Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B4551ver acórdão T REL
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMÕES FREIRE
Nº do Documento: SJ200302130045512
Data do Acordão: 02/13/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 409/02
Data: 06/06/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" e mulher, B, residentes na Maia, instauraram a presente acção declarativa com processo ordinário contra C , residente em Ermesinde, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de 9.113.040$00, a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros moratórios à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
Fundamentam o seu pedido no contrato-promessa celebrado com a ré em 11-7-1997 da fracção autónoma designada pela letra "K", destinada a habitação, tipo T2 no primeiro andar esquerdo, com entrada pelo n.º 111, com lugar de garagem e arrumos na cave do lote 13, sito na Maia. Pelo contrato a R. prometia-lhes vender ou a quem eles indicas-sem, a referida fracção pelo preço de 11.000.000.00, tendo ainda convencionado como sinal e princípio de pagamento que os AA. entregariam à R. a quantia de 4.200.000$00, quantia essa que foi entregue, e o restante seria pago no acto de escritura, a qual seria marcada com antecedência de 15 dias pela R., após o prazo previsto para o acabamento da obra, de cerca de 10 meses devendo o prédio estar concluído em 5-3-1998, podendo o prazo ser alargado por mais 60 dias.
A R. e o seu procurador nunca os informaram do andamento da obra, nem de qualquer prazo para a sua conclusão, pelo que, e após a passagem de todos os prazos convencionados e de terem questionado o procurador sobre a entrega da fracção a única resposta que obtiveram foi de que a mesma se encontrava atrasada.
Por isso, em 31-7-98, a A. com o acordo do A., resolveu, por carta registada com aviso de recepção, o referido contrato promessa por incumprimento da R. e exigiu o sinal em dobro nos termos da lei.
Entretanto os autores deslocaram-se algumas vezes ao respectivo andar para dele retirarem os componentes de cozinha que ali tinham mandado co-locar, o que nunca lhes foi permitido.
Posteriormente, tiveram conhecimento de que a referida fracção já havia sido vendida.
A ré, ao não concluir o prédio no prazo previsto e ao não entregar a fracção, nem marcado dia para a celebração da escritura, incumpriu culposa e definitivamente o contrato.
Assistia aos autores o direito à resolução do contrato, o que efectuaram, por culpa da ré, ficando com o direito à quantia de 8.400.000$00, têm o direito aos juros moratórios de 619.298$00 e a receber a quantia de 93.742$00 por componentes da cozinha integrados na fracção.
Citada a ré veio contestar, impugnando toda a matéria de facto alegada na p .i., bem assim, o teor do documento junto pelos AA. como contrato-promessa de compra e venda, folhas 10 a 12, alegando que o contrato que as partes quiseram celebrar entre si foi o junto com a contestação, intitulado contrato de cessão da posição contratual. O contrato invocado pelos autores serviu apenas, para ser presente junto da instituição bancária, a fim de obterem dele um financiamento. O sinal convencionado neste documento foi de 2.532.000$00, pelo o procurador da autora devolveu aos autores a diferença do dinheiro levantado na instituição bancária no montante de 4.200.000$00 e o convencionado como sinal. Ou seja a quantia de 1.668.000$00.
O contrato que quiseram celebrar entre eles foi um contrato de cessão da posição contratual., nos termos e cláusulas constantes no documento a fls. 32 e ss..
Conclui, pedindo que a presente acção seja julgada improcedente, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.
Replicaram os autores, mas a ré opôs-se à junção de tal articulado, vindo a ser decidido o desentranhamento da réplica. Deste despacho foi interposto recurso de agravo.
Prosseguiram os autos os seus termos vindo a ser proferida sentença em primeira instância que julgou a acção improcedente.
Inconformados recorreram os autores, vindo a ser proferido acórdão que julgou provido o recurso de agravo que mandara desentranhar a réplica, mas confirmou a decisão recorrida.
Vieram novamente recorrer os autores que formularam as suas conclusões onde pretendem que sejam apreciadas as seguintes questões:
Erro na apreciação das provas;
Simulação do contrato-promessa;
Nulidade do contrato-promessa e da cessão da posição contratual;
Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia;
Ampliação da matéria de facto;
Incumprimento definitivo.
A ré contra-alegou, sustentando que deve manter-se a decisão recorrida.
Factos.
