Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2209/08.0TBTVD.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
ERRO DE JULGAMENTO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DIREITOS DE PERSONALIDADE
ILICITUDE
DIREITO AO REPOUSO
DIREITO À QUALIDADE DE VIDA
CONFLITO DE DIREITOS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 05/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / DIREITOS, LIBERDADDES E GARANTIAS PESSOAIS - DIREITOS E DEVERES SOCIAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 10ª edição, p. 525 e seguintes, p. 562.
- Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, pp. 547 a 549.
- Freitas do Amaral, Direito Administrativo, II Volume, 1988, p. 82.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, Volume I, 4ª edição, p. 845.
- Ireneu Cabral Barreto, “Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Anotada, 4ª edição, p. 239.
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa”, Anotada, I, p. 268.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 7ª edição, pp. 254/255.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 335.º, 342.º, N.º1, 483.º, 487.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 661.º, N.º1, 668.º, N.º1, ALÍNEAS C), D) E E), 716.º, N.º1, 729.º, N.º3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 17.º, 18.º, 25.º, N.º1, 66.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGO 8.º, N.º 1.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (DUDH): - ARTIGO 24.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 13/03/1997, PROCESSO N.º 557/96-2ª SECÇÃO;
-DE 10/02/1998, REVISTA N.º 1044/98-2ª SECÇÃO;
-DE 6/05/1998, REVISTA N.º 338/98-1ª SECÇÃO;
-DE 3/05/2001, REVISTA N.º 978/01-1ª SECÇÃO;
-DE 17/01/2002, REVISTA N.º 4140/01 – 7ª SECÇÃO;
-DE 17/10/2002, REVISTA N.º 2255/02-2ª SECÇÃO,
-DE 18/02/2003, REVISTA N.º 4733/02-6ª SECÇÃO;
-DE 13/09/2007, REVISTA N.º 2198/07 – 7ª SECÇÃO;
-DE 2/07/2009, REVISTA N.º 511/09 – 2ª SECÇÃO;
-DE 22/09/2009, REVISTA N.º 161/05.2TBVLG.S1-1ª SECÇÃO;
-DE 8/04/2010, PROCESSO N.º 1715/03TBEPS.G1.S1;
-DE 19/10/2010, PROCESSO N.º 565/1999.L1.S1;
-DE 19/04/2012, PROCESSO N.º 3920/07.8TBVIS.C1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃO DO TEDH:
-MORENO GOMEZ, DE 16 DE NOVEMBRO DE 2004, R04-X, PÁGINA 321, & 3 E DEMAIS QUEIXAS CITADAS POR IRENEU CABRAL BARRETO, “CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM”, ANOTADA, 4ª EDIÇÃO, P.239.
Sumário :
I - A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.

II - Não se confunde com tal nulidade o erro de julgamento, designadamente quanto a contradições da matéria de facto, as quais, a existir, poderão implicar a anulação do acórdão, atento o disposto no n.º 3 do art. 729.º do CPC.

III - Não conhece de questões que lhe estejam vedadas o acórdão da Relação que, face ao recurso interposto pelos autores no qual concluem “pela revogação da sentença, julgando-se procedente o pedido por si apresentado, nomeadamente a remoção de aerogeradores”, julgando-o procedente, condena, também, no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais, que integrava o pedido – formulado na petição inicial – daqueles os autores.

IV - Também, não condena em objecto diverso do pedido o acórdão que, face ao pedido de suspensão dos aerogeradores condena na suspensão, apenas, no período da noite, a qual é um minus face àquele pedido.

V - Os direitos ao repouso, ao sono e à tranquilidade constituem uma emanação dos direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente à integridade física e moral da pessoa e a um ambiente de vida sadio, direitos esses acolhidos quer em Convenções Internacionais, como a DUDH (art. 24.º) e a CEDH (art. 8.º, n.º 1), encontrando-se também constitucionalmente consagrados, nos arts. 17.º e 66.º da CRP.

VI - A ilicitude, na perspectiva da violação intolerável dos direitos fundamentais, dispensa a aferição do nível de ruído pelos padrões legais estabelecidos, verificando-se se, após o início de funcionamento de determinados instrumentos, como o sejam os aerogeradores, terceiros vêm a sofrer queixas de alteração de humor, fadiga, enxaquecas e hipersensibilidade ao ruído.

VII - Embora o direito à integridade pessoal não seja em absoluto um direito imune a quaisquer limitações, em caso de conflito de direitos, designadamente com o de desenvolvimento de uma actividade que actua na realização de um interesse público – como é o da indústria geradora de energia limpa, a prevalência a que alude o art. 335.º do CC poderá impor ao seu titular limitações (sacrifícios que terá de suportar em nome do bem comum) apenas compensáveis monetariamente.

VIII - Se ficou provado que é possível (i) programar os aerogeradores para, em determinadas condições de vento mais propícias a gerar níveis de ruído mais intensos, reduzirem ou suspenderem a sua actividade, (ii) programar os aerogeradores para ajustarem as respectivas pás para posições menos agressivas em termos aerodinâmicos, (iii) reforçar o isolamento acústico dos equipamentos, caso se trate de um ruído gerado pelo funcionamento das turbinas ou (iv) suspender o funcionamento a determinadas horas/períodos do dia e que (v) o autor vive e trabalha a tempo inteiro na quinta e que a 2ª autora é doméstica (ou seja, trabalha em casa), (vi) que a vida social da família é passada numa quinta (contígua ao terreno em que se encontram implantados os aerogeradores) e (vii) que os dois filhos menores estudam na quinta, fora do horário escolar – a significar que a exposição ao ruído, em consequência da actividade dos aerogeradores, acontece não só durante a noite, mas também durante o dia, causando problemas de sono à noite, mas constituindo um perturbado viver durante todo o dia, causando os ruídos e sombras intermitentes e um desgaste físico e psíquico também durante o dia na pessoa dos autores, resulta clara a prevalência dos direitos de personalidade, sendo de ordenar a cessação da actividade referida em VII.

IX - É adequada a indemnização de € 10 000 arbitrada a favor dos 1.º e 2.º autores (marido e mulher) que passam todo o dia na quinta e € 5.000 a favor de cada um dos filhos menores, cujas deslocações para a escola se efectivam ao longo da maior parte do período diurno, durante o tempo lectivo, pelos danos não patrimoniais sofridos, e referidos em VIII.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

Na sequência de procedimento cautelar que correu termos no 3o Juízo do Tribunal Judicial de ..., AA, BB, CC e DD, todos devidamente identificados nos autos, intentaram a presente acção ordinária, distribuída agora ao 2º Juízo do mesmo Tribunal, contra EE L.da, igualmente, com os sinais completos nos autos, pedindo:

a) – O fim do funcionamento e a remoção dos quatro aerogeradores;

b) - A condenação da mesma Ré a pagar, a título de danos não patrimoniais, respectivamente, € 250.000, € 150.000, € 150.000 e € 150.000 ao 1º, 2º, 3º e 4º Autores;

c) - A condenação da Ré a pagar ao 1º e 2º Autores uma verba correspondente à diferença entre o valor da Quinta antes da colocação dos aerogeradores e o seu valor depois da colocação dos ditos e ainda no pagamento de € 200.000 ao 1º Autor, a título de danos patrimoniais;

d) - Bem como, o pagamento de todas as custas judiciais e encargos, quer judiciais, quer extrajudiciais, que os Autores hajam incorrido com vista a intentar a acção assim como as despesas de realojamento de pessoas e bens durante o período de funcionamento dos aerogeradores.

Fundamentando a sua pretensão, alegam em síntese, que os dois primeiros Autores são casados entre si, e têm dois filhos, precisamente, o 3º e 4º Autores.

Os dois primeiros Autores são proprietários de uma Quinta, com 17,8 hectares, composta, por duas moradias de habitação, picadeiro e estábulos, sita em ..., ..., ..., ..., ficando adjacente a tal propriedade o Parque Eólico de ..., o qual é constituído por 13 aerogeradores assíncronos com a potência unitária de 2000 kW (2.150 KVA); 13 postos de transformação e seccionamento, equipados com transformadores de potência unitária de 2.500 KVA, 0,69/20 KV; subestação equipada com um transformador de potência de 26.000 KVA, 20/60 KV; rede de cabos subterrâneos de 20 KV que interliga os postos de transformação e a subestação; um transformador para os serviços auxiliares de 25 KVA, 400/230V; e, respectivo equipamento de comando, corte, protecção e medição.

Acontece que tal equipamento produz ruído, o qual se situa para além do permitido pelo Regulamento Geral do Ruído em vigor, doravante RGR, e que, desde a implantação do parque, tem tido efeitos nefastos na saúde dos Autores, designadamente na dos dois primeiros, tendo vindo a contrair doença vibro – acústica e no rendimento escolar do 3º e 4º Autores, o qual diminuiu, bem como efeitos perversos na saúde dos animais da quinta, a ponto dos cavalos andarem sonolentos por estarem cansados e não darem rendimento, sendo de acrescentar que as hélices dos aerogeradores da Ré projectam sombras na propriedade dos Autores, assim, assustando os animais.

Ademais, a colocação dos aerogeradores no local fez com que a propriedade do 1o e 2º Autores diminuísse de valor, pois que o impacto visual deixou de tornar o local apetecível.

Os Autores levaram a cabo estudos com vista a determinar o nível de ruído tendo concluído que quatro dos geradores, precisamente os mais perto da sua propriedade, são os responsáveis pelo sucedido e que a Ré, não obstante informada do caso, nada fez para eliminar o impacto negativo.

A Ré contestou, alegando que explora o parque do ..., parque eólico devidamente aprovado e licenciado perante as autoridades competentes e que produziu, desde a sua entrada em funcionamento, 145.000 MWH de energia eléctrica, a qual é suficiente para abastecer o concelho de ... durante vários meses e que evitou a emissão de 54.000 toneladas de C02 para a atmosfera.

A Ré encomendou à FF L.da um estudo que concluiu pela conformidade do parque com a Lei do Ruído, salientando que é este o estudo a considerar e não aquele outro a que se reportam os Autores, já que este último, produzido pela D.., não se ateve aos critérios legais, designadamente, não subtraiu o ruído dos aerogeradores ao ruído ambiente mas sim subtraiu-o a uma situação com todos os ruídos associados, sendo que efectuou medições e comparações entre situações de ruído ocorridos em dias diferentes.

Já quanto à doença vibro - acústica refere que a mesma não constitui doença e que os sintomas de que os Autores (1º e 3º) alegam padecer, podem ser imputáveis a um sem número de patologias e nenhuma relacionada com o ruído dos aerogeradores.

Conclui pela improcedência do pedido, nada havendo a ressarcir e, em sede reconvencional, alega que o comportamento dos Autores lhe tem causado prejuízos na medida em que a obrigou a manter parado o aerogerador 2 durante um período de tempo excessivo, o que lhe causou, entre Março de 2008 e a data da contestação, um prejuízo de € 372.000, referentes a perda de receitas.

Acresce que o presente litígio provocou uma diminuição do valor patrimonial da Ré, sendo que as instituições financeiras passaram a requerer garantias adicionais à Ré para financiarem a construção de um novo parque eólico em 2008.

Assim, e por danos à sua imagem, reclama € 250.000.

