Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
779/15.5T8PTM.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
CAUSA DE PEDIR
CONTRATO MUTUO
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA – DIREITO DAS COISAS / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
Doutrina:
-Moitinho de Almeida, Enriquecimento sem causa, p.101;
-Pires de Lima e Antunes Varela, Código civil, I, 4.ª Edição, p. 456;
-Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, II, p. 269.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 1, 473.º E 474.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 03-10-1970, IN BMJ, NÚMERO 199, P. 190, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 15-12-1977, IN BMJ, NÚMERO 272, P. 196, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 17-10-2006;
-DE 29-05-2007, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 16-09-2008;
-DE 16-10-2008;
-DE 02-07-2009;
-DE 19-05-2011, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 19-01-2017, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
Tendo sido alegado pelos autores um empréstimo feito ao réu (ou seja, um contrato de mútuo) e defendendo-se o réu dizendo que a quantia peticionada era a contrapartida de serviços prestados aos autores, não se provando o contrato de mútuo, não pode o juiz, na sentença, condenar com base no enriquecimento sem causa, dado que a ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial tem de ser alegada e provada pelo requerente da restituição do enriquecimento (arts. 342.º, n.º 1, 473.º e 474.º do CC) e a causa de pedir da acção não é o enriquecimento sem causa, mas o alegado contrato de mútuo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – RELATÓRIO

  

l. AA e BB - Sociedade Comercial de Combustíveis, Lda. propuseram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra CC e DD, casados entre si, alegando que emprestaram ao réu CC a quantia total de € 84.000 e que este último nunca a restituiu. Pretendem, pois, a restituição do capital em dívida e o pagamento dos juros de mora vencidos, no montante de € 23.581,59.

Concluem pedindo que seja o réu Júlio condenado a pagar-lhes a quantia de € 107.581,59.


2. Os Réus contestaram, alegando resumidamente:

A ré DD impugnou a matéria de facto alegada pelos autores, alegou que se encontra separada de pessoas e bens do réu CC e arguiu a nulidade, por inobservância da forma legal, dos hipotéticos contratos de mútuo. Concluiu que deverá ser absolvida do pedido.

O réu CC alegou ter recebido a quantia total de € 80.500, não a título de empréstimo, mas como contrapartida por serviços que prestou, ao longo de cerca de um ano, à autora BB, tendo em vista o pagamento, a esta, por parte da sociedade EE, SA, de uma indemnização pela denúncia de um contrato de cessão de exploração. A EE, SA aceitou pagar uma indemnização de € 250.000, acrescida de IVA, à autora BB, correspondendo a referida quantia de € 80.500 a cerca de um terço desse valor, conforme acordado. Alegou ainda que se encontra separado de pessoas e bens da ré DD desde 24.02.2014, embora a separação de facto remonte a 2005, e arguiu a nulidade, por inobservância da forma legal, dos hipotéticos contratos de mútuo. Concluiu que deverá ser absolvido do pedido.


3. Os autores replicaram, negando que as quantias que entregaram ao réu CC constituíssem uma contrapartida por qualquer serviço por este prestado e reafirmando a versão factual alegada na petição inicial.

Concluem como na p. i.


4. Elaborou-se despacho saneador no qual se definiu o objecto do litígio e se enunciaram os temas de prova.

Observado o legal formalismo, realizou-se a audiência final.

Posteriormente ao encerramento da audiência final, foi proferido despacho com o seguinte teor:

Da sentença

Ocorre que, na elaboração da mesma, o Tribunal enquadrou de forma diferente da alegada a factualidade dada por provada.

No processo de elaboração da sentença, conclui-se que:

- Ficou acordado entre os autores e o réu que, pela ajuda ou colaboração prestada, a “BB” pagaria ao réu um terço do valor da indemnização que a “EE” viesse a pagar (art. 21.º da contestação do réu)

- A “EE” aceitou pagar mas, por razões que não se deram por provadas, não pagou, propondo até acção judicial na qual a “BB” foi condenada a pagar-lhe, além do mais, € 97 700 e estando pendente acção judicial da “BB” contra a “EE”;

- O réu CC já beneficiou dos montantes acordados.

O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – art. 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. No entanto, deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem – art. 3.º, n.º 3, do mesmo código. Assim, com vista a ser cumprido o citado princípio, notifique as partes de que o enquadramento jurídico da factualidade dada por provada será diferente da alegada e se inscreverá no domínio do enriquecimento sem causa.

Notifique deste despacho o próprio réu.

Nada vindo, conclua de novo.

Ambas as partes se pronunciaram na sequência deste despacho. Os autores concluíram no sentido da verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa, pelo que deveriam os réus ser condenados na restituição da quantia peticionada, acrescida dos respectivos juros legais. Já os réus negaram a verificação dos referidos pressupostos e invocaram a prescrição de um hipotético crédito dos autores proveniente de tal fonte.

Em seguida, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente:

a) Condenou o réu CC a restituir, à autora BB, a quantia de € 80.500, a título de enriquecimento sem causa, por ter recebido prestação daquele montante num momento em que a condição suspensiva de pagamento de 1/3 da indemnização que a “EE” lhe viesse efectivamente a entregar, não se tinha verificado, acrescida de juros legais contados desde 28.02.2017;

b) Absolveu o réu CC do pedido na parte restante;

c) Absolveu a ré DD do pedido.