Em data que não ficou apurada, a Ré, representada pelo seu pro-curador, E, e os Autores prestaram as declarações que constam do documento que constitui fls- 10 a 12.
Os Autores mandaram instalar na respectiva fracção, componentes de cozinha.
A A. enviou a carta que constitui fls. 16 e 17 dos autos.
A A. pretendia retirar os componentes da cozinha que ela tinha mandado instalar.
Posteriormente, os autores tiveram conhecimento que a referida fracção já teria sido vendida.
O verdadeiro contrato que o Autor e a Ré quiseram celebrar e celebraram, entre si, foi o que se encontra como documento junto a fls. 32 a 34 dos autos.
O documento apresentado pelos autores foi firmado apenas para aqueles o exibirem junto do D, a fim de obterem dele um financiamento e nesse documento consta que o sinal foi de 4.200.000$00 (quatro milhões e duzentos mil escudos).
Como foi o D, que habilitou os Autores com o dinheiro para esse sinal, a ré emitiu o cheque cuja cópia os Autores juntaram como documento de fls 14 dos autos.
O procurador da ré, E, restituiu ao Autor, em numerário, a quantia de esc. 1.668.000$00 (um milhão seiscentos e sessenta e oito mil escudos).
Os Autores acompanharam o andamento da obra com vista à conclusão do prédio.
Por sua interferência junto do empreiteiro, foram, mesmo, introduzidas alterações no prédio.
Nomeadamente no hall, em cujo pavimento foi colocada tijoleira em lugar de granito polido.
Na sala, em cujo pavimento foi também colocada tijoleira em vez de "parket" e onde foi executado um tecto-falso.
E na cozinha onde foram alterados todos os móveis, incluindo a banca.
Os Autores aceitaram o atraso verificado na obra, como aceitaram também que a mesma fosse concluída para além de Junho de 98.
Os Autores também aceitaram que a escritura de compra e venda fosse outorgada depois daquela data.
Em data anterior à data em que a autora enviou a carta que constitui fols. 16 e 17 dos autos, a mesma compareceu com o autor na Conservatória do Registo Predial da Maia a fim de assinarem o requerimento do registo provisório de hipoteca com vista ao financiamento do D.
Ali compareceram, também, o mediador imobiliário que mediou o contrato-promessa e a mãe do autor, esta fê-lo para proceder ao pagamento do registo.
Por lapso o mediador imobiliário trocou os documentos destinados ao registo, o que fez com que, nesse dia, os autores não os tivessem assinado.
Ficou acordado com os Autores que, posteriormente, voltariam à Conservatória para ser assinado o requerimento para registo provisório da hipoteca.
- Nesse entretanto, a mãe do autor foi ao escritório do mediador imobiliário dizendo que os autores se tinham separado e que a casa podia ser vendida a outra pessoa.
Logo que foi oportuno a ré diligenciou para que a escritura de compra e venda do prédio em causa fosse outorgada entre a firma F (promitente vendedora no contrato-promessa de compra e venda aludido na cláusula 1 do contrato de cessão de posição contratual junto pela ré, como documento a fols. 32 e ss.) e o Autor.
Aquela escritura foi marcada para o dia 30-9-98, pelas 14,00 horas, no Cartório Notarial de Vila do Conde.
Os Autores foram avisados do dia, hora e cartório designados.
Os Autores não compareceram à escritura.
Fizeram comunicar, previamente e por escrito, à firma F, que não compareceriam.
O direito.
Erro na apreciação das provas.
Nas suas conclusões começam os autores por invocar a errada apreciação da matéria de facto, considerando como deficientemente respondido à matéria dos quesitos 1.º, 2,º 4.º, 5.º, 9.º, 14.º e 17.º da base instrutória.
Os quesitos a que, em seu entender, foi dada resposta errada têm a seguinte formulação:
1.º - Em 11 de Julho de 1997, a ré, representada pelo seu procurador - E, celebrou com os autores, um contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma designada pela letra "K", destinada a habitação tipo 2, no primeiro andar esquerdo, com entrada pelo n.º 111, com lugar de garagem e arrumos na cave do prédio, lote 13, sito na Rua ... , na freguesia de Silva Escura do concelho da Maia, ainda omisso na matriz, mas a ser construído em conformidade com a licença de obras 230/97, passada pela Câmara Municipal da Maia, pelo citado contrato a ré prometia vender aos autores, ou a quem estes indicassem, a referida fracção autónoma pelo preço de 11.000.000$00 e os outorgantes convencionaram ainda como sinal e princípio de pagamento a quantia de 4.200.000$00 ?
