Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
865/13.6TBDL.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: DOAÇÃO
COISA MÓVEL
DEPÓSITO BANCÁRIO
FORMA LEGAL
TRADIÇÃO DA COISA
COISA FUTURA
VALIDADE
ANIMUS DONANDI
MORTE
ÓNUS DA PROVA
CONTA CONJUNTA
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / COISAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS / CONTRATOS EM ESPECIAL / DOAÇÃO.
DIREITO BANCÁRIO - ACTOS BANCÁRIOS EM ESPECIAL ( ATOS BANCÁRIOS EM ESPECIAL ) / DEPÓSITO BANCÁRIO.
Doutrina:
- Baptista Lopes, Das Doações, Almedina, 1970, 42, nota (1), 44.
- Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, 9.ª edição. Almedina, 169 e jurisprudência na nota 395.
- Paula Ponces Camanho, Do Contrato de Depósito Bancário, Almedina, 2004, 133.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 243.
- Vaz Serra, Anotação ao acórdão do STJ, de 18/05/1976, in R.L.J., Ano 110.º, 212.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 211.º, 342.º, N.º 2, 516.º, 528.º, 940.º, N.º1, 942.º, N.º1, 945.º, N.º 2, 946.º, 947.º, N.º 2, 1.ª PARTE, 1142.º, 1144.º, 1263.º, ALÍNEA B), 1205.º, 1206.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 03/03/2005, PROCESSO N.º 04B3711, E DE 06/10/2005, PROFERIDO NO PROCESSO 04B2753,
-DE 12/06/2012, PROCESSO N.º 1874/09.5TBPVZ.P1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. A validade de doação verbal de coisa móvel depende da prova de que essa doação foi acompanhada da entrega da coisa doada, nos termos do artigo 947.º, n.º 2, 1.ª parte, do CC.

II. Tal entrega não tem de ser necessariamente simultânea da declaração de doar, podendo ser anterior ou mesmo posterior a esta e podendo consistir seja numa entrega material da própria coisa doada seja numa entrega simbólica do bem doado, por exemplo do seu título representativo, como decorre do disposto nos artigos 945.º, n.º 2, e 1263.º, alínea b), do CC.

III. O documento em que se consubstancia uma conta de depósito bancário representa o dinheiro que dele foi objeto, pelo que a colocação pelo doador na disponibilidade do donatário de movimentar ou dispor dos valores ali depositados pode, em determinadas circunstâncias, traduzir-se em entrega simbólica desses valores ou do direito de crédito a eles correspondente.

IV. Se, por decorrência de uma doação verbal de valores pecuniários a depositar numa conta bancária, a doadora alterar a titularidade singular que detinha nessa conta para uma titularidade solidária com a donatária e seguidamente ali depositar esses valores, tais factos são, em correspondência com o animus donandi, representativos da entrega simbólica dos valores assim doados, nos termos e para os efeitos do artigo 947.º, n.º 2, 1.ª parte, do CC.   

V. O facto de a donatária não ter procedido ao levantamento de tais valores em vida da doadora não descaracteriza, por si só, aquela entrega simbólica, já que a donatária passou a poder dispor dos fundos ali provisionados como, pelo menos, contitular dos mesmos, segundo a vontade expressamente manifestada pela doadora.

VI. O ónus de prova dos factos determinativos da nulidade de uma doação de bens futuros, nos termos do artigo 942.º, n.º 1, do CC, recai sobre aquele contra quem a doação é invocada.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (A.), falecida na pendência dos autos e ora representada pelos respetivos herdeiros BB, CC e DD instaurou, em 19/04/2013, junto do então Tribunal Judicial de Ponta Delgada, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra EE e FF (R.R.) alegando, em síntese, que:

. A A. é prima e a única e universal herdeira de GG, falecida em 30/04/2012, a qual deixou, entre outros bens, uma conta bancária por ela constituída em 12/07/2005, mas que passou a ter a R. como segunda titular, em 02/12/2009;

. Os valores existentes naquela conta pertenciam exclusivamente à falecida, sendo resultantes das suas poupanças e pensão de reforma, apresentando, à data do óbito, um saldo à ordem de € 1.278,66 e um saldo a prazo de € 186.554,12; 

. Em 02/05/2012, no segundo dia após o óbito de GG, a R. transferiu para uma conta de que era titular o montante de € 185.696,58 e, em 11/05/2012, o remanescente do saldo no valor de € 4.512,29;

. Em 14/05/2012, após inúmeras insistências, a R. transferiu para a conta da ora A. o montante de € 92.544,43, correspondente sensivelmente a metade do valor transferido a seu favor em 02/05/2012;

. Assim, a R. deve à A. a quantia de € 95.891,24, da qual € 92.544,43, a título de capital, e € 3.346,81, a título de juros.

Concluiu pedindo que a condenação dos R.R. a restituir-lhe;

a) - a quantia de € 92.544,43, a título de capital;      

b) – a quantia de € 3.397,52, a título de juros vencidos desde 14/05/ 2012 até à data da propositura da ação (19/04/2013), à taxa anual de 4%;

c) – os juros que se vençam desde 19/04/2013 até efetivo reembolso.

2. Os R.R. contestaram, sustentando, em resumo, que:

. Em vida, GG vinha tratando a R. como se sua filha fosse, tendo sido esta e a sua família quem cuidara daquela, acompanhando-a na doença que a vitimou;

. Em dezembro de 2009, GG pediu à R. para que a acompanhasse ao banco, porque pretendia incluí-la na titularidade da sua conta como co-proprietária dos valores ali depositados ou a depositar, querendo assim beneficiá-la, doando-lhe as suas poupanças presentes e futuras, o que a R. aceitou;

. Então alteraram em conjunto a ficha de assinaturas, atribuindo à referida conta a natureza solidária, podendo a R. movimentá-la tanto a crédito como a débito, sem a autorização de GG;

. Em 15/04/2010, constituíram uma conta-poupança no valor de € 38.085,00, procedendo a posteriores reforços e liquidações e, em 04/12/ 2012, constituíram, na mesma conta, um depósito a prazo no valor de € 147.000,00;

. A A. nunca teve qualquer relação com GG mesmo no fim da vida desta;

. Na véspera da sua morte, GG tentou, por duas vezes, fazer testamento a favor da R., mas tal não foi possível;

. Ao fazer as transferências das quantias depositadas na referida conta, em 2 e 11 de maio de 2012, a R. agiu como comproprietária do saldo ali existente e só transferiu para a A. o valor de € 92.544,43, em 14/05/2012, para evitar litígio com esta;

Concluiu pela improcedência da ação.

3. A A. deduziu réplica a sustentar, além do mais, a invalidade da pretensa doação verbal por não ter sido acompanhada de tradição da coisa, não relevando para tal a existência da referida conta solidária, ao que a R. respondeu mediante tréplica.

4. Findos os articulados, foi proferido saneador tabelar com fixação do valor da ação, procedendo-se depois à identificação do objeto do litígio, bem como à fixação dos temas da prova (fls. 81-84).

5. Realizada a audiência final, foi proferido sentença a fls. 158-164/ v.º, datada de 01/12/2014, na qual se incluiu a decisão de facto e respetiva motivação, julgando-se a ação totalmente improcedente com a absolvição dos R.R. do pedido.

