurso, na parte em que visa alterar a decisão da matéria de facto.

3. O Recorrente não cumpriu com o disposto no art. 640.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, aplicável por remissão do art. 679.º do mesmo diploma, o que implica que não se possa conhecer do objecto do recurso, na parte em que a mesma visa a alteração da decisão da matéria de facto.

4. Ainda que assim se não entendesse e caso o recurso do Recorrente procedesse (o que não se aceita, senão como hipótese de raciocínio), a fim de se evitar a preterição da jurisdição da Relação quanto à decisão da matéria de facto, sempre se imporia a baixa dos autos à 2.ª Instância, pelo menos para apreciação da matéria de facto contida nos pontos 1.50 a 1.55 dos factos provados, atento o disposto no art. 682.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil (dado que a reapreciação de tais factos foi objecto da apelação).

5. Os autos não reunem elementos bastantes para se conhecer da nulidade da partilha.

6. Desde logo, por não constar do leque dos factos provados a avaliação dos bens partilhados por referência à data do divórcio, à qual deveriam retroagir todos os efeitos patrimoniais inerentes à dissolução do matrimónio, conforme imposto pelo art. 1789.º, n.º 1 do Cód. Civil – como referido na douta fundamentação da decisão recorrida, para a qual se remete.

7. Em segundo lugar, porque, para que pudesse apreciar a validade da partilha, o Tribunal recorrido teria de dispor de uma avaliação de todos os bens partilhados, de modo que, na presença do valor real e de mercado de cada um deles, pudesse concluir pela existência, ou não, de irregularidades no modo como a partilha foi acordada.

8. Por fim, que, não tendo sido peticionada a declaração de nulidade da partilha, também não poderia o Tribunal recorrido ordenar oficiosamente a produção de prova adicional que o permitisse fazê-lo e muito menos suprir a insuficiência da decisão da matéria de facto com a inclusão, no leque de factos provados, de factos essenciais à apreciação de tal questão, por tal lhe ser vedado pelo art. 5.º do Cód. Proc. Civil.

9. O facto de a partilha em análise não constituir uma partilha global de todos os bens do extinto casal, mas uma partilha meramente parcial–o que resulta, desde logo, do facto de a verba n.º 30, do contrato-promessa (participações sociais na sociedade civil “O...”) não ter sido partilhada – obstava ao conhecimento da sua suposta nulidade, já que nada impede que, na partilha adicional da verba referida no precedente artigo, as partes alterem o equilíbrio de forças da partilha.

10. A impossibilidade de conhecer da nulidade da partilha resulta também de outros argumentos já esgrimidos em sede de apelação e com mais propriedade abordados na douta decisão recorrida, para a qual se remete.

11. No cenário em que a partilha foi outorgada não se poderia falar numa situação de desequilíbrio negocial que levasse a concluir pela invalidade da partilha.

12. Mais do que isso: tendo sido o Autor a compor os lotes, a invocação do seu prejuízo como fundamento para a declaração de nulidade sempre seria inadmissível, por se enquadrar na situação de abuso de direito tipificada no art. 334.º do Cód. Civil.

13. Num cenário como o exposto, em que, de forma perfeitamente ponderada, sem vestígios de qualquer ascendente de uma das partes (ambas coadjuvadas por advogados) e com total conhecimento do valor dos bens, o Autor aceitou definir os lotes e, para além disso, deles passou a dispor, conformando-se com os termos da partilha, chocaria o mais elementar sentido de justiça que se declarasse nula a partilha, com fundamento no desequilíbrio dos lotes em seu desfavor.

14. Ainda que se entendesse assistir ao Autor o direito de invocar a nulidade da partilha (o que não se admite), uma tal solução sempre constituiria um manifesto abuso de direito, na modalidade de venirum contra factum proprium, tal como previsto no art. 334.º do Cód. Civil. E se não era lícito ao Autor fazê-lo por sua iniciativa, também o não era o conhecimento de tal suposto vício por iniciativa oficiosa, sob pena de se premiar a má-fé negocial do Autor.

15. Daí que, como pertinentemente se afirmou na douta decisão recorrida, estivesse vedado ao Tribunal recorrido conhecer da nulidade da partilha com fundamento em alegado prejuízo do Recorrente e, por inerência, tenham perdido qualquer relevância para a apreciação do mérito da causa os factos contidos nos pontos 1.50 a 1.55 dos factos não provados.

16. Não se revestindo os citados pontos da decisão da matéria de facto de relevância para a apreciação do mérito da causa, nenhuma censura se poderá dirigir à douta decisão recorrida, na parte em que, com esse fundamento, decidiu excluí-los da matéria de facto provada.

17. A  tal conclusão não obsta o teor dos temas da prova, já que os mesmos se limitam a definir o objecto da produção de prova, nada impondo ao Julgador, em fase de elaboração da sentença, que os inclua na decisão da matéria de facto, devendo apenas cingir-se aos factos pertinentes para conhecer do mérito da causa.

18. O Julgador não está obrigado a incluir na sentença todos os factos contidos nos temas da prova, mas apenas os que repute necessários para a resolução das questões jurídicas necessárias à apreciação dos pedidos.

19. Em complemento do que se vem de expor, nunca o recurso poderia proceder, dando-se como provada a factualidade contida nos pontos 1.50 a 1.55 dos factos não provados, conclusão também imposta pelas circunstâncias singulares em que decorreu a produção de prova pericial e por as conclusões desta se afastarem do objecto do processo.

20. Excluído o cenário de nulidade da partilha, pelas razões acima expostas, fica apenas por apurar o acordado pelas partes quanto a tornas, que tem reflexo nos pontos 1-37-A e 1.42 A a D.

21. Ainda que assim se não entendesse e caso o recurso do Recorrente procedesse (o que não se aceita, senão como hipótese de raciocínio), a fim de se evitar a preterição da jurisdição da Relação quanto à decisão da matéria de facto, sempre se imporia a baixa dos autos à 2.ª Instância, pelo menos para apreciação da matéria de facto contida nos pontos 1.50 a 1.55 dos factos provados, atento o disposto no art. 682.º, n. 3 do Cód. Proc. Civil (dado que a reaprecição de tais factos foi objecto da apelação).

22. Lida e relida a douta alegação do Recorrente, constata-se que o mesmo se limita a relatar a sua discordância face à decisão dos pontos 1.37 A e 1.42 A a 1.42 D dos factos provados, sem, contudo, invocar a violação de lei que exigisse certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixasse a força de determinado meio de prova, o que significa que a fundamentação do Recorrente não se integra no leque de casos, previsto no art. 674.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil, em que este Supremo Tribunal se pode pronunciar sobre a decisão da matéria de facto.

23. Os presentes autos continham um princípio de prova exigido para legitimar a produção de prova testemunhal de sentido contrário ao teor da escritura de partilha (nomeadamente, de que, contrariamente ao aí declarado, foram fixadas tornas a pagar pelo Autor, no valor de 1 400 000,00 €), pelo que era lícito o recurso à prova testemunhal para demonstração da factualidade vertida nos pontos 1-37 A e 1.42 A dos factos dados como provados no Douto Acórdão recorrido.

24. A decisão recorrida não implica a validação de qualquer “branqueamento de capitais”, já que ficou cristalinamente demonstrado o circuito de circulação de capitais que permitiria extinguir as dívidas entre empresas.

25. Por outro lado, a douta decisão recorrida não implica a verificação de qualquer situação de fraude fiscal, já que a condenação do Autor no pagamento das tornas acordadas, no valor de 1 400 000,00 €, tem como consequência necessária a tributação fiscal de tal valor, que terá de ser feita mediante a inserção da mesma, aquando do pagamento, na declaração de rendimentos da Ré.

26. Por fim, não há qualquer outra irregularidade que possa ser apontada à partilha, nos termos em que foram acordados entre as partes, reflectidos na douta decisão recorrida – ou seja, com a previsão de pagamento de tornas à Ré, no valor de 1 400 000,00 €.

27. Não há qualquer disposição legal que imponha a atribuição de específicos valores aos bens a partilhar, numa escritura de partilha extrajudicial, por acordo das partes. Pelo contrário, ressalvado o respeito pela regra do art. 1730.º, n.º 1 do Cód. Civil, vigora o princípio da autonomia privada ou liberdade contratual, sendo lícito às partes fixar aos bens o valor que reputarem adequado, para fixarem a sua distribuição entre eles e o valor de tornas a pagar.

28. Por outro lado, o facto de o contrato-promessa não prever os valores reais dos bens a partilhar, mas apenas um valor meramente indicativo e muito inferior ao valor real e de mercado, também não merece qualquer censura, já que o que releva, nesta sede, para apreciação de eventuais nulidades, é tão somente o contorno final da partilha, ou seja, a distribuição de bens entre cônjuges e o acordo quanto aos valores de tornas a pagar..

29. Estando em causa um negócio perfeitamente lícito, que cabe na liberdade contratual das partes, sem que tenha sido apurada qualquer nulidade ou qualquer vício da vontade (que não é sequer alegado nem constitui objecto do processo), terá de se concluir que a aplicação do direito aos factos, feita pelo Tribunal recorrido, está isenta de censura e deverá ser confirmada.

30. No ponto III do “pedido” contido na parte final da sua alegação, o Recorrente pugna pela validade da partilha, mas também pela declaração de falsidade da cláusula de inexistência de tornas, que deverá, na sua tese, ser substituída por outra que contemple que a Recorrida recebeu a mais no seu quinhão o valor de € 171.672,50, o qual deve de tornas ao Recorrente.

31. A referência a uma suposta “simulação relativa” surge de forma descontextualizada e intempestiva, já que não constituiu, em momento algum, objecto do processo.

32. Para que se pudesse falar de “simulação” era necessáriaa alegação e prova de factos que revelasse a “intenção de enganar terceiros”, já que a mesma é pressuposto de aplicação do regime da simulação, tal como resulta do art. 240.º do Cód. Civil. Sendo a decisão da matéria de facto omissa a esse respeito, terá de se concluir pela impossibilidade de acolher tal enquadramento jurídico e de declarar nula a partilha, com fundamento numa suposta “simulação relativa”.

33. Essa pretensão do Autor não tem qualquer reflexo nos pedidos contidos na petição inicial, sendo certo que a Recorrida não deu nem dá o seu acordo a semelhante alteração do pedido.

34. E isso, atenta a impossibilidade de alteração do pedido nesta fase processual (arts. 264.º e 265.º do Cód. Proc. Civil), sempre seria o bastante para determinar a improcedência desse segmento da revista.

35. Por fim, esse “pedido” contido na parte final da alegação do Recorrente pressupõe uma redução da partilha outorgada entre as partes, já que implica a manutenção da validade do negócio e a redução das prestações acordadas, em desfavor de uma das partes (em concreto, da aqui Ré, que, em lugar de receber as tornas acordadas – 1 400 000,00 € –, teria de pagar tornas no montante de 171.672,50 €).

36. O cenário de redução da partilha foi já definitivamente afastado pelas instâncias, por força da oposição da Ré a uma tal solução, constante do requerimento por ela apresentado em 06/10/2020.