5. Inconformado o Réu CC interpôs recurso de apelação, para o Tribunal da Relação de …, que, por Acórdão de 08 de Fevereiro de 2018, decidiu julgar o recurso procedente, anulando a sentença recorrida e, absolvendo os réus do pedido.


6. Os Autores AA e BB - Sociedade Comercial de Combustíveis, Lda. interpuseram Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam as seguintes conclusões:

1. A sentença em 1.ª instância tomou em consideração os factos articulados pelas partes, pelo que se limitou a socorrer de elementos que não estavam vedados ao seu conhecimento; e, ao servir-se dos factos articulados pelas partes, deu como verificada uma situação de enriquecimento sem causa que não fora alegada, depois de as partes terem tido a oportunidade de se pronunciar sobre o assunto, pelo que não merece censura, já que viu, na prática dos factos alegados pelas partes, um ato jurídico que as partes não tinham invocado (enriquecimento sem causa) - mas não houve nisto exorbitância; o tribunal limitou-se a qualificar juridicamente os factos conforme lhe pareceu acertado, pelo que fez uso de um poder discricionário e legítimo: o poder de livre qualificação jurídica dos factos narrados pelas partes.

2. O tribunal de instância não transpôs os limites decorrentes da causa de pedir, nem manifestou conhecimento por qualquer questão que estivesse vedada ao seu poder de apreciação jurisdicional; ao decidir como decidiu, apenas fez coincidir o pedido e o julgado e, além disso, a causa de pedir {causa petendi) e a causa de julgar {causa judicandi) - a causa de pedir é o ato ou facto jurídico de que procede a pretensão deduzida em juízo, ou seja, é o facto jurídico que constitui o fundamento legai do benefício ou do direito, objecto do pedido; é o princípio gerador do direito, a sua causa eficiente, a origo petitionis - daí que a causa petendi não é a norma abstracta de lei invocada pela parte, mas o facto que se alega como expressão da vontade concreta da regra legal; de sorte que a simples mudança de ponto de vista jurídico, isto é, a invocação de normal legal diversa, não significa diversidade de causa de pedir; essa mudança é lícita ao juiz.

3. A decisão da 1.ª instância foi criteriosa na avaliação da prova produzida em julgamento e, tendo em conta os factos dados como provados, retirou as ilações adequadas, após ter dado às partes a oportunidade para se pronunciarem, em cumprimento do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, e depois concluiu pela necessidade de repetição do indevido, o que deixou sublinhar de forma clara e perceptível: 'Tendo a acção sido instaurada no pressuposto da validade de um determinado negócio, mas tendo-se concluído pela nulidade desse negócio, deverá o tribunal extrair daí o efeito devido e que decorre da lei, sendo certo que o mesmo não extravasa o objecto da causa nem o que foi peticionado, pois em ambos os casos_ se visa a restituição do que foi prestado".

4. Em conformidade, apontou a verificação de todos os elementos que levam à necessidade de repetição do indevido, com o objectivo evidente (que, pelos vistos, passou ao lado da decisão recorrida) de evitar um "enriquecimento injusto", ou seja, um enriquecimento sem causa justificativa, aquele em que a falta de causa justificativa se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento: a intenção de cumprir uma obrigação que não existia; o próprio enriquecimento; a falta de causa justificativa do enriquecimento; o enriquecimento obtido à custa de quem pretende a restituição; a inexistência de outro meio que faculte ao empobrecido ser ressarcido/indemnizado.

5. O que significa dizer que a magistrada signatária da sentença agiu com a amplitude que é devida e esperada a um Juiz, uma vez que indagou e interpretou a regra de direito, pertencendo-lhe a operação delicada da qualificação jurídica dos factos, o seu enquadramento no regime legal, que é função própria de um magistrado, no exercício da qual ele procede com a liberdade que a lei deixa assinalar nos artigos 5.º, n.º 3, 607.º, n.ºs 4 e 5, e 608.º, n.º 2, do CPC, no caso concreto para enquadrar a causa de pedir no instituto do enriquecimento sem causa e no regime legal consagrado nos artigos 473.º a 482.º do Código Civil (CC), assim evitando o inevitável locupletamento à custa alheia e sem causa justificativa ou o enriquecimento injusto que a situação material dos autos pressupõe - pelo que bem esteve, a nosso ver: desde que o tribunal se serviu unicamente dos factos alegados pelas partes, respeitou a regra enunciada nos artigos 5.º, n.º 3, e 607.º, n.º 2, do CPC; limitou-se a ver, na prática desses factos, um ato jurídico que as partes não tinham invocado (enriquecimento sem causa); mas não houve nisto exorbitância; o tribunal limitou-se a qualificar juridicamente os factos conforme lhe pareceu acertado; fez uso de um poder legítimo: o poder de livre qualificação jurídica dos factos narrados pelas partes.

