Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5686/15.9T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÔNJUGE
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA
TRABALHO DOMÉSTICO
DANOS FUTUROS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
REFORMATIO IN PEJUS
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DA RÉ E CONCEDIDA PARCIALMENTE A DA AUTORA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / DANOS NÃO PATRIMONIAIS.
Doutrina:
- Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra, 2000, p. 103 e ss.;
- J. A. Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 56;
- Maria da Graça Trigo, Adopção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português, acessível na Internet ; Obrigação de indemnização e dano biológico, Responsabilidade Civil, Temas Especiais, Capítulo IV, Universidade Católica, 2015, p. 69 e ss.;
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 460-461.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 496.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 6/2014, DE 16-01-2014, PROCESSO N.º 6430/07.0TBBRG.S1, IN DR, I SÉRIE, DE 22-05-2014;
- DE 10-10-2012, PROCESSO N.º 632/2001.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-06-2015, PROCESSO N.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 21-01-2016, PROCESSO N.º 1021/11.3TBABT.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 02-06-2016, PROCESSO N.º 3987/10.1TBVFR.P1.S1;
- DE 02-06-2016, PROCESSO N.º 3987/10.1TBVFR.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-03-2019, PROCESSO N.º 1120/12.4TBPTL.G1.S1.
Sumário :
I. O denominado dano biológico, na sua vertente patrimonial, abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua actividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras actividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos limitações ou de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis.

II. Num caso, como o dos autos, em que a sinistrada, tendo ficado total e permanentemente incapacitada para o exercício de qualquer actividade. Estando porém já aposentada e não exercendo nem se provando que pretendia exercer outra actividade económica, não haverá em princípio lugar a indemnização por lucos cessantes.

III. Provando-se contudo que a mesma executava sozinha todas as lides domésticas e que por força do estado vegetativo em que se encontra nunca mais as pode exercer;

IV. Que tais actividades têm um valor económico e que a sua cessação representa um custo para a economia do casal, esse custo deve ser ressarcido pelo lesante, sendo que o valor da indemnização correspondente deve fixado com recurso à equidade.

V. Os danos não patrimoniais sofridos pelo cônjuge do lesado em acidente de viação, só merecem a tutela do direito, a coberto do artigo 496.º, n.º 1, do CC, à luz do firmado no AUJ do STJ n.º 6/2014, de 09/01/2014, em casos de elevada gravidade dupla, ou seja, quanto às lesões da vítima sobrevivente e quanto ao sofrimento do respectivo cônjuge. 

VI. Enquadra-se nessa previsão o cônjuge que se vê privado de qualquer relação conjugal por, na sequência do acidente o seu parceiro ter ficado em estado vegetativo persistente. E por outro lado ter de assistir, impotente, à degradação progressiva do estado de saúde da companheira de uma vida.

VII. Peca por defeito a indemnização de €130,000,00, por danos não patrimoniais, arbitrada à vítima de acidente de viação, com culpa exclusiva do lesante e que ficou em estado vegetativo persistente. Tal montante não pode ser alterado pelo STJ, porquanto a A. o aceitou expressamente e sendo tal valor apenas questionado pela R., a tanto obsta o princípio da proibição da “reformatio in pejus”.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2ª SECÇÃO CÍVEL


*

Relatório[1]


« AA e BB, por si e em representação de sua mulher 1ª A, instauraram a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra CC SEGUROS, com sede em …, pedindo a condenação da Ré a pagar, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de €760.000,00 à Autora e €50.000,00 ao Autor, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação até efectivo reembolso e ainda custas e procuradoria.

Alegam, para tanto:

- a ocorrência de um atropelamento, de que foi vítima a Autora, que teve lugar no dia 20 de Fevereiro de 2014, nesta cidade de …, área desta comarca de …, explicitando a hora, o local exacto, suas condições de luminosidade, sinalização da existência de uma passadeira, etc, tal como o sentido da sua travessia, na ocasião efectuada pela Autora, e ainda as condições de circulação, incluindo sentido de marcha, velocidade, etc, por parte de condutor de veículo segurado na Ré;

- que a Ré assumiu a responsabilidade do seu segurado pela verificação do acidente;

- que em consequência do acidente a autora sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais que descrevem; que em função do estado vegetativo em que ficou a Autora, o Autor e seu filho tiveram que providenciar a boa instalação desta em estabelecimento adequado e que lhe garantisse a melhor qualidade de vida possível, na cidade de …, local de residência habitual da família, o que sucedeu no Lar DD, em …, uma das valências da Santa Casa da Misericórdia de …;

- que por via da sua situação foi intentada acção de interdição que na qual foi decretada "a interdição provisória de AA por anomalia psíquica", tendo sido nomeado tutor provisório da A o seu cônjuge e Autor BB;

- que o estado actual da Autora tem carácter permanente e irreversível, sendo que a Junta Médica da ARS …, ACES … fixou e atribuiu-lhe uma incapacidade permanente global de 98%;

- que aos danos de natureza patrimonial reflexa, com compensação reportada à duração provável da vida activa da Autora, num mínimo 70 anos, que quantificam em não menos de €60.000,00, acresce a afectação da sua integridade física-psiquica, com repercussão ao nível do tempo de vida expectável- diz que o INE estima a esperança média de vida para as mulheres portuguesas em 82,79 -ou seja no caso vertente falamos de 18 anos à data do acidente e assim, aferida a uma incapacidade de 100 pontos, atribui o montante indemnizatório em €240.000,00;

- que a autora sofreu um dano estético que valorizam em €35.000,00, com gastos com o seu tratamento e esperança de vida, que são detalhados, quantificando essa parcela de indemnização em valor não inferior a €385.000,00;

- que os danos não patrimoniais não podem ser quantificados em não menos de €40.000,00;

- que a indemnização devida ao Autor marido, a título de danos morais, não deve ser quantificada em não menos de €50.000,00.


*

A Ré contestou invocando a ilegitimidade do Autor marido.

Começa por admitir a verificação do acidente- o atropelamento - com responsabilidade do seu segurado na sua eclosão, pelo que assumiu a responsabilidade e suportou várias despesas por via do acidente, lesões e tratamentos ministrados à Autora. Discorda, todavia, dos valores de indemnização que se mostram peticionados, em função das sequelas de que a Autora ficou portadora.

Termina pedindo que a acção seja julgada de acordo com a prova a produzir em audiência de julgamento.

Os AA responderam pronunciando-se pela improcedência da excepção, dado que os danos reclamados pelo Autor se tratam de danos autónomos próprios como tal ressarcíveis.

Foi dispensada a audiência prévia, tendo sido elaborado despacho saneador, no qual se decidiu da ilegitimidade, sendo que o despacho em causa procedeu ainda à delimitação do objecto do litígio, tal como fixou os temas de prova.

A Autora ampliou o pedido, genérico, admitido implicitamente, nos seguintes termos: "a que acrescem os montantes que eventual e comprovadamente sejam devidos e venham ou possam vir a ser reclamados pelos estabelecimentos médicos e/ou hospitalares que prestaram à A. os cuidados e assistência em resultado do sinistro, até ao seu internamento no Lar DD, em …", sendo que as rectificações de escrita ali solicitadas foram atendidas.

Foi efectuada perícia».

Após julgamento foi proferida sentença onde se condenou A Ré CC SEGUROS GERAIS, SA:

….a pagar à Autora AA a quantia de €75.00,00 (setenta e cinco mil euros), quantia a acrescem os juros legais a incidirem sobre €35.000,00 desde a data de citação e desde esta data sobre €40.000,00, ambas até efectivo e integral pagamento.

….. a pagar ao Autor BB a quantia de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros), quantia a acrescem os juros legais a incidirem sobre ela desde esta data, até efectivo e integral pagamento.

….E ainda a pagar à Autora AA a quantia MENSAL de €2100,00 (dois mil e cem euros), a título de despesas futuras com a sobrevivência da Autora, actualizada anualmente de harmonia com a taxa de inflação, obrigação que apenas terminará quando ocorrer o óbito da Autora».

Do mais a Ré foi absolvida.


*

Inconformados, apelaram os AA., tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, questionando o valor das indemnizações fixadas e a não atribuição de qualquer indemnização ao A., marido, pelos danos não patrimoniais sofridos.

Apreciando a Relação concedeu parcial provimento ao recurso e alterou a condenação nos seguintes termos:

« - condenar a Ré CC SEGUROS GERAIS, SA a pagar à Autora AA, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros), a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento;

- condenar a Ré CC SEGUROS GERAIS, SA a pagar à Autora AA, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de €130.000 (cento e trinta mil euros), desde a data desta decisão até integral pagamento;

- condenar a Ré CC SEGUROS GERAIS, SA a pagar ao Autor BB, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 50.000 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora a taxa legal desde a data desta decisão até integral pagamento».

Desta decisão recorreram de revista, tanto a A., (na parte relativa ao montante da indemnização por danos patrimoniais) como a R. no tocante à indemnização fixada à A. por danos patrimoniais futuros (despesas futuras) e bem assim quanto aos montantes arbitrados a cada um dos AA, a título de danos não patrimoniais.

A R. rematou as suas alegações com as seguintes


Conclusões:

«1) Vem o presente recurso de revista interposto do douto acórdão que julgou a apelação deduzida pelos AA., parcialmente procedente revogando a sentença proferida na 1º instância e condenando a R. "CC" a pagar as quantias indemnizatórias que ser passam a elencar;

A - À A. AA a quantia de Euros 240.000.00, a título de danos patrimoniais, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento

B - À A. AA a quantia de Euros 130.000,00, a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data da prolação do acórdão recorrido até integral pagamento

C - Ao A. BB,- a quantia de Euros 50.000,00, a título de danos não patrimoniais, à qual acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data da prolação do acórdão recorrido até integral pagamento

2)   Não se conforma a Seguradora recorrente com a douta decisão ali vertida, considerando-se que a mesma não contempla uma adequada aplicação do direito.