37. Face à oposição da Ré à redução da partilha, num cenário de invalidade da mesma, sempre estaria vedado a este Tribunal operá-la, atento o disposto na segunda parte do art. 292.º do Cód. Civil – “salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada”.

38. Em suma, o Douto Acórdão recorrido não merece qualquer censura, na parte em que não declarou nula a partilha nem operou a sua redução, o que impõe a improcedência da revista.

39. Por fim, precavendo um cenário de procedência da revista (que não se admite, senão como hipótese de raciocínio), a Recorrida vem lançar mão da faculdade de ampliação do objecto do recurso, de modo a que, nessa hipótese, a revista tenha também por objecto a reapreciação dos segmentos do Douto Acórdão recorrido em que a mesma decaiu.

40. A ampliação do objecto do recurso é lícita, atento o disposto no art. 636.º, n.º1doCód. Proc. Civil, aplicável por remissão do art. 679.º do Cód. Proc. Civil.

41. O Douto Acórdão recorrido, ao julgar improcedente a nulidade invocada pela Ré, com fundamento no disposto na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do Cód. Proc. Civil, violou essa disposição legal, pelo que, em caso de procedência da revista, deve ser revogado e substituído por decisão que julgue essa nulidade procedente, com a consequente baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de tal vício ser suprido.

42. O Douto Acórdão recorrido, ao julgar improcedente a nulidade invocada pela Ré, com fundamento no disposto na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do Cód. Proc. Civil, violou essa disposição legal, pelo que, em caso de procedência da revista do Recorrente, deve ser revogado e substituído por decisão que julgue essa nulidade procedente, com a consequente baixa dos autos à 1.ª Instância, a fim de tal vício ser suprido.

43. O Douto Acórdão recorrido, na parte em que julgou improcedente a nulidade, invocada pela ora Recorrida, relativamente à decisão de 1.ª Instância, com fundamento na violação do princípio do contraditório, violou o estatuído no art. 195.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, pelo que, em caso de procedência da revista interposta pelo Autor, deve ser revogado e substituído por Douto Acórdão que julgue procedente essa nulidade, determinando a baixa dos autos à 1.ª Instância para que tal formalidade seja observada.

44. O Douto acórdão recorrido, ao julgar improcedente a apelação da Recorrida, na parte em que foi invocada uma violação das disposições dos arts. 260.º e 265.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, por parte da sentença de 1.ª Instância, violou essas disposições legais, pelo que, em caso de procedência da revista do Autor, deve ser revogado e substituído por Douto Acórdão que conclua pela impossibilidade de conhecimento da nulidade da partilha, por a mesma implicar uma alteração do objecto do processo vedada pelos arts. 260.º e 265.º do Cód. Proc. Civil, atenta a oposição da Recorrida a essa alteração.

45. Caso se conclua pela procedência da revista, declarando-se nula a partilha (o que não se aceita),terá de se concluir que, residindo os fundamentos de procedência da acção em fundamentos não invocados pelo Autor, a Ré não deu causa à acção e, por essa razão, não poderá ser responsabilizada pelo pagamento de custas, atento o disposto no art. 527.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.

Nestes termos:


a) deve julgar-se improcedente a revista, confirmando-se o Douto Acórdão recorrido;

b) caso assim se não entenda, deve admitir-se a ampliação do objecto do recurso, requerida pela Ré, e, em consequência:

b1. deve revogar-se o Douto Acórdão recorrido, na parte em que a nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do Cód. Proc. Civil, o qual deverá ser substituído por decisão que julgue essa nulidade procedente, com a consequente baixa dos autos à 1.ª Instância, a fim de tal vício ser suprido;

b2. deve revogar-se o Douto Acórdão recorrido, na parte em que a nulidade prevista a al. d) do n.º 1 do art. 615.º do Cód. Proc. Civil, o qual deverá ser substituído por decisão que julgue essa nulidade procedente, com a consequente baixa dos autos à 1.ª Instância, a fim de tal vício ser suprido;

b3. deve revogar-se o Douto Acórdão recorrido, na parte em que julgou improcedente a questão da impossibilidade jurídico-adjectiva de pronúncia sobre a validade da partilha, o qual deverá ser substituído por Douto Acórdão que conclua pela impossibilidade de conhecimento da nulidade da partilha;

b4. por fim, mesmo num cenário de declaração de nulidade da partilha, a Ré não. poderá ser responsabilizada pelo pagamento de custas (ao menos, em exclusivo).»


4.    Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido, que indicou em negrito as alterações que introduziu):   

«1.1. Autor e Ré contraíram casamento, sem convenção antenupcial, em 21 de Fevereiro de 1992.

1.2. Esse casamento foi dissolvido, por divórcio, em 04 de Janeiro de 2008.

1.3. À data da dissolução do casamento foi decidido não proceder à imediata partilha de bens comuns do casal.

1.4. Em 28 de Fevereiro de 2011, A e R outorgaram um documento particular a que chamaram “CONTRATO PROMESSA DE PARTILHA DE BENS COMUNS” – cf. doc. 3 junto com a p.i., fls. 30 a 40 dos autos.

1.5. Desse contrato promessa consta designadamente o seguinte clausulado:

Cláusula Primeira

O primeiro e a segunda outorgantes foram casados entre si, em primeiras e recíprocas núpcias de ambos, sob o regime de comunhão de adquiridos, cujo matrimónio foi dissolvido por divórcio por mútuo consentimento, por decisão de 4 de Janeiro de 2008, transitada na mesma data, proferida pela Conservatória do registo Civil ..., processo .../2007.

Cláusula Segunda

Do património do extinto casal fazem parte os seguintes bens:


I - PASSIVO

Verba número 1

Débito ao “Banco Espírito Santo, SA, com sede da Avenida da Liberdade, 195, em Lisboa, emergente de contrato de mútuo oneroso com hipoteca para aquisição de habitação nº ...71, no valor de € 561.018,33.

Verba número dois

Débito ao “Banco Espírito Santo, SA, com sede da Avenida da Liberdade, 195, em Lisboa, emergente de contrato de mútuo oneroso com hipoteca multiopções nº ...72, no valor de € 93.503,10.

Verba número três

Débito ao “Banco Espírito Santo, SA, com sede da Avenida da Liberdade, 195, em Lisboa, emergente de contrato de mútuo oneroso com hipoteca para obras nº ...73, no valor de € 93.602,91.

Verba número quatro

Débito ao “Banco Espírito Santo, SA, com sede da Avenida da Liberdade, 195, em Lisboa, emergente de contrato de crédito pessoal designado “crédito poupança ativa” nº ...91, no valor de 12.304,21.

Verba número cinco

Débito ao “Banco Espírito Santo, SA, com sede da Avenida da Liberdade, 195, em Lisboa, emergente de contrato de crédito pessoal designado “crédito poupança ativa” nº ...92, no valor de 12.304,87.

Verba número seis

Débito aos pais do primeiro outorgante, EE e FF, residentes no lugar da ..., freguesia ..., concelho ..., no valor de 250.000,00.

Verba número sete

Débito do sócio aqui primeiro outorgante à sociedade “D..., Lda”, com sede na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., NIPC ..., no valor de 428.524,00.

Verba número oito

Débito do sócio aqui primeiro outorgante à sociedade “Im... Lda”, com sede na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., NIPC ..., no valor de 45.239,00.

II- ATIVO

Verba número nove

“Depósito poupança ativa 15 anos”, no Banco Espírito Santo, com sede na Avenida da Liberdade, nº 195, em Lisboa, conta ...49, no valor de 809.39.

Verba número dez

“Depósito poupança ativa 15 anos”, no Banco Espírito Santo, com sede na Avenida da Liberdade, nº 195, em Lisboa, conta ...32, no valor de 809.39.

Verba número onze

Depósito à ordem, “Conta BES 100% Gold”, no “Banco Espírito Santo S.A”, com sede na Avenida da Liberdade, nº 195, conta nº ...18, no valor de 1.305,89.

Verba número doze

Poupança “Conta BES 100% Gold”, no “Banco Espírito Santo S.A”, com sede na Avenida da Liberdade, nº 195, conta nº ...03, no valor de 700,47.

Verba número treze

Fundo de Investimento “...”, no “Banco Espírito Santo S.A”, com sede na Avenida da Liberdade, nº 195, conta nº ...97 no valor de €5.432,21.

Verba número catorze

Fundo de Investimento “...”, no “Banco Espírito Santo S.A”, com sede na Avenida da Liberdade, nº 195, conta nº ...97 no valor de € 6.652,10.

Verba número quinze

Plano Poupança Reforma “PPR Poupança Ativa-Plano BES 95”, no “Banco Espírito Santo S.A”, com sede na Avenida da Liberdade, nº 195, conta nº ...89, no valor de € 10.694,49.

Verba número dezasseis

Plano Poupança Reforma “PPR Poupança Ativa-Plano BES 95”, no “Banco Espírito Santo S.A”, com sede na Avenida da Liberdade, nº 195, conta nº ...01, no valor de € 9.357,68.

Verba número dezassete

Plano Poupança Reforma “PPR Poupança Ativa-Plano BES 95”, no “Banco Espírito Santo S.A”, com sede na Avenida da Liberdade, nº 195, conta nº ...06, no valor de € 13.771,83.

Verba número dezoito

Plano Poupança Reforma “PPR Poupança Ativa-Plano BES 95”, no “Banco Espírito Santo S.A”, com sede na Avenida da Liberdade, nº 195, conta nº ...13, no valor de € 13.771,83.

Verba número dezanove

Conta Poupança na “Fidelidade Mundial Seguros”, da “Caixa Geral de Depósitos SA”, com sede na Avenida João XXI nº 63 em Lisboa, apólice nº 77/..., no valor de 53.980,59.

III - PARTICIPAÇÕES SOCIAIS

Verba número vinte

Quota na sociedade “E..., Lda”, com sede na Rua..., ..., na freguesia e concelho ..., NIPC ..., no valor nominal de 2.000,00.

Verba número vinte e um

Quota na sociedade “Er..., Lda”, com sede na freguesia ..., concelho ..., NIPC ... no valor nominal de 1.650,00.

Verba número vinte e dois

Quota na sociedade “Im..., Lda”, com sede na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., NIPC ... no valor nominal de 91.800,00.

Verba número vinte e três

Quota na sociedade “Im..., Lda”, com sede na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., NIPC ... no valor nominal de 41.400,00.

Verba número vinte e quatro

Quota na sociedade “I..., Lda”, com sede no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., NIPC ... no valor nominal de 53.550,00.

Verba número vinte e cinco

Quota na sociedade “I..., Lda”, com sede no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., NIPC ... no valor nominal de 24.150,00.

Verba número vinte e seis

Quota na sociedade “D..., Lda”, com sede na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., NIPC ... valor nominal de 74 250,00  (€  72 250,00 em 1.ª instância, correcção de lapso)

Verba número vinte e sete

Quota na sociedade “D..., Lda”, com sede na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., NIPC ... valor nominal de € 24.750,00.

Verba número vinte e oito

Quota na sociedade “A..., Lda”, com sede no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., NIPC ... no valor nominal de € 150.000,00.