6. Inconformada, a parte autora recorreu dessa decisão para a Relação de Lisboa que, através do acórdão de fls. 254-289, 17/12/2015, julgou a apelação procedente, condenando os R.R. a restituir à parte A. a quantia de € 92.544,43, acrescida de juros de mora vencidos no montante de € 3.397,52 e vincendos, à taxa anual dos juros civis, até integral pagamento.

7. Desta feita, vieram os R.R. recorrer de revista, formulando as seguintes conclusões:  

1.ª Ambas as Instâncias julgaram, corretamente, que a factualidade provada preenche os requisitos do contrato de doação entre vivos, não existindo indícios de que as partes tenham condicionado a causa da entrega dos valores da conta bancária à pré-morte da doadora, nem estabeleceram a morte como termo incerto;

2.ª - A falecida GG quis beneficiar a 1.ª R., ora Recorrente EE, declarando verbalmente doar-lhe os valores existentes ou a existir na conta bancária, o que esta declarou aceitar, pelo que nesta decorrência, em 02-12-2009, a 1.ª R. passou a ser a segunda titular daquela conta bancária, à qual ambas atribuíram a natureza solidária, e onde, dois dias depois, foi constituído o depósito a prazo;

3.ª - A doação dos valores ocorreu, por conseguinte, em simultâneo com a constituição da conta bancária solidária em nome conjunto da falecida GG e da donatária EE, ora Recorrente, pelo que não se tratou de doar uma conta conjunta de que a donatária já fosse contitular, mas sim de alterar a titularidade da conta de que a doadora era titular única, para acomodar a doação dos valores;

4.ª - O “animus donandi” foi a única razão que justificou a iniciativa da falecida GG em incluir a EE na titularidade da conta, tanto mais que, como bem salienta a sentença de 1.ª Instância na sua fundamentação: “( ... ) a 1.ª Ré passou a ser co-titular da conta bancária (02.12.2009), numa altura em que - note-se - a falecida GG ainda não havia adoecido (e seguramente não previra a doença) e, por conseguinte, mantinha toda a autonomia, inclusivamente quanto à gestão do seu património. Dito de outra forma: nessa data (assim como em vários meses vindouros), o seu estado de saúde não carecia minimamente que a 1.ª Ré gerisse (ou passasse a gerir) a sua vida financeira ( ... )”;

5.ª - O conjunto dos atos da doadora, a falecida GG, na sequência da sua verbalização da doação do seu dinheiro a favor da Recorrente, que culminou com a alteração dos termos da movimentação da conta no banco, permitindo à Recorrente passar a poder dispor livremente o dinheiro que nela depositado, consubstancia uma autêntica forma de tradição da coisa doada para a Recorrente: o “animus donandi” é acompanhado duma entrega, aqui a titularidade do depósito, ou seja, um meio suscetível de tornar efetivo o apossamento;

6.ª - Constitui entendimento da doutrina e da jurisprudência que, no caso das contas solidárias, que podem ser livremente movimentadas por qualquer dos seus titulares, provado que foi intenção do titular que depositou o numerário, que este passasse a ser propriedade do outro titular, podendo dele dispor como entendesse, então, estamos face a uma doação acompanhada de “tradição” do bem doado, pois que a conta conjunta solidária funciona como meio idóneo para operar a tradição, para tornar efetivo o apossamento das quantias depositadas;

7.ª - Não obsta à conclusão anterior o facto de a conta bancária ter continuado a ser titulada pela falecida, que podia por isso também continuar a movimentá-la, porque para haver doação esta não tem que envolver sempre a transmissão de bens, como resulta do âmbito traçado pelo artigo 940.º do CC e já há muito havia sido referido por Galvão Telles, ob. cit., “pode-se doar por outras formas: pondo em comum um direito, constituindo sobre coisa própria um direito real menor, assumindo para com outrem uma obrigação. O que importa (a par do empobrecimento do doador) é a valorização do activo do donatário, a atribuição a este de um direito, e essa atribuição pode revestir qualquer das configurações indicadas.”

8.ª - O facto de a ora Recorrente não ter movimentado a conta a débito em seu favor em vida da doadora não implica a inexistência da tradição do bem doado, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, porque o n.º 1 do art.º 945.º do CC refere-se apenas à aceitação da doação e o n.º 2 da mesma disposição limita-se a considerar que esta existe se houve a tradição material da própria coisa móvel doada ou do seu título representativo para o donatário, mas não estabelece que só há tradição da coisa doada quando a própria coisa ou o seu título representativo mude de mão para o donatário;

9.ª - É que a tradição não tem necessariamente que ser material, com mudança de mão da própria coisa ou do título, pois que como dispõe a alínea b) do artigo 1263.º do CC, a posse pode adquirir-se pela tradição simbólica da coisa, como ensina Menezes Cordeiro, ob. cit., “a traditio ficta”, como o nome indica é aquela em que já não existe qualquer acto material sobre a coisa. Este tipo de tradição efectiva-se, simplesmente, pela entrega de documentos que ponham a posse da coisa à disposição do transmissário, falando-se por isso em “traditio per chartam”;

10.ª - Também, Antunes Varela, na RLJ cit., entende que “se para os contratos a titulo oneroso, se não dúvida da validade das declarações tácitas, nenhuma consideração procede no sentido de impedir que igual princípio se aplique às doações” (...) “A vingar, neste aspecto, qualquer tipo de distinção entre as duas categorias de contratos, ela seria certamente no sentido de facilitar ou simplificar mais as coisas quanto à aceitação das liberalidades do que quanto aos contratos onerosos.”;

11.ª - Carlos Ferreira de Almeida, ob. cit., refere: “O Supremo Tribunal de Justiça tem aceite a conta bancária como meio idóneo de tradição simbólica do dinheiro (cfr. artigo 945.º, n.º 2, que equipara à tradição da coisa a entrega de “título representativo”) e admitido que, nestas circunstâncias, se forme um contrato de doação, desde que o pretenso donatário prove o animus donandi”;

12.ª - Na verdade, o STJ adotou idêntica posição, nomeadamente, nos acórdãos de 27/05/2003, Proc. n.º 03B1251 (Conselheiro Abílio Vasconcelos), in www.dgsi.pt; de 03/06/2003, Proc. n.º 03A1615 (Conselheiro Silva Salazar), in www.dgsi.pt; de 03/ 03/2005, Proc. n.º 04B3711 (Conselheiro Bettencourt de Faria), in www.dgsi.pt; de 06/10/2005, Proc. n.º 04B2753 (Conselheiro Pereira da Silva), in www.dgsi.pt; de 18/12/2008, Revista n.º 3759/08 - 6a Secção (Conselheiro João Camilo), in Sumários do STJ (Boletim);

13.ª - Esta orientação foi, também, adotada nos acórdãos da Relação do Porto, de 21/05/1992, Recurso 280/92 – 3.a Secção (Desembargador Pais de Sousa), sumariado no BMJ n.º 417, pág. 821; e de 19/09/2011, Proc. n.º 82/1999.P1 (Desembargador António Mendes Coelho), in www.dgsi.pt; e no acórdão da Relação de Coimbra de 29/01/2013, Proc. n.º 1504/09.5TBFIG.C1 (Desembargadora Sílvia Pires), in www.dgsi.pt;