3)   O objecto do presente recurso de revista circunscreve-se, pois, às seguintes questões:

A.   Critério e montante da indemnização fixada a título de danos patrimoniais futuros (despesa futuras) fixada à A. AA

B.    Quantum indemnizatur referente às indemnizações por danos não patrimoniais (tanto da A. AA, como do A. BB

COM EFEITO:

4)   No que diz respeito à indemnização fixada a título de danos patrimoniais urge considerar, nos termos que infra se irão explanar, que o douto raciocínio consignado no acórdão aqui recorrido, no segmento acabado de expor e que redundou na atribuição de um montante indemnizatório de € 240.000,00, padece de sérias incongruências e decorre de uma desadequada aplicação da lei.

5)   Com efeito, a decisão assim vertida no acórdão recorrido, ao considerar que as despesas futuras que, comprovadamente, a A. terá para a sua sobrevivência ascenderão a Euro 2.500,00/mês não encontra qualquer arrimo na factualidade que resultou provada.

6)    Na verdade, e tal como muito bem se assinalou na douta decisão proferida a 1a instância, dos factos provados decorre um montante mensal global de despesas de Euro 2.072,00. (Cfr. artigos 56, 57 e 58 dos factos provados).

7)   Sendo que, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, os Euro 400,00/mês que o acórdão recorrido entendeu adicionar a este valor comprovado nos autos, para além de não encontrar sustento nos factos provados, em rigor, leva a uma duplicação de despesas.

8)    No douto acórdão aqui posto em crise considerou-se que, para além desse valor, haveria que ter em conta também as despesas com tratamentos médicos e de enfermagem (factos 27 e 33) e maior necessidade de cuidados (46 e 47).

9)   Conjecturando que, face à maior necessidade de cuidados, poderá não ser suficiente o recurso aos serviços providenciados pelo Hospital ou pelo Centro de Saúde e haver necessidade de recorrer a serviços particulares.

10)   Contudo, e salvo o devido respeito por entendimento diverso, dos factos provados - mormente do vertido em 46 dos factos provados - não resulta esta ilação retirada pelo Venerando Tribunal da Relação e que veio a fundar este (injustificado) empolar do valor mensal das despesas.

11)    De igual sorte, parece ter o douto acórdão recorrido olvidado que todos os cuidados diários, com tratamento médico e de enfermagem, fisioterapia, medicamentos, cremes hidratantes e transportes estão já compreendidos no valor de Euro 2100,00/mês fixado na 1a instância (com o qual se concorda), e tal como ressuma dos artigos 56, 57 e 58 dos factos provados.

12)    Adicionalmente, note-se que são os próprios AA. que, quer no artigo 97° da petição inicial, quer em requerimento junto aos autos em 16/05/2017 assumem que o valor médio mensal necessário para custear tais despesas é muito próximo de Euro 2.100,00

13)   Assim, e sempre com o máximo respeito por entendimento diverso, em face dos elementos constantes dos autos, impõe-se considerar que andou mal o Mmo. Tribunal a quo ao fixado o valor mensal das despesas aqui em causa em Euro 2.500,00.

14) Deverá, face ao supra apontados motivos, revogar-se o acórdão proferido e repristinar-se a decisão vertida na 1ª instância, na parte em que considerou que as despesas mensais necessárias a custear nos termos supra referidos, ascendem a Euro 2.100,00

15) Aqui chegamos, cumpre igualmente manifestar a discordância da recorrente Seguradora no que diz respeito o período de vida expectável de 8 anos considerado no acórdão recorrido

16) E neste concreto segmento, não se poderá escamotear que, pese embora a douta argumentação vertida no douto acórdão no que diz respeito ao iter cognitivo percorrido para se fixar o período de 8 anos, são esses mesmos fundamentos ali vertidos., que acabam por infirmar a decisão tomada.

17) Com efeito, não se olvida que, desde 2005, a medicina em geral tem sofrido avanços, mas, tal circunstância, de per si não é suficiente para que se considere que, no caso concreto, indícios existem de que se poderá ficcionar um período de vida expectável de 8 anos.

18) Tal como decorre do teor do próprio acórdão recorrido, para encontrar tal período de vida expectável, atendendo à situação de EVP de que (infelizmente) padece a A. AA, foi atendido o RELATÓRIO SOBRE O ESTADO VEGETATIVO PERSISTENTE, publicado em 2005.

19) Desse relatório, consta, de acordo com o douto acórdão recorrido, que o EVP reduz a expectativa de vida para 2 a 5 anos, com uma taxa de mortalidade de 82% aos 3 anos e 92% aos 5 anos, sendo a sobrevivência para além dos 10 anos absolutamente excepcional.

20) Ora, pese embora dos autos não conste qualquer dado a respeito de especial deterioração do estado de saúde da A. AA, certo é que, e sempre com o máximo respeito, também não consta qualquer elemento em sentido contrário, i.e, no sentido de eventual melhoras.

21) Na verdade, e ao invés do que se ajuizou no douto acórdão aqui posto em crise, não há quaisquer elementos nos autos que permitam sustentar a conclusão de que, à luz do entendimento consignado no douto estudo retratado no acórdão, a situação da A. AA, possa ser enquadrada na situação excepcional de EVP com expectativa de vida para lá dos 5 anos.

22) Entende a Seguradora recorrente que, face ao supra apontado, andou mal o douto acórdão recorrido, impondo-se, pois, que os critérios a ter em linha de conta para fixação de um valor global a liquidar para despesa futuras seja alcançado por referência ao valor de Euro 2.100,00 - tal como se levou a efeito na sentença proferida pela 1ª instância - e que tenha por base um período expectável de vida da A. AA não superior a 5 anos.

23) Atendendo igualmente ao facto da A. AA, à data do acidente contar já com 64 anos.

24) E bem assim ao incontornável facto de que - e sem prescindir ao que infra se aduzirá - consta dos factos provados que a Seguradora recorrente liquidou todas as despesas até Outubro de 2015.

25) Pelo que jamais poderia considerar-se, para efeitos de pagamento destas despesas, aquelas ocorridas nos anos de 2014 (ano do acidente) e 2015 (até Outubro), sendo, pois, 2 anos que indevidamente se considerou no acórdão recorrido ao fixar a indemnização de Euro 240.000,00, devida pelo período expectável de vida de 8 anos.

26) Assim, e atendendo a todo o supra exposto, deverá ser o douto acórdão revogado e substituído por outro que, colhendo os argumentos supra expendidos, fixe o valor indemnizatório a título de danos patrimoniais referentes a despesas futuras no valor global de Euro 126.000,00

27) Ao contemplar diverso entendimento, andou mal o douto acórdão recorrido, incorrendo em violação do disposto no art. 562° do Cód. Civil, entre outros.

SEM PRESCINDIR

28) Sem jamais prescindir ao antecedentemente alegado, e independentemente do valor que vier a ser doutamente fixado em sede de danos patrimoniais, impõe-se sempre consignar na parte decisória que tais valores haverão de ser deduzidos das quantias que entretanto a Seguradora recorrente foi adiantando.

29) Na verdade, alude o douto acórdão recorrido a tal necessária solução - veja-se o que refere na parte final do capítulo respeitante à fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros.

30) Porém, sem que a mesma tenha sido consignada na parte final decisória.

31) Sendo certo que, constam dos autos documentos - documentos juntos em audiência de julgamento de 18/05/2018 - concretamente, recibos de indemnização devidamente assinados pelo A. e que comprovam que a Seguradora Recorrente liquidou todas as despesas a que se alude nos artigos 100° e 101° da petição inicial (despesas futuras com internamento no lar, fisioterapia, medicamentos, etc.) até Fevereiro de 2016.

32) Ou seja, despesas já ocorridas na pendência da acção.

33) Nessa medida, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, sempre se imporá que, este juízo - aliás vertido no texto do acórdão - fique a constar da carte decisória,

34) Sendo certo que, perante a decisão proferida na 1ª instância - de fixação de uma renda mensal futura vitalícia - não se impunha tecer qualquer tipo de consideração a respeito de valor entretanto pago a tal titulo pela Seguradora recorrente.

35) O mesmo já não sucede, perante a condenação numa quantia pecuniária certa, e de uma só vez, situação em que já faz todo o sentido a ponderação dos valores pagos na pendência do processo.

36) Isto posto, e sempre com o merecido respeito por entendimento diverso, impõe-se alterar, também nesta sede, o douto acórdão recorrido, no sentido de que à indemnização fixada a título de danos patrimoniais futuros) terá de ser descontado o valor que, na pendência da acção tenha sido pago a esse título pela Seguradora R.

37) Sob pena de, não se fazendo tal desconto, se opere um verdadeiro e injusto duplo ressarcimento do mesmo dano.

ACRESCE:

38) Não se conforma também a Seguradora recorrente com o douto acórdão recorrido, na medida em que revogou a decisão proferida na 1ª instância que havia fixado o valor de Euro 40.000,00 a título de danos não patrimoniais, alterando tal montante para Euro 130.000,00.

39) Sem mais delongas, e sem querermos ser fastidiosos, permitimo-nos simplesmente aderir ao douto critério, raciocínio e extensa fundamentação vertida na douta sentença proferida, salientando que a mesma, se mostra adequada, fundamentada de acordo com o critério legal e jurisprudencial e, portanto, justa.

40) Ao invés, temos que o douto acórdão recorrido - e sempre com o merecido respeito por diverso entendimento - não atentou a que no caso em apreço, da materialidade que resultou provada, decorre uma realidade de vivência da A. recorrida em absoluta ausência de consciência de tudo o que a rodeia.

41) Não olvida a Seguradora recorrente que a situação da A. é particularmente grave, sendo incomensuráveis os danos por si sofridos,

42) Mas também não pode deixar de salientar que a A., e é do seu sofrimento que aqui se trata, não tem consciência da situação em que se encontra.

43) Note-se que resulta dos factos provados - artigos 28° e 32° - que a A. encontra-se numa situação de completa ausência de consciência de si e do ambiente circundante e de tudo o que a rodeia.

44) O que tem, forçosamente, se ser levado em linha de conta na fixação da compensação a título de danos não patrimoniais, onde há que realizar uma destrinça para situações em que, se está igualmente diante de danos particularmente graves, mas que o lesado tem total consciência do seu estado.