A este quesito foi respondido: Provado apenas que em data que não ficou apurada, a ré, representada pelo seu procurador - E - e os autores prestaram as declarações que constam do documento de folhas 10 a 13.
Quesito 2.º: Quantia essa entregue pelos autores à ré em 28 de Julho de 1997 ?
A resposta foi a seguinte: Não provado.
Quesito 4.º: O prazo previsto para a conclusão do prédio, seria de 10 meses, após a data de 5-5-1997, sendo marcada a escritura de compra e venda pela ré ?
A resposta foi: prejudicado.
Quesito 5.º: O contrato-promessa citado admitia ainda que, se nenhuma das partes pudesse realizar a escritura de compra e venda, comprovadamente, acresceria ao prazo inicial, um prazo de 60 dias úteis?
Foi respondido: prejudicado.
Quesito 9.º: Em 31 de Julho de 1998, a autora, por acordo com o marido, que se encontrava ausente em trabalho, resolveu (rescindiu), por carta registada com aviso de recepção, o referido contrato-promessa, por incumprimento contratual da ré, ao ter violado as cláusulas 2.ª, 6.ª e 7.ª do citado contrato, em virtude de não ter marcado a escritura pública de compra e venda, e, consequentemente, não ter vendido a fracção até ao dia 5-3-1998, nem, excepcionalmente até ao dia 1-6-1998 ?
Foi respondido: Provado apenas que a autora enviou a carta que consta a folhas 16 e 17 dos autos.
Quesito 14.º: O verdadeiro contrato que o autor e a ré quiseram celebrar e celebraram, entre si, foi o que se junta como documento a folhas 32 a 34 dos autos ?
Foi respondido: Provado.
Quesito 17.º: O procurador da autora, E, restituiu ao autor, em numerário, quantia de 1.668.000$00?
Foi respondido: Provado.
No recurso interposto para a Relação os autores invocam vários documentos juntos aos autos e o depoimento prestado em audiência por testemunhas indicadas.
Para este Tribunal, como de revista, reduzem a sua discordância à argumentação possível do valor probatório dos documentos juntos, dado o disposto no art. 722 n.º 2 do CPC onde se prescreve: "O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova."
Como resulta dos autos os autores sustentam que o documento de folhas 10 a 13, intitulado contrato-promessa de compra e venda, foi estabelecido entre os autores e a ré, constituindo o fundamento da acção. A ré aceita a celebração daquele contrato, mas alega que ele não fundamentou qualquer contrato-promessa e apenas serviu para os autores justificarem no Banco (D) a futura realização da compra e venda da fracção "K", acima referida, em construção. O que os autores celebraram com a ré foi o contrato de cessão da posição contratual, que consta a folhas 32 a 34, pelo qual a ré transmite aos autores a sua posição contratual no contrato-promessa celebrado com a firma F, sendo o valor da prometida venda de 14.950.000$00 e o sinal e princípio de pagamento no valor de 2.532.000$00.
Nas suas alegações para este Tribunal os autores insistem em que o contrato-promessa, que invocam como fundamento da acção é o do documento de folhas 10/12 que faz prova plena das declarações aí produzidas, estando erradas as decisões das instâncias que o desvalorizaram e que, em seu entender, violaram os artigos 363, 364, n.º 1, 376, 377, 392, 393 e 394, todos do C. Civil. Resume o seu juízo sobre a desvalorização da prova afirmada por aquele documento dizendo que se trata dum documento autenticado que faz prova plena das declarações atribuídas ao seu autor.
Como se vê das conclusões para a Relação os autores chamaram à colação tal documento, mas não alegam que aquele documento de folhas 10 a 13 constitua documento com força probatória plena. E por aqui nos podíamos quedar, considerando que a questão agora trazida aos autos era nova e não foi objecto de apreciação no acórdão recorrido para que este Tribunal pudesse exercer sobre essa matéria qualquer censura (art. 684 do CPC).
Mas sempre se poderia dizer que o que estava em causa era a apreciação duma questão de direito em que este Tribunal, debruçando-se sobre a valorização da matéria de facto, deveria aquilatar do valor do documento em causa. Daí que analisemos tal tema.