Replicaram os Autores, mantendo o antes alegado na petição inicial e sustentando desconhecerem os danos alegados mas que estes, a terem existido, resultam da conduta da Ré.

Elaborado o despacho saneador, prosseguiram os autos, tendo sido proferida sentença que, julgando a acção e a reconvenção improcedentes, absolveu, respectivamente, a Ré e os Autores dos pedidos formulados.

Inconformados, apelaram os Autores e a Ré, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por douto acórdão de 11/09/2012, julgado improcedente o recurso interposto pela Ré e parcialmente procedente o recurso dos Autores e, consequentemente, condenou a Ré:

a) – A suspender o total funcionamento do aerogerador n.º 2 instalado no respectivo Parque Eólico, bem como a suspender o funcionamento dos aerogeradores n. os 1, 3 e 4 do mesmo Parque Eólico, no período nocturno e no entardecer;

b) – A pagar aos mesmos autores a título de indemnização, (pelos danos por estes sofridos até ao decretamento da providência cautelar prévia a estes autos), a quantia de € 20.000 (vinte mil euros).

De novo inconformados, recorreram de revista os Autores e a Ré, finalizando as respectivas alegações, com as seguintes conclusões:

AUTORES

1ª - O douto acórdão recorrido veio considerar parcialmente procedente o recurso interposto pelos autores, suspendendo, nomeadamente, o funcionamento dos aerogeradores n.os 1, 3 e 4 no período do entardecer e no período nocturno e o aerogerador n.º 2 a todo o tempo, mais condenando a ré a pagar a quantia de € 20.000 por danos sofridos pelos autores até ao decretamento da providência cautelar.

2ª - Vindo assim confirmar o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de providência cautelar, o qual já havia determinado a suspensão do funcionamento dos aerogeradores n.os 1, 3 e 4 nos períodos do entardecer e nocturno e o aerogerador n.º 2 a todo o tempo.

3ª - Com isto, o acórdão recorrido vem reconhecer a violação dos direitos de personalidade dos autores, a conduta ilícita da Ré e a existência de danos que devem merecer a atribuição de uma indemnização, em cujo pagamento aquela deve ser condenada.

4ª - No entanto, há dois pontos em que os autores discordam do teor do douto acórdão e que justificam a apresentação deste recurso.

5ª - Em primeiro lugar, não se conformam os autores com o facto dos aerogeradores n.os 1, 3 e 4 continuarem a funcionar durante o dia, só suspendendo tal funcionamento ao entardecer e no período nocturno, como foi decidido pelo acórdão recorrido.

6ª - Na verdade, salvo o devido respeito, a decisão ora recorrida seria aceitável se, por exemplo, o agregado familiar apenas utilizasse a Quinta à noite, para fazer as refeições e descansar.

7ª - Ora, não é isso que se passa, face aos factos provados nos quesitos 6º; 8º; 35º; 58º; 59º e 75º.

8ª - Não sendo aceitável que a protecção legal devida aos autores contra a emissão de ruídos (descrita de forma abundante e rigorosa pelo acórdão recorrido) exista durante metade do dia e seja negligenciada na outra metade.

9ª - Ainda para mais, quando ficou provado que o 1º autor vive e trabalha a tempo inteiro na Quinta, que a 2ª autora é doméstica (ou seja trabalha em casa), que a vida social da família é passada na Quinta (que não tem lugar apenas à noite e ao entardecer) e que os dois filhos menores estudam na Quinta (o que não se verifica só ao entardecer e à noite).

10ª - Refira-se ainda que a própria figura da colisão de direitos só faria sentido ser aplicada a partir de Janeiro de 2009, quando foi concedido o alvará à ré, ou seja, entre 2006 (data de início da actividade dos aerogeradores) e 2009, nunca a ré teve direito ao funcionamento dos aerogeradores, logo, não há qualquer colisão de direitos.

11ª - Assim, a consequência lógica face à demonstração da violação dos direitos de personalidade dos autores e face aos factos dados como provados, é a remoção dos 4 aerogeradores, como foi pedido pelos autores, na sua petição inicial, porque só assim é garantida a total protecção dos direitos de personalidade dos autores.

12ª - Quanto ao segundo ponto deste recurso de revista, os autores não se conformam com a atribuição de uma indemnização de € 20.000.

13ª - Recorde-se, e antes de mais, que estamos perante quatro autores, ou seja, a vingar o decidido no acórdão recorrido, teríamos, presumivelmente, um valor indemnizatório não superior a € 5.000 atribuído a cada um.

14ª - Ficaram provados diversos factos que demonstram uma clara alteração na vida diária dos autores e o sofrimento psicológico e físico que passaram a padecer (vide os factos constantes da base instrutória dados como provados n.os 16º, 21º, 31º, 35º, 53º e 54º).

15ª - Sendo toda uma vida pessoal, familiar, profissional e académica, dos quatro autores, que foi afectada profundamente.

16ª - Os autores manifestamente sofreram emocional e fisicamente com o intenso ruído causado pelos aerogeradores, o que prejudicou a sua vida e rotinas, tendo consequências na sua vida pessoal, social e profissional.

17ª - A somar a estas situações, temos o desgaste emocional derivado do litígio, com o envolvimento dos autores, nestes anos, procurando que se fizesse justiça, a par das despesas avultadas que tiveram lugar na preparação da acção judicial e que se encontram discriminadas na petição inicial.

18ª - É toda a qualidade de vida dos autores que foi afectada profundamente num período de 5 anos, desde que se iniciou o litígio.

19ª - Ora, atribuir uma indemnização de € 5.000,00 a cada autor não se compadece com a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que rejeita indemnizações miserabilistas, atribuindo indemnizações de valores superiores conforme descrição de jurisprudência feita nestas alegações.

20ª - Sendo isso ainda mais evidente quando a Ré é uma poderosa empresa proprietária de diversos parques eólicos distribuídos pelo país inteiro, que poderia (e deveria) ter tomado as necessárias medidas para evitar a propagação do ruído (vide quesitos 112º a 115º dados como provados).

21ª - Assim, entendem os autores que o valor de indemnização a atribuir não deve ser inferior a € 25.000 a cada um, no total de € 100.000.

22ª - O acórdão recorrido violou os artigos 70º, 1347º e 496º do Código Civil.

23ª - Devendo o acórdão recorrido ser revogado e ser ordenada a suspensão / remoção dos quatro aerogeradores a tempo inteiro e ser fixada uma indemnização não inferior a € 100.000.

RÉ:

1ª - Os fundamentos para o recurso de revista constam do n.º 1 do artigo 722º do CPC, que na sua alínea f) remete para as nulidades previstas quer no artigo 668º quer no artigo 716º, ambos do CPC.

2ª - Salvo o devido respeito por melhor opinião, entende a Ré/Recorrida que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa viola, conforme infra melhor se alegará, quer o disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 722º do Código de Processo Civil, quer o disposto nas alíneas c), d) e e) do artigo 668º do Código de Processo Civil, os artigos 483º e seguintes do Código Civil e, finalmente, o disposto no artigo 13º do Regulamento Geral do Ruído (Lei 9/2007 de 17 de Janeiro), pelo que recorrem do mesmo e apresentam as alegações supra.

3ª - Os presentes autos iniciam-se com a propositura de uma acção pelos Recorrentes AA, mulher e filhos.

4ª - Naquela acção os Autores/Recorrentes declaram ser proprietários de um Quinta, com a composição melhor supra identificada, que confina com o Parque Eólico de ..., que é propriedade da Recorrida, composto por 13 aerogeradores assíncronos com a potência unitária de 2000kW (2.150 KVA); 13 postos de transformação e seccionamento, equipados com transformadores de potência unitária de 2.500 KVA, 0.69/20 KV, subestação equipada com um transformador de potência de 26.000 KVA, 20/60 KV, rede de cabos subterrâneos de 20 KV que interliga os postos de transformação e a subestação; um transformador para os serviços auxiliares de 25 KVA, 400/230V; e respectivo equipamento de comando, corte, protecção e medição.

5ª - Alegam os Autores/Recorrentes que aquele equipamento produz ruído, que vai além do permitido pela Lei do Ruído e que tal tem causado problemas de saúde nos Autores/Recorrentes e formulam o seguinte pedido:

a) - O fim do funcionamento e a remoção dos quatros aerogeradores;

b) - A condenação da mesma Ré a pagar, a título de danos não patrimoniais, respectivamente, € 250.000, € 150.000, € 150.000; € 150.000 ao 1º, 2º, 3º e 4º Autores;

c) - A condenação da Ré a pagar ao 1º e 2º Autores uma verba correspondente à diferença entre o valor da Quinta antes da colocação dos aerogeradores e o seu valor depois da colocação dos ditos e ainda no pagamento de € 200.000 ao 1º Autor, a título de danos patrimoniais;

d) - E ainda, no pagamento de todas as custas judiciais e encargos, quer judiciais quer extrajudiciais, que os Autores hajam incorrido com vista a intentar a acção assim como as despesas de realojamento de pessoas e bens durante o período de funcionamento dos aerogeradores.

6ª - A Ré contestou, alegando, em síntese:

a) - Que explora o parque que se encontra devidamente aprovado e licenciado perante as entidades competentes;

b) - Que aquele respeita a Lei do Ruído, pois que são essas as conclusões de um estudo que encomendou à FF;

c) - Pugna pela validade daquele estudo, em prejuízo do realizado pelos Autores;

d) - Os sintomas de que os Autores/Recorrentes dizem padecer podem ser imputados a umas quantas patologias que não a alegada doença vibro – acústica;

e) - E deduziu pedido reconvencional, peticionando indemnização pela paragem dos aerogeradores, desde a data do decretamento da providência cautelar até à data da entrada da contestação.

7ª - Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que absolveu a Ré/Recorrida do pedido, bem como os Autores/Recorrentes do pedido reconvencional contra si deduzido e dessa decisão recorreram os Autores, quer de facto, quer de direito.

8ª - Em face das conclusões apresentadas pelos Autores/Recorrentes, para o que agora nos interessa, subsume o Tribunal da Relação que aqueles, com a argumentação aduzida, pretendem ver provados os seguintes quesitos: 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 32º, 33º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 84º, tal como não pretendem ver provados os quesitos 96º e 97º.

9ª - Considera a Ré/Recorrente, conforme infra melhor alegará, que o Venerando Tribunal da Relação, violou a alínea c) do artigo 668º do CPC, pois que os fundamentos estão em contradição com a decisão.

10ª - Divide o Tribunal da Relação os factos, cuja prova se pretende e decisão diversa da Relação se impõe, em três grupos, mas com maior relevância para as presentes alegações, referimo-nos ao 1º grupo que integra os quesitos referentes às alegadas implicações negativas do ruído provocado pelos aerogeradores na vida pessoal de todos os Autores e nos estudos do 3º Autor, em particular (artigos 17º, 22º, 23º, 24º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 32º, 33º, 34º e 84º).

11ª - Após reavaliação da prova constante dos Autos, decide, o Tribunal da Relação, tal como refere no seu douto acórdão, "ir mais longe que o Tribunal recorrido quanto aos factos agora em análise" e altera a resposta dada ao quesito 84º que tem o seguinte teor:

“Apenas com a anulação dos 4 aerogeradores se pode evitar o referido em 15º e 83º?”