45) Nessa perspectiva, e repristinando o douto entendimento vertido na decisão proferida na 1ª instância, entende a recorrente que andou mal o douto acórdão aqui impugnado, devendo ser revogado e substituído por outro que, ponderando a materialidade que resultou provada e apelando aos critérios equitativos habitualmente seguidos pela nossa sapiente jurisprudência, fixe a indemnização a título de danos não patrimoniais a atribuir à A, AA em Euro 40.000,00.

46) O douto acórdão recorrido violou, pois, o disposto no art. 496° n.° 3; do Cód. Civil, entre outros.

 

AINDA

47) Não se conforma ainda a Seguradora recorrente com o valor fixado pelo douto acórdão recorrido a título de danos não patrimoniais ao A. BB, por entender que, à semelhança do valor fixado igualmente a tal título à A. AA, se mostra excessivo.

48) Recordando, temos que na 1ª instância havia sido fixado o valor indemnizatório ao A. BB de Euro 35.000,00.

49) Valor esse que o douto acórdão recorrido entendeu aumentar para Euro 50.000,00 e que se entende ser francamente desadequado.

50) Há que contemplar, então, para a fixação do valor a arbitrar em sede de danos não patrimoniais, o valor actualmente considerado para compensação de dano da morte que tem oscilado entre Euro 50.000,00 e Euro 80.000.00.

51) Não faz, pois, qualquer sentido o montante de Euro 50.000,00 ora atribuído, sobretudo atendendo à factualidade que, resultou provada, com relevo para esta questão.

52) Factos esses que se subsumem aos elencados nos artigos 49°, 51°. 59° e 60° dos factos provados..

53) Tais danos traduzem danos de extrema gravidade, porque também são permanentes, que merecem a tutela do direito e consequentemente, admitem compensação.

54) Compensação essa que, contudo, se entende justa e adequada nos precisos termos em que foi atribuída na 1ª instância.

55) Ora, atendendo aos critérios enunciados no artigo 496° do Cód. Civil, afigura-se exagerada a quantia vertida no acórdão recorrido, sendo justa e adequada para compensar os danos não patrimoniais sofridos, a quantia de Euro 35.000,00.

56) Assim, uma vez mais nesta sede, andou mal o douto acórdão recorrido, incorrendo em violação do disposto no art, 496° do Cód. Civil

57) Deverá o mesmo ser revogado e substituído por outros que, face ao supra expendido, fixe a indemnização a título de danos não patrimoniais ao A. BB em Euro 35.000,00.

58) O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais.

TERMOS EM QUE DEVERÁ SER CONCEDIDO INTEGRAL PROVIMENTO AO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO, E REVOGADO O DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO, NOS TERMOS SUPRA EXPENDIDOS……».

 Por sua vez a A. no seu recurso, formulou as seguintes

Conclusões:

«1 - A A. aceita e conforma-se com a fixação feita no douto acórdão recorrido da Relação de Coimbra que fixou os danos não patrimoniais da A. na quantia de 130.000,00€, com juros desde tal decisão até efectivo pagamento.

2 - Aceita e conforma-se igualmente com a fixação da quantia de 50.000,00€ acrescida de juros desde a decisão até integral pagamento relativamente aos danos não patrimoniais do autor marido.

3 - Razão pela qual o presente recurso se circunscreve a danos patrimoniais relativos à A. (destaque e sublinhado nosso)

4 - O internamento, cuidados e tratamentos foram computados pela Relação em 2.500,00€/mês e apesar deste montante não ter considerado, nomeadamente, transportes em ambulâncias e alguns outros cuidados que se mostrem necessários para a A. é um valor mensal que aceitamos e com o qual os AA. se conformam.

5 - No entanto, não se afigura aceitável o lapso de tempo estimado pela Relação, de 8 anos, para a concreta esperança de vida da A., nomeadamente atentos os bons cuidados e atenções de que a A. beneficia que, seguramente, farão prolongar o período expectável de vida;

6 - Sendo certo que o desenvolvimento da medicina e da ciência em geral torna também expectável o prolongamento da esperança de vida da A.

7 - Nesse sentido entende-se como razoável perspectivar, pelo menos cerca de 13 anos de vida para a A., em termos de indemnização.

8 - Tanto mais quando não se podem ignorar exemplos de outras pessoas em EVP que vivem mais de 20 anos.

9 - Importa por isso fixar um quadro indemnizatório que possa ser equilibrado para os interesses de quem indemniza e de quem é indemnizado. Se a A. for um caso dos que vivem mais de 20 anos, não deixa de ter o privilégio de ter uma família com boas posses e que não deixará de socorrer-se das mesmas para lhe garantir os melhores cuidados mas também não se pode criar um quadro de expectável sacrifício estabelecendo uma esperança de vida inferior aos já referidos 12, 13 anos.

Nesta hipótese, 385.000,00€, considerando os custos anuais de 30.000,00€ (= 2.500,00€/mês x 12 meses), corresponde a cerca de 13 anos de vida, ou seja, mais concretamente a 12 anos e 10 meses.

10 - Nesta perspectiva ficciona-se ainda a possibilidade quase irrealista dos preços se manterem constantes, ou seja, que ao longo de todos estes anos não haveria aumento de preços, seja da mensalidade paga com o internamento, seja dos medicamentos, cremes hidratantes, tratamentos, ambulâncias, transportes, etc, etc; nem quaisquer actualizações sequer decorrentes da inflação;

11 - Pelo que se afigura manifesto que o montante de 385.000,00€ é o mais adequado, neste título particular, e sem qualquer redução, nomeadamente pela circunstância da inflação consumir o eventual rendimento produzido;

12 - A este montante há que considerar acréscimos patrimoniais decorrentes do desempenho de outras actividades avaliáveis pecuniariamente, mesmo que tais tarefas apenas se circunscrevessem às lides domésticas e, nomeadamente, a ir buscar a neta à escola e mantê-la em casa até á chegada dos pais, como acontece com as famílias contemporâneas portuguesas

13 - Numa normal situação de vida as actividades desenvolvidas pela A., e designadamente as lides domésticas têm expressão pecuniária que devem igualmente ser tidas em conta em termos indemnizatórios.

14 - A vida activa da A. não acabava com a reforma e daí a necessidade de se fixar um montante que seja próximo do salário mínimo nacional mensal e que considere o fim estatístico da vida activa, para as mulheres, na altura, fixado nos 82,79 anos.

15 - Nesta perspectiva não deve deixar de se arbitrar a favor da A. uma quantia desde o acidente até ao termo estatístico da vida. A A. aquando do acidente tinha 64 anos e, portanto, nesta linha de raciocínio tinha pelo menos, 18 anos de vida geradora dos referidos acréscimos patrimoniais, pelo que, partindo do SMN (Salário Mínimo Nacional) haverá que se compensar a A. ainda em cerca de 130.000,00€.

16 - Pelo que aos montantes já fixados pela Relação e supra referidos em 1 e 2 devem acrescer, a título de danos patrimoniais, as quantias atrás descritas de 385.000,00€ mais 130.000,00€, num total parcial de 515,000,00€, com juros contados desde a decisão até integral pagamento

17 - Termos em que, nos termos do artigo 674° n° l do CPC, deve revogar-se e substituir-se parcialmente o douto acórdão da Relação, fixando-se a indemnização total global de 695.000,00€, acrescida de juros».


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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do  novo Cód. Proc. Civil ).

Das conclusões acabadas de transcrever decorre que as questões objecto do recurso se reportam ao montante das indemnizações, sendo da parte da A. relativa ao montante da indemnização por danos patrimoniais e da parte da R. no tocante à indemnização fixada à A. por danos patrimoniais futuros (despesas futuras) e bem assim quanto aos montantes arbitrados a cada um dos AA, a título de danos não patrimoniais.


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Dos Factos


Nas instâncias foram considerados provados os seguintes factos:

«1

No dia 20.02.2014,cerca das 21h05m, no cruzamento/entroncamento entre a Avenida … e a Praça …, troço da chamada Circunvalação desta cidade de …, ocorreu um acidente de viação em que a A. AA - nascida em 22.06.1949 -foi vítima de atropelamento.

2

Na ocasião o piso estava em bom estado, ameaçava chuva, sendo que pouco tempo após o acidente passou a cair uma chuva miudinha (popularmente chamada "chuva molha-tolos").

3

Em todas as faixas de entrada na rotunda/praça bem como nas faixas de saída desta estão implantadas passagens para peões (passadeiras) cujas estão pintadas no pavimento da estrada e, nas entradas da rotunda encontra-se implantada sinalização de trânsito, designadamente os sinais verticais de obrigação O4 - Rotunda, B1 - cedência de passagem e H7 - passagem para peões.

4

O troço da estrada tem formato de auto-estrada ou seja, duas faixas com separador central e cada faixa composta por duas hemi-faixas, apresentando a faixa de rodagem uma largura de 7, 1 0m, incluindo as linhas delimitadoras.

5

Nas descritas circunstâncias de tempo e lugar EE conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, Peugeot 206, matricula ...-AT-..., propriedade de seu pai FF e conduzia-o por conta, sob a direcção e no interesse do seu proprietário.

6

O condutor fazia circular o automóvel na Rotunda/ Praça … no sentido sul-norte e, ao sair desta e ao dar entrada na referida Avenida … colheu e atropelou com tal veículo a A. AA.

7

A A. encontrava-se a circular a pé, tinha imediatamente antes subido da direcção Praça …/Av. …., e quando foi embatida pelo veículo automóvel a A. já havia percorrido, pela passadeira, toda a faixa de rodagem contrária, o separador central e toda a hemi-faixa esquerda (atento o sentido de trânsito do veículo).

8

Quando a A. foi embatida pelo veículo encontrava-se a pé, a fazer o atravessamento da rua no sentido oeste-este, sobre a passadeira ali existente.

9

O local dos factos é muito bem iluminado, seja pela iluminação pública seja pela proveniente dos estabelecimentos comerciais implantados na zona e as referidas passadeiras são bem visíveis.

10

Em consequência do embate a A. foi projectada no sentido em que circulava o veículo pelo menos 7,34 metros.