Nos termos do artigo 375 do C. Civil, no seu n.º 1, "se estiverem reconhecidas, presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e a assinatura do documento, ou só a assinatura, têm-se por verdadeiras". E o artigo 376 n.1 dispõe que "o documento particular cuja autoria esteja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento".
Vaz Serra entendia que "estabelecida a genuinidade da assinatura, fica estabelecida a do texto, é uma presunção, sendo permitido ao subscritor provar que a presunção não corresponde à verdade" (BMJ 112-55); "os documentos particulares cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos 374 ou 375 do Código Civil provam somente que o seu autor fez as declarações que no documento lhe são atribuídas (Cód. Civil, art. 376 n.º 1)" (RLJ 110-85, doutrina que já reafirmara na mesma revista n.º 101-269 e volta a afirmar no n.º 114-287).
Neste sentido se pode dizer que segue a jurisprudência nos termos da qual os documentos particulares cuja autoria seja reconhecida, provam somente que o seu autor fez as declarações que no documento lhe são atribuídas, mas não que essas declarações correspondam à vontade do declarante, embora os factos que constem da declaração se considerem verdadeiros na medida em que forem desfavoráveis aos interesses do declarante. Neste sentido ver, v. g. os Ac.s do STJ de 3-5-1987, BMJ 267-125, de 10-3-1980, BMJ 295-345 e de 3-2-1994, BMJ 434-547.
O art. 376 n.º 2 do C. Civil põe a ressalva de que "os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão".
Esta inferência, ainda segundo a lição de Vaz Serra, "constitui uma presunção fundada na regra da experiência de que quem afirma factos contrários aos seus interesses o faz por saber que são verdadeiros; essa regra não tem, contudo, valor absoluto, pois pode acontecer que alguém afirme factos contrários aos seus interesses apesar de eles não serem verdadeiros e que essa afirmação seja divergente da sua vontade ou se ache inquinada de algum vício de consentimento: o facto declarado no documento considera-se verdadeiro, embora não o seja, por aplicação das regras da confissão, podendo, porém, o declarante, de acordo com as regras desta, valer-se dos respectivos meios de impugnação.
Pode, por isso, provar o declarante que a sua declaração não correspondeu à sua vontade ou que foi afectada por algum vício de consentimento (cfr. art. 359.º) (Vaz Serra RLJ 110-85)."
O documento intitulado contrato-promessa é um acordo em que as partes particularizam os direitos e deveres de cada um numa transacção, não estando nele incluída qualquer manifestação confessória da ré em benefício dos autores no sentido duma afirmação contrária ao interesse da ré e que favoreça os autores.
Ora, os autores não invocam qualquer declaração confessória no texto do documento de folhas 10/13. E esse texto podia e foi provado que não correspondia à verdade material como contrato-promessa de compra e venda. Não corresponde a um negócio que as partes tivessem querido celebrar.
Desta forma e face à doutrina e jurisprudência que vêm indicadas as instâncias podiam e fizeram a indagação da verdade material, o que cabia no âmbito das suas atribuições com base nos preceitos indicados.
Vejamos se o mesmo entendimento é possível face aos artigos 393 e 394 do C. Civil, dado que a ré e o autor declaram expressamente no contrato de 11-7-1997 (cessão da posição contratual) que anulam o de 26 de Junho de 1997 (contrato-promessa de compra e venda), aquele que vem invocado pelos autores.
Dispõe o art. 394 n.os 1 e 2 do C. Civil:
"1 - É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
2 - A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio, dissimulado quando invocado pelos simuladores.
3 - O disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros."
Vejamos a questão no aspecto da simulação.
Diz o artigo 240 do Código Civil:
"1 - Se, por acordo entre o declarante e o declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2 - O negócio simulado é nulo."
Entendemos que a produção de prova testemunhal contrária ou adicional ao conteúdo dos documentos e que o não ponha em causa não é fundamento para declarar não escritas as respostas aos quesitos na situação apresentada nos autos.
Com efeito referem Pires de Lima e A. Varela, a propósito do art. 393:
"É necessário interpretar nos seus justos termos a doutrina do n.º 2, cingindo-nos aos factos cobertos pela força probatória plena do documento. Assim, nada impede que se recorra à prova testemunhal para demonstrar a falta ou os vícios de vontade, com base nos quais se impugna a declaração documentada.