12ª - Em sede da decisão proferia pelo Tribunal de 1ª Instância, tal quesito havia merecido resposta negativa, tendo o Tribunal da Relação conferido, desta feita, resposta diversa àquele quesito, que passa a ser:

"Provado que, só com o encerramento do aerogeradores n.º 2 e com o desligamento dos aerogeradores n.os 1, 3 e 4 no período nocturno se poderá diminuir significativamente o ruido provocado pelos mesmos quando as suas pás estão em movimento, e que causam ansiedade e desgaste físico e psíquico em toda a família/Autores (quesitos 20º e 21º)”.

13ª - A resposta a este quesito, acabou por se revelar essencial para a formulação da decisão final.

14ª - Nessa sede, entendeu o Tribunal da Relação que, face a essa circunstância, deveria julgar parcialmente procedente o recurso apresentado pelos Autores, condenando a Ré a suspender o total funcionamento do aerogerador nº 2, bem como a suspender o funcionamento dos aerogeradores n.os 1, 3 e 4 do mesmo Parque Eólico, no período nocturno e no período do entardecer.

15ª - Acontece porém que a simples alteração da resposta a um quesito, conforme sucede no caso sub judice, não se nos afigura suficientemente consistente para sustentar a decisão final, em particular, porque o Tribunal da Relação manteve totalmente inalteradas as respostas dadas pelo Tribunal de 1a Instâncias a todas as restantes questões referentes ao impacto que o ruído causado pelos aerogeradores tinha na vida dos Autores.

16ª – E essas respostas, recorde-se, nessa fase, acabaram, precisamente, por sustentar uma decisão completamente diferente.

17ª - Ou seja, a decisão proferida acabou por colidir com a resposta que foi conferida à globalidade da matéria de facto, designadamente, com a circunstância do Tribunal da Relação manter inalterada a decisão de dar como não provado que:

c) - O nível de ruído que existe na Quinta provocado pela rotação das hélices dos aerogeradores n.os 1, 2, 3 e 4 impossibilitasse os Autores de dormir, de descansar, de repousar e, também, de se divertir;

d) - O ruído fosse contínuo e provocasse ansiedade e desgaste físico e psíquico em toda a família.

18ª - Não se conforma a Ré/Recorrida com a decisão que acabou por ser tomada, porquanto entende que a fundamentação utilizada inequivocamente contraria a possibilidade do ruído constituir a causa imediata, ou sequer remota, dos problemas invocados pelos Autores.

19ª - Ou seja, a decisão final mostra-se em contradição com a globalidade da matéria de facto.

20ª - Salvo o devido respeito pela opinião contrária, não se percebe como é que, dando como não provado que o ruído causado pelos aerogeradores impedia os autores de dormir e descansar, ou sequer contribuísse para o seu desgaste físico e psíquico, ainda assim seja ordenada a suspensão do seu funcionamento no período nocturno e do entardecer.

21ª - Invoca, contudo, o Tribunal da Relação, em apoio dessa sua decisão, em particular, a inspecção judicial ao local.

22ª - Contudo, neste particular e salvo melhor opinião em contrário, é dado manifesto relevo às palavras usadas pelo M.mo Juiz da 1ª Instância, olvidando-se o essencial que é o facto do mesmo, pese embora tivesse presenciado os propalados efeitos do ruído causado pelos aerogeradores em funcionamento, ainda assim tivesse dado como não provado que esse mesmo ruído pudesse impedir os Autores de fazerem a sua vida normal nesse local.

23ª - - Não pode a Ré/Recorrida conformar-se com a compatibilidade entre a decisão proferida e os fundamentos invocados em sede de matéria de facto, por entender que uma e outros entram em contradição.

24ª - Com efeito, da demais prova realizada não se compreende como o Tribunal da Relação altera a resposta ao quesito 84º e com o teor dela constante.

25ª -Reitera-se que é manifesta e por demais evidente a contradição entre a resposta que acabou por ser conferida ao quesito 84º, com as respostas aos quesitos 20º e 21º.

26ª - O quesito 20º tem a seguinte redacção: "O ruído é contínuo?" E a este a resposta do Tribunal a quo foi a seguinte: "Provado que os aerogeradores provocam ruído quando as suas pás estão em movimento”.

27ª - O quesito 21º tem a seguinte redacção: "Provocando ansiedade e desgaste físico e psíquico em toda a família?" e aqui a resposta foi restritiva: "Provado apenas que a colocação (sublinhado nosso) dos aerogeradores no local e o seu funcionamento provocou ansiedade e desgaste físico e psíquico em toda a família."

28ª - A expressão "provocando" no início do quesito 21º - atenta a sucessão dos quesitos - reportava-se ao ruído.

29ª - E a reposta restritiva do Tribunal de 1ª Instância é conclusiva: pretendeu claramente afastar que fosse o ruído a causa geradora da ansiedade e desgaste físico e psíquico em toda a família, tal como quis afastar tal nexo em todas as outras respostas aos quesitos referentes ao ruído e ao nexo deste com as queixas, incómodos e "perturbações" do agregado familiar.

30ª - Com efeito, uma das grandes dúvidas que, ao longo dos presentes Autos, foram suscitadas no Tribunal, é se os incómodos dos Autores - e, consequentemente, a verdadeira razão de ser dos mesmos - são causados pelo ruído ou, pelo contrário, pelo impacto visual que os aerogeradores causaram em termos estéticos e paisagísticos.

31ª - De acordo com a decisão proferida em 1a instância, foi este segundo aspecto que mais inquietou e perturbou os Autores, causando-lhes perturbações em termos da sua vida pessoal e profissional.

32ª - Conclui-se então que "do que ressalta de toda a prova produzida é que os autores, tendo adquirido uma propriedade que encaravam como um sonho vêm-se agora com torres à volta que lhes estragam aquilo que consideram ser uma paisagem ideal sem as mesmas e que tal os irrita, em especial o 1º Autor, que sofre com o desmoronar de um sonho."

33ª - E obteve-se essa conclusão, quer face à matéria que ficou provada, quer à que não foi dada como provada, em sede de audiência de julgamento. Ora, se num e noutro caso, se mantiveram inalteradas as premissas, como é que se podem modificaras conclusões?

34ª - A resposta dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao quesito 84º colide, salvo o devido respeito por melhor opinião, com a resposta dada e assente aos quesitos 17º a 19º, 23º e 24º, 26º, 27º e 30º, todos eles com resposta negativa.

35ª - E, por consequência, a decisão final (ao ser determinada pela resposta conferida ao quesito 84º) mostra-se em contradição com os fundamentos de facto que se mantiveram inalterados do aresto em análise.

36ª - Também aquela resposta colide com a resposta dada ao quesito 31º, do qual constava: O 1º Autor tem sofrido de insónias, dores de cabeça frequentes, falta de memória, apresentado queixas de maior irritabilidade e de intolerância progressiva ao ruído?

37ª - E a resposta dada, após a prova produzida, foi: "Provado que o 1º Autor refere sofrer de insónias, dores de cabeça e falta de memória, irritado e intolerante ao ruído".

38ª - Saliente-se, que a expressão “refere”, é expressiva da prova, ou melhor, da ausência de prova feita em sede de audiência de discussão e julgamento, pois que da prova carreada não ficou demonstrado que o Autor tivesse insónias, dores de cabeça, falta de memória, ou qualquer outro sintoma por si invocado e muito menos que tal fosse causado pelo ruído dos aerogeradores.

39ª - De facto, relativamente ao ruído audível, não ficou provado:

a) - O nível do ruído audível que existe na Quinta, provocado pela rotação das hélices dos aerogeradores n.os 1, 2, 3 e 4, impossibilitasse os Autores de dormir, de descansar, de repousar, de trabalhar e, também, de se divertir - quesito 17º;

b) - Em determinadas alturas o ruído (dos aerogeradores) é tão intenso que não permite, ou dificulta muito, conversar, ouvir música, ver televisão e estudar-quesito 18º;

c) - O ruído que se faz sentir na Quinta, tanto no interior como no exterior da casa, é semelhante ao ruído de um avião a sobrevoar a mesma - quesito 19º;

d) - Desde meados de Novembro de 2006 que os Autores deixaram de ter um sono tranquilo e ininterrupto, durante a noite, de pelo menos oito horas diárias-quesito 19º;

e) - Desde a entrada em funcionamento dos aerogeradores, a Autora tem sofrido de enxaquecas, estados de ansiedade marcados, irritabilidade e hipersensibilidade ao ruído - quesito 30º.

40ª - Assim como não ficou provado que:

a) - As crianças, ora 3ª e 4ª Autoras, desde a entrada em funcionamento dos aerogeradores 2, 3 e 4, não conseguem dormir, pelo menos, 10 horas por dia -quesitos 25º e 26º;

b) - Desde a entrada em funcionamento dos aerogeradores que os Autores sofrem de insónias e têm enormes dificuldades em adormecer e em dormir, chegando a acordar várias vezes durante a noite -quesito 27º.

41ª - Repita-se que, de igual forma, também não se entende como possa ter sido tão importante para o Tribunal da Relação de Lisboa, conforme consta do douto Acórdão que ora se recorre, para a resposta que altera o quesito 84º, a deslocação ao local feito pelo Tribunal de Primeira Instância, quando o Sr. Juiz do Tribunal de 1ª Instância, que de facto ali esteve e ouviu o ruido, considerou que não existia nexo causal entre o ruído e o pedido dos Autores.

42ª - Como consta do acórdão ora em crise daquela inspecção ao local, menciona o Sr. Juiz a quo que "o ruído gerado pelos mesmos era audível em todo o perímetro exterior da propriedade a partir da casa para nascente. Era ainda audível o ruído no interior dos estábulos e no r/c da casa de habitação. No 1º andar era audível um ruído embora mais mitigado que no r/c (...)".

43ª - Mas é esse mesmo Juiz - que tendo estado presente no local e presenciado o ruído em causa - que decide pela inexistência de nexo causal.

44ª - Além disso, apresentados estudos sobre o ruído e a conformidade deste com a Lei do Ruído, não foi possível concluir por nenhum deles, mas também não se concluiu que, ao menos, houvesse violação da Lei do Ruído.

45ª - Não entende, assim, nem se conforma a Ré/Recorrida, que a decisão final possa ser compatível com a fundamentação de facto invocada no douto aresto em análise.

46ª - Por último importa ainda chamar a atenção para uma circunstância que acabou por passar incólume por toda a decisão, mas que também ela contribui para tornar mais evidente a contradição entre a decisão ora recorrida e os fundamentos.

47ª - É que em diversas passagens do douto aresto recorrido refere-se que nenhum membro da família sequer continua a habitar a casa.

48ª - Nesse sentido, veja-se que, quando se reproduz o depoimento da testemunha GG, indica-se que a mesma declarou que "a BB foi para casa da sogra primeiro e depois para um apartamento de 3 assoalhadas em Oeiras onde ainda hoje mora com os filhos".

49ª - Se os Autores já não residem na casa, não dormem no local, não tomam as refeições na quinta, em que medida é que a suspensão do funcionamento dos aerogeradores possibilitará solucionar os pretensos problemas que o ruído lhes causa em termos de perturbar o seu descanso e o sono?