11

Ainda em consequência do mesmo embate o automóvel apresentou danos na parte lateral esquerda frente e o pára-brisas partido, sendo que não eram visíveis quaisquer sinais de travagem no local e efectuadas pelo veículo.

12

Também e ainda em consequência do acidente a A. teve que ser socorrida no local pelo INEM e, em seguida, conduzida ao Hospital …, …, (Centro Hospitalar …), onde deu entrada, tendo sido elaborada, no dia 20.02.2014, 22h 19, a seguinte informação clinica:

«Doente vítima de atropelamento. Com ECG de 5, entubada e ventilada. Doente trazida pela VMER após atropelamento. Á chegada da VMER, apresentava anisocoria, com midríase à direita. ECG à chegada da VMER de 5, pelo que foi entubada e ventilada. O marido da doente encontrava-se no local, mas estava incapaz de contar a história ou os antecedentes da doente. A: doente entubada e com colar cervical. B: Pupilas anisocóricas, com midríase à direita. ECG 5. Hematoma peri­orbital direito. E: Corada, hidratada, anictérica, acianótica. Abdómen mole e depressível, não desencadeado resposta à sua palpação.

TC Crânio-encefálica

Obtiveram-se imagens axiais desde o plano do buraco magno ao vértex.

Encontramos sangue subaracnoideu difuso, supra e infratentorial, coexistindo, na base dos lobos temporais, contusões hemorrágicas corticais. Neste contexto, verifica-se redução da amplitude dos sulcos da convexidade, não se observando, contudo, sinais de hidrocefalia, nem conflito de espaço no plano do buraco magno.

Não se define outras lesões traumáticas endocranianas agudas seguras.

Fractura da parede anterior do seio maxilar direito com hemossinus.

TC da coluna cervical

Obtiveram-se imagens nos três planos

Ortogonais desde o plano do buraco magno da 04, após administração de contraste.

Lordose cervical conservada. Sem desnivelamentos vertebrais significativos.

Não se identifica traços de fratura nem imagens de luxação das articulações posteriores.

Não encontramos, de igual modo, colecções endocanalares seguras.

Alterações degenerativas da margem posterior das plataformas vertebrais, mais notórias em C5-C6 e em C- 7, sem compromisso medular seguro».

13

A A., após submetida a vários e múltiplos exames clínicos, nomeadamente tomografia computorizada (TC) ao crânio, coluna cervical, TC torácico-abdominopélvico, RX tórax, RX bacia, RX joelho, RX perna e sujeita aos primeiros cuidados clínicos, foi transferida por helicóptero para o Hospital de … em Lisboa.

14

A A., em consequência do acidente, apresentava o seguinte:

1) Traumatismo crânio-encefálico

a) Hemorragia subaracnoideia difusa, focus de contusão hemorrágicos

b) Coma

2) Traumatismo facial fractura da parede anterior do seio maxilar direito Lesão do nervo motor ocular comum direito

3) Traumatismo vertebral dorsal

a) Fractura da apófise transversa de L5 à direita

4) Traumatismo abdominal fechado Hemorragia intraquistica hepática

Hemoperitoneu

5) Traumatismo pélvico

Fractura do púbis à direita

Fractura do ramo isquiopúbico direito

e) Hematoma do músculo obturador externo direito

6) Traumatismo ósseo

a) Fractura proximal da tíbia e do perónio direitos.

15

A A. manteve estado de consciência ausente, ventilação, dependência total de terceiros, alimentação por sonda gástrica pelo que em 07.03.2014 regressou do Hospital … ao Hospital de ….

16

Em 23.06.2014 a A. foi transferida do Hospital de ... para o Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro - Rovisco Pais, Tocha, onde foi internada para a realização de programa de reabilitação integral e abrangente com os seguintes objectivos:

- Estimulação perceptivo-cognitiva;

- Exploração do potencial neuromotor;

- Reeducação vesico-esfincteriana;

- Exploração do potencial de introdução de meio alternativo de comunicação

- Estudo e prescrição de produtos de apoio.

17

Apesar de sujeita a vários tratamentos durante cerca de oito meses "verificou-se um progresso do quadro neuromotor e neurocognitivo de significado mínimo" e "apesar da introdução de diversos tipos de opções neuro farmacológicas, não foi possível observar uma modificação da capacidade de comunicação ou a promoção do grau de funcionalidade".

18

E ainda "a A. mantém a incapacidade em obedecer a ordens simples ou complexas e não há produção vocal ou qualquer outra tentativa de comunicação", tendo-se verificado discreta evolução do quadro neuromotor, nomeadamente ganhos ao nível do controlo de equilíbrio de tronco em sedastação.

19

Ela mantém quadro de tetraparésia, totalmente dependente nas actividades de vida diária (AVO) simples e instrumentais, as necessidades nutricionais são satisfeitas por meio de um tubo (sonda) colocado no estomago através da parede abdominal (Alimentação PEG), tendo-se constatado que não havia desenvolvimentos significativos positivos no estado de saúde da A.

20

Naquele Centro de Medicina de Reabilitação a A. foi, de novo, sujeita a vários exames e tratamentos e, sem quaisquer melhoras significativas em 11.12.2014 a A. teve alta do C.M.R. Rovisco Pais.

21

Em face desta alta o marido e filho da A. tiveram que providenciar por si próprios a boa instalação desta em estabelecimento adequado e que lhe garantisse a melhor qualidade de vida possível, na cidade de …, local de residência habitual da família e assim, desde a alta do Hospital Rovisco Pais até hoje a A. está instalada/internada no Lar DD, em …, Lar esse que é uma das valências da Santa Casa da Misericórdia de … na qual se presta apoio permanente à A.

22

À data da alta- 11.12.2014 - o Centro de Reabilitação Rovisco Pais dá conta que a A., mantém o quadro de estado vegetativo persistente (EVP) e está em:

. mutismo

. não responde a ordens motoras em decúbito dorsal

. membro superior esquerdo em tripla flexão

. abdução(1) passiva do ombro esquerdo até aos 80° (G-U) não permite mobilização dos segmentos distais(2) do MSE.

Membro superior direito: sem limitação da AA.

Membro inferior direito: flexão do joelho limitada a 90° e dorsiflexão da TT limitada a Oº (passiva) .

. Tónus (EAM):

Tonús G1 global nos membros direitos;

À esquerda resiste à mobilização passiva pelo que dificulta avaliação do tónus .

. ROT vivos e com áreas reflexogénicas aumentadas, excepto reflexos aquilianos que se apresentam mais fracos, sobretudo à esquerda (abolido)

. RCP indiferentes

. Revestimento cutâneo sem alterações. Orifício PEG sem sinais inflamatórios.

Funcionalmente:

Equilíbrio de tronco muito precário. Alimentação por PEG.

Em regime de perdas para fralda. Totalmente dependente em todas as AVO. EXAME OBJECTIVO À DATA DE ALTA:

Doente calma, deitada no leito.

Mantém quadro de aparente estado vegetativo persistente sem haver qualquer tentativa de comunicação. Segue com o olhar durante alguns segundos.

Discreta hiperémia do olho direito, sem conteúdo purulento.

Maxila e mandíbula cerradas apesar de se verificar menor grua de sialorreia.

DOR: Nociception Coma Scale (NCS): 2 (sem dor).

FORÇA MUSCULAR:

Tetraparésia de predomínio direito.

Não foi possível quantificar força muscular por ausência de colaboração.

TÓNUS:

Mantém tónus G1 segundo EAM ao nível dos membros direitos. FUNCIONALMENTE:

Equilíbrio de tronco precário em sedestação.

Mantém alimentação por PEG que se encontra funcionante. Sem controlo de esfíncteres.

Mantém total dependência em todas as AVO simples e instrumentais.

O paciente começa a apresentar algum tipo de resposta para sons, luzes, toques ou movimentos, mas é uma resposta generalizada. Ou seja, ele responde da mesma forma para tudo, independentemente do estímulo dado, não é uma resposta voluntária. Responde da mesma forma para o que ouve, vê ou sente, com hipersudorese, taquicardia, reflexo de mastigação, emissão de gemido ou aumento do ciclo respiratório.

Pode responder de forma diferente aos mesmos estímulos. Apresenta resposta lenta, inconsistente ou com aumento de latência.

23

Como antecedentes patológicos e/ou traumáticos relevantes para a situação em apreço a Autora foi submetida a Hemicolectomia direita por massa inflamatória do cego.

24

Aquando do exame médico-legal, ocorrido em 6 de Maio de 2016, a Autora apresentava o seguinte quadro:

Postura, deslocamentos e transferências: totalmente dependente; Manipulação e preensão: totalmente dependente;

Comunicação: sem qualquer tipo de comunicação;

Cognição e afectividade: sem expressão de qualquer afecto;

Controlo de esfíncteres: utiliza fralda;

Sexualidade e procriação: sem qualquer tipo de comunicação; sem expressão de qualquer afecto;

Fenómenos dolorosos: sem qualquer tipo de comunicação;

Actos da vida diária: totalmente dependente.

25

E nessa mesma data apresentou-se transportada em marcha em maca, sem qualquer colaboração e totalmente dependente da ajuda de terceiros para a satisfação das suas necessidades humanas básicas, sem qualquer tipo de comunicação ou expressão (estado vegetativo persistente)".

26

Em seguida e após estabelecer o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano fixa-se como data da consolidação médico-legal das lesões o dia 11/12/2014, tendo em conta a data da alta clínica, o tipo de lesões resultantes e o tipo de tratamentos efectuados.