Verba número vinte e nove

Quota na sociedade “A..., Lda”, com sede no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., NIPC ... no valor nominal de € 30.000,00.

Verba número trinta

Catorze partes na sociedade civil “O...”, com Allée ..., ..., ..., em ..., cada uma delas com o valor de 3.647,26, no valor total de 51.061,64.

IV - BENS MÓVEIS

Verba número trinta e um

Vários conforme discriminação que aqui se deu por reproduzida, no valor total de 23.445,00.

Verba número trinta e dois

Um veículo automóvel da marca ..., modelo ... com o valor atribuído de € 13.000,00.

Verba número trinta e três

Um veículo automóvel da marca ..., modelo ... com o valor atribuído de € 5.000,00.

IV- BENS IMÓVEIS

Verba número trinta e quatro

Prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e primeiro andar, para habitação, com a superfície coberta de 170m2 e logradouro com 1432 m2, sito no lugar de ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...31, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ...74, com o valor patrimonial de 358.933,50.

Cláusula Terceira

Ambos os outorgantes chegaram a acordo em proceder à partilha dos seus bens da seguinte forma:

a) Os bens descritos nas verbas 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 15, 17, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 32 e 33 ficam adjudicados ao primeiro outorgante que pagará à primeira outorgante, o valor de € 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil euros) a título de tornas pelo excesso no preenchimento do respetivo quinhão;

b) Os bens descritos nas verbas 1, 2, 3, 4, 5, 10, 14, 16, 18, 19, 24, 25, 28, 29, 31, 34 ficam adjudicados à segunda outorgante a quem cabe receber, do primeiro outorgante, o valor de € 1.4000.000,00 (um milhão e quatrocentos mil euros) a título de tornas pelo excesso no preenchimento do respetivo quinhão.

Cláusula quarta

Ambos os outorgantes estão de acordo que o valor das tornas de 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil euros) deverá estar liquidado até à data em que estiverem pagos os débitos existentes entre as sociedades “A..., Lda.”, com sede no lugar do ..., freguesia ..., concelho ... NIPC ... e “I... Lda.”, com sede no lugar do ..., freguesia ..., concelho ... NIPC ..., adjudicadas à segunda outorgante e “D..., Lda”, com sede na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., NIPC ... e “Im..., Lda., com sede na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., NIPC ..., adjudicadas ao primeiro outorgante.

1.6. Nos termos do supra referido contrato-promessa, em resumo e operações de partilha, resulta que os valores dos quinhões e sua respetiva repartição foram acordados da seguinte maneira:

Valor do ativo que não é partilhado (verba 30 Cto. Prom.): …€ 51.061,64

Valor do total do ativo a partilhar: ………………………………€1.012.214,30

Valor do activo da R BB: ………………………………€ 725.650,09

Valor do activo do A AA: ………………………....€ 286.564.28

Valor do passivo da R BB: …………………………….€ 772.733,42

Valor do passivo do A AA: ……………………….€ 723.763,00

A R BB levou a mais no activo:……..………….……€ 219.543,09

A R BB levou a mais no passivo:…………….……..€ 24.485.22

O A AA levou a menos no activo:…………..…..€ 219.543,09

O A AA levou a menos no passivo:……………€ 24.485,22

Compensando o ativo com o passivo que levou a mais o A AA este teria direito a tornas a pagar pela R BB: 194 557,70 (€ 195 057,52, em 1.ª instância, correcção de lapso)

1.7. Em parte da partilha dividiam-se participações sociais em sociedades e não as sociedades no seu todo.

1.8. Em 30 de Março de 2011, A. e R. outorgaram uma “ADENDA AO CONTRATO- PROMESSA DE PARTILHA DE BENS COMUNS”, junto como documento 4 com a p.i., fls. 41 e ss, nos termos do qual: “Pelo facto “do grupo “IT...”, ter demorado a consentir formalmente a partilha das quotas das sociedades (…)” decide-se atrasar a data da realização a escritura de partilha até 8 de Abril de 2011.

1.9. No dia 7 de Abril de dois mil e onze, no Cartório Notarial sito na Alameda ..., na cidade de ..., compareceram perante o Notário CC os, respetivamente aqui A e R, a fim de outorgarem a competente escritura pública de partilha de bens comuns do dissolvido casal – cf. doc 5 junto com a p.i., fls. 44 e ss.

1.10. Desta escritura, e para o que aqui importa, destaca-se o seguinte:

a) A verba 30 do contrato promessa Catorze partes na sociedade civil “O...”, com ..., ... , ..., em ..., cada uma delas com o valor de € 3.647,26, no valor total de 51.061,64. não foi partilhada, cumprindo-se o prometido na cláusula quinta daquele.

1.11. As verbas 20, 21, 22, 23, 26, 27 (correspondentes quer no contrato promessa, quer na escritura) viram os seus valores alterados, por excesso, sendo que lhes foi atribuído na escritura um valor superior ao valor constante do contrato promessa.

1.12. Outrossim, às verbas 32 e 33 do contrato promessa que correspondem às verbas 31 e 32 da escritura em apreço.

1.13. Os outorgantes da escritura, aqui A. e R. respetivamente, declararam que “Feita a compensação entre o ativo e o passivo não há lugar ao pagamento de tornas”.

1.14. Autor e Ré contraíram casamento, sem convenção antenupcial, em 21 de Fevereiro de 1992: cfr. doc. n.º 1, junto com a p.i.

1.15. Esse casamento foi dissolvido, por divórcio, por decisão, transitada em julgado, proferida pela Senhora Conservadora do Registo Civil ..., em 4 de Janeiro de 2008: cfr. doc. n.º 2, junto com a p.i.

1.16. Em 04 de Janeiro de 2008, Autor e Ré outorgaram contrato-promessa de partilha, através do qual acordaram que, à excepção dos referidos nas als. a) e b) da cláusula terceira do contrato que se junta, os demais bens do casal seriam adjudicados em regime de compropriedade, na proporção de metade para cada um, que se manteria por um período mínimo de 5 (cinco) anos: doc. n.º 1 junto com a contestação.

1.17. Do património comum do extinto casal faziam parte, entre outros, os seguintes bens ou direitos:

a) participações sociais na sociedade comercial I..., Lda., com sede em ..., ..., ...;

b) participações sociais na sociedade A..., Lda., com sede em ..., ..., ...;

c) participações sociais na sociedade Im..., Lda., com sede na Quinta ..., ..., ...;

d) participações sociais na sociedade D..., Lda., com sede na Quinta ..., ..., ....

1.18. A sociedade D... explora o estabelecimento comercial ..., em ....

1.19. A sociedade Im... é proprietária do imóvel onde funciona o estabelecimento comercial ..., em ....

1.20. A sociedade A... explora o estabelecimento comercial ..., em ....

1.21. A sociedade I... é proprietária do imóvel onde funciona o estabelecimento comercial ..., em ....

1.22. Em 28 de Fevereiro de 2011, Autor e Ré subscreveram, para além do documento intitulado “contrato de promessa de partilha de bens comuns”, supra descrito, outro documento que intitularam de “reconhecimento de dívida e acordo de pagamento em prestações”, cf. doc. de fls. 180 e ss, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais.

1.23. No contrato-promessa de partilha, Autor e Ré convencionaram os termos em que haveria de se realizar a partilha e definiram que o cônjuge que ficasse com os bens que constituem um lote descrito na al. a) da cláusula terceira (que incluía as participações nas sociedades de P…) teria de pagar tornas ao outro, no valor de € 1 400 000,00 (um milhão e quatrocentos mil euros).

1.24. Por força da escritura pública de partilha dos bens comuns do casal, as quotas das sociedades sediadas em … (D.… e Im...) foram adjudicadas ao Autor.

1.25. Ao passo que as quotas das sociedades sediadas em ... (A... e I...) foram adjudicadas à Ré.

1.26. O Autor não pagou à Ré, até ao presente, qualquer quantia a título de tornas.

1.27. As sociedades representadas pelo Autor (de P...) requereram a insolvência das sociedades representadas pela Ré (de A...), em processos que correram termos no Tribunal Judicial ....

1.28. A sociedade D... deu entrada a pedido de declaração de insolvência da sociedade A..., que correu termos no Tribunal Judicial ... com o n.º 75/12.....

1.29. Como fundamento para esse pedido, invocou a existência de débito societário, no valor de (€ 570 397,84 + € 379 263,87) € 949 661,71, acrescido de juros, entre as sociedades envolvidas no processo.

1.30. Nesse processo foi proferida sentença, transitada em julgado, que indeferiu liminarmente esse pedido de declaração de insolvência, por o mesmo ser “manifestamente improcedente”: doc. n.º 4, que se dá por reproduzido, junto a fls. 189 e ss dos autos.

1.31. Paralelamente, a sociedade D... deu entrada a pedido de declaração de insolvência da sociedade I..., que correu termos no Tribunal Judicial ... com o n.º 52/12.....

1.32. Como fundamento para esse pedido, invocou a existência de débito societário, no valor de € 452 975,89, acrescido de juros, entre as sociedades envolvidas no processo.

1.33. Nesse processo foi realizada audiência de julgamento e, a final, proferida sentença, transitada em julgado, que julgou improcedente a acção e absolveu a Requerida “I..., Lda.” do pedido formulado pela Requerente “D..., Lda.”: doc. n.º 5, que se dá por reproduzido, junto a fls. 193 e ss.

1.34. Paralelamente, o Autor instaurou contra a Ré providência cautelar destinada a evitar que, face ao não pagamento da prestação vencida em 15 de Março de 2012, a Ré desse à execução o “reconhecimento de dívida e acordo de pagamento a prestações”.

1.35. Esse processo correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ... com o n.º 207/12.... e culminou com a prolação de sentença, confirmada por Acórdão da Relação ..., que julgou improcedentes os pedidos aí formulados.

1.36. Corre ainda termos neste Tribunal a acção ordinária n.º 212/12.... (... Juízo), em que o Autor pede que se declare nulo ou, subsidiariamente, se anule o “reconhecimento de dívida e acordo de pagamento em prestações” outorgado em 28/02/2012 – tendo sido proferida sentença ainda não transitada em julgado.

1.37. No final do mês de Novembro de 2010, A. e R. acordaram em discutir com propostas a partilha dos bens comuns do casal – cf. carta de fls. 228 a 234 dos autos cujo teor se dá aqui por reproduzido.

1.37.A A ajustou com o Autor que seria ele a elaborar esses lotes, a definir os bens que os integrariam e também o montante das tornas a pagar: doc. n.º 6, que se por reproduzido. (aditado na Relação)

1.37. B - No seguimento do acordado e numa fase prévia, o Autor elaborou dois lotes, nos termos que constam do anexo junto com o doc. n.º 6, que aqui se dá por integralmente reproduzido, para os devidos efeitos. (aditado na Relação)

1.37.C - Dessa proposta do Autor resultava o seguinte: (aditado na Relação)

um dos lotes, designado por “P...”, compreendia as sociedades sediadas em (D... e Im...) e metade de catorze partes na sociedade civil O..., correspondente à verba n.º 24, bem como os demais bens pertencentes ao extinto casal (incluindo os débitos), que seriam adjudicados mediante o pagamento de tornas no valor de 1 700 000,00;

o outro lote, designado por “A...”, compreendia as sociedades

sediadas em ... (A... e I...) e metade de catorze partes na sociedade civil O..., correspondente à verba n.º 24, com direito ao recebimento de tornas no valor de 1 700 000,00: doc. n.º 5, que se dá aqui por reproduzido.