O documento prova, em dados termos, que o seu autor fez as declarações nele constantes; os factos compreendidos na declaração consideram-se provados, quando sejam desfavoráveis ao declarante. Mas o documento não prova nem garante, nem podia garantir, que as declarações não sejam viciadas por erro, dolo ou coacção ou simuladas.
Por isso a prova testemunhal se não pode, neste aspecto, considerar legalmente interdita."
A este respeito importa ainda ter em conta o que ensinam Pires de Lima e A. Varela, Código Civil, anotado, vol. I, pág. 343 a propósito do art. 394:
"Advirta-se, em todo o caso, que o artigo 394 se refere apenas às convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento, não excluindo, por conseguinte, a possibilidade de se provar por testemunhas qualquer elemento, com o fim ou o motivo por que a dívida documentada foi contraída ............. que nem é contrária ao conteúdo do documento, nem constitui uma cláusula adicional à declaração."
É jurisprudência corrente e está de acordo com a doutrina mais avalizada que o Juiz não pode tomar em consideração as respostas positivas dadas aos quesitos sobre o negócio simulado com base na prova testemunhal quando a simulação é invocada pelos simuladores (neste sentido ver a jurisprudência e doutrina que vem indicada no acórdão deste tribunal de 15-4-1993 CJ(S) I-2-61.
Só que no caso dos autos a questão da simulação não é tão linear como aparece naquele aresto.
No caso dos autos o contrato inicial, invocado pelos autores e arguido pela ré como simulado, foi pelas partes declarado anulado com o contrato de 11-7-1997.
Se a doutrina e jurisprudência vêm sendo unânimes quanto à proibição da prova testemunhal entre os próprios simuladores quando não haja outros elementos de prova, já no caso dos autos, com a anulação do contrato pelas partes assim não acontece.
Na revista O Direito, ano 124, pág. 593 e seguintes, Carvalho Fernandes defende que "a restrição da prova testemunhal, na invocação da simulação pelos simuladores, não é exigida pelo respeito da força probatória plena dos documentos". Defendendo uma interpretação restritiva dos artigos 394 e 351, ambos do C. Civil, conclui: "sempre que, com base em documentos trazidos aos autos, o julgador possa formular uma primeira convicção relativamente à simulação de certo negócio, é legítimo recorrer-se ao depoimento de testemunhas sobre factos constantes do questionário e relativos a essa matéria com vista a confirmar ou infirmar essa convicção; como legítimo é, a partir desse começo de prova pela via de presunções judiciais, deduzir a existência de simulação com base em factos assentes no processo"(pág. 615/616).
No mesmo sentido se pronunciou Mota Pinto (CJ X-III-11) onde conclui "que existe no processo prova documental ........ susceptível de formar a convicção da existência dum negócio simulado. E mesmo que se entenda estarmos perante um mero indício - documentalmente comprovado - que torna verosimil a existência da simulação, é de admitir o recurso à prova testemunhal, não só para interpretar o contexto dos documentos, mas ainda como forma de complementar a prova."
Também a jurisprudência perfilhou este entendimento no Ac. STJ de 23-9-1999, BMJ 489-304 e no Ac. RP de 27-9-1994, BMJ 439-655.
A existência do contrato de cessão da posição contratual (doc. a folhas 32 a 34) e todas as negociações com a firma construtora F e a comunicação dos autores que não compareciam à celebração da escritura, são elementos bastantes para com base neles ser de admitir a obtenção de prova testemunhal para a interpretação do contrato invocado pelos autores quanto à existência ou não de simulação.
Já quanto às ilações a extrair da demais prova, é matéria de facto da competência das instâncias.
Assim, as respostas dadas aos quesitos 2.º, 4.º, 5.º, 9.º, 14.º e 17.º enquadram-se no conjunto da prova produzida, pelo que os documentos trazidos à colação não a inviabilizam. São documentos particulares, impugnados pela parte contrária, tendo sido feita a prova no sentido que havia sido alegado pela ré.