50ª - E a resposta só pode ser negativa: não pode!

51ª - Acresce que, o acórdão recorrido viola ainda a alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, pois que o Juiz conhece de questões que não podia conhecer.

52ª - A acção segue os seus termos conforme os Autores a configuram e o recurso tem como limite as conclusões apresentadas pelos Autores/Recorrentes. O artigo 684º, n.º 3 do CPC prescreve que "nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso."

53ª - Precisamente, em sede de conclusões e com relevância para o presente recurso, alegam os Autores/Recorrentes:

"(...) 67 - Por tudo o que aqui se referiu, necessariamente, também o quesito 84º se tem de dar como provado, na medida em que são os aerogeradores os responsáveis por tudo o que consta dos quesitos 15º a 83º, seja a completa desestabilização de vida familiar, o impacto na vida pessoal e profissional/escolar dos Recorrentes e a doença do Recorrente (pai).

(…) 86 - Em relação a todos os quesitos não provados (mas que os Recorrentes pretendem dar como provados através deste recurso), importa repetir que as consequências foram de enorme gravidade até ao ponto extremo de implicarem a divisão da família, ficando o Recorrente a viver sozinho na Quinta (onde exerce a sua actividade profissional) e os restantes membros do agregado sido obrigados a ir viver para Oeiras, por terem como insuportável o continuarem a viver na quinta.

87 - Tendo existido uma alteração radical na rotina dos Recorrentes, deixando de ter qualquer vida social no espaço, deixando as crianças de utilizarem o espaço para brincar, passando todo o espaço exterior a estar afectado pelo ruído e pela presença dos aerogeradores. E para além do mais, ainda temos o desenvolvimento da doença vibro - acústica no Recorrente pai (estando os outros membros da família a salvo de tal doença, na medida em que abandonaram a quinta).

88 - A conduta da Recorrida claramente se apresenta como causa de um facto ilícito, quer quando fica demonstrada a violação do regulamento Geral do Ruído (como vimos acima) quer quando produz o designado ruído audível e o ruído de baixa frequência, ao abandono do seu domicílio e causando no recorrente pai a designada doença vibro - acústica.

89 - Em todo o caso, e sem conceder, a vasta jurisprudência citada nestes autos permite claramente contrariar a tese explanada na sentença de que bastará a não violação do regulamento geral do ruído para se concluir que não há a violação do direito ao sono, ao repouso e à saúde, bem como a outra tese avançada na sentença a de que bastará ter existido um processo de licenciamento para, a partir desse momento, estar excluída a violação de qualquer direito de personalidade.

90 - De acordo com a jurisprudência citada, o facto ilícito passa, assim, pela emissão de ruído (independentemente da violação do Regulamento do Ruído), de tal forma que a mesma provoca um conjunto de danos: Seja o prejudicar o sono dos Recorrentes, seja o prejudicar o repouso e o sono dos Recorrentes, seja o prejudicar a saúde do Recorrente pai. Bastando a verificação de um destes danos, para confirmarmos a responsabilidade da Recorrida.

91 - Essa mesma jurisprudência é clara ao afirmar que não pode a responsável pela prática do acto ilícito escudar-se na não violação do Regulamento Geral do Ruído ou na existência de um processo de licenciamento, para daí alegar que não existe qualquer violação dos direitos de repouso, sono e saúde.

92 - Quanto aos pressupostos da responsabilidade por facto ilícito, entendem, assim, os Recorrentes que os mesmos estão preenchidos, nomeadamente a verificação do facto ilícito, a existência de culpa, o dano e o nexo de causalidade.

93 - Foram violados pela sentença recorrida os artigos 70º e 1347º do Código Civil, artigos 64º e 66º da Constituição da República Portuguesa e artigos 2º, 21º e 22º da Lei de Bases do Ambiente, o n.º 1 do artigo 2º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o artigo 3º e o n.º 1 do artigo 25º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

94 - Devendo ser revogada a sentença recorrida e ser julgado procedente o pedido apresentado pelos Autores, nomeadamente ordenando a remoção dos aerogeradores n.os 1, 2, 3 e 4.

54ª - Reitera-se, o recurso é limitado pelas conclusões.

55ª - E aqui, desde logo, se refira que das conclusões de recurso apresentadas pelos Autores/Recorrentes, resulta que aqueles se conformaram, plenamente, com o total decaimento do seu pedido de indemnização formulado em sede da Petição Inicial.

56ª - É que das conclusões apresentadas, em momento algum, os Autores fazem qualquer alusão à circunstância do seu pedido de condenação da Ré em indemnizá-los pelos danos causados, tivesse sido julgado totalmente improcedente. Manifestando, assim, a sua discordância quanto a essa circunstância.

57ª - Todo o teor do recurso apresentado pelos Autores/Recorrentes, maxime, as respectivas conclusões, cingem-se a procurar demonstrar a razão pela qual a decisão tomada pelo Tribunal de 1ª instância se mostrava errada ao não ordenar a paralisação e remoção dos aerogeradores 1, 2, 3 e 4.

58ª - Em nada referem quanto à circunstância da 2ª parte do pedido que constava da respectiva Petição Inicial (a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização no valor de € 200.000) ter sido julgado totalmente improcedente.

59ª - Salvo devido respeito por melhor opinião, conforme infra melhor se alegará, entendemos, consequentemente, que, ao condenar a Ré no pagamento de uma indemnização, o Tribunal da Relação acabou por conhecer de matéria que lhe estava vedada, porque não constava do recurso apresentado.

60ª - Ou, dito de outra forma, estando o Tribunal da Relação limitado às conclusões apresentadas pelos Recorrentes e sabendo nós que das mesmas nada constava sobre a condenação da Ré no pagamento de qualquer indemnização, não se entende como é que afinal se inverte essa lógica de resignação demonstrada pela parte recorrente, concedendo-lhe um efeito que a mesmo nunca peticionou.

61ª - A total conformação dos Autores com o decaimento do pedido de indemnização, passando os mesmos a, simplesmente, "batalhar" pela remoção dos aerogeradores, permite-nos confirmar que o verdadeiro motivo dos presentes autos são não os hipotéticos incómodos derivados dos ruídos dos aerogeradores, mas sim o facto deles, simplesmente, ali existirem.

62ª - Aquele acórdão, viola, ainda, a alínea e) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, pois que o Juiz condena em objecto diverso do pedido.

63ª - O mesmo se diga, em termos da decisão proferida pelo Tribunal da Relação, no que respeita à suspensão do funcionamento dos aerogeradores 1, 3 e 4 no período do entardecer e no período nocturno.

64ª - Numa análise "apressada" da questão, poderíamos ser levados a concluir que a decisão proferia pelo Tribunal da Relação acaba por convergir no sentido do pedido inicialmente apresentado pelos Autores (fim do funcionamento e remoção dos quatro aerogeradores).

65ª - Afinal, quem pode o mais, também pode o menos.

66ª - Contudo, um exame mais atento da questão impõe uma conclusão perfeitamente diferente.

67ª - É que os autores, contrariamente ao que sucedeu em sede do procedimento cautelar –onde, tendo peticionado a "suspensão do funcionamento", acabaram por obter uma decisão que ordenava a "suspensão parcial do funcionamento" -, aqui os autores quiseram efectivamente ir mais longe e peticionar algo de radicalmente diferente:

a) - Primeiro: querem a paralisação total e permanente dos 4 aerogeradores;

b) - Segundo: pretendem, cumulativamente, que os 4 aerogeradores sejam removidos do local.

68ª - Em resposta, o Tribunal da Relação ordena, sem mais, a suspensão parcial dos aerogeradores 1, 3 e 4 e a suspensão total do aerogerador n.º 2.

69ª - Ora, salvo o devido respeito pela opinião diversa, uma e outra situações não são idênticas e similares, nem se reconduzem ao mesmo efeito.

70ª - Ao ter determinado a suspensão parcial do funcionamento, o Tribunal da Relação ordenou coisa diversa, porque intrinsecamente diferente, da que haviam peticionado os Autores.

71ª - Os Autores não se bastam com a paralisação completa e total do funcionamento (quando afinal essa medida seria suficiente para realizar os fins adjacentes ao recurso, ou seja, permitir o descanso dos recorrentes), exigem a remoção dos aerogeradores.

72ª - A "campanha de demonização" que, os Autores sustentam contra os aerogeradores não se compadece com a simples paralisação do seu funcionamento.

73ª - A decisão almejada pelos mesmos pretende ser mais radical: remover da sua vista qualquer vestígio da presença desses mecanismos hediondos e perversos.

74ª - A verdadeira caça às bruxas pugnada, pelos Autores, apenas pode ter como corolário a remoção dos aerogeradores.

75ª - É aliás este, um pedido que acaba por revelar, em toda a extensão, o verdadeiro e único propósito da presente acção.

76ª - Bem como permite confirmar que a apreciação realizada pelo Tribunal de 1a Instância, em sede de resposta aos quesitos, acabou por ser certeira e perfeitamente correcta, dado que, "do que ressalta de toda a prova produzida, é que os autores, tendo adquirido uma propriedade que encaravam como um sonho, vêm-se agora com torres à volta que lhes estragam aquilo que consideram ser uma paisagem ideal sem as mesmas e que tal os irrita, em especial o 1º Autor, que sofre com o desmoronar de um sonho."

77ª - Do que verdadeiramente se trata nesta acção, não é tanto obter um benefício para a saúde dos recorrentes, porque, afinal, esse desiderato seria possível de se alcançar por via da paragem dos aerogeradores ou pela adopção de mecanismos de redução do ruído produzido pelo funcionamento destes equipamentos.

78ª - As verdadeiras motivações subjacentes ao comportamento dos recorrentes estão exclusivamente relacionadas com o pretenderem que o local volte a estar completamente desocupado de qualquer presença dos aerogeradores.

79ª - E, de facto, é esse o pedido que mantêm e que cingem às suas conclusões, e ao qual o Tribunal da Relação estava vinculado, limitado e obrigado a responder, porque estava condicionado a essa análise por força do recurso apresentado.

80ª - O acórdão recorrido viola ainda a lei substantiva (da violação do disposto no artigo 13º do Regulamento Geral do Ruído).

81ª - É que a decisão de suspensão dos aerogeradores 1, 3 e 4 integra um dos patamares mais levados, em termos de gravidade, de entre as medidas que poderiam ser adoptadas para a redução do ruído dos aerogeradores.

82ª - Com efeito, e não concedendo quanto ao que atrás foi dito quanto à observância pela Ré/Recorrida dos limites impostos pela Lei do Ruído, bem como da inexistência de qualquer prova em audiência de discussão e julgamento, de violação daqueles limites.

83ª - Refira-se que, o Regime Geral do Ruído, não se limita a determinar valores limite, fixa, igualmente, os procedimentos que devem ser adoptados em caso de incumprimento dos critérios do n.º 1 do artigo 13º, ou seja, valores limite de exposição e critério de incomodidade.

84ª - Efectivamente, prescreve-se no n.º 2 do artigo 13º do RGR que, para efeitos de instalação e exercício de actividades ruidosas na proximidade dos receptores sensíveis isolados e do cumprimento, quer dos limites de exposição previstos no artigo 11º do RGR, quer do critério de incomodidade, "devem ser adoptadas as medidas necessárias, de acordo com a seguinte ordem decrescente:

a) - Medidas de redução na fonte de ruído;

b) - Medidas de redução no meio de propagação de ruído;

c) - Medidas de redução no receptor sensível.