1.37.D - Com o desenrolar das negociações, esses lotes acabaram por ser alterados nos seguintes termos: (aditado na Relação)

Foram aditados seis bens à relação de bens comuns do casal constante do contrato promessa de partilha celebrado em 04/01/2008;

O lote designado por “A...” passou a contemplar, para além das quotas nas sociedades sediadas em ... (A... e I...), algumas aplicações financeiras, depósitos bancários e o imóvel que constituía a casa de morada de família;

como contrapartida pela inclusão desses bens e, em especial, do imóvel que

constituía a casa de morada de família no lote designado como “A...

”, o valor de tornas a pagar foi reduzido a 1 400 000,00.

1.38. À data da outorga do contrato-promessa e da escritura de partilha, constavam da contabilidade das empresas do extinto casal os seguintes débitos: dívida de € 452 975,89, por parte da sociedade I... (A...) à sociedade D... (P...); dívida de (€ 570 397,84 + € 379 263,87) € 949 661,71, por parte da sociedade A... (A...) à sociedade D... (P…).

1.39. Ou seja, da contabilidade das empresas resultavam créditos, por parte de uma das sociedades comerciais sediadas em … (D...) relativamente às sediadas em ... (A... e I...), num montante global de (€ 452 975,89 + € 570 397,84 + € 379 263,87) € 1 402 637,60.

1.40. Por outro lado, as sociedades sediadas em ... não dispunham de liquidez para fazerem o pagamento dessas “dívidas”, constantes das respectivas contabilidades, a pronto e de uma só vez.

1.41. Autor e Ré realizaram reuniões, nas instalações da A..., em ..., na presença dos Advogados e dos Técnicos Oficiais de Contas das quatro empresas, de modo a encontrar um expediente que permitisse eliminar da contabilidade das empresas sediadas em ... os “débitos” para com as sociedades de ….

1.42. Não foi, contudo, encontrado um expediente contabilístico que permitisse eliminar os referidos débitos da contabilidade das empresas.

1.42.A - Por força dos créditos das sociedades de P… sobre as sociedades de A..., Autor e acordaram que o cônjuge a quem fosse adjudicado o lote das sociedades de P… só poderia exigir esses débitos societários depois de estar pago o valor correspondente às tornas em dívida. (aditado na Relação)

1.42.B - Pretendiam, desse modo, evitar que o cônjuge a quem fossem adjudicadas as sociedades de A... ficasse onerado com um pagamento de tão elevada monta, e que, por outro lado, o cônjuge que tivesse de pagar tornas, conseguisse recebê-las logo após, sob a forma de pagamento de créditos às sociedades de P…. (aditado na Relação)

1.42.C Autor e Ré, como forma de evitar movimentações financeiras, acordaram que o valor de tornas a receber pelo cônjuge a quem fosse adjudicado o lote de A... corresponderia ao valor das “dívidas” que as sociedades sediadas em ... (A... e I...) tinham para com as sediadas em …. (aditado na Relação)

1.42.C - Acordaram ainda que não haveria lugar ao pagamento dos débitos societários enquanto não fosse pago o montante devido a título de tornas. (aditado na Relação)

1.42.D - Este acordo deu origem à elaboração da cláusula quarta do contrato-promessa de partilha de 28/02/2011 (aditado na Relação)

1.42.E - Com tal cláusula, as partes outorgantes procuraram reduzir a escrito aquilo que haviam ajustado entre si, ou seja, que os débitos existentes entre as sociedades em referência seriam apenas liquidados à medida que o pagamento do valor de tornas fosse efectuado pelo cônjuge a quem fosse adjudicado o lote de P..., sem direito à cobrança de quaisquer juros. (aditado na Relação)

1.42.D (F) - Tendo inclusivamente ajustado, como forma de evitar movimentações monetárias, que através do pagamento das tornas devidas pelo excesso no preenchimento do respectivo quinhão, se efectuava a correspondente compensação nos extractos das contas correntes societárias. (aditado na Relação)

1.43. Nos termos da cláusula quarta do contrato-promessa de partilha de 28/02/2011: “ambos os outorgantes estão de acordo de que o valor de tornas de €1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil euros) deverá estar liquidado até à data em que estiverem pagos os débitos existentes entre as sociedades “A..., Lda.”, com sede no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., NIPC ..., e “I..., Lda.”, com sede no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., NIPC ..., adjudicadas à segunda outorgante e “D..., Lda.”, com sede na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., NIPC ..., e “Im..., Lda.”, com sede na Quinta ..., freguesia ..., concelho ..., NIPC ..., adjudicadas ao primeiro outorgante”.

1.44. O Autor propôs que fosse a Ré a escolher um dos lotes acima referidos constantes do contrato-promessa, o que a Ré aceitou, tendo escolhido ficar com o lote designado como “A...”.

1.45. Após a subscrição desse documento não houve quaisquer outras negociações quanto aos termos em que a partilha haveria de ser feita e Autor e Ré limitaram-se a aguardar pela data agendada para realização da escritura de partilha, sendo que até à data designada da realização da escritura não houve, assim, qualquer alteração dos lotes fixados no contrato-promessa de partilha de 28 de Fevereiro de 2011; também não houve alteração no valor dos bens que integravam cada um dos lotes.

1.46. Atenta a necessidade de consentimento por parte da sócia (minoritária) das sociedades em referência – “IT...” , para partilha das quotas societárias, houve necessidade de prorrogar o prazo para outorga da escritura definitiva, o que foi feito através de adenda ao contrato-promessa, datada de 30 de Março de 2011 – nos termos que constam do doc. n.º 7 junto com a contestação, fls. 235 a 237.

1.47. A escritura de partilha foi marcada para o dia 07 de Abril de 2011, no Cartório Notarial de CC, em ....

1.48. Nessa data, Autor e Ré compareceram no citado Cartório, a fim de outorgar a escritura de partilha.

1.48.A - Autor e outorgaram escritura pública de partilha de bens comuns, omitindo o teor da cláusula do contrato promessa, por exigência de última hora do autor, no cartório notarial, invocando “motivos fiscais”, mas sem pôr em causa o compromisso anteriormente assumido de pagar à o dito valor, nos termos acordados naquela cláusula. (aditado na Relação)

1.49. Apesar de instado para o efeito pela Ré, o Autor não procedeu ao pagamento da quantia de € 1 400 000,00.

1.50. Eliminado. (Em 1.ª instância, foi considerado provado que “O valor do lote de P.…, com referência às verbas constantes da escritura de partilha de 7/4/2011, adjudicado ao A. e integrado por dívidas a instituições financeiras, depósitos bancários, fundos de investimento, PPR, quotas nas sociedades “E..., Lda.”, “Er..., Lda.”; estabelecimento de …, automóvel ... e automóvel ... ..., ascende ao montante de €121.207”).

1.51. Eliminado. (Em 1ª instância, foi considerado provado que “O valor do lote de A..., com referência às verbas constantes da escritura de partilha de 7/4/2011, adjudicado à Ré e integrado por dívidas a instituições financeiras, depósitos bancários, fundos de investimento, PPR, Seguro CGD Fidelidade; estabelecimento de ...; recheio de habitação e moradia unifamiliar, ascende ao montante de €464.550,00”).

1.52. Eliminado. (Em 1ª instância, foi considerado provado que “O valor médio do negócio do estabelecimento de … ascendia ao valor de €744.470”).

1.53. Eliminado. (Em 1ª instância, foi considerado provado que “O valor médio do negócio do estabelecimento de ... ascendia a €604.104,00”).

1.54. Eliminado. (Em 1ª instância, foi considerado provado que “Tendo em conta as verbas do activo e do passivo melhor descritas na escritura pública de partilha em apreço, e o apurado valor real das mesmas melhor descrito no cenário III da pág. 16 (e até 18) do relatório pericial de fls. 1090 dos autos resulta os seguintes valores dos quinhões e sua respetiva repartição:

- Valor do total do ativo a partilhar…………€2.082.253,00, correspondendo o valor de cada uma das meações no activo ao montante € 1.041.126,5;

- Valor total do passivo: €1.496.496,00, correspondendo o valor de cada uma das meações no passivo ao montante €748.248,00

- Valor das verbas do activo adjudicadas à Ré BB: €1.237.284,00 - Valor das verbas do activo adjudicadas ao A. AA: €844.969,00

- Valor do passivo assumido pelo A AA: €723.763,00; - Valor do passivo assumido pela Ré BB: €772.733,00;

- a R BB levou a mais no activo: € 196.157,50 - A R BB levou a mais no passivo: € 24.485,00

- O A AA levou a menos no activo:……..…..€ 196.157,50 - O A AA levou a menos no passivo:………€ 24.485,00.

1.55. Eliminado (Em 1ª instância, foi considerado provado que compensando o ativo com o passivo que levou a mais o A AA, este teria direito a tornas a pagar pela R BB…. € 171.672,50.


4. Cumpre conhecer do recurso.

Atendendo à “delimitação do objecto do recurso” feita pelo recorrente no ponto A-13 das alegações e às respectivas conclusões, cumpre apreciar as questões seguintes:

–  Controlo, pelo acórdão recorrido, da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto, no que respeita “à eliminação (…) dos pontos dados como provados em 1.50 a 1.55” e ao aditamento dos pontos 1.42-A, 142-B, 1.42-C, 1.42-C (Bis) e 1.42-D;

 – Interpretação do contrato de partilha e nulidade parcial da partilha, por simulação relativa, por falsidade da cláusula de tornas;

–  Violação da regra consagrada no n.º 1 do artigo 1730.º do Código Civil.

Nas contra-alegações, a recorrida suscita a inadmissibilidade parcial do recurso e a inadmissibilidade da impugnação da matéria de facto; e, para a hipótese de provimento da revista, procede à ampliação do respectivo objecto, pretendendo então que se conheça das nulidades da sentença que arguiu e da questão de saber se a 1.ª instância podia ter declarado nula a partilha, “com fundamento na violação da regra da metade, prevista no art.1730.º do Cód. Civil”.


5. A recorrida sustenta que o recurso é parcialmente inadmissível, em primeiro lugar, “na parte em que visa atacar o não conhecimento da suposta nulidade da partilha“, porque (1) “Não se integrando a decisão recorrida, na parte em que se absteve de pronunciar sobre a nulidade da partilha, na previsão do n.º 1 do artigo  671.º do Cód. Proc. Civil”, (2) “se o recorrente não peticionou a declaração de nulidade da partilha (…), o mesmo carece de legitimidade para discutir a validade da decisão do Tribunal  da Relação” e (3) por carecer de interesse em agir, já que “ao decidir revogar a declaração de nulidade da partilha, por entender não dever conhecer da mesma, o douto acórdão recorrido não introduziu quaisquer alterações nesse negócio jurídico ou, por outras palavras, não introduziu qualquer inovação da esfera jurídica das partes, já que se limitou a manter em vigor um negócio por elas celebrado”.