6. Acresce que nem sequer foi substituído um contrato por outro contrato, extravasando a sua amplitude de decisão quanto à valoração jurídica dos factos; limitou-se a invocar os efeitos jurídicos pretendidos pelos recorrentes (por recurso à própria noção de pedido, como o efeito jurídico pretendido pela parte, que consta do artigo 581.º, n.º 3, do CPC) através de um instituto que é de aplicação subsidiária, segundo o artigo 474.º do CC, e que por definição apenas releva se não houver lugar à restituição por enriquecimento por qualquer outro meio, por forma a evitar, repita-se, o chamado "enriquecimento injusto" que a situação dos autos, como já se disse, evidentemente pressupõe.

7. Em conclusão, o acórdão proferido pela Relação de …, ao deixar em evidência que ficaram provadas as entregas de dinheiro, o que não se logrou provar foram "os concretos contratos que constituíam a causa de pedir", interpretou deficientemente o conceito legal e doutrinário de 'justa causa' e, por isso, confundiu a causa de pedir com a qualificação jurídica do facto ou factos submetidos à apreciação do tribunal, tratando da mesma forma realidades distintas: a causa petendi, ou seja, o facto que se alega como expressão da vontade concreta da regra legal, com a norma abstracta de lei.

8. Dito de outro modo, confundiu a causa petendi isto é, o ato ou facto que se alega, como capaz de converter em concreta a vontade abstracta da lei, com a própria qualificação, o aspecto ou o prisma, jurídico sob o qual foi encarado como a norma de lei que a parte invoca em juízo; dito de modo mais simples, misturou a causa de pedir das partes com os motivos ou razões de que elas se servem para sustentar a sua causa de pedir, deturpando a causa de pedir, como o facto concreto em que a parte se funda para formular o seu pedido, com o facto abstracto configurado ou rubricado pela lei - pelo que não logrou compreender que a invocação e aplicação judicial de norma legal diversa feita pelo julgador em 1ª instância não tem, no caso vertente dos autos, a virtualidade de uma situação de diversidade de causa de pedir. Lembrando o ensino clarividente de José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume IH, p. 121, "quando se muda o simples facto material ou motivo, mas para dele se deduzir o mesmo facto jurídico, não há diversidade de acção; precisamente, porque a simples alteração do ponto de vista jurídico não implica alteração da causa de pedir".

9. Em consequência, a decisão recorrida interpretou e aplicou erradamente o conceito de causa de pedir previsto no actual artigo 581.º, nº. 4, do CPC, nos termos do qual a causa de pedir é consubstanciada pela pretensão deduzida e pelo facto jurídico que a fundamenta e que, no caso das acções constitutivas, como é o caso desta, aponta para o facto concreto que a parte invoca para obter o efeito jurídico pretendido; interpretou e aplicou erradamente os artigos 5.º, nº 3, 607.º, n.ºs 4 e 5, e 608.º, n.º 2, do CPC, e com isso colocou em causa a margem ampla de indagação, interpretação e aplicação das regras de direito que fazem parte da grandeza do ato de julgar que, por lei, são apanágio do julgador; finalmente, interpretou e aplicou erradamente o regime do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, uma vez que não se logrou provar ter a Senhora Juiz de 1ª instância conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, pelo que não se verificam os pressupostos de nulidade da sentença - do que resulta que o acórdão recorrido deve ser revogado e mantida válida a sentença que o mesmo invalidou.

Conclui pedindo a procedência do presente recurso, e em consequência, que seja revogado o Acórdão recorrido e mantida válida a decisão da 1.ª instância que o mesmo invalidou.


7. Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.


8. O Tribunal da Relação de …, a fls. 734, admitiu o recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.



II – FUNDAMENTAÇÃO


É a seguinte a factualidade provada


1. O sócio gerente da sociedade “BB, Lda.”, AA, aqui também autor, e o réu CC conhecem-se há vários anos, por força da actividade profissional que exerceram, no âmbito da venda de combustíveis (art. 4.º da petição inicial). O réu foi sócio e gerente de uma sociedade proprietária de um posto de abastecimento de combustíveis, sito no …, …, que tinha um contrato de exclusividade com a "EE, S. A.” (art. 10.º da contestação do réu). O autor AA era sócio e gerente da A. “BB”, desde 1987, concessionária da EE, S.A., exploradora do posto de abastecimento da “EE” da …, em Portimão – fls. 146 (art. 11.º da contestação do réu).

2. Em Julho/Agosto de 2005, o autor Apolo procurou o réu por este ter conhecimentos comerciais e experiência negocial com a “EE”, e este aceitou ajudar a autora “BB” a ser indemnizada pela “EE”, por esta ter denunciado o contrato de cessão de exploração (art. 12.º da contestação).

3. Por o réu alegar, com base no regime legal do "Contrato de Agência", que a “BB” teria direito a uma indemnização pela clientela e, eventualmente, também por outras causas (art. 14.º da contestação do réu), o réu aceitou tratar do assunto, tendo desenvolvido o seu trabalho para a autora “BB” desde Julho/Agosto de 2005 até Agosto/Setembro de 2006, período em que AA e réu privaram directamente para o efeito (arts. 15.º e 16.º da contestação do réu), tendo o trabalho do réu sido concretizado através de estudos da contabilidade da “BB” durante os anos de vigência da concessão (art. 17.º da contestação do réu), da elaboração de cálculos anuais relativos, entre outros, às quantidades de combustível comprado e vendido, aos lucros obtidos, às taxas de exploração pagas à “EE” e à clientela obtida e fidelizada ao posto de abastecimento - fls. 179 e ss. (art. 18.º da contestação do réu), da preparação de reuniões com a “EE” e elaboração de documentos, propostas ou cartas de negociação para obtenção das indemnizações pretendidas, tendo ficado acordado entre os autores e o réu que, pela ajuda ou colaboração prestada, a “BB” pagaria ao réu um terço do valor da indemnização que a “EE” viesse a pagar (art. 21.º da contestação do réu).