14.ª - Os mesmos princípios e orientações estão ínsitos nos acórdãos do STJ de 12/06/2012, Proc. n.º 1874/09.5TBPVZ. P1. S1, (Conselheiro Salazar Casanova), in www.dgsi.pt; de25/06/ 2015, Proc. nº 26118/10.3T2SNT.L1.S1 (Conselheiro Gregório Silva Jesus), in www. dqsi.pt, embora se pronunciem sobre situações de facto diferentes da que enforma o caso sub judice;

15.ª - Reconduz-se a situação a uma doação verbal dos valores do saldo da conta ao momento da abertura da conta solidária, que releva enquanto tradição nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art.º 947.º do CC, pois no caso, a doação foi manifestada de forma expressa, embora verbal, perante diversas pessoas incluindo a donatária, quando da abertura da conta solidária, momento em que a GG evidenciou que com aquele ato quis que o saldo desta passasse a ser propriedade da outra contitular EE, que passava a poder dispor desses valores como entendesse;

16.ª - Assim, em face da factualidade que enforma a situação “sub judice”, do regime legal aplicável, da jurisprudência e da doutrina referenciadas, tem de se considerar não apenas que a falecida GG doou o dinheiro à Recorrente EE, mas também que se verificou a tradição dos valores doados, da doadora para a donatária;

17.ª - Pelo que, a propriedade do saldo da conta bancária em questão transmitiu-se para a esfera jurídica da ora Recorrente, por efeito da doação efetuada, pelo que já não pertencia à falecida GG, à data da sua morte, mas sim à ora Recorrente;

18.ª- O acórdão recorrido, ao revogar a sentença da 1.ª Instância, passando a julgar a ação procedente e a condenar a os R.R., ora Recorrentes, a restituir aos A.A. a quantia peticionada, fez uma errada interpretação a lei aplicável ao caso, nomeadamente, os artigos 940.º, 945.º, 947.º e 1263.º, al. b), do CC, e contrariou, manifestamente, as orientações da jurisprudência e da doutrina;

19.ª - Parafraseando Antunes Varela, R.L.J., Ano 103.º, referenciado nas alegações supra, para além de desconforme com a lei aplicável, com a melhor doutrina e com a orientação jurisprudencial maioritária citadas, o acórdão recorrido consubstancia uma solução não só absurda como absolutamente injusta.

Pedem assim os Recorrentes que se revogue o acórdão recorrido e se confirme a sentença da 1.ª instância.

8. Foram apresentadas contra-alegações, a pugnar pela confirmação do acórdão recorrido, rematando com o seguinte quadro conclusivo:

1.ª - Os Recorrentes interpuseram a presente revista por não se conformarem com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que julgou procedente a apelação e, consequentemente, revogou a sentença recorrida que passou a julgar a acção procedente por provada e a condenar os R.R. na restituição aos A.A. da quantia de € 92.544,43, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de € 3.397,52, e vincendos, à taxa legal para os juros civis, e até efectivo e integral pagamento;

2.ª - Os Recorridos entendem que não lhes assiste razão, devendo o douto acórdão proferido ser mantido nos seus precisos termos, de facto e de direito.

3.ª - O Tribunal “a quo” decidiu a matéria de facto cfr. supra e as questões a dilucidar nos presentes autos de recurso são as constantes do ponto 3, 1 e II da presente contra-alegação;

4.ª - Assim, cumpre aferir da validade da doação à luz do disposto pelo art.º 947.º, n.º 2, do CC, tendo em conta que a mesma não foi reduzida a escrito;

5.ª - A falecida GG constituiu a conta bancária n.º 30…., em 12/07/2005, da qual a R., EE, em 2/12/2009 veio ser 2.ª- titular, ou seja 4 anos depois da sua constituição. -  ponto 4 dos factos assentes -, sendo que o dinheiro existente na referida conta bancária - quer antes, quer depois de a R. ser sua titular, era e sempre foi da propriedade da ora falecida GG, pois a R. nunca ali depositou qualquer valor - ponto 7 dos factos assentes;

6.ª - A GG continuou até à sua morte com poderes de movimentação solidária, não ficou privada da disponibilização das quantias depositadas;

7.ª- A R. apenas movimentou a conta, agindo como verdadeira proprietária do saldo bancário, dois dias após o óbito da GG, transferindo-o para a sua conta bancária, cumprindo apreciar se houve de facto tradição do valor do depósito bancário para a R., EE;

8.ª- A este propósito, a lei prescreve que a doação é um contrato normalmente sujeito a forma especial (947.º CC), sendo, consequentemente nulo se não respeitar essa forma (art.º 220.º do CC)

9.ª – Conforme é referido por Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. III, 10.ª Edição (2015), Almedina, pág. 165. "Se a doação tiver por objecto bens móveis, a lei exige a forma escrita, a menos que ocorra a tradição da coisa concomitantemente ao acto (art.º 947.º., n.º 2, do CC). A dispensa de forma escrita apenas ocorre na doação de coisas móveis acompanhada de tradição da coisa, constituindo porém, nesse caso a tradição uma formalidade essencial ao contrato (art.º 947.º, n.º. 2, in fine), não se podendo considerar válida a doação se esta não se verificar. A exigência de forma especial ou da formalidade da tradição da coisa justifica-se pela necessidade de assegurar a seriedade da intenção de doar, evitando assim que um contrato que lhe impõe em sacrifício patrimonial possa resultar de declarações precipitadas.”

10.ª- Ou seja, o art.º 947.º, n.º 2, do CC exige a forma escrita para a perfeição da doação de bens móveis, salvo quando ela é acompanhada da tradição da coisa doada. Pelo que entendemos que se a lei exige a forma escrita para essa doação, não poderá ser menos exigente no que toca à materialização da tradição desses bens móveis, sob pena de colocar em causa a certeza e a segurança jurídicas;

11.ª- Devendo, por isso, a tradição desses bens móveis (in casu, depósito bancário) materializar-se em actos concretos dos quais resulte inequivocamente a doação, nomeadamente quando se verifique a entrega do dinheiro pelo doador ao donatário, quando este, nos depósitos bancários, movimente o saldo a seu favor revelando apropriação do mesmo – o que, manifestamente, não ocorreu no caso dos autos, como decorre da matéria assente;

12.ª - Neste sentido, vide acórdão da TRP de 11/10/2001 (Gonçalo Silvano), na CJ 26 (2001), 4, pp.211-213, no qual foi decidido que tendo a doação de coisas móveis que ser celebrada por escrito, não seria válida por falta de forma a doação consistente no depósito de dinheiro em conta conjunta, que não é levantado até a morte da doadora.

"A decisão é inteiramente correcta, uma vez que o depósito de conta conjunta não priva o doador da disponibilidade das quantias depositadas pelo que não pode ser visto como tradição da coisa doada". - Luís Manuel Teles de Meneses Leitão, in obra citada, pág. 165, nota 396.