A decisão recorrida, para o efeito de saber se é admissível a revista, é o acórdão do Tribunal da Relação ..., que manifestamente se inclui no n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, pois, tendo sido proferido sobre decisão da 1.ª Instância, conheceu do mérito da causa. Mesmo que houvesse que autonomizar a decisão relativa ao conhecimento ou não conhecimento da nulidade da partilha, sempre se trataria de uma decisão de mérito, também nessa parte. Diga-se, aliás, que o acórdão recorrido, para além de observar que a sentença não deveria ter declarado oficiosamente a nulidade da partilha, não se limitou a não a conhecer: decidiu no sentido de o contrato se dever manter interpretando-o e integrando-o segundo a regra constante do artigo 239.º do Código Civil.

A legitimidade para recorrer, que se aproxima do interesse em agir, vem definida no artigo 631.º do Código de Processo Civil. No que toca às partes principais, como é o caso do autor, têm legitimidade para recorrer se tiverem ficado vencidas (n.º 1).

Tem sido discutido na doutrina se a aferição deste requisito deve tomar em conta a atitude processual da parte (no caso, ter-se-ia que averiguar se o autor invocou ou não a nulidade da partilha, e de procurar saber como compatibilizar esta concepção de legitimidade com o conhecimento oficioso de questões como a nulidade) ou, diferentemente, se a parte que pretende recorrer obteve ou não a decisão mais favorável que poderia ter tido, independentemente da sua actuação processual.

Ora, ainda que se seguisse a primeira via, sempre haveria que tratar diferentemente as situações em que a parte ficou vencida em virtude de ter sido conhecida oficiosamente qualquer questão; mas a verdade é que é a segunda forma de aferir a legitimidade  que tem sido seguida, nomeadamente, no Supremo Tribunal de Justiça – cfr. a título de exemplo, os acórdãos de 3 de Março de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 285000/15.0T8PRT-B.P2.S1 ou de 10 de Setembro de 2020, www.dgsi.pt, proc. n.º 613/13.0TVPRT .P1.S1  – e  cfr. Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra, 2009, págs.69-71, entendimento que aqui se reitera.

Finalmente, não se afigura ser exacta a observação de que o acórdão recorrido não tenha introduzido alterações na esfera jurídica das partes e que isso signifique que o recorrente careça de interesse neste recurso de revista. Desde logo, porque o acórdão alterou o que ficou decidido em 1.ª Instância; para além disso, porque há que ter em conta que existe divergência das partes quanto ao conteúdo do contrato de partilhas.

Improcede, portanto, a alegação da recorrida, neste ponto.


6. Em complemento com a observação de que “nenhum dos fundamentos para atacar a decisão da matéria de facto se integra na previsão da norma do n.º 3 do art.674.º” do Código de Processo Civil, o que impede a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nesse domínio, a recorrida alega ainda que o recorrente não cumpriu os requisitos exigidos pelo artigo 640.º, “aplicável por remissão do art. 679.º” do Código de Processo Civil.

O artigo 640.º do Código de Processo Civil encontra-se nas disposições gerais em matéria de recursos e define ónus que o recorrente que impugna a decisão da matéria de facto deve cumprir, “sob pena de rejeição” (parte final do respectivo n.º 1).

Nas alegações de revista, o recorrente esclarece que discorda da eliminação, de entre os factos provados, daqueles que a 1ª Instância incluíra nos pontos 1.50 a 1.55, e do aditamento aos factos provados daqueles que a Relação identificou como 1.37-A a 1.37-D  e 1.42-A a 1.42-D.

Mais do que averiguar se ou como se aplicará à revista o disposto no artigo 640.º, tendo em conta os limites que condicionam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no controlo da decisão sobre a matéria de facto, importa ver se essas balizas foram respeitadas no recurso do autor.

Com efeito, e como a jurisprudência tem uniformemente recordado, não cabe no âmbito da revista o controlo de meios de prova sem valor tabelado na lei, ou seja, sujeitos à regra da livre apreciação da prova (n.º 3 do artigo 674.º e n.º 2 do artigo 682.º do Código de Processo Civil), uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito, salvo disposição em contrário (artigo 46.º da Lei n.º 622013, de 26 de Agosto – Lei de Organização do Sistema Judiciário). O sistema português de recursos está construído de forma a comportar um grau de recurso das decisões sobre a matéria de facto e dois graus de recurso em matéria de direito; e, na verdade, apreciar decisões de facto assentes em meios de prova com valor tabelado na lei é, ainda, matéria de direito – cfr, os citados n.º 3 do artigo 674.º e n.º 2 do artigo 682.º do Código de Processo Civil – e, apenas a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2012, www.dgsi.pt, proc. n.º 353/2000.E1.S1, de 1 de Outubro de 2015, www.dgsi.pt, proc. n.º 6626/09.0TVLSB.L1.S1, de 23 de Fevereiro de 2021, www.dgsi.pr, proc. n.º 1206/06.4TVPRT.P2.S1 ou de 2 de Junho de 2021, www.dgsi.pt: “O facto de a alteração da matéria de facto conflituar com aquilo que consta do depoimento de alguma testemunha ou de um relatório pericial não preenche a previsão do segmento final do art. 674.º, n.º 3 (…)”, ponto II do sumário).

Acresce que, segundo o disposto no n.º 4 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões da Relação de alteração da decisão sobre a matéria de facto previstas nos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo 662.º, relevando aqui o n.º 1, preceito que tem que ser conjugado com o disposto no n.º 3 do artigo 674.º e no n.º 2 do artigo 682.º, que permitem ao Supremo Tribunal de Justiça alterar erros de facto se tiver havido “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. Como se pode ler no ponto III do sumário do acórdão deste Supremo Tribunal  de 13 de Outubro de 2020, www.dgsi.pt, proc. n.º 12521/14.3T8LSB.L1.S1, “É definitivo o juízo formulado pelo Tribunal  da Relação, no âmbito do disposto no artº 662, n.º 1, do Código de Processo Civil, sobre a prova sujeita à livre apreciação, como é o caso da prova pericial e testemunhal”; ou no acórdão de 19 de Outubro de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 7129/18.7T8BRG.G1.S1: “o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se, que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocada a violação de lei adjetiva ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova.”

No caso, o recorrente sustenta que não deviam ter sido eliminados os factos considerados provados nos pontos 1.50 a 1.55 e que não deviam ter sido aditados aos factos provados os que a Relação identificou como 1.37-A a 1.37-D e 1.42-A a 1.42-D, como se disse já.

No que respeita aos aditamentos, resulta da fundamentação do acórdão recorrido que nenhuma das alterações em que se traduzem se pode reconduzir às excepções previstas no n.º 3 do artigo 674.º – cfr. pág. 59 e segs da sentença.

Está, portanto, vedado ao Supremo Tribunal de Justiça o controlo do aditamento à matéria de facto provada dos factos incluídos nos pontos 1.37-A a 1.37-D e 1.42-A a 1.42-D.


7. Relativamente à eliminação dos factos constantes dos pontos 1.50 a 1.55, a Relação justificou-a em duas ordens de razões: (1) “não terem qualquer interesse para a decisão da causa” e (2) “mesmo que assim se não entendesse, sempre a matéria relativa aos pontos 1.5 a 1.55 do elenco dos factos provados teria de ser julgada não provada”, por não permitir “concluir pelo ‘valor real’ dos bens à data a que se reporta a partilha, ou seja, à da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges”.

O recorrente alega que esta eliminação é ilegal “entre o mais, por violação do caso julgado formal, relativamente à decisão de fixação dos temas de prova” e por “violação da regra do art.º 1730.º, n.º 1 do C. Civ”.

Da definição dos temas da prova constava, recorde-se, “Aferir do concreto e real valor dos lotes que compõem cada um dos quinhões segundo os quais as partes acordaram proceder à partilha”.

A enunciação dos temas da prova – sucessores, do ponto de vista da função desempenhada, do questionário e da base instrutória – não é mais do que a elaboração de uma peça instrumental, preparatória, das fases processuais que se seguem, no modelo de acção declarativa comum desenhado pelo Código de Processo Civil de 2013: a produção de prova e o julgamento da matéria de facto, hoje constante da sentença (cfr. artigo 607.º do Código de Processo Civil). Tal como a elaboração do questionário e da base instrutória, assenta na ideia de que é útil a concentração da matéria de facto controvertida, mas sem corresponder a uma lista de factos a provar. Como se escreveu na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII/2.º (GOV) apresentada à Assembleia da República, “Relativamente aos temas da prova a enunciar, não se trata mais de uma quesitação atomística e sincopada de pontos de facto, outrossim de permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Quando, mais tarde, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos.”

Não ficaram no Código, nem a referência às questões essenciais de facto, como sugerido pela Comissão de Revisão a quem o Ministério da Justiça incumbiu de preparar um projecto de alteração do Código de Processo Civil de 1961 – que acabou por ser transformado numa proposta de um novo Código e como tal foi apresentada na Assembleia da República – , nem a definição de regras directas para a sua enunciação; a verdade, porém, é que a ligação aos factos a provar e as linhas orientadoras da  forma como os temas da prova devem ser enunciados podem e devem retirar-se da regulamentação de matérias directamente relacionadas com a sua função (cfr. a conjugação entre o n.º 1 do artigo 596.º e o artigo 410.ºdo Código de Processo Civil, da qual se pode deduzir que se trata de uma selecção de questões que englobam os factos controvertidos a provar e a julgar, definidas de forma mais ou menos genérica ou concretizada).

Assim, e quanto ao que agora releva, importa realçar que, sejam enunciados de forma mais genérica ou de modo mais concretizado, como se disse, os temas da prova devem corresponder a questões de facto controvertidas que interessem à decisão da causa, perspectivada esta de modo a abranger as soluções de direito que forem plausíveis. Ou seja: devem ser formulados de forma a permitir que se produza prova sobre os factos que possam vir a ser relevantes, de acordo com as soluções plausíveis da questão de direito, o que implica tomar como referência de relevância as diversas normas que plausivelmente poderão vir a ser aplicadas.

Esta regra constava das normas relativas à elaboração do questionário e, posteriormente, da base instrutória e explicava-se, como todos sabemos, pelo objetivo de evitar a necessidade de voltar à elaboração destas peças sempre que o juiz a quem coubesse a elaboração da sentença, ou o tribunal  de recurso, não acompanhassem o entendimento do juiz do processo quanto à solução de direito  do caso a julgar e, por esse motivo, houvessem sido desconsiderados factos que afinal tinham de ser objecto de prova.

Ora o mesmo problema se pode colocar no âmbito do Código de Processo Civil de 2013: se “a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados”, tendo sido elaborada a correspondente selecção (n.º 1 do artigo 410.º do Código de Processo Civil), o objetivo de evitar retroceder no processo porque o tribunal  de recurso discorda da solução de direito seguida em 1.ª Instância e carece de matéria de facto  não compreendida nos temas da prova aconselha a que estes sejam enunciados tendo em conta as soluções plausíveis da questão de direito.