4. Por comunicação de 7 de Julho de 2005, a “EE” denunciara o contrato com efeitos a contar a partir de 5 de Julho de 2006 – fls. 157 (arts. 13.º e 14.º da contestação do réu).

5. A “BB” enviou à “EE” a carta de 26.08.2005, solicitando o início de negociações com vista a obtenção de indemnização – fls. 158/159 – a qual foi respondida em 09.09.2005 – fls. 160.

6. A “BB” enviou à “EE” a carta de 20.01.2006 – fls. 161 – que foi respondida em 10.02.2006 – fls. 162.

7. Houve mais troca de correspondência como as que se seguem:

- 24.02.2006: da “BB” – fls. 178;

- 28.03.2006: da “BB” – fls. 215;

- 09.05.2006: da “EE” – fls. 195;

- 16.05.2006: da “EE” – fls. 163;

- 19.05.2006: da “BB” – fls. 249;

- 27.06.2006: da “BB” – fls. 168;

- 29.06.2006: da “EE” – fls. 198.

8. Tal correspondência estava na posse do réu, assim como os documentos depois juntos de fls. 172 e ss., 187 e ss., 205 e ss., 223 e ss., 237 e ss., 263 e ss. - declarações fiscais da “BB” (art. 19.º da contestação do réu).

9. A colaboração do réu ocorreu com total desconhecimento da “EE”, sendo que toda a documentação ou correspondência era proposta pelo réu para ser revista, assinada e remetida pela “ BB” à “EE” (art. 20.º da contestação do réu).

10. Por carta datada de 27 de Junho de 2006, a “EE” aceitou indemnizar a “BB” pelo montante de € 250.000, acrescido de IVA, além de outras quantias a diversos títulos que não chegou a pagar – fls. 165 (art. 22.º da contestação do réu).

11. Ainda antes de receber qualquer quantia da “EE”, em Janeiro de 2007, a “BB” e o autor iniciaram o pagamento ao réu do valor acordado, em prestações mensais e sucessivas de € 6.000 cada (art. 23.º da contestação do réu).

12. Em Abril de 2008 pagou ao réu apenas € 2.500, com base num acerto realizado entre ambos em função da indemnização aceite pela “EE” incluir o imobilizado pelo valor de € 20.000 – fls. 198 (art. 24.º da contestação do réu).

13. No dia 24.01.2007, o autor AA entregou ao réu e à sua ordem o cheque de € 6.000 com o n.º 40…7 que foi efectivamente descontado - fls. 19 (parte do art. 7.º da petição inicial).

14. Em 28.02.2007, o autor entregou ao réu e à sua ordem o cheque n.º 55…5, sacado sobre o Banco FF, no montante de € 6.000 – fls. 21 (art. 11.º da petição inicial).

15. Em 30.03.2007, o autor entregou ao réu e à sua ordem o cheque nº 37…7, sacado sobre o Banco FF, no montante de € 6.000 – fls. 22 (art. 12.º da petição inicial).

16. Em 27.04.2007, a autora “BB” passou ao réu o cheque n.º 0000000, sacado sobre o Banco FF, no montante de € 6.000 – fls. 27 (art. 13.º da petição inicial).

17. Em 30.05.2007, a autora “BB” passou ao réu o cheque n.º 093…8, sacado sobre o Banco FF, no montante de € 6.000 – fls. 24 (art. 14.º da petição inicial).

18. Em 29.06.2007, a autora “BB” passou ao réu o cheque n.º 053…0, sacado sobre o Banco FF, no montante de € 6.000 – fls. 25 (art. 15.º da petição inicial).

19. Em 31.07.2007, a autora “BB” passou ao réu o cheque n.º 68…3, sacado sobre o Banco FF, no montante de € 6.000 - fls. 26 (art. 16.º da petição inicial).

20. Em 26.08.2007, a autora “BB” passou ao réu o cheque n.º 59…4, sacado sobre o Banco FF, no montante de € 6.000 – fls. 27 (art. 17.º da petição inicial).

21. Em 28.09.2007, o autor entregou ao réu o cheque n.º 32…7, sacado sobre o a conta da “BB” do Banco FF, no montante de € 6.000 – fls. 20 (art. 10.º da petição inicial).

22. Em 31.10.2007, a autora “BB” passou ao réu o cheque n.º 50…5, sacado sobre o Banco FF, no montante de € 6.000 – fls. 28 (art. 18.º da petição inicial).

23. Em 30.11.2007, a autora “BB” fez uma transferência bancária para o réu no montante de € 6.000 – fls. 29 (art. 19.º da petição inicial).