27

Ainda a Autora teve os seguintes danos temporários:

Défice Funcional Temporário Total- entre 20/02/2014 e 11/12/2014, num período de 295 dias;

Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total - entre 20/02/2014 e 11/12/2014, num período total de 295 dias:

Quantum doloris: grau 7 numa escala de sete graus de gravidade crescente;

Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica- 100 PONTOS;

Repercussão Permanente na Actividade Profissional: sequelas impeditivas de qualquer actividade profissional;

Dano Estético Permanente- grau 7, numa escala de sete graus de gravidade crescente;

Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer- grau 7 numa escala de sete graus de gravidade crescente:

Repercussão Permanente na Actividade Sexual- grau 7 (estado vegetativo persistente);

Dependências Permanentes de Ajudas - ajudas medicamentosas corresponde a terapêutica para o ambulatório prescrita à data da alta do Centro de Reabilitação Rovisco Pais e outra que venha a revelar-se necessária com fins profilácticos ou terapêuticos;

Tratamentos médicos regulares - consultas médicas e plano de reabilitação (fisioterapia);

Ajudas técnicas- os produtos de apoio prescritos no Centro de Reabilitação Rovisco Pais (cadeira de rodas manual para posicionamento com possibilidade de reclinação do encosto e basculação do assento, com apoio cefálico ajustável e amovível; colete de posicionamento para cadeira de rodas, almofada anti-escaras de baixo perfil tipo ROHO, cama articulada eléctrica com grades de protecção e triângulo, colchão anti-escaras tripartido, colchão anti-escaras Spenko, cadeira de banho com dispositivo sanitário;

Ajuda de terceira pessoa- em permanência, ajuda de terceira pessoa para satisfação das suas necessidades humanas básicas .

28

O estado vegetativo persistente (EVP) em que se encontra a Autora é uma situação clínica:

- de completa ausência da consciência de si e do ambiente circundante;

- de impossibilidade de interacção com o próximo;

- ausência de respostas intencionais e voluntárias a estímulos;

- ausência de compreensão ou expressão verbais;

- vigília intermitente, ciclos sono-vigília;

- preservação das funções hipotalâmicas e autonómicas suficientes para a sobrevivência;

- incontinência urinária e fecal.

29

A A. não consegue sequer manter a posição de sentada e, quando está em cadeira de rodas, carece do apoio e suporte de umas correias que a prendem por forma a prevenir a queda do tronco para a frente.

30

Em resultado do acidente a A. ficou em absoluto impossibilitada de trabalhar (e/ou exercer qualquer actividade que fosse).

32 (nº 31 não foi usado na numeração, que se mantém inalterada)

Actualmente a A. vive circunscrita ao espaço delimitado pelas paredes do Lar e passa os dias imóvel, numa cama ou numa cadeira de rodas, em completa ausência relativamente a tudo o que a rodeia.

33

Atenta a rigidez muscular, por vezes a A. carece da colocação de talas, nomeadamente nos membros superiores e por forma a evitar a contracção destes.

34

Dado que a lesão no olho referida em 14 2b) se mantém, o olho lacrimeja e carece de limpeza constante não só para preservação do bom aspecto da A. mas também para evitar-se a "colagem" definitiva da pálpebra.

35

A A. desde o acidente até hoje tem sido sujeita a vários exames designadamente TAC's, RX's, RM's, e do mesmo modo, sujeita repetida e continuadamente a tratamentos médicos, de enfermagem e fisioterapia e continuará a carecer de múltiplos exames e tratamentos, enquanto for viva.

36

E carece dos cuidados e atenção de terceiros para as mínimas e mais elementares tarefas da vida diária, designadamente necessita de ser repetidamente mexida e movimentada por forma a evitar-se o aparecimento de escaras ou feridas na pele, além de que precisa de uma cama especial e de apoio diário de pessoal de enfermagem.

37

Por forma a evitar-se o atrofiamento muscular decorrente da imobilidade da A. esta carece de cuidados de fisioterapia constantes, nomeadamente propondo movimentos, contracções musculares.

38

A A. é sujeita à intervenção de um profissional de fisioterapia três vezes por semana, num mínimo de hora e meia cada sessão.

39

A A. executava todas as tarefas das lides domésticas da sua casa e era uma pessoa activa e dinâmica, "cheia" de força e saúde.

40

A A. gostava de fazer jogging e caminhadas, gostava de dançar e era uma mulher bonita, que gostava de se vestir bem e andar de forma elegante.

41

Também a Autora tinha o gosto de viajar e, nomeadamente acompanhada pelo marido, fazia, em regra, pelo menos uma viagem por ano, tendo viajado, nomeadamente para o …, …, …, …, …, …, … e outros.

42

Essas viagens ocorriam fosse em viagens organizadas por agências de viagens ou por iniciativa própria.

43

Ainda a Autora era pessoa com algumas posses e disponibilidade económica e financeira.

44

Os cuidados referidos em 37 prolongar-se-ão durante toda a vida da A.

45

O referido estado e imobilização da A. implica ainda a hidratação da pele nomeadamente com cremes hidratantes.

46

A necessidade dos gastos acima identificados e aqueles outros com deslocações em ambulâncias para Hospital ou Centro de Médico p. ex. em razão de complicações no estado de saúde e aos tratamentos médicos que houver lugar, tratamentos dentários, outros tratamentos médicos, manter-se-á ao longo da vida da A.

47

E até aumentarão, seja razão da inflação, seja em razão de maior necessidade de cuidados decorrentes do passar dos anos.

48

Era conhecido de todos os amigos e familiares, de múltiplas conversas antes havidas, o pânico da A. em ficar numa cadeira de rodas.

49

A A formava com o marido e filho uma família unida, alegre, feliz, com constantes projectos para o futuro.

50

A A. tem uma neta com quem adorava acompanhar, brincar e passear.

51

Até à data do acidente, o A. levava com a sua esposa uma vida sexual activa, satisfatória para ambos e que os unia e proporcionava-lhes uma existência feliz sendo que a A. ficou impossibilitada de ter relações sexuais.

52

A A tinha-se reformado antecipadamente havia poucos anos e aufere actualmente a pensão líquida de 1.256,84 euros.

53

O marido da A também se havia reformado antecipadamente (era inspector da ….).

54

A A., aquando da sua reforma era chefe de secção.

55

O casal tem um filho, quadro superior da AT.

56

A instalação da A. no Lar referido, atenta a situação desta, é garantia da prestação dos cuidados mínimos à A., sendo que a mensalidade actual a pagar à Santa Casa da Misericórdia é de 1.542,00 euros.

57

A fisioterapia tem, actualmente, um custo médio mensal de 325,00€ e em medicamentos a A. gasta uma média mensal de 130,00€.

58

Em fraldas e outros gastos indiferenciados no Lar a A. paga ainda uma média mensal de 75,00€.

59

O Autor sente desgosto por ver a A. incapacitada e sente-se traumatizado por esta incapacidade e impotência em alterar o rumo das coisas.

60

Toda a clausura hospitalar a que a A. foi sujeita perturbam o cônjuge A, emocional e psíquicamente, vendo a A. totalmente dependente para todas e quaisquer actividades.

61

A Ré assumiu o pagamento de despesas médicas que a família da A. entretanto suportou em resultado do acidente e até Outubro de 2015 a Ré reembolsou o cônjuge da A. dos gastos ocorridos e referidos em 56, 57 e 58.

62

Na sequência do acidente dos autos, lesões e sequelas da Autora, a R pagou a todas as instituições hospitalares onde a A. AA foi assistida, todas as despesas entretanto reclamadas e devidamente documentadas, e que perfizeram até à data, o valor global de EURO 126.985,71, incluindo quantias entregues a título de despesas de tratamento, designadamente de medicamentos, ambulatório, fisioterapia e de deslocações de táxi, etc.

63

Foi intentada acção de interdição que correu termos nesta Comarca de …, Instância Local, Secção Cível, J…, proc. 698/15.5T8VIS, que considerou que "a A. em consequência do acidente não recuperou do estado de consciência, está em absoluto mutismo e não responde a ordens motoras, sendo alimentada com recurso a técnica que consiste na colocação de uma sonda de alimentação na cavidade gástrica por endoscopia e através da pele, pois não tem condições de deglutir autonomamente, está em incontinência fecal e urinária, totalmente dependente em todas as actividades diárias, mantendo quadro de estado vegetativo persistente".

64

Nesta acção foi decretada "a interdição provisória de AA por anomalia psíquica" fixando-se «o início da incapacidade na data do acidente, isto é, em 20.02.2014" na qual foi nomeado tutor provisório da A o seu cônjuge o ora A BB.

65

Em 17.07.2014 Junta Médica da ARS …., AGES … fixou e atribuiu à A uma incapacidade permanente global de 98% (noventa e oito por cento).

66

À data do acidente o proprietário do veículo de matrícula 67-AT- 26- FF -tinha transferido a responsabilidade civil decorrente da sua circulação para a Ré, através da Apólice nº 4101312005829/0.


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Do Direito


Como se referiu supra as questões objecto dos recursos reportam-se apenas ao quantum indemnizatur.

Para um melhor enquadramento da situação, convém recordar que os A.A. peticionaram inicialmente os seguintes montantes indemnizatórios:

A – Para a A., o total de € 760.000,00, compreendendo as seguintes quantias:

a) - € 60.000,00, pelos danos de natureza patrimonial reflexa, reportados à vida activa (até aos 70 anos).

b) - € 240.000,00, a título de dano patrimonial futuro pela perda da sua capacidade de ganho (100%).

c) - € 35.000,00, por dano estético;

d) - € 385.000,00, por despesas futuras com tratamentos

e) - €40.000,00, por danos não patrimoniais;

B – Para o Autor, a quantia de € 50.000,00, a título de dano não patrimonial pelos danos sofridos, incluindo o de ter ficado impedido de se relacionar sexualmente com a A., sua esposa.

Na primeira instância foram fixados os seguintes valores:

Pelo dano biológico reportado à incapacidade funcional absoluta da Autora AA a quantia de €35.00,00, a que acrescem os juros legais desde a data de citação e ainda a quantia de €40.000,00, relativa a dano estético e danos morais, sendo devidos juros desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento.

Pelas despesas futuras com tratamento da autora a pensão mensal vitalícia de €2.100,00, devida desde a data da sentença e actualizável anualmente em função da taxa de inflação.

Pelos danos não patrimoniais do Autor BB a quantia de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros), acrescida de juros legais a incidirem sobre ela desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento.

No tribunal da Relação foram fixados os seguintes montantes:

Por danos patrimoniais sofridos pela Autora AA, a quantia de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros), a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento;

- Por danos não patrimoniais sofridos pela Autora AA, a quantia de €130.000 (cento e trinta mil euros), desde a data do acórdão até integral pagamento;

- pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor BB, a quantia de € 50.000 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora a taxa legal desde a data do acórdão até integral pagamento».