13.ª- Além de que o facto de a R. ser contitular da conta não lhe confere a propriedade do saldo da conta bancária, mas apenas a possibilidade de a movimentar, tal como também o pode fazer o seu proprietário, “in casu”, a referida GG, ou seja, uma vez que a conta era solidária, a GG poderia, através de um levantamento ou outro movimento, e a todo o momento, retirar as quantias dessa conta, logo atingindo a irrevogabilidade, enquanto elemento essencial do contrato de doação (art.º 969.º).

14.ª - Neste sentido, além dos acórdãos que infra se referem, o acórdão recorrido é lapidar e faz uma interpretação correta da lei (art.º 947.º, n.º 2, do CC), quanto à materialização da tradição dos bens móveis (in casu depósitos bancários), interpretação que conduz à certeza e segurança jurídicas.

15.ª- Nele se refere, o que os Recorridos acompanham integralmente, que: Conjugados os factos, com as disposições sobre a forma de que deve revestir o contrato de doação e os seus efeitos, verificamos que: A Maria da Graça associou a R. à conta bancária, onde depositou valores. A GG continuou até à sua morte com poderes de movimentação solidária. A GG não ficou privada da disponibilização das quantias depositadas. Em vida da doadora inexiste tradição da coisa da doação.

16.ª - Se a R. movimentasse a conta a seu favor em vida da GG, estaria a agir ao abrigo de um contrato de doação válido pela forma, e este estaria a cumprir os seus efeitos. Estava transmitida a propriedade do numerário para a Ré e estava cumprida a obrigação da doadora entregar a coisa doada. Nestas condições a Ré tinha agido a coberto do direito, lícita e legitimamente. Não foi porém o que aconteceu. A Ré movimenta a conta a débito, já depois do óbito da doadora.

17.ª- A obrigação do banco depositante de entregar o dinheiro movimentado à Ré, que tinha poderes para movimentara e receber, nasce com a ordem de transferência da Ré. O banco opera no contrato de depósito no interesse dos credores depositantes. Só paga, não quando quer nem a quem quer. Diferentemente do regime da solidariedade entre os credores do art.º 528.º. do CC, o banco espera e cumpre as ordens de pagamento que recebe dos seus clientes. O banco necessita da iniciativa própria de qualquer dos credores para cumprir a prestação devida - Cfr. Paula Ponches Camanho, in Do contrato de Depósito Bancário, Almedina, 2004, pág. 133.

18.ª- Não se pode dizer que a R. tinha o direito a receber do banco o numerário objecto da transferência bancária efectuada. O direito a receber do banco e a obrigação do banco pagar só nasce com o pedido de transferência, e desde que este cumpra os requisitos e a forma legais segundo a legislação bancária e o estabelecido no contrato de abertura de conta ou e ainda no de depósito.

19.ª- Por outro lado, dado o momento em que a Ré aparece a movimentar a conta já depois do falecimento da doadora – forçosamente temos de concluir que a doação, para produzir os seus efeitos, já os produz depois da morte da doadora, depois da abertura da sucessão desta. E nestas condições terá de se considerar que os seus efeitos são os de uma doação por morte – art.º 946.º do CC, para o que a mesma não respeita a forma legal.

20.ª- A atuação da Ré deixou de se efetuar ao abrigo da doação, que agora, no momento da entrega da coisa doada, já não revista a forma exigida, já é ineficaz, já não pode produzir os efeitos aludidos;

21.ª - Veja-se, no mesmo sentido, o ac. do TRC, de 7/12/2004 (processo n.º 3304/2004, relatado por Cardoso Albuquerque), in www.dgsi. pt, com o seguinte sumário:

I. A doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito ou assume uma obrigação em benefício do outro contraente.

II. Podendo considera-se como um contrato formal, o que é a regra geral art.º 947.º do Código Civil, comporta uma excepção quanto às doações de coisas móveis, casos em que a doação está dependente da ocorrência concomitante da tradição da coisa doada contrato real quod constitutionem.

III. Havendo uma conta bancária em nome do falecido e não havendo documento escrito e assinado por este a fazer doação dessa conta, nem levantamento e entrega do seu saldo em vida daquele, tem que entender que não houve qualquer doação válida em relação a esse depósito.

22.ª - A este propósito, refere ainda o acórdão supra mencionado, e que se transcreve, atento o interesse para a presente causa:

"Parece que era intenção do falecido doar as ditas importâncias ao A, face às relações de amizade e proximidade afectiva que entre eles existiram, só que tal intenção não foi devidamente concretizada, através de declaração em documento escrito, e não se provando qualquer tradição das importâncias depositadas, o que sempre pressuporia, como se ajuizou no Acórdão da Relação do Porto de 11/10/2001 (in CJ, ano XXVI, Tomo 4.º, 211 e ss) o levantamento e entrega, em vida dessas importâncias ao A. ou a sua transferência para outra conta de que este fosse exclusivo titular, teria sempre a aventada doação de assumir a forma escrita, como se estatui no art.º 947.º, n.º 2, e isso sob pena de nulidade art.º 220.º”.

23.ª- Aliás, este acórdão vai mais longe, além do mais, quando refere que a constituição do depósito bancário em nome simultâneo do dono do dinheiro e de um familiar não constitui entrega, ou seja, não configura entrega nem a constituição do depósito por ambos os titulares simultaneamente (tradição);

24.ª - Transpondo para o caso dos autos, verifica-se que, por maioria de razão, a presente situação não poderá configurar uma verdadeira tradição, pois, além de não terem sido praticados, pela R., atos que configurem verdadeiramente que o depósito lhe pertence, movimentando-o em seu interesse, não houve sequer constituição da conta com as duas titulares (a GG e a Ré) em simultâneo, mas apenas cerca de 4 anos depois da constituição é que a R. foi associada à conta.

25.ª - No mesmo sentido, leia-se: (...) Ou seja não existirá animus donandi, nem entrega pelo simples facto de se consentir na constituição de um depósito bancário em nome simultaneamente do dono do dinheiro e de um seu familiar chegado (neste sentido ainda, os Acs. do TRL, de 13/10/1988, CJ, Ano XII, Tomo 4.º, p. 120, e do Supremo de 8/05/1973, BMJ, 227.º, 133). Veja-se ainda, no mesmo sentido, Ac. do TRP, de 10/05/2004 (processo n.º 0452315/2004, relatado por Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:

1 – A faculdade de qualquer dos contitulares de depósito bancário, sem a autorização dos demais, poder levantar a totalidade da quantia depositada exprime um regime de solidariedade activa (.... )

IV – Não obsta à doação de depósito bancário o facto de a doadora, por mera cortesia das donatárias, que já eram com ela contitulares da conta, continuar a figurara como contitular, se estas em vida daquela aceitaram a doação, passando a agir como se fossem donas exclusivas do dinheiro depositado, com o conhecimento da doadora.

26.ª - No caso sub judice, a doadora manteve-se até ao seu decesso titular da conta, sendo que a R. só mais de 4 anos após a constituição da conta foi a esta associada, tendo-se mantido sempre, até à data do óbito da doadora, sem a movimentar, sem agir como verdadeira dona do saldo da conta bancária. Por isso, quando, por qualquer razão, o doador pretenda continuar na posse da coisa doada (titular da conta bancária), haverá necessidade de recorrer a documento escrito, para assegurar a validade do acto.