24. Em 27.12.2007, a autora “BB” passou ao réu o cheque n.º 77…2, sacado sobre o Banco FF, no montante de € 6.000 – fls. 30 (art. 20.º da petição inicial).

25. Em 29.01.2008, a autora “BB” passou ao réu o cheque n.º 41…6, sacado sobre o Banco FF, no montante de € 6.000 – fls. 31 (art. 21.º da petição inicial).

26. Em 15.04.2008, a autora “BB” passou ao réu o cheque n.º 17…4, sacado sobre o Banco FF, no montante de € 2.500 – fls. 32 (art. 22.º da petição inicial).

27. Os autores tinham conhecimento que o réu era proprietário de vários bens (art. 28.º da petição inicial).

28. O réu era titular dos seguintes bens (art. 29.º da petição inicial):

a) Fracção autónoma designada pela letra C, correspondente ao R/C, loja C, do prédio urbano situado na Rua …., Praia …, …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 752 – fls. 36;

b) Fracção autónoma designada pela letra L, correspondente ao R/C, letra H, do prédio urbano situado na Rua …., Praia …, …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º 752 – fls. 35;

c) Fracção autónoma designada pela letra F, correspondente ao 3.º andar direito do prédio urbano sito na Rua …, com os n.ºs 41, 43 e 45, em Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4426;

d) Fracção autónoma designada pela letra M, correspondente ao 6.Q andar direito do prédio urbano sito na Avenida …, nºs 67, 69 e 71, em Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 5910 – fls. 34;

e) Prédio urbano designado pelo Lote 1, sito na …, freguesia de …, em Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1569 – fls. 37;

f) Fracção autónoma designada pela letra D, correspondente ao 2º andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua …, Letra H, em …, freguesia e concelho de Oeiras.

29. Em data indeterminada, o autor tentou saber, junto das Conservatórias do Registo Predial, qual era ao certo o património imobiliário do réu (art. 31.º da petição inicial), tendo ficado a saber que os imóveis a seguir indicados tinham sido doados pelos réus aos seus filhos, como segue:

- 24.11.2006: a fracção autónoma designada pela letra M do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o nº 5910 foi doado pelos réus ao filho GG, solteiro e maior tendo-se afirmado com os mesmos residente – fls. 47/34;

- 24.11.2006: a fracção autónoma designada pela letra L do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º 752 foi doada pelos réus à filha HH, solteira, maior, tendo-se afirmado com os mesmos residente; e a fracção autónoma designada pela letra F do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º 4426 foi doada pelos réus à filha HH, solteira, maior, tendo-se afirmado com os mesmos residente – fls. 47/35;

- 24.11.2006: o prédio urbano designado pelo Lote 1, sito na …, freguesia de …, em Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1569 foi doado pelos réus ao filho II, solteiro e menor, com os pais residente – fls. 47/37;

- 24.11.2006: a fracção D do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º 663, bem próprio do réu, foi doada por este ao seu filho, CC – fls. 50;

- 13.12.2006: Prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo de Silves sob os n.ºs 37448, 37575, 37580, 3730 foram doados pelos réus ao filho CC, solteiro e maior, tendo este afirmado residir na morada dos pais - fls. 58.

30. A fracção autónoma designada pela letra C do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 752 foi doada pelos réus ao filho GG, solteiro e maior, que se afirmaram residentes na mesma habitação – fls. 43/36.

31. 17.10.2007: o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º 3594 e o prédio rústico descrito na mesma Conservatória sob o n.º 2793 foram doados pelos réus ao filho II, solteiro e menor – fls. 39. Nesse ato, os réus identificaram-se como casados sob o regime de comunhão de adquiridos e residentes no Aldeamento …, Villa …, em Portimão.

32. 17.10.2007: o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º 2804 e o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º 2185 foram doados pelos réus à filha HH, tendo a mesma afirmado residir na mesma morada dos pais – fls. 54 (arts. 34.º a 37.º da petição inicial).

33. No dia 27 de Abril de 2007, a “EE – Comércio de combustíveis e lubrificantes, Lda.” propôs acção judicial com o n.º 1552/07.0TBPTM contra os aqui réus, os quais foram citados no dia 24 de Janeiro de 2008, tendo vindo a ser proferida sentença a 3 de Fevereiro de 2010 que, após anulação subsequente a recursos (acórdãos de 16 de Dezembro de 2010 e de 15 de Novembro de 2011) deu lugar à sentença de 17 de Abril de 2013, que condenou a ré “BB” a pagar à “EE” a quantia de cerca de € 97.700. Nessa acção, a “BB” alegara a titularidade de créditos sobre a autora referentes a derrames de combustíveis, créditos que não foram dados por provados na sentença. O pedido de indemnização de clientela também foi julgado improcedente – fls. 526.

34. No dia 28 de Março de 2014, a “BB” propôs acção contra a “EE”, dando origem ao processo n.º 519/14.6TVLSB, ainda em curso – fls. 549.

35. Em 07.01.2014, a autora, através do seu sócio gerente, aqui também autor, enviou uma comunicação ao réu solicitando a liquidação da quantia em dívida – fls. 62 (art. 38.º da petição inicial).

36. Apesar de ter sido remetida para três moradas distintas, a mencionada comunicação foi sempre devolvida, por ninguém ter atendido – fls. 64-69 (art. 39.º da petição inicial).