O caso presente ilustra bem estas afirmações, embora em sentido inverso, o que em nada afecta a correcção do raciocínio: a 1.ª instância considerou necessários factos que a Relação houve por denecessários (“Por isso entendemos que a matéria relativa à avaliação dos bens partilhados é inútil, pois, conhecendo a vontade real das partes, e existindo acordo no tocante à valorização das participações sociais nas sociedades de P…, de forma a igualar o seu valor com as participações sociais das sociedades de A..., não é necessário proceder a qualquer avaliação.”), tendo em conta as diferentes soluções de direito perfilhadas. Sempre subsistiria, aliás, a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça vir a considerar necessária a produção de prova sobre factos desconsiderados.


8. Como definição instrumental e preparatória das fases processuais que se seguem, os temas da prova – tal como sucedia com o questionário ou a base instrutória –. ou melhor, a sua enunciação, não corresponde a nenhuma decisão definitiva no processo, que adquira força de caso julgado formal (artigo 620.º do Código de Processo Civil). Não pode assim sustentar-se que a inclusão, nos temas da prova, da aferição “do concreto e real valor dos lotes que compõem cada um dos quinhões segundo os quais as partes acordaram proceder à partilha” signifique a obrigatoriedade, neste processo, de se considerar necessário apurar o concreto e real valor desses bens para a decisão da causa.

O Supremo Tribunal de Justiça já teve ocasião de se pronunciar neste mesmo sentido de não aquisição de força de caso julgado formal da decisão de enunciação dos temas da prova; assim, por exemplo, nos acórdãos de 12 de Junho de 2016, www.dgsi.pt, proc. n.º 3296/11.9TBLLE.E1.S1, de 27 de Abril de 2017, www.dgsi.pt. proc. n.º 1204/12.9TVLSB.L1.S1 ou de 8 de Janeiro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 4814/17.4T8GMR.G1.S1.


9. O recorrente sustenta ainda que a eliminação dos factos 1.50 a 1.55 do elenco dos factos provado é “impeditiva de que se apure o valor real da composição dos quinhões  à data em que recorrente e recorrida decidiram prometer efectuar a partilha” e, portanto, implica a violação da regra do n.º 1.º do art.º 1730.º do Código Civil (regra da metade na participação dos cônjuges no património comum).

Esta alegação, a proceder, significaria que a regra da metade impõe que se não considere admissível que, numa partilha extrajudicial, feita por acordo das partes, ressalvadas regras imperativas, esteja no âmbito da autonomia dos (ex)cônjuges a definição, por acordo, do valor dos bens comuns a partilhar, posição que não se perfilha.

A admissão da fixação por acordo do valor dos bens comuns não contraria a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça quanto à imperatividade da regra da metade, que, naturalmente, limita a referida autonomia, como se afirma no acórdão de 5 de Março de 2013, www.dgsi.pt, proc. n.º 839/11.1TBVNG.P1.S1: “O mencionado n.º1 do artigo 1730.º, não só retira da disponibilidade das partes o conteúdo do acordo de partilhas no que respeita à não igualização, como fere de nulidade a sua violação”. Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que a regra da metade é violada, o que torna nula a partilha, seja porque da partilha ou do contrato-promessa de partilha não constam elementos que permitam controlar a igualação dos ex-cônjuges (assim, neste acórdão de 5 de Março de 2013 – «No ato de partilha subsequente à dissolução, há-de, pois, imperativamente, atribuir-se a cada um dos cônjuges metade do ativo e metade do passivo. Não tolera a lei atribuição diferente. A redação da primeira parte do n.º 1 mostra claramente que a lei se preocupou em que cada um dos cônjuges participe forçosamente por metade (Cfr-se Pires de Lima e A. Varela, ob. e loc. citados, início do ponto 4.º), de sorte que se deve entender que a censura legal incide não só nos casos em que se violou essa regra da metade, como naqueles em que do contrato não constam elementos que permitam ajuizar sobre a observação desta. No contrato-promessa que autor e ré celebraram e que está junto a folhas 9 e seguintes, referiram que “existe um bem comum pertencente ao casal” que será adjudicado à “Segunda Contraente, tendo o Primeiro Contraente recebido já o valor de tornas que lhe é devido.” Está aqui um comprometimento de partilha em que não se pode determinar se cada um dos ex-cônjuges iria participar ou não participar por metade no ativo da comunhão. À contraente foi adjudicado o imóvel contante desta, mas não se sabe se o autor, de tornas, recebeu metade do valor dele. A expressão “valor de tornas que lhe é devido”, não permite qualquer conclusão sobre a igualização da partilha», seja porque dos termos do contrato resulta uma manifesta desproporção nas atribuições:  “Ora, tendo na devida conta que a divisão acordada no contrato-promessa de partilha atribui ao autor e à ré prestações “manifestamente desproporcionais”, como bem anotaram as instâncias, segue-se que, porque foi claramente profanada a regra da metade consagrada no art.º 1730.º, n.º 1, do C. Civil, é nulo o contrato-promessa de partilha negociado entre ambos os cônjuges.” A mesma ideia de manifesta desproporção, no caso resultante de ser manifesta a desadequação do valor constante do contrato, encontra-se no acórdão de 8 de Janeiro de 2015. www.dgsi.pt, proc. n.º 991/10.3TBESP.P1.S1: “Não há dúvida, face aos factos provados, que os outorgantes atribuíram aos imóveis a partilhar o seu valor tributário que é manifestamente inferior ao valor real, estipulando que os imóveis seriam adjudicados por aquele valor ao ex-cônjuge marido” ou no acórdão de 7 de Outubro de 2020, www.dgsi.pt, proc. n.º 341/18.0T8ABT.E1.S1: “Ora, a par do teor do contrato, nada foi alegado pela R., nem resulta provado de qualquer modo pela observação dos elementos que constam dos autos, que aquele contrato-promessa de partilha importe para o A. prestações desproporcionais (excessivas) relativamente ao que lhe seria devido ou que tenha sido determinado por algum motivo obscuro que se tenha revelado prejudicial para a R.”; ou, como se escreveu no acórdão de 13 de Outubro de 2020, www,dgsi.p, proc. n.º 2491/12.8TBVCT.G1.S2: « O contrato promessa de partilha de bens, celebrado pelos cônjuges, na constância do casamento, em regra no decurso da acção de divórcio, é válido (cfr. Ac. STJ de 22.2.2007, proc. nº 07B312, Ac. STJ 15.12.2011, proc. 2049/06.0TBVCT.G1.S, em www.dgsi.pt; cfr. Guilherme de Oliveira, RLJ 119º-285; Remédio Marques, Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família (Clara Sottomayor, Coord.), págs. 443-448, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, 3ª edição, págs 487 e seg). No entanto, estará ferido de nulidade se violar a “regra da metade”, por atribuir a um dos cônjuges quotas de bens manifestamente desproporcionais relativamente ao outro (cfr. acórdãos citados). A influência desta “regra da metade”, que é determinada não qualitativamente mas quantitativamente, projecta-se, assim, nas relações patrimoniais internas havidas entre os cônjuges (cfr. Remédio Marques, ob. cit, pág. 445).,

O recorrente afirma ainda que a eliminação que está em causa impede que se conheça “o valor real da composição dos quinhões à data em que recorrente e recorrida decidiram prometer efectuar a partilha”. O acórdão recorrido, no entanto, afirma que a data relevante ­­– se não fosse inútil a avaliação, pelas razões já indicadas – seria a da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, ou seja, a da instauração da acção de divórcio (n.º 1 do artigo 1789.º do Código Civil) e que, não tendo sido essa a data considerada, sempre haveria que dar como não provados os factos a que se referem os pontos 1.50 a 1.55: “Efectivamente, as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução do casamento ou pela separação judicial de pessoas e bens (artºs 1688 e 1795-A do Código Civil). Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos bens do casal (artº 1689 nº 1 do Código Civil). (…) “Com a retroacção – que significa que a composição da comunhão se deve considerar fixada no dia da proposição da acção e não no dia do trânsito em julgado da decisão e que a partilha deve ser feita como se a comunhão tivesse sido dissolvida no dia da instauração da acção ou na data em que cessou a coabitação – quer-se evitar o prejuízo de um dos cônjuges pelos actos de insensatez, prodigalidade ou de pura vingança que o outro venha a praticar desde a propositura da acção sobre valores do património comum” (citando o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Março de 2010, www.dgsi.p, proc. n.º 3275/06.8TBPVZ.P1).

Esta afirmação do acórdão recorrido, quer no que toca às implicações da regra da retroacção da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, quer quanto às consequências da falta de prova, só justifica maiores considerações se concluirmos, diferentemente do que entendeu o acórdão, que seria relevante a prova dos factos que estão em causa, para o efeito de saber se a partilha contrariou ou não a regra da metade. Sempre se diz, todavia, que é efectivamente a data a partir da qual se consideram cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges que releva para se considerar fixada a massa de bens comuns (cfr., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 2008, www.dgsi.pt, proc. n.º 08B472 ou de 21 de Junho de 2007, cujo sumário se encontra publicado em www.stj.pt, Jurisprudência Temática, O Processo Judicial de Inventário na Jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça (Sumários de acórdãos de 2007 a Setembro de 2012, cujo sumário é “I - Está provado que a interessada X levantou e gastou, em seu próprio proveito e sem autorização do interessado Z, de contas conjuntas, a quantia de 12.469,95 €; e revestindo essa quantia a natureza de bem comum teria de ser relacionada para ser partilhada, desde que comprovada a sua existência à data da cessação daquelas relações patrimoniais, o que competia ao recorrente – art. 342.º, n.º 1, do CC. II –. Só que, como não se provou a existência de tal quantia à data da instauração da acção de divórcio, não pode essa quantia monetária ser relacionada como bem”; ou, loc.cit., o acórdão de 6 de Novembro de 2008, proc. n.º 3319/08:” I - Em 24-09-1999, deu entrada no Tribunal de Família a acção de separação judicial de pessoas e bens, intentada pelo requerido; em 30-11-1999, o recorrido adquiriu uma fracção autónoma; em 16-03-2000, a ré/recorrente contestou a acção judicial de separação de pessoas e bens, tendo, em reconvenção, pedido o divórcio; em 25-11- 2002, foi convertida a acção de separação de pessoas e bens em divórcio por mútuo consentimento. II - Não obstante as modificações que foram ocorrendo, e que o sistema legal não repele, a instância permanece a mesma. III - Assim, e considerando o disposto no art. 1789.º, n.º 1, do CC, aquela fracção autónoma, porque adquirida posteriormente a 24-09-1999, não se inclui no acervo patrimonial de ambos os cônjuges, para efeitos de relação de bens e partilha subsequente ao divórcio”.


10. A Relação, recorde-se, considerou inútil essa prova porque, «conhecendo a vontade real das partes, e existindo acordo no tocante à valorização das participações sociais nas sociedades de P…, de forma a igualar o seu valor com as participações sociais das sociedades de A..., não é necessário proceder a qualquer avaliação» e atribuiu ao contrato de partilha o conteúdo correspondente a essa vontade real – desta forma:

«De toda a factualidade provada e das certidões juntas a estes autos, extraídas de outros processos, que correram termos entre as sociedades, cujas quotas foram adjudicadas a um e a outro dos aqui contendores, ou entre estes, decorre que no dia do divórcio (2008) foi celebrado um primeiro contrato promessa que, na prática, mantinha o património em comum e o autor continuou a gerir as sociedades de P… e A....