85ª - Adicionalmente, determina-se que compete à entidade responsável pela actividade ou ao receptor sensível, conforme quem seja titular da autorização ou licença mais recente, adoptar as medidas referidas na alínea c) do número anterior relativas ao reforço de isolamento sonoro" (Cfr. n.º 3 do artigo 11º do RGR).

86ª - Ou seja, o legislador não se confinou a fixar os termos quantitativos, indicou ainda quem e como, em caso de violação desses limites, é que deveria ser solucionada a questão. Adopta os princípios da razoabilidade e proporcionalidade defendidos pelo Supremo Tribunal, para o qual ora se recorre.

87ª - Ora, e conforme refere o Acórdão que ora se recorre, deu-se por provado, em sede de audiência de discussão e julgamento que:

a) - É possível programar os aerogeradores para, em determinadas condições de vento mais propícias a gerar níveis de ruído mais intensos, reduzirem ou suspenderem a sua actividade (quesito 112º);

b) - Programar os aerogeradores para ajustarem as respectivas pás para posições menos agressivas em termos aerodinâmicos (quesito 113º);

c) - Reforçar o isolamento acústico dos equipamentos, caso se trate de um ruído gerado pelo funcionamento das turbinas (quesito 114º).

88ª - Impugna-se, assim, decisão diversa ao Tribunal da Relação, porquanto deveria ter decidido e cumprindo com o disposto no artigo 13º do Regime Geral do Ruído, com a aplicação de medidas que permitissem obter a redução do ruído gerado, sem colidir com o normal funcionamento dos equipamentos.

Sem conceder

89ª/90ª – O acórdão recorrido viola, ainda, o disposto nos artigos 483º e seguintes do Código Civil, ao condenar a Ré no pagamento de um quantum indemnizatório pela violação dos direitos que reconheceu assistirem aos Autores.

91ª - Pois, fê-lo na perspectiva do direito ao ressarcimento dos danos fundar-se na verificação dos pressupostos da responsabilidade por facto ilícito, prevista em sede dos artigos 483º e seguintes do Código Civil.

92ª - Em especial, prescreve o nº 1 do referido preceito que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

93ª - Do ponto de vista da Ré/Recorrida, ao decidir-se pela aplicação de tal regime legal, o Tribunal da Relação acabou por incorrer numa errónea interpretação das normas substantivas em causa.

94ª - Os Autores referem que a conduta da Ré é lesiva dos seus direitos e que causa danos nas suas esferas jurídicas, fundando-se, consequentemente, o pedido dos mesmos na responsabilidade civil extracontratual.

95ª - A responsabilidade civil extracontratual, tanto pode derivar de facto ilícito, pelo risco ou de facto lícito e nos presentes Autos, releva a existência ou não de facto ilícito, para poder funcionar a responsabilidade civil extracontratual.

96ª - A ilicitude do facto pressupõe uma acção ou omissão controlável pela vontade, violadora de direitos subjectivos relativos ou absolutos de outrem.

97ª - E, de acordo com a posição dos Autores, a conduta ilícita da Ré manifesta-se em duas vertentes: a inobservância dos parâmetros legais da Lei do Ruído (com valores acima do legalmente admissível) e a produção de um volume de ruído o qual, independentemente, do seu valor causou uma doença em dois dos Autores.

98ª - No que respeita à primeira das fontes da ilicitude, resulta da resposta à matéria de facto, que "os Autores não lograram provar que os aerogeradores violassem os parâmetros estabelecidos no Regulamento Geral do Ruído essencialmente porque a Ré conseguir colocar em crise o resultado constante do estudo da D.. em que os Autores estribavam a prova da sua pretensão".

(...) "os Autores não demonstraram que foram ou estão afectados pela doença vibro-acústica (aliás nem demonstraram que a mesma existisse sequer) ou qualquer outra, donde não lograram demonstrar qualquer fonte de ilicitude e qualquer nexo entre essa pretensa fonte e os sintomas debilitantes que, designadamente, o 1º Autor se diz afectado".

(...) "no caso vertente, os Autores, repete-se, não lograram provar uma conduta ilícita da Ré. É certo que os Autores podem não gostar dos aerogeradores, do seu aspecto físico ou do ruído que produzem mas tal só não basta. Estas características percepcionadas como negativas pelos Autores terão de ser causadoras de um ilícito e não são".

99ª - Ao invés, como refere o acórdão recorrido, "o ónus da prova dos factos integrantes do ilícito e da culpa no quadro da responsabilidade civil extracontratual, se não houver presunção legal da culpa, cabe a quem com base neles faz valer o seu direito (artigos 342º, nº 1 e 487º, nº 1 do Código Civil)."

100ª - E, no caso, "como se constata nada foi feito de modo a controlar os ruídos e a própria administração pública, só alertada pelo estudo da D.., feito a pedido do 1º Autor, concluiu também pela necessidade da desmontagem do aerogerador nº 2.

101ª – Concluindo - se então que "estamos, por isto, convencidos que o Estado Português no seu todo (provou-se que "não existe um mapa de ruído em vigor para o Concelho de ..."), ao não se informar, previamente ao licenciamento de todas as consequências da implantação de parques eólicos em zonas habitadas corre o risco de, demandado no TEDH, vir a ser condenado nos termos do artigo 8º da CEDH."

102ª - Neste sentido, não alcança a Ré o fundamento para a conclusão extraída por parte do Tribunal da Relação quando afirma: "a ilicitude dos actos realizados pela Ré basta-se com a violação dos bens pessoais acima dados como assentes."

103ª - Mas quais foram os actos realizados, e forma culposa, pela Ré que motivaram a violação dos direitos dos Autores?

104ª - E donde dimana a ilicitude dos mesmos?

105ª - A Ré procedeu à instalação de um parque eólico, o qual foi devidamente licenciado.

106ª - Foram realizados dois estudos, quer num quer no outro, com as deficiências que lhe possam ser imputadas, e que se encontram espelhadas na sentença proferida na sentença do Tribunal de primeira instância, não é possível concluir pela violação da Lei do Ruído.

107ª - Ora, se não foi feita prova, pelas medições e estudos realizados, que foram ultrapassados os limites impostos pela Lei do Ruído, não existe ilicitude.

108ª - E, por outro lado, não se pode concluir, face à matéria de facto que serviu de base à decisão, que tivesse ocorrido uma violação dos bens/direitos pessoais dos Autores.

109ª - Então não se pode concluir pela condenação da Ré no pagamento de qualquer indemnização.

110ª - Sem a verificação dos pressupostos que o legislador faz depender a responsabilidade civil por facto ilícito, não pode haver aplicação da responsabilidade civil aquiliana.

111ª - No caso, não existe culpa, não existe dolo, nem sequer existe negligência, razão pela qual não pode ser imputado qualquer facto ilícito à Ré.

112ª - Inexiste qualquer violação de dispositivo por parte da Ré.

113ª - A qual não praticou qualquer acto que determine qualquer conduta ilícita da sua parte.

114ª - Com efeito, não ficou demonstrado na prova produzida que violasse qualquer dispositivo legal.

115ª - De acordo com o disposto no artigo 13º do RGR o legislador impôs dois diferentes níveis de limites ao ruído e que devem ser observados por parte das entidades responsáveis pela respectiva emissão:

a) - Valores limite de exposição ao ruído – (Cfr. artigo 11º do RGR);

b) - Valores limite relativos ao critério de incomodidade, definido como "a diferença entre o valor do indicador LAEQ do ruído ambiente determinado durante a ocorrência do ruído particular da actividade ou actividades em avaliação e o valor do indicador LAEQ do ruído residual, diferença que não pode exceder 5 Db (A) no período diurno, 4 dB (A) no período do entardecer e 3 dB (A) no período nocturno, nos termos do anexo I ao presente regulamento, do qual faz parte integrante – (Cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 13º do RGR).

116ª - Sendo que o limite de incomodidade não pode ser avaliado quando o ruído ambiente é inferior a 45 dB (A) do exterior ou 27 dB (A) no interior.

117ª - Os valores limite de exposição variam de acordo com a classificação da zona em que se situa o receptor sujeito ao ruído.

118ª - In casu, o local que foi sujeito à avaliação acústica configura uma situação de receptor sensível violado, encontrando-se, todavia, localizado em zona não classificada.

119ª - Do ponto de vista da recorrida, os Autores/Recorrentes não lograram demonstrar que o ruído causado pelo funcionamento dos 4 aerogeradores violasse qualquer um dos limites fixados no artigo 13º° do RGR;

120ª - Mais ainda, ficou provado que o próprio Autor marido opôs-se à realização de um estudo de ruído que possibilitasse a análise do impacto acústico no interior do quarto da sua moradia (quesito 117º).

121ª - Situação que uma vez mais nos permite concluir sobre os reais e efectivos interesses dos Autores na causa.

122ª - Para eles nunca esteve em causa o ruído que os aerogeradores provocavam, era a simples existência no local que bulia com a sua vida.

123ª - O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa refere que "o caso sub judice é paradigmático, por haver direitos conflituantes há que fazer uma ponderação judicial à luz do artigo 335º (colisão de direitos) do C.C.", pelo que importa referir a natureza dos direitos em conflito.

124ª - Conforme ficou demonstrado em sede de audiência de discussão e julgamento, subjacente à instalação e funcionamento dos 4 aerogeradores em causa, não se encontra um intuito, mera e exclusivamente, economicista ou mercantilista e os quesitos 86º a 89º mereceram resposta: provado, em todos eles.

125ª - Por via dos quais resultam demonstrados os benefícios para a comunidade geral que advêm da instalação e, consequente, funcionamento deste género de estruturas.

126ª - Ora, por parte da Ré/Recorrida, temos a tutela do efectivo e real direito da comunidade em geral a beneficiar de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado o qual, por sua vez, é merecedor de tutela constitucional – (Cfr. artigo 66º da Constituição da República Portuguesa).

127ª - Os aerogeradores constituem uma fonte de energia não poluente, indispensável ao sustento das gerações futuras e da humanidade, uma fonte de energia indispensável para reduzir a dependência de Portugal face ao petróleo e seus derivados.

128ª - E que carece de ser instalada em pontos muito particulares (pontos geográficos de elevada altura), sob pena de não gerar qualquer efeito.

129ª - E tem sido esse o entendimento pacífico dos Venerandos Conselheiros e do Tribunal para o qual agora se recorre, que, numa situação de conflito de direitos, entende que há que ponderar os interesses e direitos em jogo e decidir de forma equilibrada e razoável, dado que mesmo os direitos de personalidade não constituem direitos absolutos, admitindo limites internos e externos.