37. Em Julho de 2014, os autores requereram procedimento cautelar especificado de arresto contra o réu, que correu termos junto da Unidade 3, 2.ª Secção Cível da Instância Central de …. O procedimento cautelar requerido foi julgado procedente e provado, tendo sido decretado o arresto do saldo de uma conta bancária e de um prédio urbano para garantia da dívida de € 84.000 que se indiciava – fls. 124 do apenso “A” (arts. 1.º e 2.º da petição inicial). Foi arrestado o imóvel mas nenhum saldo foi encontrado em instituição em Portugal – fls. 135 e 138 e ss.

38. O Réu CC decidiu ir viver para Angola, passando algum tempo também em Portugal, tendo então os R.R., no final de 2006 e de 2007, procedido à partilha do património comum, o que fizeram através de doações aos filhos (arts. 37.º da petição inicial e 12.º da contestação da ré e 28.º e 30.º da contestação do réu). A relação matrimonial dos réus caracterizou-se pela inexistência de relações patrimoniais entre os dois, sem qualquer assistência ou cooperação mútua (arts. 29.º da contestação do réu e 11.º da da ré).

38. Os réus, casados desde 1979, obtiveram decisão de separação de pessoas e bens no dia 24 de Fevereiro de 2014, logo transitada – fls. 122 (art. 13.º da contestação da ré).

39. As quantias entregues ao Réu CC beneficiaram apenas a este, não à Ré (art. 14.º da contestação da ré).


E vem dado como não provado


A) No final de 2006, o réu, valendo-se da relação de amizade que tinha com o autor AA, lhe tivesse referido estar a passar um período de graves dificuldades financeiras, que se devia ao facto da sua actividade comercial se encontrar a atravessar, momentaneamente, algumas dificuldades (art. 5.º da petição inicial).

B) O réu tivesse solicitado, então, ao autor Apolo um empréstimo (art. 6.º da petição inicial) e que o autor AA, na sequência deste pedido, tivesse emprestado ao réu as quantias entregues (art. 7.º da petição inicial).

C) Nos meses subsequentes, o réu tivesse continuado a solicitar ao autor AA novos empréstimos monetários, referindo que a resolução dos seus problemas económicos estava para breve e dizendo, inclusivamente, que estava prestes a vender o posto de abastecimento de combustíveis, de que era proprietário, de São …. (art. 8.º da petição inicial) e que o autor, por acreditar no réu e que iria ser ressarcido dos empréstimos monetários, fosse satisfazendo os seus pedidos de empréstimo (art. 9.º da petição inicial).

D) Quando os autores entregavam as quantias supra referidas ao réu, este dissesse sempre ao autor AA que a resolução das suas dificuldades financeiras estava para breve, que lhe iria pagar as quantias emprestadas, acrescidas de juros (art. 25.º da petição inicial) e que tivesse afirmado que liquidaria a dívida contraída com os autores num curto espaço de tempo e que nunca iria defraudar um amigo de longa data, que o estava a ajudar numa altura particularmente difícil da sua vida (art. 26.º da petição inicial) e que a satisfação do crédito dos autores não corria risco uma vez que era proprietário de um património imobiliário no valor de cerca de € 500.000, situado em P… e São …, que iria vender caso não conseguisse pagar aos autores num curto espaço de tempo (art. 27.º da petição inicial).

E) O réu tivesse continuado a pedir dinheiro emprestado ao autor mas, tendo em conta o elevado valor do montante emprestado, este tivesse recusado a conceder-lhe novos empréstimos (art. 30.º da petição inicial).

F) Em 21.12.2007 a autora “BB” tivesse feito uma transferência bancária para o réu no montante de € 3 500 - fls. 33 (art. 23.º da petição inicial).



 III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO


Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.


A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.

Lendo as alegações de recurso bem como as conclusões formuladas pelos Recorrentes a questão concreta de que cumpre conhecer é apenas a seguinte:

1ª- O Acórdão recorrido interpretou e aplicou de forma errada o conceito de causa de pedir?


B) Vejamos

1 - O Direito

Os recorrentes imputam ao Acórdão recorrido a violação dos artigos 581.º, nº. 4, 5.º, nº 3, 607.º, n.ºs 4 e 5, e 608.º, n.º 2 e artigo 615.º, n.º 1, alínea d), todos do Código de Processo Civil.

Dispõe o n.º 3 do artigo 5 do Código de Processo Civil que «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito».

Nos termos do n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil «Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».

Acrescenta o n.º 5 do mesmo normativo que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes».

Estatui o n.º 2 do artigo 608 do Código de Processo Civil que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

Por último o artigo 581.º n.º 4 do Código de Processo Civil dispõe que «Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido».

Relativamente ao Enriquecimento sem causa dispõe o artigo 473.º n.º 1 do Código Civil que «Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou».

Acrescenta o n.º 2 do mesmo normativo que «A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou».

Nos termos do artigo 474.º do Código Civil «Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento».

Estatui ainda o artigo 342.º n.º 1 do Código Civil, relativo ao Ónus da prova, que «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado».