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No seu recurso os AA., vêm apenas questionar o valor fixado a título de danos patrimoniais, peticionando a sua elevação para 515.000,00€.

Por sua vez a R., também recorrente, peticiona a redução das indemnizações fixadas pelo Tribunal “a quo” nos seguintes termos:

Para os danos patrimoniais da A. por despesas futuras com tratamentos e internamento €126.000,00.

Por danos não patrimoniais da A. €40.000,00.

Por danos patrimoniais do autor, €35.000,00.


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Dos danos patrimoniais


Por razões de precedência e de lógica, importa ajuizar em primeiro lugar a pretensão dos A.A. e a da R. quanto aos valores indemnizatórios pelos danos patrimoniais (perda de capacidade de ganho/dano biológico e despesas com tratamento e assistência da A.).

Antes de mais, convém ter presente que a determinação de indemnizações por dano biológico, na sua vertente patrimonial, e particularmente por danos não patrimoniais obedece a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum, que não se reconduzem, rigorosamente, a questões de direito ou à aplicação de critérios normativos estritos para que está vocacionado o tribunal de revista[4]. Apesar disso e como bem se observa no Ac. deste Tribunal de 2/6/2016, na revista nº 3987/10.1TBVFR.P1.S1, relatado por Tomé Gomes, «caberá a este tribunal sindicar os limites de discricionariedade das instâncias, no recurso à equidade, mormente na busca de uniformização dos critérios jurisprudenciais, de modo a garantir o respeito pelo princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, nos termos proclamados no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição e conforme o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do CC».

Como se assume no recente acórdão do STJ, de 21/01/2016, proferido no processo n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1[5]:

«Não poderá deixar de ter-se em consideração que tal juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade».

Será, pois, esta a linha de orientação a seguir aqui no tratamento das questões que envolvem juízos de equidade.

A decisão recorrida no tocante à fixação da indemnização por danos futuros, na vertente de despesas futuras considerou o seguinte quadro argumentativo:

« As partes não discutem que a autora se encontra num estado vegetativo persistente (factos 22, 25, 27, 28, 63).

Fazendo apelo a um relatório sobre o estado vegetativo persistente da autoria dos Profs António Vaz Carneiro, João Lobo Antunes e António Falcão de Freitas, publicado em Fevereiro de 2005 pelo conselho nacional de ética para as ciências da vida- segundo o qual, em termos práticos, o EVP (estado vegetativo persistente) reduz a expectativa de vida para 2 a 5 anos, com uma taxa de mortalidade de 82% aos 3 anos e 92% aos 5 anos, sendo a sobrevivência para além dos 10 anos é absolutamente excepcional (4,5) - a sentença, considerando o facto de o relatório ser já de 2005 e o natural progresso da medicina, estimou uma expectativa de vida para a autora de mais 7 anos e uma esperança de vida para a mesma até aos 71 anos (tendo em conta que a autora tinha 64 anos à data do acidente).

Tendo decorrido cerca de 3 anos e meio até à sentença, não dando os autos conta de especial deterioração do estado de saúde da autora (que era saudável) e sabendo-se que a medicina tem evoluído de forma extremamente rápida, aceita-se como razoável uma expectativa de vida de 8 anos, se lhe forem assegurados os melhores cuidados, não se podendo, obviamente, aceitar que se considere, como os autores pretendem, uma expectativa de vida equivalente à de uma pessoa normal que não padeça de doença ou enfermidade tão grave.

E que despesas se poderão prognosticar para esses 8 anos? Parece-nos que, para além das despesas incluídas na quantia de €2.100 considerada na sentença, não se pode ignorar as despesas com os tratamentos médicos e de enfermagem (27 e 35), de que a autora necessita, e que vão aumentar em razão da inflação e da maior necessidade de cuidados (46 e 47). E para esse efeito, podem não bastar os serviços providenciados pelo Hospital ou pelo Centro de Saúde e haver necessidade de recorrer a serviços particulares, tendo, inclusivamente, em conta o estado da autora que não aconselha a transportes e viagens. Tendo em consideração esses tratamentos (indispensáveis para o prolongamento da vida da autora) e, ainda, outras necessidades, como a de cremes hidratantes (45), estimam-se as despesas mensais em €2.500 por mês, durante 8 anos, o que perfaz a quantia de € 240.000.

É certo que tal capital será adiantado de uma vez só.

Todavia, e atendendo a que a inflação poderá consumir o rendimento proporcionado pela antecipação do capital (que, provavelmente, será ainda deduzido das quantias, entretanto, adiantadas pela seguradora), não se justifica qualquer redução.

Assim, e para despesas futuras, resultantes da incapacidade permanente que a afecta, fixa-se à autora a indemnização de € 240.000».

Os autores não discordam do valor mensal das despesas apurado pelo Tribunal recorrido, apenas contestam a previsão de sobrevida da A. considerada pelo mesmo Tribunal. Por sua a R. discorda do montante mensal apurado e bem assim do valor de sobrevida considerado, pugnado para que aquele seja de €2100,00 e este seja de cinco anos e não de oito.

Ora, se é verdade que há casos, como os referidos nas alegações dos AA., em que pessoas, em estado vegetativo persistente (EVP) têm uma sobrevida superior a 10 anos, não é menos verdade que os estudos conhecidos, de que o citado nos autos é exemplo, revelam que se trata de situações excepcionais. Ora o que releva, em matéria de sobrevida, para a determinação do montante da indemnização por despesas a realizar com o tratamento e assistência da vítima, não são as situações excepcionais mas sim o que é normal, previsível ou provável que ocorra, dentro duma probabilidade estatística. A equidade pressupõe critérios de normalidade e o Tribunal “ quo” , como decorre da fundamentação descrita respeitou esses critérios e não vemos motivo para alterar o que foi decidido quanto ao valor de sobrevida encontrado. Na verdade considerando que a decisão de fixar a indemnização em €240.000,00, tem como marco inicial a data da citação e não a do acidente, teremos que, na prática o Tribunal considerou um período de sobrevida da A., atenta a data do acidente (data em que ficou naquele estado vegetativo), não de oito anos, mas sim de 9 e 8 messes, o que se aproxima já do patamar inferior das situações excepcionais de sobrevida. E andou bem ao considerar tal período, porquanto desde a data do acidente até agora já decorreram cinco anos, tantos quantos a R. reclama deverem ser considerados!!! Felizmente a realidade vem demonstrar a irrazoabilidade desta pretensão, não sendo de excluir que a sobrevida da A. possa atingir aquele patamar inferior das situações consideradas excepcionais. Atentas estas circunstâncias e o facto do valor considerado pelo Tribunal “a quo” se encontrar no patamar de normalidade não merece reparo o valor de sobrevida considerado.

Quanto ao montante fixado também não merece qualquer censura. Na verdade o montante mensal de €2500,00, a que se chegou tem pleno suporte factual e pode até já pecar por defeito. Quanto à pretensão da R. de ver abatido ao montante global desta indemnização por despesas, os montantes já liquidados atá à citação é manifesta a sua improcedência. Na verdade no tocante a estes danos os AA., apenas pedem o ressarcimento dos danos posteriores à propositura da acção (vide art.º 99 a 101 da PI), pelo que não faz qualquer sentido o pedido de compensação daquilo que já foi pago a título de despesas antes da propositura da acção.

Nesta parte e quanto ao valor da indemnização por danos patrimoniais improcede tanto a pretensão da A. como a da Ré.

Vejamos agora a pretensão da A. quanto a outras implicações patrimoniais do dano biológico, designadamente por lucros cessantes.

Defende a A. que o Tribunal deveria ter condenado a R. a pagar à A., , àquele título, uma indemnização no montante de €130.000,00, argumentando que a autora ficou privada de desempenhar outra actividade geradora de proventos, designadamente as lides domésticas e ir buscar a neta à escola e guardá-la até a chegada dos pais.

O Tribunal “ a quo” negou tal pretensão por considerar que para atingir tal desiderato «... não basta a mera possibilidade de exercer actividades susceptíveis de significar acréscimos patrimoniais.

Para alcançar a pretendida indemnização, impunha-se que tivesse ficado provado que a autora exercia ou tencionava vir a exercer qualquer actividade extra que lhe proporcionasse rendimentos».

A primeira instância porém a, esse título, tinha atribuído uma indemnização no montante de €35.000,00, fundamentalmente pela perda total do contributo da A. na realização de todas as lides domésticas, coisa que até à data do acidente, fazia exclusivamente.

No âmbito da responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação, no leque dos danos patrimoniais, destacam-se, no que aqui interessa, os resultantes das sequelas sofridas que impliquem perda de capacidade de ganho do lesado.

Com efeito, a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afecta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário”, do qual podem derivar, além das incidências negativas não susceptíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de actividades económicas, como tais susceptíveis de avaliação pecuniária[6].

Como é sabido, os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é susceptível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado[7].

No desenvolvimento desse entendimento, o acórdão do STJ, de 10/ 10/2012, proferido no processo n.º 632/2001.G1.S1[8], considerou que:

 “… a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais …”

E, no mesmo aresto, se acrescenta que:

“Nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua junta compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal …”

Como se escreveu no Ac. de 2/6/2016, proferido na revista nº 3987/10.1TBVFR.P1.S1 e relatado por Tomé Gomes:

«A este propósito podem projetar-se em duas vertentes:

 - por um lado, a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;

 - por outro lado, a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa actividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual».

Num recente acórdão deste Tribunal, de 28 de março de 2019, relatado por Tomé Gomes e proferido na revista nº 1120/12.4TBPTL.G1.S1, (ainda não inserido na base de dados da DGSI) onde se apreciou uma situação de dano biológico relativo à perda de capacidade de realização de tarefas domésticas, considerou-se o seguinte:

«Como tem vindo a ser reconhecido pela jurisprudência, com particular destaque para a do STJ, o chamado dano biológico na vertente de dano patrimonial futuro compreende a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, posto que a força de trabalho humano é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é susceptível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado[9].