130ª - Nesse sentido:

a) - Por acórdão de 25/09/2003 (disponível em www.dqsi.pt), decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no sentido que "os direitos fundamentais não constituem prerrogativas absolutas: obedecendo embora a determinados limites, são consentidas interferências ou restrições a esses direitos que devem satisfazer a três pontos essenciais:

1. - Serem justificados pelos objectivos de interesse público a alcançar;

2. - Serem proporcionais a esses objectivos;

3. - Não atingirem a substância do direito protegido".

b) - Também se pode ler no Ac. do STJ de 15/06/1999 - que "embora o direito ao repouso" (o qual se integra no "direito à integridade física" e "a um ambiente de vida humana sadio e economicamente equilibrado" e, através destes, no "direito à saúde e qualidade de vida" se inclua no elenco dos direitos de personalidade (artigos 64º e 66º da CRP e 70º do CC), não pode considerar-se um "direito ilimitado", sofrendo, pois, limites internos e externos.

c) – “O direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono são aspectos do direito à integridade pessoal, que faz parte do elenco dos direitos fundamentais, sendo que a ilicitude de um comportamento ruidoso, que prejudique o repouso, a tranquilidade e o sono de terceiros, está no facto de, injustificadamente e para além dos limites do socialmente tolerável, lesar tais baluartes da integridade pessoal” (Cfr. Ac. STJ de 31.05.2001, disponível em www.dgsi.pt).

131ª - In casu ficou plenamente demonstrado que o ruído causado pelo funcionamento dos aerogeradores não ultrapassa os limites do socialmente tolerável: prova disso são os depoimentos quer do trabalhador, a testemunha HH que em sede de prova, diz que dormia na Quinta e tal não o incomodava, bem como das testemunhas II, JJ e KK, vizinhos dos Autores/Recorrentes que dizem que os ruídos não os incomodam, bem como o facto de não ter ficado demonstrado que o ruído, causado pelos 4 aerogeradores em questão, impedia os recorrentes de "dormir, de descansar, de repousar, de trabalhar e, também de se divertir.

132ª - Ademais, ficou plenamente demonstrado que a actividade desenvolvida prossegue objectivos de interesse público relevantes e é isto que o Tribunal da Relação teria de ter em atenção ao pretender decidir à luz do artigo 335º do CC.

133ª - Ora no caso em apreço, os direitos em colisão, são desiguais ou de espécies diferentes: um constitui um direito de personalidade; o outro constitui um direito ao bom ambiente que serve uma comunidade.

134ª - O Tribunal da Relação não faz esta qualificação, não define qual o direito que considera superior.

135ª - Conforme acima já se deixou elencado, com o funcionamento do parque eólico permite-se que uma comunidade possa beneficiar de um melhor ambiente, e essa comunidade, não se restringe ao concelho e ..., pois que, a redução do impacto ambiental beneficia todos e não uma comunidade em particular.

136ª - E da prova produzida resultou claro (quesitos 86º a 89º) que os benefícios ambientais do Parque Eólico são concretos e reais, nomeadamente, que a utilização de fonte não renovável impediu a emissão para atmosfera de 54 000 toneladas de C02, e que a energia produzida por aquele parque em concreto permite abastecer o concelho durante vários meses.

137ª - Ora este tem de ser considerado o direito superior e logo deve prevalecer sobre o direito invocado pelos Autores/Recorrentes, o que impunha decisão diversa do Tribunal da Relação de Lisboa.

138ª - Nem concebe, aceita ou compreende a argumentação daquele Tribunal que para fundamentar tal decisão, invoca os artigos da Convenção do Direitos do Homem e uma hipotética condenação do Estado Português caso fosse demandado, pois que o Estado Português não está a ser demandado nos presentes Autos.

139ª - E o Estado Português licenciou e reconheceu a importância da instalação do parque eólico naquele local, certificando a conformidade do mesmo com todos os requisitos legalmente exigidos para a sua instalação, incluindo a questão do ruído.

140ª - Acresce que, para condenar a Ré/Recorrida em qualquer pedido de indemnização, há um pressuposto que não se encontra preenchido: a prática de facto ilícito.

141ª - Reitera-se que da prova produzida em sede de audiência de discussão de julgamento não resulta qualquer facto que impute à Ré/Recorrida a prática de um facto ilícito.

142ª - Ora, para haver responsabilidade nos termos do disposto no artigo 483º do CC tem de haver violação ilícita do direito de outrem, e tal não ocorre nos presentes Autos.

143ª - E deve, ainda, tal facto ser culposo, o que também não ocorre no caso concreto.

144ª - E não existe qualquer nexo de causalidade, conforme acima se deixou demonstrado e resulta da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

145ª - Em anotação ao supra referido artigo no Código Civil anotado 12ª edição da Ediforum lê-se:

“Além da existência de um dano e uma ligação causal entre o facto gerador de responsabilidade e prejuízo devem verificar-se outros pressupostos para o surgimento da responsabilidade civil. Necessário se torna, em princípio, que o facto seja ilícito e culposo {Mota Pinto, Teoria Geral, 3.a Edição, 115).

146ª - Também em anotação ao Código Civil: "I - O dever de indemnizar, tanto no campo da responsabilidade contratual, como no da extracontratual, só existe quando, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: a) a ilicitude do facto danoso; b) a culpa, sob a forma de dolo ou negligência do autor do facto: c) um nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado.

147ª - Ora, no caso do Autos, falta a prática de qualquer acto ilícito, bem como a existência de qualquer nexo causal, pelo que, a Ré/Recorrente não poderá ser condenada em qualquer pedido de indemnização.

Foram colhidos os necessários vistos.

2.

Com a alteração introduzida pela Relação, as instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1º - É pertença do 1.º Autor e da 2ª Autora uma Quinta, com 17,8 hectares, composta por duas moradias de habitação, picadeiro e estábulos, sita em ..., ..., ..., ... (alínea A).

- É pertença da Ré o Parque Eólico de ..., sito na Serra de ..., freguesia de ..., concelho de ..., conforme planta de implantação que se encontra a fls. 328 e aqui se dá por reproduzida (alínea B).

3º - O Parque Eólico de ... é constituído por 13 aerogeradores assíncronos com a potência unitária de 2.000 kW (2.150 KVA); treze postos de transformação e seccionamento, equipados com transformadores de potência unitária de 2.500 KVA, 0,69/20 KV; subestação equipada com um transformador de potência de 26.000 KVA, 20/60 KV; rede de cabos subterrâneos de 20 KV que interliga os postos de transformação e a subestação; um transformador para os serviços auxiliares de 2 KVA, 400/230V; e, respectivo equipamento de comando, corte, protecção e medição (alínea C).

- A Quinta é vizinha do Parque Eólico do ... (alínea D).

5º - Não existe um mapa de ruído em vigor para o Concelho de ... (alínea E).

6º - Foi realizado a pedido dos Autores um ensaio acústico por D.. -…, L.da (alínea F).

7º - No âmbito do ensaio referido em F) foram considerados dois pontos de medição;

a) - Ponto PI - localizado no interior da habitação do 1º e 2º Autores, no quarto de dormir daqueles, a 1,5 m do pavimento;

b) - Ponto P2 -localizado no exterior em frente ao picadeiro, a 3 m do solo (alíneas F e G).

8º - O período de medições decorreu de 3 de Abril de 2007 a 16 de Abril de 2007, durante a ocorrência da actividade da Ré e na ausência da mesma ou em períodos de reduzido impacto sonoro (alínea H).

9º - Consta no relatório do ensaio referido na alínea F, (por lapso no saneador, nos factos assentes, remete-se para a alínea E), que, no período diurno no Ponto 1 valores registados foram os que constam da alínea I), que se dão como reproduzida.

10º - No período do entardecer no Ponto P 1 os valores registados foram os que constam da alínea J), que se dão como reproduzidos.

11º - No período diurno no Ponto 2 os valores registados foram os que constam da alínea K), que se dão como reproduzidos.

12º - No período diurno no ponto P 2 os valores registados foram os que constam da alínea L (fls.590).

13º - No período do entardecer no ponto P 2 os valores registados foram os que constam da alínea M (fls.590).

14º - No período nocturno no ponto P 2 os valores registados foram os constantes da alínea N (fls.590).

15º - Os ventos mais fortes na região de ... fazem-se sentir nos meses de Junho, Julho e Agosto, chegando a atingir velocidades entre 11,6 km/h e 14,3 km/h, (alínea O).

16º - Foi elaborado, por FF - …, L.da, um parecer sobre o relatório de ensaio referido em E), que se encontra a fls. 256 e seguintes, que aqui se dá por reproduzido (alínea P).

17º - No âmbito do parecer referido em P) foram considerados 7 pontos de medição, designados de A 1 a A 7 e localizados nos pontos correspondentes indicados na figura de fls. 279 (alínea Q).

18º - Foi elaborado um "Relatório Médico do Agregado Familiar Sr. AA", que se encontra a fls. 484 e seguintes e que aqui se dá por reproduzido (alínea R).

19º - Foi elaborado um "Parecer sobre o Ambiente Acústico na Habitação do Sr. AA", que se encontra a fls. 496 e seguintes e que aqui se dá por reproduzido (alínea S).

20º - Foi elaborada uma "Análise técnico-científica sobre a eventual relação entre a tecnologia eólica com a doença vibro - acústica (DVA)", que constitui o Anexo dos presentes autos e que aqui se dá por reproduzido (alínea T).

21º - Foi elaborado um "Estudo dos Impactes no Ambiente Sonoro" dos parques eólicos, que se encontra a fls. 284 e seguintes e que aqui se dá por reproduzido (alínea U).

22º - O 1º Autor enviou à Ré, à Câmara Municipal de ... e ao Ministério da Economia e da Inovação (DGGE), que receberam, os requerimentos/exposições que constam de fls. 297 e 524 a 548 e que aqui se dão por reproduzidos (alínea V).

23º - A DGGE emitiu o documento nº 15 junto ao requerimento inicial do procedimento cautelar apenso e que aqui se dá por reproduzido (alínea W).

24º - Na Estação Meteorológica de ... foram registados entre 5 e 17 de Abril de 2007 os valores diários do rumo predominante e da velocidade média do vento que constam no quadro que se encontra a fls.550 e aqui se dá por reproduzido (alínea X).

25º - Na Estação Meteorológica de ... foram registados, entre Janeiro de 2007 a Julho de 2008, os valores mensais da velocidade média do vento que constam no quadro que se encontra a fls.215 e aqui se dá por reproduzido (alínea Y).

26º - A Quinta situa-se num local particularmente ventoso (alínea Z).

27º - A DGGE enviou à Ré a comunicação que se encontra a fls.250 e aqui se dá por reproduzida, datada de 23/12/2005, relativa a "Licença de Estabelecimento - Substituição" (alínea AA).

28º - A DGGE enviou à Ré a comunicação que se encontra a fls.253 e aqui se dá por reproduzida, datada de 03/02/2007, relativa a "Licença de Exploração" (alínea BB).

29º - A CMTV emitiu, em 06/01/2009, o alvará de utilização n.º 2/09, relativo ao parque eólico referido em B), que se encontra a fls.255 e aqui se dá por reproduzido (alínea CC).

30º - Constam, a fls. 302 e seguintes, os relatórios de potência diária referentes aos aerogeradores 1, 2, 3 e 4, entre 03/04/2007 e 16/04/2007, e que aqui se dão por reproduzidos (alínea DD).

31º - A velocidade do vento tem influência no nível de produção de energia eléctrica como no nível de ruído existente e/ou sentido pelo ser humano (alínea EE).