2 - O Caso concreto

Entendem os Recorrentes que o Acórdão recorrido, ao contrário da decisão da primeira instância, interpretou e aplicou de forma errada o conceito de causa de pedir, colocando em causa a margem ampla que assiste ao julgador em interpretar e aplicar as regras de direito, sendo que a sentença da 1ª instância não padece – ao contrário do decidido no Acórdão recorrido – de qualquer nulidade de sentença (artigo 615 n.º 1 al. c) do CPC).

Entendemos que nenhuma censura nos merece o Acórdão recorrido.

A questão colocada pode e deve ser apresentada de outra forma.

Tendo sido alegado pelos Autores um empréstimo feito ao Réu, ou seja um contrato de mútuo e defendendo-se o Réu dizendo que a quantia peticionada era a contrapartida de serviços prestados aos AA, não se provando o contrato de mútuo pode a sentença condenar com base no enriquecimento sem causa?

Entendemos que não.

A ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial, pressuposto do enriquecimento sem causa, tem de ser alegada e provada pelo requerente da restituição do enriquecimento.

A causa de pedir nesta acção não é o enriquecimento sem causa, mas o alegado contrato de mútuo que as Partes teriam celebrado mediante o qual os Autores teriam emprestado ao Ré diversas quantias.

Lembre-se que ao longo dos articulados não ocorreu qualquer alteração da causa de pedir, pois que apesar de o Réu, na contestação, negar o empréstimo e ter alegado que a deslocação patrimonial tinha uma causa – a prestação de serviços – na réplica os Autores reafirmaram a posição inicial, ou seja insistiram na tese do empréstimo.

A causa invocada para a entrega das quantias pedidas foi e continuou a ser o empréstimo.

No caso concreto os Autores fundamentaram o seu pedido contra o Réu, num contrato de mútuo que não provaram.

É certo que o Réu também não provou a causa da deslocação patrimonial que alegou – ou seja a prestação de serviços. Mas o ónus da prova (do mútuo) não era dele, era dos AA.

O instituto do enriquecimento sem causa – aplicado pela 1ª instância – é um instituto que tem natureza subsidiária, competindo aos autores o ónus da prova de que ocorreu um enriquecimento de alguém (o Réu) à sua custa e que não havia causa justificativa para esse enriquecimento.

Como se afirma no Acórdão do STJ de 17.10.2006 «a matéria do ónus da prova constitui um dos “raros oásis de consenso” no âmbito do enriquecimento sem causa: na verdade, é doutrina praticamente pacífica e jurisprudência largamente dominante a tese de que cabe ao autor demonstrar a ausência de causa da sua prestação, não obstante tratar-se de um facto negativo».

Neste mesmo sentido podemos confrontar, na Jurisprudência, o Ac. do STJ de 02 de Julho de 2009, no qual se pode ler «Cabendo ao autor que pede a restituição com base no enriquecimento da ré à sua custa sem causa justificativa, por força do preceituado no art. 342º, nº 1 do CC, o ónus de alegação e prova dos referidos pressupostos.

Designadamente, o ónus da prova da ausência de causa da sua prestação pecuniária, sendo a carência de causa justificativa da deslocação patrimonial facto constitutivo de quem requer a restituição.

Onerando, assim, o autor, que invocou o direito em referência, com a sua prova (citado art. 342º, nº 1)».

E acrescenta «Devendo, in dubio, considerar-se que a deslocação patrimonial verificada teve justa causa.

Pois, se o onerado com o ónus em apreço não fizer a prova dos factos que lhe são impostos, a causa será julgada contra ele.

Tudo isto, mesmo não tendo a ré logrado provar a matéria que concretamente alegou a propósito da justificação da entrega do dinheiro por banda do autor. Pois, como dissemos, o ónus da prova cabe a este»; o Ac. STJ de 5/12/2006, podendo ler-se no seu sumário «I. Incumbe ao autor que deduziu o pedido de restituição do que entregara sem causa, o ónus de prova da ausência de causa da transferência monetária ou da cessação da mesma causa»; o Ac. STJ de 29 de Maio de 2007, podendo ler-se no seu sumário «2 – A falta de causa terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no art. 342, por quem pede a restituição. 3 – Não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do ónus da prova, que não se prove a existência de uma causa de atribuição; é preciso convencer o tribunal da falta de causa»; o Ac. STJ de 16-09-2008, podendo ler-se no seu sumário «1. Tendo o autor estruturado a sua acção (também) com base no enriquecimento sem causa, compete-lhe alegar e provar os respectivos pressupostos, vertidos no art. 473º, nº 1 do CC. 2.Tendo, assim, a falta de causa de ser não só alegada, como também provada, por quem pede a restituição. Não bastando, segundo as regras do onus probandi, que não se prove a existência de uma causa da atribuição, sendo preciso convencer o tribunal da falta de causa. 3. Assim sucedendo, mesmo que o réu, na sua defesa por impugnação (por negação indirecta ou motivada), tenha alegado causa para a comprovada deslocação patrimonial (in casu, uma doação), que, entretanto, também não provou. Pois, não é ele que necessita de demonstrar a inexactidão ou inexistência dos factos alegados pelo autor, o mesmo é dizer a existência de causa para a deslocação patrimonial verificada»; o Ac. STJ de 16-10-2008, podendo ler-se no seu sumário «4) O enriquecimento sem causa só pode ser invocado a título subsidiário, sendo que a alegação e prova daqueles pressupostos cumpre ao demandante devendo “in dubio” considerar-se que a deslocação patrimonial teve justa causa», podendo ler-se no texto deste Acórdão «E “in dubio” deve entender-se que o eventual enriquecimento derivou de justa causa, já que a deslocação sem causa não é consentânea com a normalidade negocial. (cf., neste sentido, Dr. Moitinho de Almeida, in “Enriquecimento sem causa”, 101, Profs. P. de Lima e A. Varela, ob. cit., I, 4.ª ed., 456 e Conselheiro Rodrigues Bastos, “Notas ao Código Civil”, II, 269, além, e v.g., dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Outubro de 1970 – BMJ 199-190, de 15 de Dezembro de 1977 – BMJ 272-196 e de 29 de Maio de 2007)»; o Ac. do STJ de 19 de Maio de 2011, todos disponíveis in www.dgsi.pt.