27.ª - No mesmo sentido supra, Ac. STJ de 26.10.10 (relator Moreira Alves), in Proc. 303-A/1996.52, disponível inwww.dgsi.pt.: (... )

V - O direito de crédito perante o banco depositário, traduzido no direito de movimentar uma conta plural, nada tem a ver com o direito real de propriedade que incide sobre o dinheiro depositado que pode pertencer a todos os titulares, a um só deles ou mesmo a terceiro. Nem da titularidade conjunta ou solidária de determinada conta bancária se pode presumir serem os seus titulares formais os efectivos proprietários dos fundos respectivos.

VI - Tratando-se de uma doação de dinheiro, a dispensa de formalidades prevista no art. 947.º, n.º 2, do CC, só funciona quando ocorra tradição da coisa, i.e., quando se verifique a entrega do dinheiro pelo doador ao donatário. Consequentemente, não havendo tradição do dinheiro para a interessada "donatária", a alegada doação só podia ser concretizada através de documento escrito, pelo que seria nula, por falta de forma, a doação verbal.

28.ª - Acórdão da Relação de Lisboa (relator Magda Geraldes) – Proc. n.º 1241/10.8TJLSB-B.L1-2, de 15/11/2012:

III - De acordo com o disposto no art.º 947.º, n.º2, do CC, quanto à forma da doação. A doação de coisas móveis não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada da tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser feita por escrito."

IV - Não sendo provada, pelo cabeça-de-casal, a tradição de alegados montantes em dinheiro doados, impunha-se a sua prova documental, nos termos do disposto no referido art.º 947.º, n.º 2, última parte.(...)

29.ª- No sentido defendido pelos ora Recorridos, vai também a jurisprudência do STJ - veja-se o acórdão, de 12-06-2012, proferido no Processo n.º 1874/09.5TBPVZ.PI.S1, Relator Salazar Casanova, in www.dgsi.pt, onde se lê que:

"1 - Importa distinguir a situação em que há uma intenção de doação de valores móveis, quando da abertura de conta bancária em nome conjunto do donatário e o doador, de outra diversa situação em que, aberta a conta, o doador em momento ulterior decide doar verbalmente as quantias que dessa conta bancária constam.

lI – Neste último caso estamos face a uma doação que é nula por não ser acompanhada de tradição da coisa doada, não havendo tradição quando a conta bancária conjunta permanece inalterada desde o momento da sua constituição nem quando os movimentos não revelam apropriação da parte que cabe a cada um dos cotitulares.

III – O levantamento da totalidade das quantias dessa conta verificado após o óbito de um dos cotitulares não releva enquanto tradição nos termos e para os feitos do art. 947.°, n.º 2, do CC.

IV A intenção de o cotitular da conta bancária e titular dos certificados de aforro pretender deixar os respetivos valores em testamento, manifestada em momento ulterior ao da abertura da conta e da aquisição dos certificados de aforro, evidencia que ele se considerava proprietário desses valores, não podendo, por isso, reconduzir-se a assinalada doação verbal desses valores ao momento da abertura das contas ou da aquisição dos certificados de aforro."

30.ª - Aplicando a citada jurisprudência ao presente caso concreto, verifica-se que a situação de facto é de todo semelhante, ou seja, a R. entra em 2009 na titularidade da conta que a GG já possuía desde 2005, sem que a R. houvesse alegado ou logrado provar que tivesse praticado quaisquer atos que demonstrassem uma apropriação desse depósito, Apenas dois dias após o óbito da GG é que a R. procede ao levantamento da quantia existente na conta bancária solidária, mas tal ato de apropriação, por ter ocorrido apenas naquele momento, já não releva para validar a suposta doação.

31.ª - Acresce ainda que, também o caso dos autos, como no que foi decidido no supra citado acórdão do STJ, (pese embora a consciência da irrelevância desta matéria, nesta sede sempre se dirá) resultou inequivocamente do depoimento das testemunhas HH, II, JJ, KK em audiência de julgamento (apesar de o Tribunal de 1.ª instância tal não valorar) - que a intenção da GG seria, tal como a LL, era a de outorgar um testamento, através do qual disporia, apenas por morte, dos seus bens, incluindo o saldo da conta bancária em causa, o que denota que, até à data em que tal testamento produzisse os seus efeitos, considerava o depósito bancário como sendo exclusivamente seu.

32.ª- Não estão, por todo o exposto, verificados os pressupostos da tradição da coisa, ou seja, o saldo da conta bancário em causa para a R. e, consequentemente, tal doação é inválida, em face do supra citado art.º 947.º do CC;

33.ª - Aliás, esta questão conduz-nos à questão da aceitação da doação, pois, quando não se verifique a tradição, a aceitação tem de obedecer, nos termos do art.º 945.º, n.º 3, do CC, à forma prescrita no art.º 947.º do CC e ser declarada ao doador, sob pena de ineficácia. Tratando-se, pois de doação de coisa imóvel, há necessidade de nova escritura pública. Tratando-se de coisa móvel, conforme é o caso, a aceitação tem de ser feita por escrito, o que, in casu, não sucedeu.

34.ª - Ora, também este requisito para a perfeição da "doação" não se mostraria verificado.

B. APENAS POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO - DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO - Art. 636.º do CPC:

35.ª - Apenas a título subsidiário e para prevenir a necessidade da sua apreciação em caso de procedência dos argumentos dos R.R., pois no Tribunal da Relação de Lisboa, em face da procedência da Apelação, esta matéria ficou prejudicada e não foi apreciada, ao abrigo da supra disposição legal, os Recorridos vêm ampliar o âmbito da presente Revista, quanto à questão da validade da doação de bens futuros;

36.ª- O Tribunal a quo considerou provado, sob o ponto 12. dos factos assentes, que a GG quis beneficiar a 1.ª  Ré, doando-lhe os valores existentes ou a existir na dita conta bancária, o que esta aceitou;

37.ª- Ora, ainda que, por remota hipótese, que apenas por cautela de patrocínio se admite, vier a concluir-se que existiu uma doação válida a favor da R., ainda assim a mesma sempre deveria ser reduzida ao montante que existia na conta bancária da GG à data de 02/12/2009, na qual a 1.ª R. entrou para a respetiva titularidade.

38.ª- E outro não pode ser o entendimento nesta matéria, porquanto dispõe o art.º 942.º do CC que a doação não pode abranger bens futuros, sendo certo que se mostra assente, sob o ponto 7 que: Nunca a 1.ª R. depositou qualquer verba na dita conta bancária;

39.ª- Uma doação de bens futuros nem sequer corresponderia ao conceito do art.º 940.º do CC, uma vez que, face a este, a doação implica uma diminuição do património do doador, coisa que não se verifica se ele se limitar a prescindir de um bem que ainda não adquiriu - vide M. Pinto, Cessão, 232, onde se lê: o n.º 1 do art.º 942.º do CC abrange a doação de créditos futuros;

40.ª- Pelo que, por remota hipótese, caso venha a entender-se ter existido uma doação válida, a mesma deverá ser reduzida ao saldo existente na conta bancária à data em que a R. foi associada à conta.

41.ª - Deve o presente recurso de revista ser julgado improcedente e, em consequência, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa ser mantida e, consequentemente condenando-se, assim, os R.R. na devolução do valores peticionados.