32º - No âmbito do procedimento cautelar apenso foi proferida decisão que determinou a suspensão total do funcionamento do aerogerador n.º 2, instalado no Parque Eólico, e a suspensão do funcionamento dos aerogeradores n.os 1, 3 e 4 do mesmo parque eólico nos períodos "nocturno" e "entardecer" (alínea FF).

33º - O aerogerador n.º 2 está a uma distância de 321,83 m da habitação e de 182,36 m dos estábulos (quesito 1º).

34º - O aerogerador n.º 3 está a uma distância de 539,92 m da habitação e de 439,64 m dos estábulos (quesito 2º).

35º - O aerogerador n.º 4 está a uma distância de 579,86 m da habitação e de 565,50 m dos estábulos (quesito 3º).

36º - O aerogerador n.º 1 está a uma distância de 642,08 m da habitação e 503 m dos estábulos (quesito 4º).

37º - O 1º° Autor é cavaleiro tauromáquico (quesito 5º).

38º - O 1º Autor treina, a tauromaquia e desenvolve equinocultura na Quinta (quesito 6º).

39º - Empregando alguns trabalhadores, por vezes a tempo inteiro, outras vezes a tempo parcial, ou ainda com carácter sazonal (quesito 7º).

40º - É na Quinta que os Autores tomam as suas refeições, trabalham, estudam, repousam, dormem, passam as suas horas de ócio e recebem familiares e amigos (quesito 8º).

41º - A 2ª Autora é doméstica (quesito 9º).

42º - O 3º Autor e a 4ª Autora são estudantes (quesito 10º).

43º - O 1º e 2º Autores optaram por residir no campo para se salvaguardarem da agitação e do stresse da vida citadina (quesito 11º).

44º - O 1º e 2º Autores adquiriram a Quinta por a considerarem bonita e dada a paisagem existente (quesito 12º).

45º - O 1º e 2º Autores consideram que a beleza e a paisagem existentes ficaram prejudicadas com a instalação dos aerogeradores (quesito 13º).

46º - Antes de Novembro de 2006, a Quinta era um lugar silencioso e sossegado, com pouca presença humana na área circundante, e a presença não humana limitava-se a pássaros, vegetação e árvores (quesito 14º).

47º - Antes de Novembro de 2006, os Autores nunca relataram a existência de insónias dificuldades de dormir ou perturbações de sono (quesito 15º).

48º - Após o início do funcionamento dos aerogeradores 1, 2, 3 e 4, os Autores relataram a existência de insónias, dificuldades de dormir e perturbações de sono (quesito 16º).

49º - Os aerogeradores provocam ruído quando as suas pás estão em movimento (quesito 20º).

50º - A colocação dos aerogeradores no local e o seu funcionamento provocou ansiedade e desgaste físico e psíquico em toda a família (quesito 21º).

50º/A[1] - Só com o encerramento do aerogerador nº 2 e com o desligamento dos aerogeradores n.os 1, 3 e 4o, no período nocturno e entardecer, se poderá diminuir significativamente o ruído provocado pelos mesmos quando as suas pás estão em movimento, e que causam ansiedade e desgaste físico e psíquico em toda a família/Autores (resposta ao quesito 84º).

51º - Para uma recuperação fisiológica das crianças é aconselhável que as mesmas durmam, pelo menos, 10 horas por dia (quesito 25º).

52º - O 1º Autor refere sofrer de insónias, dores de cabeça e falta de memória, irritado e intolerante ao ruído (quesito 31º).

53º - O 1º Autor não tem conseguido treinar os seus equídeos no mesmo regime intensivo de outrora (quesito 35º).

54º - Os aerogeradores 1, 2, 3 e 4 - com referência à data anterior à decisão de 1ª instância da providência cautelar apensa - funcionavam 24 horas sobre 24 horas, apenas parando quando inexistia vento ou para manutenção (quesito 37º).

55º - Os aerogeradores apenas se interrompem quando as condições eólicas não são favoráveis (quesito 38º).

56º - A Quinta situa-se numa zona apta à colocação economicamente rentável de aerogeradores (quesito 39º).

57º - Quanto maior for a velocidade e constância do vento maior será o nível de ruído gerado pelos aerogeradores, sendo que, quanto maior for a intensidade do vento, maior é o mascaramento do ruído dos aerogeradores (quesito 40º).

58º - Factores como a direcção do vento são de relevância para a produção de ruído (quesito 41º).

59º - Os aerogeradores são ainda fonte de infra - sons e de ruídos de baixa frequência (IRBF) (quesito 42º).

60º - Os IRBF são fenómenos acústicos que ocorrem a frequências inferiores a 500 Hz (quesito 43º).

61º - Os infra - sons ocorrem a frequências entre 0 a 20 Hz e os ruídos de baixa frequência entre 20 a 500 Hz (quesito 44º).

62º - Após a entrada em funcionamento dos aerogeradores, o 1º Autor apresentou queixas de alteração de humor, fadiga, enxaquecas e hipersensibilidade ao ruído (quesito 53º).

63º - Os restantes membros do agregado familiar apresentaram queixas semelhantes mas de menor intensidade (quesito 54º).

64º - Os Autores estão em permanência expostos aos IRBF (quesito 58º).

65º - Não têm um único período de recuperação ou de recobro (quesito 59º).

66º - O 1º Autor tem na Quinta 112 animais, correspondendo a 90 cabeças de gado bravo, 5 cavalos de sangue lusitano, 8 éguas de sangue lusitano, 1 poldro de sangue lusitano, 5 cavalos cruzados e 3 éguas cruzadas (quesito 61º).

67º - Os cavalos e as éguas são criados e treinados na Quinta, para sua própria preparação física e técnica, e também para serem vendidos para fins tauromáquicos (quesito 62º).

68º - Este treino requer uma atenção especial e constante sobre os animais, sendo exigido do treinador, o 1º Autor, paciência e tranquilidade (quesito 63º).

69º - Tranquilidade essa que o 1º Autor deixou de ter com a entrada em funcionamento dos aerogeradores (quesito 64º).

70º - E tal disposição reflecte-se negativamente nos animais (quesito 65º).

71º - Aquando dos meses iniciais do funcionamento dos aerogeradores, o ruído que se fazia sentir na Quinta deixava as éguas e os cavalos agitados e sobressaltados (quesito 67º).

72º - Em momento indeterminado após o início do funcionamento dos aerogeradores os cavalos começaram a deitar-se durante o dia como se fossem dormir (quesito 68º).

73º - Não existe na Quinta um local onde não seja audível o ruído das pás dos aerogeradores a passar à frente da coluna quando a velocidade do vento não provoca o mascaramento desse ruído (quesito 71º).

74º - A apatia dos animais compromete o treino dos mesmos (quesito 73º).

75º - Desde o nascer do sol até ao fim da manhã, e dependendo das alturas do ano, as sombras das pás dos aerogeradores n.os 1, 2 e 3 sobrevoam toda a Quinta, afectando o picadeiro exterior e o coberto e o interior da habitação (quesito 75º).

76º - Nos primeiros tempos de funcionamento dos aerogeradores, o efeito das sombras em movimento provocava um efeito flash, intermitente, que assustava os animais deixando-os nervosos (quesito 76º).

77º - O 1º Autor não tem outro local onde treinar os animais (quesito 77º).

78º - A Quinta vale hoje menos que o valor que teria no mercado se não existissem os aerogeradores (quesito 83º).

79º - O Parque Eólico …, desde a sua entrada em funcionamento, já produziu 145.000 MWH de energia eléctrica (quesito 86º).

80º - A energia eléctrica produzida foi suficiente para abastecer o Concelho de ... durante vários meses (quesito 87º).

81º - A utilização de uma fonte de energia não poluente e renovável impediu ainda a emissão para a atmosfera de 54 000 toneladas de C02 (quesito 88º).

82º - Num ano normal o Parque gera energia suficiente par a abastecer 22,5 % da energia eléctrica consumida no Concelho de ... (quesito 89º).

83º - Por debaixo do telhado da casa dos Autores, localizam-se os quartos de dormir (quesito 93º).

84º - No estudo da D.., referido em referido em F), foram comparadas, com vista a avaliar o critério de incomodidade, situações em que não existe vento suficiente para mover as pás dos aerogeradores (encontrando-se estes parados) versus situações em que existe vento e por essa razão os aerogeradores estão a funcionar (quesito 94º).

85º - Procedendo à comparação de descritores de ruído ambiente e de ruído residual em dias diferentes, em condições ambientais completamente distintas (quesito 96º).

86º - Na avaliação de ruídos em parques eólicos é indispensável contabilizar os efeitos velocidade do vento (quesito 98º).

87º - Para impedir que seja contabilizado como ruído particular o "efeito de mascaramento" do ruído do aerogerador, causado pelos fenómenos de turbulência mais mascarados e respectivos ruídos associados (quesito 99º).

88º - Dado que, quanto mais reduzida for a intensidade do vento, maior será o ruído do aerogerador porquanto o ruído do próprio vento (e dos fenómenos associados ao mesmo) não permite "mascarar" o barulho do funcionamento (quesito 100º).

89º - O vento, por si só, produz ruído (quesito 101º).

90º - Pelo que a situação de referência deverá corresponder a situações em que o vento se faça sentir e não a períodos de absoluta acalmia (quesito 102º).

91º - Os IRBF são produzidos por praticamente todos os elementos existentes na terra, mecânicos ou naturais, desde que em movimento ou funcionamento (quesito 107º).

92º - A Quinta é atravessada por um gasoduto (quesito 108º).

93º - E possível programar os aerogeradores para, em determinadas condições de vento mais propícias a gerar níveis de ruído mais intensos, reduzirem ou suspenderem a sua actividade (quesito 112º).

94º - Programar os aerogeradores para ajustarem as respectivas pás para posições menos agressivas em termos aerodinâmicos (quesito 113º).

95º - Reforçar o isolamento acústico dos equipamentos, caso se trate de um ruído gerado pelo funcionamento das turbinas (quesito 114º).

96º - Ou suspender o funcionamento a determinadas horas/períodos do dia (quesito 115º).

97º - A Ré solicitou autorização ao Autor marido para dar início a um estudo acústico, tendo o mesmo recusado que fosse realizado na localização P 1 (quesito 117º).

98º - Em virtude da paragem do aerogerador n.º 2, a Ré perdeu receitas de € 371.000 entre Março de 2008 e Outubro de 2008 (quesito 118º).

3.

Os Autores pedem a revogação do acórdão recorrido, devendo ser ordenada a suspensão/remoção dos quatro aerogeradores a tempo inteiro e ser fixada uma indemnização não inferior a € 100.000.

A Ré considera que o acórdão recorrido enferma das nulidades previstas nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, devendo ser confirmada a sentença da 1ª instância, na parte em que, na improcedência da acção, a absolveu dos pedidos (suspensão/remoção dos quatro aerogeradores e da indemnização peticionada).

Assim, as questões que importa conhecer são as seguintes:

a) – Se o acórdão recorrido padece da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 668º do CPC;

b) – Se o acórdão padece, ainda, da nulidade da alínea d) do n.º 1 do artigo 668º CPC;

c) – E, também, da nulidade prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 668º CPC.

d) – Se acaso se verificam (ou não) os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente, a ilicitude do facto danoso; a culpa, sob a forma de dolo ou negligência do autor do facto e um nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado., e, nessa medida, se há (ou não) fundamento para a condenação da Ré, nos pedidos acima mencionados.

e) – Se, no caso de se verificarem os aludidos pressupostos, a indemnização arbitrada aos Autores peca por diminuta, devendo ser fixada uma indemnização não inferior a € 100.000.