Deste modo, dúvidas não podem subsistir em como era aos Autores que competia o ónus da alegação e prova dos factos constitutivos do direito que invocavam (enriquecimento do Réu à sua custa e sem qualquer causa justificativa).

Mas como vimos os Autores pedem a condenação do Réu no pagamento de certa quantia, não com base no instituto do enriquecimento sem causa, mas sim com base num contrato de mútuo que teriam celebrado.

A causa de pedir invocada foi um empréstimo – um contrato de mútuo.

A condenação teve como suporte não aquele contrato (invocado) mas sim um eventual enriquecimento sem causa.

Ora, o Tribunal, atento os seus poderes e as regras sobre a iniciativa das partes, não pode, em regra, afastar-se da causa de pedir e dos factos alegados bem como do pedido do autor.

A factualidade do instituto do enriquecimento sem causa, que deveria integrar a sua causa de pedir nunca foi articulada, uma vez que a causa de pedir articulada se prendeu sempre com o eventual empréstimo, com o contrato de mútuo.

Os Autor invocaram uma causa para a deslocação patrimonial ocorrida - um contrato de mútuo – e foi com base no incumprimento desse contrato que pediram a restituição.

Não conseguiram porém provar a existência desse contrato de mútuo.

Nunca os Autores alegaram ou invocaram falta de causa para a deslocação patrimonial.

Como se afirma no Acórdão recorrido «Sendo a causa de pedir a acima referida, é dentro dos limites dela decorrentes que o tribunal exerce os seus poderes de cognição. “Por isso, o tribunal tem de a considerar ao apreciar o pedido e não pode basear a sentença de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor (art. 608-2), sob pena de nulidade da sentença (art. 615-1-d)”».

É verdade que como afirma o Acórdão recorrido «É indiscutível que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito», porém esta liberdade do tribunal na qualificação jurídica dos factos tem como limite a impossibilidade de alterar a causa de pedir.

O acórdão ora recorrido entendeu, e bem, que a decisão da 1ª instância tinha excedido a causa de pedir invocada (foi alegado um contrato de mútuo e a condenação foi com base no enriquecimento sem causa).

Não se vislumbra que o acórdão recorrido tenha aplicado de forma errada o conceito de causa de pedir (art. 581 n.º 4 do CPC) ou tenha interpretado de forma errada os preceitos previstos nos artigos 5 n.º 3, 607 n.º 4 e 5 e 608 n.º 2 todos do CPC.

Como se afirma no Ac. do STJ de 19.01.2017, in www.dgsi.pt «Não tendo o A. logrado provar os factos que consubstanciam a causa de pedir invocada, provando-se antes uma relação jurídica diversa, firmada entre o autor e um dos réus, de que possa resultar também um efeito prático-jurídico distinto do peticionado, não resta senão julgar a acção improcedente».

E, prossegue aquele Acórdão «não se trata aqui de uma mera convolação jurídica da pretensão formulada pelo A. que se mostre lícito operar nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC. Trata-se sim de uma pretensão, de resto nem sequer deduzida pelo A., … fora do perímetro da vinculação temática do tribunal, nos termos decorrentes dos artigos 5.º, n.º 1, 260.º, 609.º e 611.º do CPC.

Com efeito, a realização da justiça do caso concreto deve ser conseguida no quadro dos princípios estruturantes do processo civil, como são os princípios do dispositivo, do contraditório, da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz, traves-mestras do princípio fundamental do processo equitativo proclamado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República».

Podemos, assim, concluir que o Acórdão recorrido nenhuma censura merece, uma vez que tendo sido alegado pelos Autores um empréstimo feito ao Réu, ou seja um contrato de mútuo e defendendo-se o Réu dizendo que a quantia peticionada era a contrapartida de serviços prestados aos AA, não se provando o contrato de mútuo também não podia a sentença condenar com base no enriquecimento sem causa.

Em suma, e perante tudo o exposto, impõe-se a improcedência das conclusões dos Recorrentes e, consequentemente, nega-se a revista.



III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se negar a revista e, em consequência, confirma-se o Acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes.  


Lisboa, 12 de Julho 2018


José Sousa Lameira (Relatora)

Hélder Almeida

Maria dos Prazeres Beleza