Em suma, o dito dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua actividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras actividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis[10]».

Em caso de incapacidade permanente a consideração do dano biológico servirá para cobrir ainda, no decurso do tempo de vida expectável, a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, mesmo fora do quadro da profissão habitual ou para compensar custos de maior onerosidade com o desempenho ou suprimento dessas actividades ou tarefas, assumindo assim uma função complementar.

Ora, do quadro factual acima exposto resulta, em síntese, que a A., à data do acidente, contava 64 anos de idade, encontrava-se reformada por antecipação há poucos anos, era chefe de secção e aufere uma pensão de reforma líquida de €1256,84. Antes do acidente para além de actividades lúdicas (dança, caminhadas, jogging) executava todas as tarefas das lides domésticas da sua casa…e era uma pessoa muito activa. Em consequência das lesões sofridas, a A. encontra-se em estado vegetativo e não mais pode executar tais tarefas. Apesar deste défice funcional absoluto não representar incapacidade para o exercício de actividade profissional da A., já que a mesma se encontrava reformada, não poderá deixar de traduzir, uma incapacidade económica geral com relevo em sede do chamado dano biológico patrimonial, susceptível, portanto, de indemnização reparatória daquela diminuição do rendimento económico potencial, com vem sendo seguido pela jurisprudência.

Tal diminuição consubstancia-se aqui na impossibilidade de execução das tarefas domésticas que a A. desempenhava sozinha, antes do acidente. Os AA. Nas suas alegações referem que a A. ainda executava outras tarefas de inegável valor económico, como seja ir buscar a neta à escola e assegurar a sua guarda atá à chegada dos pais. Porém esta factualidade não se encontra plasmada nos autos e consequentemente não pode ser considerada nesta sede. Assim resta-nos apenas aquelas tarefas domésticas, que, como é evidente têm valor económico. E que como se escreveu no aresto que acaba de citar-se «não poderá deixar de importar o correspondente custo económico».

Como calcular esse custo e ao valor da indemnização correspondente?

No referido acórdão de 28/3/2019, proferido no processo nº 1120/12.4TBPTL.G1.S1, apreciando uma situação de limitação parcial da capacidade de execução das tarefas domésticas e a propósito da forma como determinar o valor da indemnização a arbitrar nestes casos, considerou que :

«No tipo de situações como a dos presentes autos, a solução seguida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto presumível na capacidade económica do lesado, considerando uma expectativa de vida activa não confinada à idade-limite para a reforma. De referir que aqui só relevam as implicações de alcance económico e já não as respeitantes a outras incidências no espectro da qualidade de vida, mas sem um alcance dessa natureza.

Temos ainda assim de reconhecer que nem sempre se mostra fácil estabelecer comparações entre os diversos casos já tratados na jurisprudência, ante a multiplicidade de factores variáveis e as singularidades de cada caso, em especial, o impacto concreto que determinado grau de défice funcional genérico é susceptível de provocar no contexto das tarefas que o sinistrado desempenhava antes do acidente com o correspectivo custo económico».

No caso apreciado neste aresto, tratava-se de uma senhora de 51 anos que ficara com um défice funcional permanente de 31% e que lhe dificultava a realização das tarefas domésticas normais. Na 1.ª instância tinha-se arbitrado indemnização em € 55.000,00 sobretudo com apelo à equidade, a Relação reduziu aquele montante para € 50.000,00 na base dum cálculo financeiro, tendo como factores 60% do custo médio mensal duma profissional do serviço doméstico computado em € 528,00, o défice funcional permanente de 31%, a idade da A. (51 anos, à data do acidente) e uma expectativa média de vida até aos 83 anos, tudo isso, ponderado segundo a equidade, em função do contexto do nível económico e do custo de vida no País. Ajuizando a questão este Tribunal observou que ….«o presente caso denota uma especificidade algo singular, porquanto, como já foi dito, o défice funcional permanente da A., de 31 pontos percentuais, pouco releva em termos de repercussão em exercício de actividade profissional habitual ou episódica, uma vez que ela, à data do acidente já se encontrava reformada por invalidez devido a doença oftalmológica, estando a sua actividade circunscrita a quase todas as tarefas domésticas na sua casa de habitação.

Daí que o custo económico das limitações que esse défice funcional implica para o exercício de tais tarefas domésticas não seja facilmente determinável com recurso centrado nos habituais cálculos financeiros. Por mais que se ficcione uma percentagem de custo médio do serviço doméstico, o certo é que o nível concreto das necessidades e da periodicidade de suprimento daquelas limitações mostra-se algo difuso. Por exemplo, a aplicação da percentagem do custo médio do serviço doméstico, tal como aquela em que se baseou o acórdão recorrido, a uma prestação temporalmente contínua e ininterrupta não parece adequada, por não ser presumível, no caso, que a A. necessita de uma empregada doméstica a tempo inteiro.

Por outro lado, as tabelas de determinação do dano biológico constantes das Portarias n.º 377/2008, de 26-05 e n.º 679/2009, de 25-06, ficam, como é sabido, muito aquém dos padrões que têm vindo a ser progressivamente delineados pela jurisprudência mais recente.

Neste quadro, não se vislumbrando que a dificuldade possa ser superada em sede de ulterior liquidação de sentença, com o inerente protelamento do julgado, resta-nos atentar no padrão indemnizatório mais condizente com as características tipológicas do caso.

Por fim concluiu que «considerando que o défice funcional permanente da A. de 31 pontos percentuais, atentas as sequelas descritas no ponto 1.54 da factualidade provada - marcha claudicante, dificuldade em permanecer em pé por períodos superiores a 30 minutos, dificuldade em caminhar em pisos irregulares, subir e descer escadas ou escadotes; dores e limitação em fazer esforços com o membro superior direito, por limitação de mobilidade do ombro direito; fenómenos dolorosos ao nível da perna direita (irradiação desde o joelho até ao tornozelo), ombro direito, joelho esquerdo e bacia -, se traduz em factor, neste quadro, significativo de limitação na execução das tarefas domésticas que ela vinha desempenhando antes do acidente, considerando a idade de 52 anos à data da consolidação médico-legal e uma perspectiva de vida activa para além da idade-limite da reforma, tendo em conta, segundo a experiência comum, que tais sequelas tendem a agravar-se ao longo da idade, afigura-se ajustado, abrigo do art.º 566.º, n.º 3, do CC e à luz dos padrões indemnizatórios mais recentes da jurisprudência, fixar a indemnização pelo referido dano biológico em € 40.000,00 (quarenta mil euros), tendo-a por actualizada à data da sentença em 1.ª instância, acrescida, portanto, de juros de mora desde a data desta».

Transpondo este entendimento para o caso sub judicio e considerando que a A. deixou de contribuir definitivamente com a sua força de trabalho para a realização das lides domésticas, que até então fazia sozinha e que tais tarefas implicam um custo, que se vai repercutir por longos anos (tantos quanto seria a esperança média de vida à data do acidente e que andará nos 19 anos já que a longevidade feminina ronda os 83 anos), temos por justo quantificar esse custo em €40.000,00, sendo pois esse o valor da indemnização a fixar pelo referido dano biológico, com referência à data da sentença em primeira instância.


*

Dos danos não patrimoniais


Vejamos agora o recurso da R. no tocante às indemnizações fixadas a título de danos não patrimoniais quer à A. quer ao autor.

Defende a R. que deveria represtinar-se a decisão da 1ª instância relativamente àqueles danos, que fixara para a A. uma indemnização de €40.000,00 e para o autor uma indemnização de €35.000,00, porquanto mais justa que a decisão recorrida proferida pela Relação, que fixara aquelas indemnizações respectivamente em €130.000,00 e €50.000,00.

Para tanto desenvolve o seguinte argumentário quanto à indemnização a atribuir à A.:

«O douto acórdão recorrido - e sempre com o merecido respeito por diverso entendimento - não atentou a que no caso em apreço, da materialidade que resultou provada, decorre uma realidade de vivência da A. recorrida em absoluta ausência de consciência de tudo o que a rodeia.

Não olvida a Seguradora recorrente que a situação da A. é particularmente grave, sendo incomensuráveis os danos por si sofridos,

Mas também não pode deixar de salientar que a A., e é do seu sofrimento que aqui se trata, não tem consciência da situação em que se encontra.

Note-se que resulta dos factos provados - artigos 28° e 32° - que a A. encontra-se numa situação de completa ausência de consciência de si e do ambiente circundante e de tudo o que a rodeia.

O que tem, forçosamente, se ser levado em linha de conta na fixação da compensação a título de danos não patrimoniais, onde há que realizar uma destrinça para situações em que, se está igualmente diante de danos particularmente graves, mas que o lesado tem total consciência do seu estado.

Nessa perspectiva, e repristinando o douto entendimento vertido na decisão proferida na 1ª instância, entende a recorrente que andou mal o douto acórdão aqui impugnado, devendo ser revogado e substituído por outro que, ponderando a materialidade que resultou provada e apelando aos critérios equitativos habitualmente seguidos pela nossa sapiente jurisprudência, fixe a indemnização a título de danos não patrimoniais a atribuir à A, AA em Euros 40.000,00».

Na decisão recorrida citando-se um Acórdão deste STJ de 28.2.2013, relatado por Lopes do Rego, e publicado in www.dgsi.pt., onde foi apreciado um caso semelhante duma vítima em estado vegetativo persistente ponderou-se que «….é pertinente distinguir, para efeitos de cômputo da indemnização, entre o plano objectivo da perda e degradação extrema do padrão de vida do sinistrado, enquanto lesão objectiva de um bem jurídico essencial da personalidade, ligado à própria dignidade da pessoa humana, que ocorre independentemente da percepção cognitiva pelo lesado do estado em que se encontra, envolvendo a drástica carência de autonomia e de eliminação das possibilidades de realização pessoal; e o plano subjectivo, decorrente de - a tal estado objectivo - se ter de adicionar o sofrimento psicológico necessariamente inerente à consciência, ainda que difusa ou mitigada, da total falta de autonomia pessoal e de qualidade de vida e da frustração irremediável de todos os projectos e satisfações alcançáveis no decurso da vida pessoal do lesado". E considerando que não tinha ficado demonstrada a consciência por parte do lesado do seu estado de total incapacidade, pelo que não teria tido este uma efectiva percepção subjectiva, ainda que mínima, da extrema e irreversível degradação do seu padrão e qualidade de vida, ao longo dos quase 6 anos que precederam a sua morte, arbitrou ao aí lesado, que tinha 40 anos à data do acidente, a indemnização de €125.000, frisando, embora, que a quantia de € 200.000 traduziria indemnização adequada se estivesse demonstrada a concorrência dos planos objectivo e subjectivo, atrás referidos, ou seja, se ao estado vegetativo se tivesse somado o sofrimento psicológico inerente à consciência desse estado».