E não poderão os autores acusar o tribunal de incluir no art. 14.º da base instrutória a expressão "verdadeiro", alusiva ao documento de folhas 32, quando os autores, referindo-se ao mesmo documento dizem na réplica a folhas 40, art. 5.º, que o contrato celebrado em 11-7-1997 pela ré, pelo seu procurador e pelos dois autores é o "verdadeiro contrato", o contrato que representa a vontade de todos os outorgantes. Foi neste sentido que a expressão foi usada no art. 4.º da contestação e a expressão tem nos autos um sentido de facto e não um juízo de valor capaz de decidir a questão em matéria de direito, em violação do art. 646 n.º 4 do CPC. O que se pretendia averiguar era se o documento a folhas 32 representava o acordo de vontade dos outorgantes no tipo de transacção que visavam realizar, sendo o apresentado a folhas 10 fictício e apenas utilizado para obtenção de crédito. De resto, podia extrair-se ao quesito 14.º a expressão "verdadeiro", que ele não deixava de manter o mesmo sentido.
Embora nas suas alegações os autores prossigam na sua censura às respostas dadas aos quesitos 24.º e 30.º, não incluem tal matéria nas conclusões prescindindo, assim, da sua apreciação.
Simulação do contrato-promessa de folhas 10/13.
A Relação, estribando-se nos ensinamentos de Mota Pinto e no artigo 240 do C. Civil, concluiu que o negócio a folhas 10/12 era um negócio simulado, sendo a simulação absoluta.
Entendem os autores que, a ter como provado que este contrato não vinculou as partes, a simulação que o atinge é relativa e não absoluta, tendo em conta o artigo 241 n.º 1 do C. Civil.
O contrato-promessa aqui em causa (folhas 10/12), não encobre outro contrato que tenha sido realizado e que a simulação vise encobrir.
Dispõe o artigo 241:
"1 - Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.
2 - Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei."
Acontece que o contrato de folhas 10/12 não esconde qualquer outro contrato. Se é certo que os autores estavam interessados na compra da fracção "K" e dispostos a celebrar contrato-promessa que lhes permitisse vir a adquiri-la, a prova colhida nos autos é no sentido de que a fracção em causa tinha sido objecto dum outro contrato-promessa, celebrado entre a ré e a firma F , sendo aos autores cedida a posição contratual assumida pela ré para com a promitente vendedora. E isso teve lugar por outro contrato, que não pelo que consta a folhas 10/12 dos autos. Este não pode ser convertido, nem sob ele existe outro, o dissimulado, que as partes tivessem querido realizar.
Nulidade do contrato e da cessão da posição contratual.
Como resulta da matéria provada o contrato celebrado entre a ré e os autores foi um contrato de cessão da posição contratual. Encontra-se junto aos autos a folhas 98 um contrato-promessa de compra e venda pelo qual a ré tinha celebrado com a firma F a promessa de compra e venda da fracção "K", pagando a ré como sinal a quantia de 2.032.000$00. Com o contrato celebrado entre a ré e os autores estes ficariam com a posição que a ré tinha no contrato com aquela firma, obrigando-se a pagar à ré a quantia 2.532.000$00 até ao dia 20-7-1996 e 900.000$00 na data da celebração da escritura.
Com a outorga do contrato de cessão da posição contratual, tal como foi outorgado entre a ré e o autor, os autores passariam a ser os promitentes compradores da fracção "K", sendo promitente vendedora a firma F Isto se diz no acórdão recorrido, com as inferências respectivas quanto à forma e responsabilidade. A primeira obedeceria ao requisito legal (art. 425 do C. Civil) e a responsabilidade tinha de ser discutida entre os autores e a construtora F, esta como promitente vendedora.
Levantam os autores a questão da nulidade do contrato de cessão da posição contratual, apoiando-se no disposto no n.º 1 do art. 424 do C. Civil.
Aí se dispõe:
"No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão".
Esta questão tem sido objecto de larga controvérsia na doutrina e jurisprudência, como se pode ver do Ac. STJ de 5-11-1998, CJ (S) 6-3-1993, da doutrina aí invocada e como resulta do comentário de Vaz Serra na RLJ 111 pág.s 39 e seguintes.
Nos termos daquele preceito e dado que a cedida F, não assinou o contrato de cessão da posição contratual, põe-se a questão de saber se o contrato de cessão é nulo ou se tacitamente é válido por consentimento posterior do cedido, atento, designadamente, a carta de folhas 111 e 112.
Não tem, no entanto, este Tribunal de se pronunciar sobre tal questão, quer porque ela não é fundamento da acção, quer porque o contraditório com a firma F não foi estabelecido.