Tinha assim o autor perfeito conhecimento da situação de cada uma dessas sociedades, da rentabilidade do negócio que cada uma explorava e do respectivo passivo e, em consequência, do valor dessas participações. Aliás, muito melhor do que qualquer perito, que só conta com os dados da contabilidade, presumindo, quantas vezes erroneamente, que o que lá consta espelha a real situação das sociedades e dos negócios. Por isso mesmo, nas negociações com vista à partilha efectiva, no início de 2011, foi o autor incumbido de formar dois lotes, o que fez, incluindo num as sociedades (quotas sociais) sitas em ... e no outro as sociedades (quotas sociais) sitas em ….

O próprio autor previu, nos lotes que formou e apresentou, que quem ficasse com as quotas sociais das sociedades sedeadas em … teria de pagar tornas a quem ficasse com as quotas sociais das sociedades sedeadas em ....

Efectivamente, as sociedades sitas em ..., tinham sido constituídas em data posterior às de …. Como maioritariamente eram detidas pelo casal e exploravam estabelecimentos de comércio que giram sob a mesma marca (...), estando nessa altura e até à data da partilha (2011) a respectiva gerência a cargo do autor, as sociedades de P… “financiaram” a instalação e início de actividade das de A....

Daí resultaram débitos das sociedades sedeadas em ... (I..., Lda. e A..., Lda.) relativamente às de … (Im..., Lda. E D..., Lda.), que, somados, totalizam os referidos €1.400.000 (precisamente €1.402.637,60).

Estas negociações conduziram à celebração do contrato promessa de 2011, no qual foi incluída, sob a cláusula 4ª; a obrigação do pagamento “a título de tornas” da referida quantia, em termos que ligavam expressamente esse pagamento ao referido débito.

Tal contrato promessa mantinha-se válido e eficaz aquando da celebração da partilha (contrato prometido), aliás os seus termos, no que à questão em apreço tange, tinham sido reafirmados na adenda ao contrato promessa, efectuada cerca de 8 dias antes da escritura, e nada mais foi negociado ou alterado após tal data.

É inequívoco que as partes, especialmente o autor, tinham perfeita consciência do valor dos lotes que lhes seriam adjudicados na partilha e sabiam que, o montante em questão (€1.400.000) era essencial à composição igualitária das meações.

Efectivamente, até essa data as sociedades funcionavam agrupadas ou agregadas, sob a mesma gerência. A respectiva desagregação repercutir-se-ia em ambas, mas sobretudo na mais recentemente constituída e com menor volume de negócios. Mas o maior risco que corriam as sociedades de A... era a exigência por parte das sociedades de P… dos já referidos débitos, que punham em risco a sobrevivência da respectiva actividade, a sua própria existência.

Sem o pagamento das tornas que permitiria liquidar essa dívida às sociedades cujas quotas seriam adjudicadas ao autor, as quotas adjudicadas à ré veriam o seu valor real reduzido. Poderia mesmo, caso fosse requerida a insolvência, como o autor (em representação das sociedades credoras) requereu no ano seguinte, não terem qualquer valor.

Assim, a contemplação, no contrato promessa, do valor das tornas (€1.400.000) era essencial à justa composição das meações, não se mostrando violada a regra da metade consagrada no art.º 1730º, n.º 1, do C. Civil, pois tal contrato deverá ser interpretado no sentido de que o lote de bens que seria adjudicado à ré tinha um valor inferior ao do que seria adjudicado ao autor e nesse exacto valor.

Essa cláusula só não foi transposta para o contrato prometido, porque o réu assim o solicitou, invocando motivos fiscais e a ré, de boa fé, assessorada pela respectiva advogada, confiou em que o autor manteria o acordado.

Ora as partes, tanto nos preliminares, como na formação, conclusão e execução dos contratos, devem actuar de acordo com as regras da boa fé (objectiva e subjectiva) – cfr. artºs. 227º e 762º nº 2 do CPC.

O autor, ao exigir que não ficasse a constar do contrato de partilha a obrigação de pagar tornas, compondo-se o valor das verbas de forma a atingir uma ficção de igualdade, sem lugar a tornas, por invocados motivos fiscais, da sua exclusiva conveniência e ao aproveitar-se, posteriormente, nomeadamente através da presente acção, dessa omissão, para não pagar o montante de tornas que acordou pagar à ré, actuou e actua notoriamente de má-fé. Tenha-se em atenção tudo o que se provou sob os nºs 1.27 e seguintes, ou seja, como o autor, posteriormente à celebração da escritura e aproveitando a circunstância da dita cláusula 4ª do contrato promessa nela não ter ficado a constar, antes constando que não havia lugar a tornas, na qualidade de gerente das sociedades de P…, requereu a insolvência das sociedades de A..., ciente que, sem tal pagamento de tornas, a ré não poderia efectuar os suprimentos que permitiriam liquidar os débitos às requerentes.

A má fé do autor, aproveitando-se de uma omissão na escritura de partilha, que o próprio provocou, criando na ré a convicção de que cumpriria o acordado na cláusula 4ª do contrato promessa, levando-a por isso a aceitar os seus motivos e declarar a sua conformidade com os termos da partilha exarados na escritura, não pode de forma alguma beneficiá-lo.

Ou seja, não pode o autor aproveitar-se da omissão a que deu causa, para depois negar a obrigação de pagar tornas, ou como faz na presente acção de simples apreciação negativa, pedindo que se declare que não é devedor de qualquer quantia à ré a título de tornas da partilha de bens comuns do casal.

Do mesmo modo, não deve o Tribunal beneficiar a má-fé do autor, conhecendo oficiosamente da nulidade do contrato de partilha, em razão de os valores nele exarados não corresponderem aos reais e haver lugar ao pagamento de tornas para que se cumpra a regra da metade, até porque, como adiante se explicará, não pode deixar de se interpretar esse contrato à luz da vontade real que as partes tinham aquando da sua celebração.

Efectivamente, 10 anos volvidos sobre a partilha, poderá ser agora impossível executar-se o acordado no contrato promessa de 2011.

O contrato de partilha deve conservar-se, sendo interpretado e integrado nos termos do art.º 239.º do CC, que determina: “Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta”

Consequentemente, provada a falsidade das declarações prestadas perante o notário no que tange aos valores que as partes atribuíram aos bens que integrariam as respectivas meações, mais concretamente ao valor das supra referidas quotas sociais e a consequente falsidade da constatação, nela exarada, de que não havia lugar a tornas, o contrato, relativamente a estes pontos, agora omissos, terá de ser integrado de acordo com a vontade real das partes ou de acordo com os ditames da boa fé, quando estes imponham solução diversa.

A vontade real das partes que presidiu à celebração do contrato, era no sentido de que o lote de bens adjudicado ao autor tinha um valor superior em €1.400.000 ao lote de bens adjudicado à ré e, que, consequentemente, sobre o autor impendia a obrigação de pagar à ré a quantia de €1.400.000, a fim de esta efectuar suprimentos, às sociedades cujas quotas lhe foram adjudicadas na partilha, que lhes permitiriam pagar os débitos para com as sociedades, cujas quotas foram adjudicadas ao autor. É essa também a solução que é imposta pelos “ditames da boa fé”, ou seja, pelo conceito de boa fé objectiva, no plano dos princípios normativos, como base orientadora e fundamento de efectivas soluções reguladoras dos conflitos de interesses.

Concluímos que a ré reconvinte tem direito a exigir do autor reconvindo o pagamento da supra referida quantia, destinada ao pagamento dos aludidos débitos das sociedades A..., Lda. e “I... Lda. e, desta forma, à reposição da regra imperativa da metade, na partilha dos bens do casal.

Da factualidade provada – factos 1.42.A a F – decorre que o pagamento do valor das tornas seria devido antes ou pelo menos quando as sociedades credoras exigissem às sociedades devedoras o pagamento dos aludidos débitos.

Esse pagamento considera-se já exigido (ver factos 1.29 e 1.32). Assim, há mora no cumprimento da obrigação que incumbe autor/reconvindo, acrescendo à obrigação principal a obrigação de juros, à taxa de 4% ao ano, desde a citação (notificação da reconvenção), porque assim foi peticionado.

Pelo exposto a sentença recorrida será revogada, julgando-se a acção improcedente e procedente a reconvenção, na medida em que se reconhece o direito da reconvinte a receber do reconvindo a quantia de €1.400.000, a título de tornas.»


Esta longa transcrição do acórdão recorrido explica-se pela circunstância de o recorrente questionar a interpretação do contrato-promessa e do contrato de partilha e sustentar que este último é parcialmente nulo, “relativamente às tornas”, por simulação relativa.


11. Todos sabemos que o Código Civil de 1966 optou não regular directamente a interpretação de contratos, como fazia o Código Civil de 1867, mas sim de declarações negociais (com destinatário): o objectivo, como explicou Rui de Alarcão em “Interpretação e integração dos negócios jurídicos – Anteprojecto para o novo Código Civil”, Boletim do Ministério da Justiça n.º 84, 1959, pág. 329 e segs., foi o de estabelecer regras de interpretação que contenham uma “doutrina geral – válida para a generalidade dos negócios jurídicos, admitindo-se que comporte modificações relativamente a certas espécies ou categorias desses negócios” (pág. 331). Em muito breve síntese, e referindo apenas o essencial para este recurso, pode dizer-se que esta forma de regular a interpretação por referência às declarações negociais obriga a decompor o contrato em diversas declarações, a determinar qual o sentido com que valem, em separado, e procurar depois o consenso que revelam, porque, para interpretar um contrato, o que realmente interessa é determinar a “intenção comum das partes” (para usar a expressão dos Princípios Europeu dos Contratos, 2002, ou dos Princípios Unidroit sobre contratos comerciais internacionais, 2010), real ou normativa. Como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal  de 12 de Junho de 2012, www.dsgi.pr, proc. n.º 14/06.7TBCMG.G1.S1, após uma síntese dos elementos a ter em conta, “tudo isto significa em termos práticos que o intérprete deve, relativamente a ambos os contraentes, tentar definir a posição em que se encontram perante a declaração da contraparte, e colocar um declaratário ideal (normal) na posição de declaratário real.”

Tendo sempre em vista apenas o que particularmente interessa para o caso presente, interpretar um contrato obriga, desde logo, a considerar o correspondente processo de formação, eventualmente resultante de negociações mais ou menos complexas, até de uma sucessão de propostas e contrapropostas; pode, aliás, ter sido precedido de acordos preliminares, mais ou menos formalizados. O resultado pode exteriorizar-se sob a forma de declarações conjuntas, subscritas pelas partes, o que, aliás, não garante a existência de uma convergência de sentidos; certo é que que devem ser entendidas no contexto em que foram emitidas, tendo sempre em vista o sentido global do contrato em que se inserem. Contrato esse que apresentará ou não lacunas, carecidas de integração.