Revertendo ao caso sub judice, conclui que, também aqui, se verifica uma grave lesão de um bem jurídico essencial da personalidade, ligado à própria dignidade da pessoa humana, que, envolvendo a drástica carência de autonomia e de eliminação das possibilidades de realização pessoal (a diversos níveis), merece justa e adequada compensação e que tendo em conta que a lesada tinha, à data do acidente, uns saudáveis 64 anos e uma qualidade de vida muito boa (que lhe alimentava a expectativa de viver uma vida igualmente boa por mais 20 anos ou quase), e que se encontra em estado vegetativo persistente desde Fevereiro de 2014, entendeu que lhe devia ser arbitrada uma indemnização de € 130.000, pelos danos não patrimoniais sofridos.

A R. não contesta a gravidade desses danos e até os qualifica e bem como “incomensuráveis”. Porém apenas porque a A. não tem consciência do seu estado e não sentirá sofrimento (coisa que não está cientificamente demonstrada) entende que a compensação deve ser substancialmente reduzida. Ora acontece que directamente associada ao estado vegetativo e como decorrência deste a A. vê reduzida para menos de metade a sua esperança de vida. A argumentação da recorrente é sofista, pelo que talvez com outro argumento do mesmo tipo, entenda o absurdo da solução que defende. Será que alguma pessoa estaria disposta a perder 10 anos de vida a troco de €130.000,00?

A resposta é naturalmente óbvia…! Como óbvia é a irrazoabilidade da pretensão da R., ante a gravidade e irreversibilidade dos danos sofridos pela A..

Diga-se aliás que a indemnização fixada no acórdão recorrido peca por defeito, pela sua míngua, que só não se corrige por ter sido expressamente aceite pela Autora e não ser legalmente permitido a este Tribunal, atenta a proibição da reformatio in pejus, agravar aquela condenação, quando quem a impugna é a parte que foi condenada.

Dito isto e sem necessidade de mais argumentos improcede nesta parte a pretensão da R.

Quanto à indemnização arbitrada ao A. a título de danos não patrimoniais, argumenta a recorrente que o valor de €50.000,00 é francamente desadequado.

Afirma que:

«Há que contemplar, …, para a fixação do valor a arbitrar em sede de danos não patrimoniais, o valor actualmente considerado para compensação de dano da morte que tem oscilado entre Euro 50.000,00 e Euro 80.000.00.

Não faz, pois, qualquer sentido o montante de Euro 50.000,00 ora atribuído, sobretudo atendendo à factualidade que, resultou provada, com relevo para esta questão. Factos esses que se subsumem aos elencados nos artigos 49°, 51°. 59° e 60° dos factos provados».

Reconhece que :

Tais danos traduzem danos de extrema gravidade, porque também são permanentes, que merecem a tutela do direito e consequentemente, admitem compensação»

Contudo, entende ser justa e adequada a que foi atribuída na 1ª instância e não na decisão da Relação, que aumentou a compensação por aqueles danos para €50.000,00.

O Tribunal da Relação fundou o aumento do valor atribuído, nos factos descritos sob os nº 41, 49 a 53, 59, 60, 63 e 64[11].

No tocante ao dano da privação de relações sexuais, fazendo apelo ao Acórdão Uniformizador do STJ n.º 6/2014, de 16/01/2014, proferido no processo n.º 6430/07. 0TBBRG.S1, publicado no Diário da República, I Série, de 22/05/2014, que decidiu que:

Os artigos 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1, do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.

E considerando que no caso versado AUJ acima indicado foi arbitrada a quantia de €15.000,00 pelo dano da privação de relações sexuais, a Relação entendeu por bem fixar esse valor para a compensação daquele dano e tal decisão não merece qualquer censura porquanto se mostra dentro dos parâmetros jurisprudenciais[12].

Quantos aos demais danos sofridos pelo A. marido, o Tribunal “ a quo”  considerou que eram bem mais graves que aquele porquanto:

«…o autor sente desgosto por ver a autora incapacitada e sente-se traumatizado por esta incapacidade e impotência em alterar o rumo das coisas; a clausura a que a autora foi sujeita perturbam-no emocional e psiquicamente, vendo a autora totalmente dependente para todas e quaisquer actividades. E estes danos são tanto mais graves quanto é certo que o autor formava com a mulher e com o filho uma família unida e feliz».

A própria R. reconhece que estes danos são graves e permanentes e merecem a tutela do direito e nós acrescentamos que essa tutela não pode passar por compensações meramente simbólicas como pretende a R.. A compensação deve reflectir a gravidade dos danos e no caso é indiscutível que os danos não patrimoniais sofridos pelo marido da vítima são particularmente graves, como são incomensuravelmente graves os sofridos por aquela. Assim não merece censura o valor de €50.000,00 fixado para a compensação arbitrada a favor do autor marido, pelos danos não patrimoniais sofridos.


*

**

Concluindo


Pelo exposto, julga-se improcedente a revista da R. e na procedência parcial da Revista dos AA. decide-se revogar parcialmente o acórdão recorrido ficando a R. CC SEGUROS GERAIS, SA condenada nos seguintes termos:

a) a pagar à Autora AA, a título de indemnização por danos patrimoniais (despesas futuras)  a quantia de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros), a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento;

b) a pagar à Autora AA, a título de indemnização por dano biológico na vertente de danos patrimoniais , a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da sentença da 1ª instância até efectivo pagamento.

c) a pagar à Autora AA, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de €130.000 (cento e trinta mil euros), acrescida de juros de mora a taxa legal desde a data da decisão da 2ª instância até integral pagamento;

d) a pagar ao Autor BB, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 50.000 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora a taxa legal desde a data da decisão da 2ª instância até integral pagamento;


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As custas da 1ª instância e as dos recursos ficam a cargo de AA. e Ré na proporção de 50% para cada.

Notifique.

Lisboa, em 11 de abril de 2019

José Manuel Bernardo Domingos (Relator)

João Luís Marques Bernardo

António Abrantes Geraldes

__________

[1] Parcialmente transcrito do acórdão recorrido.
[2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil antigo e 635º nº 2 do NCPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, hoje 636º nº 1 e 2 do NCPC). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[4] Veja-se, a este propósito, a título exemplificativo, o acórdão do STJ, de 04/06/2015, relatado por Maria dos Prazeres Beleza, no processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, em que se referem outros acórdãos anteriores do mesmo Tribunal e disponível in http://www.dgsi.pt/jstj .
[5] Relatado por Lopes do Rego, acessível in http://www.dgsi.pt/jstj...
[6] Vide, a este propósito, as doutas considerações do ac. do STJ, de 21-03-2013, relatado por Salazar Casanova, no processo n.º 565/10.9TBVL.S1, acessível na Internet - http://www. dgsi.pt/jstj.
[7] Entre muitos outros, vide, a título de exemplo, o ac. do STJ, de 7-6-2011, relatado por Granja da Fonseca, no âmbito do processo 160/2002.P1.S1, publicado na Internet, http://www.dgsi.pt/jstj.
[8] Relatado por Lopes do Rego, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[9] Entre muitos outros, vide, a título de exemplo, o ac. do STJ, de 7-6-2011, relatado por Granja da Fonseca, no âmbito do processo 160/2002.P1.S1, publicado na Internet, http://www.dgsi.pt/jstj.
[10] A este propósito, veja-se artigo doutrinário de 2011 da autoria Maria da Graça Trigo, sob o título Adopção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português, acessível na Internet; e ainda o aprofundamento desse tema pela mesma Autora, sob o título Obrigação de indemnização e dano biológico, in Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Capítulo IV, pp. 69 e seguintes, Universidade Católica, 2015.
[11] São este os factos:
41 Também a Autora tinha o gosto de viajar e, nomeadamente acompanhada pelo marido, fazia, em regra, pelo menos uma viagem por ano, tendo viajado, nomeadamente para o Egipto, Turquia, Roménia, Bulgária, Espanha, Itália, França e outros.
49 A A formava com o marido e filho uma família unida, alegre, feliz, com constantes projectos para o futuro.
51 Até à data do acidente, o A levava com a sua esposa uma vida sexual activa, satisfatória para ambos e que os unia e proporcíonava-lhes uma existência feliz sendo que a A ficou impossibilitada de ter relações sexuais.
52 A A tinha-se reformado antecipadamente havia poucos anos e aufere actualmente a pensão líquida de 1.256,84 euros.
53 O marido da A também se havia reformado antecipadamente (era
inspector da ASAE).

59 O Autor sente desgosto por ver a A incapacitada e sente-se traumatizado por esta incapacidade e impotência em alterar o rumo das coisas.
60 Toda a clausura hospitalar a que a A foi sujeita perturbam o cônjuge A, emocional e psiquicamente, vendo a A totalmente dependente para todas e quaisquer actividades.
63 Foi intentada acção de interdição que correu termos nesta Comarca de Viseu (...)
64 Nesta acção foi decretada "a interdição provisória de Maria do Céu Sousa de Moura Moura por anomalia psíquica" fixando-se «o início da incapacidade na data do acidente, isto é, em 20.02.2014" na qual foi nomeado tutor provisório da A o seu cônjuge o ora A Joaquim Pinto de Moura. "

[12] Cfr.  Ac. STJ de 2.6.2016, revista nº 3987/10.1TBVFR.P1.S1, relatado por Tomé Gomes, e disponível in www.dgsi.pt).