42.ª - E ainda que a doação venha a ser julgada válida, o que apenas por mera cautela de patrocínio se concebe, deve a mesma ser reduzida nos moldes supra referidos, atenta a nulidade da doação de bens futuros.        


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II - Delimitação do objeto do recurso


Tendo a ação sido proposta em 19/04/2013 e as decisões impugnadas proferidas em 01/12/2014 (na 1.ª instância) e 17/12/2015 (na Relação), é aplicável o regime recursal do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, nos termos do art.º 5.º, n.º 1, desta Lei.

Como é sabido, no que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC.

Dentro desses parâmetros, o objeto da presente revista consiste apenas em saber se a quantia de capital peticionada nesta ação, no valor de € 92.544,43, foi objeto de doação válida feita por GG à R. EE, não estando, por isso, esta obrigada a entregá-la aos herdeiros da A. nem a pagar os respetivos juros de mora.


III – Fundamentação   

 

1. Factualidade dada como provada pelas Instâncias


Vem dada como provada pelas Instâncias a seguinte factualidade:

1.1. GG, doravante designada apenas por GG, faleceu no dia 30/04/2012, na Rua …, n.º 8, 4.º direito, Ponta Delgada, no estado de solteira;

1.2. A falecida GG não deixou ascendentes vivos, descendentes, testamento nem qualquer outra disposição de última vontade;

1.3. A falecida A. AA, doravante designada apenas por AA, era parente em quarto grau da linha colateral da falecida e sua única e universal herdeira;

1.4. Em 12/07/2005, a falecida GG constituiu a conta bancária n.º 30…, junto do BANIF, balcão da Av. …, n.º ..., Ponta Delgada;

1.5. Em 30/04/2012, a dita conta bancária apresentava, o saldo no montante de € 1.278,66, em depósito à ordem, e o saldo no montante de € 186.554,12 em depósito a prazo;

1.6. Em 02/12/2009, a dita conta bancária passou a ter a 1.ª Ré como segunda titular;

1.7. GG quis beneficiar a 1.ª Ré, declarando-lhe verbalmente “doar-lhe” os valores existentes ou a existir na dita conta bancária, o que esta declarou aceitar – na redação dada pela Relação;

1.8. Nesta decorrência, a 1.ª Ré passou a ser a segunda titular da dita conta bancária, nos termos referidos em 1.6, à qual ambas, nesta data, lhe atribuíram a natureza solidária;

1.9. No dia 04/12/2009, foi constituído o depósito a prazo referido em 1.5 com o montante de € 147.000,00.

1.10. Nunca a 1.ª Ré depositou qualquer verba na dita conta bancária;

1.11. Em 02/05/2012, a 1.ª Ré transferiu o montante de € 185.696,58 da dita conta bancária para a conta bancária n.º 0009…, de que é titular no BANIF;

1.12. Em 11/05/2012, a 1.ª Ré transferiu o montante de € 4.512,29 da dita conta bancária para a conta bancária indicada em 1.11, ficando a primeira, nessa data, com saldo a zero;

1.13. Em 14/05/2012, a 1.ª Ré transferiu para a conta bancária titulada por AA o montante de € 92.544,43;

1.14. Os Réus casaram em 25/09/2004 sem convenção antenupcial.


2. Do mérito do recurso


Como já acima se deixou enunciado, a questão fundamental aqui em discussão é saber se, em face da factualidade provada, se deve ter por válida a doação verbal feita, em 2009, por GG à ora R. EE dos valores depositados na conta bancária n.º 30…, junto do BANIF, balcão da Av. …, n.º ..., Ponta Delgada, de que aquela era única titular desde 2005 e de que a segunda passou a ser contitular solidária em 02/12/2009.

De referir que o que a A., aqui representada pelos respetivos herdeiros, pretende é afinal a entrega do capital de € 92.544,43, acrescido de juros de mora, desde 14/05/2012, correspondente, sensivelmente, a metade do depósito a prazo constituído por GG na conta bancária n.º 30…, junto do BANIF, cujo saldo, à data da sua morte era de € 186.554,12, capital aquele que a R. mantém em sua posse por considerar pertencer-lhe em virtude da doação em causa, tendo já entregue à A. a outra metade.

Na linha do doutrinado nos acórdãos do STJ de 03/03/2005, proferido no processo n.º 04B3711, e de 06/10/2005, proferido no processo 04B2753, a 1.ª Instância concluiu que a referida doação verbal, seguida da colocação, na inteira disponibilidade da donatária, da movimentação integral da coisa doada, se tinha por válida, assim julgando improcedente a ação.

Por sua vez, a Relação, atenta a mesma factualidade, julgou a ação procedente, com base no seguinte argumentário:

«A GG associou a Ré à conta bancária onde depois depositou valores. A GG continuou até à sua morte com poderes de movimentação solidária. A GG não ficou privada da disponibilização das quantias depositadas.

Em vida da doadora inexiste tradição da coisa objecto da doação.

Se a Ré movimentasse a conta a seu favor em vida da GG, estaria a agir ao abrigo de um contrato de doação válido pela forma, e este estaria a cumprir os seus efeitos. Estava transmitida a propriedade do numerário para a Ré e estava cumprida a obrigação da doadora entregar a coisa doada.

Nestas condições a Ré tinha agido a coberto do Direito, lícita e legitimamente.

Não foi porém o que aconteceu. A Ré só movimenta a conta a débito, já depois do óbito da doadora.

A obrigação do banco depositante de entregar o dinheiro movimentado à Ré, que tinha poderes para movimentar e receber, nasce com a ordem de transferência da Ré. O banco opera no contrato de depósito no interesse dos credores, depositantes. Só paga, não quando quer nem a quem quer. Diferentemente do regime da solidariedade entre os credores do artigo 528º do C. Civil, o banco espera e cumpre as ordens de pagamento que recebe dos seus clientes. O banco necessita da iniciativa própria de qualquer dos credores para cumprir a prestação devida - Cfr. Paula Ponces Camanho, in Do Contrato de Depósito Bancário, Almedina, 2004, pág. 133.

Não se pode dizer que a Ré já tinha o direito a receber do banco o numerário objecto da transferência bancária efectuada. O direito a receber do banco e a obrigação do banco pagar só nascem com o pedido de transferência, e desde que este cumpra os requisitos e a forma legais segundo a legislação bancária e o estabelecido no contrato de abertura de conta ou e ainda no de depósito.

Por outro lado, dado o momento em que a Ré aparece a movimentar a conta - já depois do falecimento da doadora - forçosamente temos de concluir que a doação, para produzir os seus efeitos, já os produz depois da morte da doadora, depois da abertura da sucessão desta. E nestas condições terá de se considerar que os seus efeitos são os de uma doação por morte – artigo 946.º de C. Civil, para o que a mesma não respeita a forma legal.

A actuação da Ré deixou de se efectuar ao abrigo da doação, que agora, no momento da entrega da coisa doada, já não reveste a forma exigida, já é ineficaz, já não pode produzir os efeitos típicos aludidos. 

Assim a Ré tem de prestar contas aos herdeiros da doadora.