Todos estes elementos foram ponderados no acórdão recorrido, que chegou ao que entendeu ser a vontade real das partes, seja quanto ao contrato promessa, seja quanto ao contrato de partilhas, relativamente ao qual detectou uma lacuna  que preencheu de acordo com essa vontade real.

Ora o Supremo Tribunal de Justiça tem consistentemente distinguido dois planos, quando lhe é colocada, em recurso de revista, uma divergência das partes de um contrato quanto ao sentido das declarações que o integram: o da determinação da vontade real dos contraentes, por um lado, e o do controlo da aplicação dos critérios legais de interpretação, por outro. Traduzindo esta distinção, determinante para o âmbito do controlo possível pelo Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo, o acórdão de 22 de Maio de 2014, www.dgsi.pt, proc. n.º 2264/06.7TVLSB.L1.S1, afirmou: «(…) está subtraído à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça “o controlo da interpretação de declarações negociais, no que se refere à determinação do sentido da vontade real dos intervenientes, por se tratar de questão ainda situada no domínio dos factos, como o Supremo Tribunal de Justiça repetidamente tem salientado; apenas lhe é permitido avaliar a aplicação dos critérios legais de interpretação”»

Não é assim susceptível de controlo, neste recurso, a conclusão a que o acórdão recorrido chegou quanto à vontade real do recorrente e da recorrida para o efeito de interpretação, quer do contrato-promessa, quer do contrato definitivo; nem tão pouco, do ponto de vista fáctico, a conclusão de existência de uma lacuna no contrato de partilha, que integrou considerando a vontade real das partes.

Está pois definitivamente assente que “A vontade real das partes que presidiu à celebração do contrato era no sentido de que o lote de bens adjudicado ao autor tinha um valor superior em €1.400.000 ao lote de bens adjudicado à ré e, que, consequentemente, sobre o autor impendia a obrigação de pagar à ré a quantia de € 1.400.000, a fim de esta efectuar suprimentos, às sociedades cujas quotas lhe foram adjudicadas na partilha, que lhes permitiriam pagar os débitos para com as sociedades, cujas quotas foram adjudicadas ao autor”.


12. O recorrente, divergindo, alega que, ao declararem na escritura de partilhas que não havia lugar a tornas, as partes emitiram declarações simuladas “(quanto aos valores, mas não quanto aos bens a partilhar e à sua adjudicação” (concl. FF)). Ocorreria, assim, uma simulação parcial, havendo que ser “declarada a nulidade parcial” da partilha “relativamente às tornas, devendo ser alterada a sua redacção fazendo constar que a recorrida recebeu a mais no seu quinhão o montante de € 171.672,50”. Assim, no fim das alegações, sustenta que deve ser declarada “falsa a cláusula da inexistência de tornas, fazendo-a substituir por outra que contemple que a recorrida recebeu a mais no seu quinhão o valor de € 171 672,50, o qual deve de tornas ao recorrente” (“mantendo-se como parece ser de manter os factos provados de 1.50 a 1,55 e eliminados os inseridos pontos 1.37-A a D e 1.42-A a D").

A recorrida, em reconvenção, pedira que o tribunal declarasse que a escritura constituía um documento falso, «no que se refere ao valor atribuído aos bens e na parte em que se declara que “Feita a compensação entre o activo e o passivo, não há lugar ao pagamento de tornas”».

A sentença, todavia, observou que a questão colocada pela ré se reconduzia à alegação de simulação das declarações correspondentes, e não de falsidade da escritura; e que a ré não tinha “logrado provar os pressupostos do instituto da simulação, quer quanto ao valor dos bens, quer quanto à declaração de não haver lugar ao pagamento de tornas reciprocamente.”

Na verdade, um documento autêntico, como é o caso de uma escritura pública, é falso quando o documentador declara ter praticado actos que não praticou ou atesta ter percepcionado factos que não percepcionou (por exemplo, terem sido prestadas perante si declarações que o não foram – artigo 372.º do Código Civil); os casos de falsidade correspondem ao âmbito no qual o documento tem força probatória plena (n.º 1 do artigo 371.º). Ora, assentando esta força probatória plena na qualidade do documentador (cfr. n.º 2 do artigo 363.º do Código Civil) e na razão de ciência, compreende-se por que razão a força probatória plena dos documentos autênticos só pode ser afastada “com base na sua falsidade” (n.º 1 do artigo 372,º).

Não é o que se passa quando se invoca a simulação de declarações que o notário atesta terem sido objecto da sua percepção: a força probatória plena do documento apenas abrange a emissão das declarações constantes da escritura, cuja emissão é atestada. As declarações têm o valor que corresponder à sua natureza (por ex., podem ser declarações de vontade, ou confessórias, ou testemunhais…) e a sua validade ou invalidade afere-se pelas regras que, em geral, lhes são aplicáveis.

Compreende-se com facilidade a razão pela qual a alegação de simulação de uma declaração cuja emissão foi atestada por notário não põe em causa a força probatória do  documento autêntico: não é acessível às percepções do documentador a coincidência ou a divergência entre a vontade real e a declaração (ou a vontade declarada). O mesmo sucede, por exemplo, quando se pretende invocar erro vício, ou erro na declaração, por exemplo.

Ora, o acórdão recorrido qualifica a divergência entre a vontade real – que deu como provada – e as declarações relativas ao valor das quotas sociais e à inexistência de tornas como falsidade das declarações – não da escritura – e, considerando que foi por má fé do autor da acção que não figuram na escritura o valor das quotas e das tornas que as partes realmente queriam, interpreta e integra a escritura de forma coincidente com a vontade real; conclusão que, no plano dos factos, vincula o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos já referidos.

O recorrente sustenta que é de simulação relativa que se trata, que apenas afecta “os valores declarados” e a declaração sobre tornas; no entanto, o contrato dissimulado, correspondente à vontade real, teria o sentido que foi dado como definitivamente provado, e não o que o recorrente lhe atribui. Improcede, assim, esta sua alegação.


13. Como o acórdão recorrido demonstrou, vem provado o conteúdo da vontade real dos contraentes.

Incluindo bens imóveis, o contrato de partilha tem de ser celebrado por escritura pública, como foi, ou por documento particular autenticado (artigo 22.º, f) do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho). Trata-se, portanto, de um negócio formal, cuja interpretação segue as regras fixadas no artigo 236.º e segs. do Código Civil, em especial, as que constam do artigo 238.º.

Vindo provada a vontade real dos declarantes, cumpre saber se o contrato de partilhas não pode ser interpretado dessa forma – “A vontade real das partes que presidiu à celebração do contrato era no sentido de que o lote de bens adjudicado ao autor tinha um valor superior em €1.400.000 ao lote de bens adjudicado à ré e, que, consequentemente, sobre o autor impendia a obrigação de pagar à ré a quantia de €1.400.000, a fim de esta efectuar suprimentos, às sociedades cujas quotas lhe foram adjudicadas na partilha, que lhes permitiriam pagar os débitos para com as sociedades, cujas quotas foram adjudicadas ao autor” –, nos termos do disposto nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil.

Ora, estando provada a vontade real das partes e que ambas a conheciam, é “de acordo com ela que vale a declaração emitida” (n.º 2 do artigo 236.º do Código Civil), sendo que ambas são declarante e declaratário quanto às declarações que, na escritura, o notário atestou como tendo sido perante ele emitidas. A tanto não obstam as regras constantes do artigo 238.º, em especial do seu n.º 2, uma vez que a razão que determina a forma legal é a circunstância de a partilha incluir imóveis.

Note-se que, a ter-se concluído no sentido de estarem preenchidos os requisitos da simulação, seria aplicável o n.º 2 do artigo 241.º do Código Civil, e não o n.º 2 do artigo 238.º (Evaristo Mendes/Fernando Sá, Comentário do Código Civil, Parte Geral, coord. de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença, Lisboa, 2014, anotação ao artigo 238.º, pág. 543 e segs., pág. 547). Não vêm no entanto provados os requisitos da simulação.

Acrescente-se que esta interpretação não viola as regras do Código das Sociedades Comerciais apontadas pelo autor/recorrente; o seu objectivo foi apenas igualar os quinhões.

Não pode, pois, proceder o pedido inicialmente formulado pelo recorrente – que se declarasse “que o autor não é devedor de qualquer quantia à ré a título de tornas da partilha de bens comuns do casal” –, uma vez que vem provada a constituição do direito da recorrida ao pagamento de tornas, no montante de € 1 400 000,00 (um milhão e quatrocentos mil euros) estando, aliás, também provado que não foram pagas (ponto1.26 dos factos provados).

Também não viola o artigo 239.º do Código Civil o preenchimento da lacuna identificada na Relação segundo a vontade real provada. Diga-se, aliás, que a natureza formal de um contrato não impede o preenchimento de lacunas, “tendo igualmente cabimento, quanto ao resultado da integração, aplicar o disposto no artigo 238.º” (Evaristo Mendes/Fernando Sá, op. cit., pág. 550) – cujo n.º 2 se disse já estar cumprido.

Apenas se acrescenta que os pontos eliminados pelo acórdão recorrido do texto da escritura são essenciais a que se possa entender que carece de integração para se estar perante um contrato de partilha (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 2009, www.dgsi.pt, proc. n.º 284-C/ 1995.C1.S1: “Ora, inexistindo uma situação concreta carecida de regulamentação, não ocorre uma lacuna contratual de previsão, a preencher nos termos gerais da integração das lacunas contratuais” e que a integração, tal como vem da Relação, não altera o objecto do negócio celebrado.


14. Prevenindo a hipótese de improcedência da acção, o autor pediu, na réplica, a declaração de “que nos termos da cláusula 4.ª do contrato promessa de partilha (…) só está obrigado a pagar 1 400 000,00 a título de tornas à ré, depois de que as sociedades comerciais A..., Lda. e I..., Lda., paguem às sociedades D..., Lda. e Im..., Lda., a quantia de € 1 400 000,00” e que “não são devidos quaisquer montantes a título de juros pelo A à R"; o acórdão recorrido, porém, entendeu que  “Da factualidade provada – factos 1.42.A a F – decorre que o pagamento do valor das tornas seria devido antes ou pelo menos quando as sociedades credoras exigissem às sociedades devedoras o pagamento dos aludidos débitos” e que “Esse pagamento considera-se já exigido (ver factos 1.29 e 1.32). Assim, há mora no cumprimento da obrigação que incumbe ao autor/reconvindo, acrescendo à obrigação principal a obrigação de juros, à taxa de 4% ao ano, desde a citação (notificação da reconvenção), porque assim foi peticionado.”

Resulta do que se disse já que nada há a apontar a esta decisão, porque suportada na decisão sobre a matéria de facto, que não sofreu qualquer alteração neste recurso.


15. Não procede, assim, a revista do autor; não há pois que apreciar as questões que  a recorrida colocou quando, prevenindo a hipótese de procedência, ampliou o objecto do recurso.


16. Nestes termos, nega-se provimento à revista, confirmando o acórdão recorrido.


Custas pelo recorrente.


Lisboa, 20 de Janeiro de 2021


Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora)

Fátima Gomes

Oliveira Abreu