Daí que não acompanhamos a posição da Relação quanto à certeza da validade do contrato de cessão da posição contratual, sem prejuízo de daí não resultarem quaisquer consequências para a decisão desta acção.
O que está em causa nestes autos é o contrato que constituiu a causa de pedir invocado pelos autores e, quanto a este, verifica-se que se trata de negócio nulo por simulação que não pode sustentar o pedido invocado. Como também não foi invocada a nulidade do contrato de cessão da posição contratual que permita aos autores obter a reposição da quantia provada como entregue, por virtude do art. 289 do C. Civil, não há que tirar consequências a este respeito do negócio da cessão.
E também a nulidade do contrato de cessão, a existir, e a nulidade do contrato-promessa invocado, não pode servir para a restituição, nos termos da nulidade ou ineficácia, de quantia eventualmente entregue com base no contrato-promessa indicado como causa de pedir na acção por este ser um negócio simulado e não provar que, com base nele, houve transferência de dinheiro dos autores para a ré.
Nulidades por omissão de pronúncia.
Alegam os autores que há nulidade por omissão de pronúncia, com violação dos artigo 668 n.º 1 al. d) do CPC, quer por o acórdão recorrido não se ter referido à nulidade do contrato de cessão da posição contratual, quer porque não mandou indemnizar os autores pelos componentes da cozinha que foram instalados na fracção.
Entendemos que lhes não assiste razão pelas razões acima indicadas quanto ao contrato-promessa base da acção.
No que se refere ao contrato de cessão da posição contratual, primeiro aspecto o acórdão, (folhas 220), diz-se "que através desse contrato - celebrado em obediência ao formalismo legal, ou seja, por escrito (art. 425 do C. Civil; vd. Ac. da RC de 25-9-1990, BMJ 399-586) .....", pelo que é válido quanto à forma. E acrescenta mais à frente: "Assim sendo, a ter havido incumprimento por parte da cedida (F) do contrato-promessa em que era promitente vendedora, e, designadamente, fundamento para a resolução do contrato, só a esta, que não à ré, poderiam os autores exigir responsabilidades".
Com estes excertos, retirados do acórdão recorrido, se vê que não há omissão de pronúncia, embora, em nosso entender, ponhamos as reservas que acima vêm referidas quanto à validade do contrato de cessão.
O acórdão entendeu não haver fundamento de nulidade do contrato de cessão da posição contratual e disse a quem cabia a responsabilidade de outra ordem em que se poderia incluir o valor dos componentes da cozinha.
Esta questão não foi posta no recurso para a Relação pelo que não tinha o Tribunal recorrido de se deter sobre esta matéria.
Ampliação da matéria de facto.
Entendem os autores que, em consequência do provimento do agravo que mandou manter nos autos o articulado da réplica, haverá que extrair deles as devidas consequências e acrescentar à base instrutória as matérias dos artigos 6.º, 12..º e 15.º.
Entendemos que não procede esta argumentação.
A matéria do artigo 6.º tem a natureza de impugnação dos factos que constam da petição que aí constituem a causa de pedir. Esta é constituída pelo documento a folhas 10/12, onde os autores sustentam a existência do contrato-promessa, impugnando a ré esse contrato e alegando que foi feita uma cessão da posição contratual em que a ré transmitia para os autores a sua posição no contrato-promessa que tinham com a firma construtora.
Trata-se de impugnação motivada da causa de pedir invocada pelos autores.
No art. 12.º da réplica está em causa que os autores aceitassem o deferimento da construção da fracção. Mas isto continua a pressupor a existência do contrato de folhas 10/12 como válido. Não o sendo esta matéria está prejudicada.
No artigo 15.º os autores pretendem quesitação de que reiteraram a rescisão do contra-to de cessão da posição contratual.
Este contrato não é causa de pedir da acção para a ré indemnizar os autores pelo incumprimento do contrato-promessa.
Não tem, assim, qualidade interesse para a decisão da causa.
Mora no cumprimento conducente à resolução.
Também esta matéria não tem interesse na discussão. Como vem referido o contrato base da causa de pedir é nulo por simulação, esvaziando o seu conteúdo. Assim, não importa aqui discutir se a mora é ou não susceptível de resolução por incumprimento definitivo.
Nos termos expostos, improcedem as alegações dos autores.
Nega-se revista.
Custas pelos autores.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2003
Simões Freire
Ferreira Girão
Luís Fonseca