No mesmo sentido Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, vol. III, 9ª edição. Almedina, pág. 169 e jurisprudência na nota 395.

A Ré não prova que o remanescente do saldo da conta ainda em seu poder lhe tenha sido doado pela Maria da Graça, agora por falta de forma.»

 

     Perante tal decisão, cada uma das partes esgrime argumentos em abono das suas posições, convocando doutrina e jurisprudência em seu favor como se alcança das sínteses conclusivas acima transcritas.


      Vejamos.


     Conforme a noção dada no n.º 1 do artigo 940.º do CC:

 Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício de outro contraente.

Segundo o n.º 1 do art.º 942.º do mesmo Código, a doação não pode abranger bens futuros.   

E nos termos do artigo 945.º, sob a epígrafe de Aceitação da doação:

1 – A proposta de doação caduca, se não for aceita em vida do doador.

2 – A tradição para o donatário, em qualquer momento, da coisa móvel doada ou do seu título representativo, é havida como aceitação.

3 – Se a proposta não for aceita no próprio ato ou não se verificar a tradição nos termos do número anterior, a aceitação deve obedecer à forma prescrita no artigo 947.º e ser declarada ao doador, sob pena de não produzir os seus efeitos.

    Por sua vez, o artigo 947.º do citado diploma, no que respeita à forma da doação, na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 116/2008, de 04-07, prescreve que:

1 – Sem prejuízo do disposto em lei especial, a doação de coisas imóveis só é válida de for celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado.

2 – A doação de coisas móveis não depende de formalidade alguma externa quando acompanhada de tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser feita por escrito.

     No caso vertente, dos factos provados colhe-se que GG declarou verbalmente doar à ora R. EE os valores existentes ou a existir na conta bancária n.º 30…, por aquela aberta junto do BANIF, em 12/07/2005, o que a referida R. declarou aceitar, tendo, na decorrência disso, alterado aquela conta para uma conta solidária em nome de ambas.

Estamos, pois, perante uma doação verbal de coisa móvel consistente em quantias pecuniárias, que foram objeto de depósito bancário, e cuja validade depende da correspondente tradição da coisa. Resta saber se, neste caso, se tem por verificada a tradição da coisa doada.


Ora, a exigência legal de que a doação verbal de móveis seja acompanhada da tradição da coisa, o que, de resto, já se encontrava prevista no artigo 1458.º, & 2.º, do Código Civil de 1867, nas palavras de Vaz Serra[1]:

«(…) funda-se na circunstância de a doação poder ser perigosa se não houver um facto que chame especialmente a atenção das partes para a gravidade do acto.» 

E também como escreve Baptista Lopes[2]:

   «(…) a necessidade de escrito, para a doação de móveis, quando não seja manual, funda-se na conveniência de evitar doações levianas, atitudes imponderadas e precipitadas, pois o escrito chama a atenção do doador para o acto pelo qual, doando móveis sem os entregar ao donatário, desfalca o seu património de uma maneira não visível materialmente. Havendo tradição, esta chama já por si mesma essa atenção.»

Tal tradição ou entrega não terá de ser necessariamente simultânea da declaração de doar, podendo ser anterior ou mesmo posterior a esta e podendo consistir seja numa entrega material da própria coisa doada seja numa entrega simbólica do bem doado, por exemplo do seu título representativo, como decorre, aliás, do disposto nos artigos 945.º, n.º 2, e 1263.º, alínea b), do CC[3].

Porém, algo problemática tem sido a questão de equacionar tal entrega através de depósitos de quantias pecuniárias em conta bancária.

Como é sabido, o contrato de abertura de conta traduz-se num contrato de depósito irregular, previsto nos artigos 1205.º e 1206.º do CC, a que são aplicáveis, na medida do possível, as normas relativas ao mútuo, como decorre do preceituado no citado artigo 1206.º

De entre as normas do contrato de mútuo há que salientar a do artigo 1144.º do CC, segundo o qual “as coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário pelo facto da entrega.” E, como se dispõe no art.º 1142.º do mesmo diploma, o mutuante fica com o direito à restituição de outro tanto do mesmo género e qualidade. Significa isto que o mutuante, ao celebrar o contrato, deixa de ser titular do direito de propriedade sobre a quantia mutuada, passando a ser titular de um direito de crédito, de igual valor, sobre o mutuário. E o mesmo sucede com o depositante no caso de depósito irregular, por via da aplicação remissiva do regime do mútuo, o qual passará a ser titular perante o banco depositário de um crédito sobre os correspondentes valores depositados. No entanto, importa não confundir o mero titular da conta, com direito, portanto, à sua movimentação, com a titularidade efetiva do crédito correspondente aos valores depositados. 

Seja como for, o documento em que se consubstancia a conta de depósito bancário representa o dinheiro que dele foi objeto, pelo que a colocação pelo doador na disponibilidade do donatário de movimentar ou dispor dos valores ali depositados pode, em determinadas circunstâncias, traduzir-se na entrega simbólica desses valores ou do direito de crédito a eles correspondente.

É certo que, como se refere no acórdão do STJ, de 06/10/2005, proferido no processo 04B2753[4], “o simples facto de se consentir na constituição de um depósito bancário, solidário, em nome simultaneamente, do dono do dinheiro e de terceiro não permite, sem mais, concluir no sentido da ocorrência de animus donandi, por banda do primeiro”, mas já poderá a constituição de uma conta solidária por iniciativa do primeiro, em nome de ambos, a par da prova do animus donandi, levar à conclusão de que foi intenção daquele depositar o seu numerário para que o valor correspondente passasse a pertencer também ao outro contitular.

E ainda como se considerou no acórdão do STJ, de 03/03/2005, proferido no processo 04B3711[5]:

«A conta bancária conjunta é meio idóneo para efectuar a tradição da quantia depositada, se, simultaneamente, se provar o animus donandi”.


  Ora, no caso dos autos, constata-se que:

i) - Em 12/07/2005, GG constituiu a conta bancária n.º 30.., junto do BANIF, balcão da Av. …, n.º ..., Ponta Delgada;

ii) - Em 30/04/2012, à data da morte de GG, a dita conta bancária apresentava o saldo no montante de € 1.278,66, em depósito à ordem, e o saldo no montante de € 186.554,12 em depósito a prazo;

iii) - GG quis beneficiar a 1.ª Ré, declarando-lhe verbalmente “doar-lhe” os valores existentes ou a existir na dita conta bancária, o que esta declarou aceitar;

iv) - Nesta decorrência, a 1.ª Ré passou a ser a segunda titular da dita conta bancária, em 02/12/2009, à qual ambas, nesta data, lhe atribuíram a natureza solidária;

v) - No dia 04/12/2009, foi constituído um depósito a prazo referido em ii), no montante de € 147.000,00.

vi) - Nunca a 1.ª Ré depositou qualquer verba na dita conta bancária;

vii) - Em 02/05/2012, a 1.ª Ré transferiu o montante de € 185.696,58 da dita conta bancária para a conta bancária n.º 0009…, de que é titular no BANIF;

viii) - Em 11/05/2012, a 1.ª Ré transferiu o montante de € 4.512,29 da dita conta bancária para a mesma conta bancária de que é titular, ficando a primeira, nessa data, com saldo a zero;

ix) - Em 14/05/2012, a 1.ª Ré transferiu para a conta bancária titulada por AA o montante de € 92.544,43.


Daí se extrai que na decorrência da doação verbal feita por GG à ora R. EE, ambas elas, em 02/ 12/2009 converteram a conta bancária n.º 30…, junto do BANIF, de que a primeira era titular desde 12/07/2005, em conta solidária, ficando assim a ora R., daí em diante, a poder movimentar livremente os valores que ali fossem depositados, sendo que, logo a seguir, no dia 04/12/2009, foi constituído um depósito a prazo no montante de € 147.000,00, nunca tendo a 1.ª Ré depositado qualquer verba na dita conta bancária. E da conjugação dos pontos 1.5 (ii) e 1.9 (ii) da factualidade provada acima descrita decorre que o saldo de € 186.554,12 existente na conta de GG, à data da sua morte, em 30/04/2012, respeita ao depósito a prazo constituído em 04/12/2009, então no valor de € 147.000,00.  


Nessas circunstâncias, conjugando a referida doação verbal com a subsequente alteração da titularidade da conta e com o depósito a seguir efetuado exclusivamente por GG, salvo o devido respeito, só se afigura significar a concretização daquela intenção negocial no sentido de tornar a ora R., pelo menos, contitular dos valores depositados, presumindo-se essa contitularidade em partes iguais, nos termos do artigo 516.º do CC. Ou seja, daquele animus donandi expresso na doação verbal resulta que a conversão da conta da GG em conta solidária com a ora R., feita “nessa decorrência”, corresponde a uma atribuição a esta na contitularidade dos valores que fossem depositados.

Com efeito, foi na decorrência da mencionada doação verbal, mais precisamente em 02/12/2009, que GG e a ora R. alteraram a conta de que aquela era única titular desde 12/07/2005, para uma conta solidária em nome de ambas e que, nesta conta, logo em 04/12/2009, foi constituído o depósito a prazo então no valor de € € 147.000,00, cujo saldo, à data da morte de GG, é de € 186.554,12.    

Ora, o acórdão do STJ, de 12/06/2012, proferido no processo n.º 1874/09.5TBPVZ.P1.S1[6], faz a distinção entre “a situação em que há uma intenção de doação de valores móveis, quando da abertura de conta bancária em nome conjunto do donatário e do doador, de outra diversa situação em que, aberta a conta, o doador em momento ulterior decide doar verbalmente as quantias que dessa conta bancária constam.” E, em seguida, considera que só, neste último caso estamos face a uma doação nula por não ser acompanhada de tradição da coisa doada, não havendo tradição quando a conta bancária conjunta permanece inalterada desde o momento da sua constituição nem quando os movimentos não revelam apropriação da parte que cabe a cada um dos cotitulares.

Sucede que, no caso presente, foi após a doação verbal que GG procedeu à alteração da sua anterior conta para uma conta solidária com a R. e que, seguidamente, procedeu à constituição do depósito a prazo então de € 147.000,00, mas cujo saldo, à data da sua morte, era de € 186.554,12.

Tal situação não se afigura corresponder exatamente à situação contemplada naquele aresto consistente em doação de valores já depositados em conta anteriormente aberta e mantida inalterada. Diversamente, o que aqui se verifica é uma alteração da titularidade da conta e subsequente constituição do referido depósito a prazo na decorrência da doação verbal, o que se apresenta de molde a consubstanciar uma tradição simbólica pelo menos da contitularidade dos valores assim depositados e que acompanhou a doação verbal, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 947.º do CC.   

Por outro lado, não se divisa que a tal obste o facto de a ora R. não ter procedido ao levantamento de tais valores em vida de GG, o que até se compreende no contexto da relação de amizade e confiança existente entre ambas como transparece dos factos instrumentais tidos em conta pela 1.ª instância e consignados na motivação da decisão de facto. O que, salvo o devido respeito, parece não oferecer dúvida é que, na decorrência daquela doação verbal e da subsequente alteração da titularidade da conta, a R. passou a poder dispor dos fundos ali provisionados como, pelo menos, contitular dos mesmos, segundo a vontade expressamente manifestada pela doadora.

Verifica-se, desse modo, uma correspondência clara entre o animus donandi de GG e a materialidade consistente na alteração da titularidade da referida conta bancária, o que, por si só, afasta a hipótese de que a contitularidade atribuída por aquela à R. se destinaria à simples movimentação ou gestão da conta.    


Os Recorridos invocam ainda assim a nulidade da doação na parte em que abrangeria bens futuros, a coberto da proibição do n.º 1 do artigo 942.º do CC.

É sabido que tal proibição tem como finalidade obstar a que o doador possa agir de forma leviana, imponderada, sem cabal consciência do alcance da sua liberalidade[7].

Para tal, consideram-se bens futuros, nos termos do artigo 211.º do CC, os que não se encontram em poder do doador ou aqueles a que ele não tem direito ao tempo da declaração negocial. Mas, como advertem Pires de Lima e Antunes Varela[8], “não deve confundir-se a doação de bens futuros com a doação não de bens, mas de um direito que tenha por objecto coisas ainda não existentes no património do doador”.      

Seja como for, e muito embora a doação verbal feita por GG se refira a valores existentes ou a existir na dita conta bancária, o certo é que dos factos provados não resulta minimamente que o valor com que foi constituído o depósito a prazo em 04/12/2009, então no montante de € 147.000,00, não existisse já no património da doadora, nem que o saldo desse depósito, no valor de € 186.554,12, verificado à data da sua morte, tenha resultado também de valores de que ela não dispusesse ou não tivesse direito a dispor à data da declaração negocial. E recaía sobre a A. o ónus de provar tal circunstancialismo como facto impeditivo que é, a título de contra-exceção, da validade da doação invocada pela R., nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do CC. 

Assim, tem-se por válida a doação feita por GG à ora R. EE pelo menos no que respeita à sua contitularidade em metade do depósito a prazo constituído na conta bancária n.º 30…, junto do BANIF, de que ambas eram contitulares solidárias, não se reconhecendo, por isso, o direito da A. à entrega do capital peticionado nem dos respetivos juros.            

Nesta conformidade, não se acolhe a solução perfilhada no acórdão recorrido, mas antes a da 1.ª instância, julgando-se procedentes as razões dos Recorrentes.

    

IV - Decisão


Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido e, em sua substituição, julga-se a ação improcedente absolvendo-se os R.R. do pedido, tal como se decidiu em 1.ª instância. 

As custas da ação e do recurso ficam a cargo da parte autora.

        

Lisboa, 16 de Junho de 2016

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo


Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria

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[1] Anotação ao acórdão do STJ, de 18/05/1976, in RLJ Ano 110.º, p. 212.
[2] IN Das Doações, Almedina, 1970. p. 44.
[3] A este propósito vide, Baptista Lopes, ob. cit. p. 42, nota (1).
[4] Relatado por Pereira da Silva, acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[5] Relatado pelo aqui 2.º adjunto Bettencourt Faria, acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[6] Relatado por Salazar Casanova, acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.

[7] Vide, a este propósito, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 4.ª Edição, p. 243.
[8] Ob. cit. p. 243.