Como se referiu, a ré havia peticionado, em reconvenção, a indemnização pela paragem dos aerogeradores, desde a data do decretamento da providência cautelar até a data da entrada da contestação.

Este pedido foi julgado improcedente pela Relação e a ré não colocou à discussão no recurso de revista esta questão, pelo que, conformando-se, nesta parte, tacitamente, com a decisão, este segmento do acórdão recorrido transitou.

Por sua vez, a alegada desvalorização da Quinta dos Autores e os danos patrimoniais peticionados pelo Autor por essa razão bem como a alegada afectação da imagem da Ré, com fundamento na qual esta pedia uma indemnização, foram julgados improcedentes na 1ª instância.

Ora, tendo em conta a delimitação do objecto do recurso na apelação, onde estas questões não foram suscitadas, também estes segmentos da sentença transitaram, restando a apreciação das questões acima enunciadas.

4.

Por uma questão lógica, começaremos por indagar se o acórdão padece das alegadas nulidades, passando de seguida a analisar se acaso se verificam ou não os pressupostos da responsabilidade extracontratual e, em caso afirmativo, se o funcionamento dos aerogeradores n.os 1, 3 e 4 deverá ser suspenso também durante o dia e se o quantum fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais a favor dos autores peca por defeito.

4.1.

Se os fundamentos do acórdão recorrido estão em contradição com a decisão.

A ré/recorrente, procurando salientar a contradição entre a resposta ao quesito 84º, que se revelou, em seu entender, essencial para a formulação da decisão final, com a resposta dada e assente aos quesitos 17º a 19º, 23º e 24º, 26º, 27º e 30º, todos eles com resposta negativa, conclui que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação se mostra em contradição com a globalidade da matéria de facto.

Cremos não assistir razão à recorrente.

As causas de nulidade da sentença encontram-se enumeradas, de forma taxativa, no artigo 668º, aplicável à 2ª instância ex vi artigo 716º, n.º 1 do CPC.

Uma dessas causas é a que se verifica quando os fundamentos estão em oposição com a decisão.

Esta contradição ocorre quando o juiz explana na sentença certos fundamentos que logicamente levariam a conduzir num certo sentido, mas, em vez disso, a decisão enveredou pelo sentido oposto ou, pelo menos, diferente. Trata-se, portanto, de um vício de raciocínio. Ou seja, a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.

Pode ser considerada como um silogismo judiciário em que a premissa maior é a norma jurídica aplicada, a menor é constituída pelos factos provados, sendo a conclusão a decisão proferida. Assim sendo, a conclusão tem que estar em consonância com as premissas em que se baseou.

Assim, a nulidade da sentença, com o citado fundamento, não se confunde com eventuais contradições entre os elementos de facto que, a existir, poderão implicar a anulação do acórdão, atento o disposto no n.º 3 do artigo 729º do CPC.

Será oportuno salientar que nunca se poderá verificar contradição entre um facto considerado provado e outros factos não provados. É que a resposta negativa a um quesito tem apenas o significado de não se ficar a saber se o perguntado ocorreu, tudo se passando como se facto não fosse articulado.

Isso não significa que a resposta negativa a um quesito seja inócua, uma vez que o juiz, no campo do ónus da prova, deve resolver a questão em desfavor daquele que tinha o ónus de o provar.

Mas a ter acontecido, estaremos perante o erro de julgamento, que se não confunde com nulidade da sentença.

Improcede, pois, a invocada nulidade.

4.2.

Se houve violação da alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, isto é, se os Srs. Desembargadores conheceram de questões de que não podiam conhecer.

Considera a ré/recorrente que, “todo o teor do recurso apresentado pelos autores/recorrentes, maxime, as respectivas conclusões, cingem-se a procurar demonstrar a razão pela qual a decisão tomada pelo Tribunal de 1ª Instância se mostrava errada ao não ordenar a paralisação e remoção dos aerogeradores” acima referidos, acrescentando que “nada referem quanto à circunstância da 2ª parte do pedido que constava da respectiva petição inicial (a condenação da ré no pagamento de uma indemnização no valor de € 700.000) ter sido julgada totalmente improcedente”.

Assim, “ao condenar a ré no pagamento de uma indemnização, o Tribunal da Relação acabou por conhecer de matéria que lhe estava vedada, porque não constava do recurso apresentado”.

Apreciando:

Como atrás se referiu, os autores formularam os seguintes pedidos:

a) – O fim do funcionamento e a remoção dos quatro aerogeradores;

b) - A condenação da mesma Ré a pagar, a título de danos não patrimoniais, respectivamente, € 250.000, € 150.000, € 150.000 e € 150.000 ao 1º, 2º, 3º e 4º Autores;

c) - A condenação da Ré a pagar ao 1º e 2º Autores uma verba correspondente à diferença entre o valor da Quinta antes da colocação dos aerogeradores e o seu valor depois da colocação dos ditos e ainda no pagamento de € 200.000 ao 1º Autor, a título de danos patrimoniais;

d) - Bem como, o pagamento de todas as custas judiciais e encargos, quer judiciais, quer extrajudiciais, que os Autores hajam incorrido com vista a intentar a acção assim como as despesas de realojamento de pessoas e bens durante o período de funcionamento dos aerogeradores.

Como se constata, os autores peticionam, por um lado, não só o fim do funcionamento dos quatro aerogeradores e a sua remoção bem como uma indemnização por danos não patrimoniais. Peticionavam, por outro lado, a condenação da Ré a pagar ao 1º e 2º Autores uma verba correspondente à diferença entre o valor da Quinta antes da colocação dos aerogeradores e o seu valor depois da colocação dos ditos e ainda no pagamento de € 200.000 ao 1º Autor, a título de danos patrimoniais;

Nas suas alegações, os autores consideram que “foram violados pela sentença recorrida os artigos 70º e 1347º (…), devendo ser revogada a sentença recorrida e ser julgado procedente o pedido apresentado pelos autores, nomeadamente, ordenando-se a remoção dos aerogeradores.

Nas suas contra – alegações da apelação, salienta a ré que “um primeiro aspecto que importa, e desde já, destacar é a circunstância dos recorrentes deixarem cair, por completo, os pedidos relativos aos propalados prejuízos causados à actividade do recorrente AA (pai), enquanto cavaleiro tauromáquico.

O mesmo quanto à qualidade dos animais que o mesmo possuía para venda e que, alegadamente, seria prejudicada pelo ruído provocado pelos quatro aerogeradores em questão e, finalmente, quanto á projecção das sombras dos aerogeradores sobre o local e á alegada desvalorização do imóvel”.

A ré/recorrente admitiu, pois, que os autores discordaram da sentença na parte em que considerou não se terem verificado os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e que, por via disso, não só não ordenou o fim de funcionamento bem como a remoção dos aerogeradores, como também não o condenou, como corolário lógico, no pagamento dos danos não patrimoniais peticionados.

Temos, assim, que, tendo os autores reclamado uma indemnização por danos não patrimoniais a favor de cada um deles e tendo remetido, nas conclusões do respectivo recurso, para o pedido formulado na acção intentada contra a ré, utilizando a palavra, nomeadamente, isso significa que não excluem o pedido de indemnização por danos não patrimoniais.

4.3.

Se houve violação da alínea e) do n.º 1 do artigo 668º CPC, tendo os Srs. Desembargadores condenado em objecto diverso do pedido.

Como se referiu, os autores começaram por pedir o fim de funcionamento dos aerogeradores e a sua remoção, tendo o acórdão recorrido condenado a ré “a suspender o total funcionamento do aerogerador n.º 2 instalado no respectivo Parque Eólico, bem como a suspender o funcionamento dos aerogeradores 1, 3 e 4 do mesmo Parque Eólico nos períodos nocturno e entardecer.

Dispõe o artigo 661º, n.º 1 do CPC que “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.

Ora, se a suspensão dos aerogeradores no período nocturno e entardecer é um minus relativamente à peticionada plena suspensão dos aerogeradores (período diurno e nocturno), é legítima a condenação nessa parte, pelo que se não verifica a apontada nulidade.

5.

A acção que os autores intentaram fundamenta-se na responsabilidade civil extracontratual, porquanto a conduta da ré seria lesiva dos seus direitos e, enquanto tal, produtora de danos nas suas esferas jurídicas, pretendendo simultaneamente a reposição do estado de coisas que se verificava antes da colocação dos aerogeradores e uma indemnização a título de danos não patrimoniais.

A ré/recorrente defende a inexistência da obrigação de indemnizar e de repor a situação existente antes da violação dos direitos dos autores, entendendo que se não verificaram os pressupostos da responsabilidade civil e obrigação de indemnização, nomeadamente, ilicitude, culpa e nexo de causalidade.

Por sua vez, os autores/recorrentes, concordando, no essencial, com o acórdão recorrido, discordam, apenas, quanto a dois aspectos: (i) – os aerogeradores n. os 1, 3 e 4 funcionarem durante o dia (das 7 às 20H) e (ii) o valor da indemnização fixado.

Seguindo um critério lógico, começaremos por apreciar o recurso da ré, passando de seguida à apreciação do dos autores.

5.1.

Segundo o nº 1 do artigo 483º do Código Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, sendo que, e de acordo com o nº 2 do aludido normativo, “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.

A responsabilidade civil por facto ilícito depende, assim, da verificação simultânea de vários pressupostos: acção/facto voluntário do agente, ilicitude do facto, nexo de imputação do facto ao agente, existência de dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano[2].

É necessário que exista um facto voluntário ilícito imputável ao lesante. Exige-se ainda que dessa violação sobrevenha dano e, que entre o facto praticado pelo lesante e o dano sofrido se verifique nexo de causalidade, de modo a poder afirmar-se que o dano resulta da violação.

A ilicitude, enquanto pressuposto da responsabilidade civil por facto ilícito, consiste na infracção de um dever jurídico. Indicam-se, no nº 1 do citado artigo 483º do Código Civil, duas formas essenciais de ilicitude. Na primeira vertente, a violação de um direito subjectivo de outrem; na segunda vertente, a violação de lei tendente à protecção de interesses alheios.

A culpa consiste na censurabilidade ou reprovabilidade de um comportamento ilícito do agente, de sorte que se deve dizer que age com culpa quem adopta uma conduta que deveria ter evitado.

Assim, agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito, sendo que a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo[3].

Quanto ao padrão por que se deverá medir o grau de diligência exigível do agente, consagrou-se na lei o critério da apreciação da culpa em abstracto.

Segundo o n.º 2 do artigo 487º do Código Civil, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um “bonus pater familias”, em face das circunstâncias do caso concreto, por referência a alguém medianamente diligente, representando um juízo de reprovação e de censura ético-jurídica, por poder agir de modo diverso.

Serve, pois, de paradigma a conduta que teria uma pessoa medianamente cuidadosa, atendendo à especificidade das diversas situações, sendo que “por homem médio”, se entende o modelo de homem que resulta no meio social, cultural e profissional daquele indivíduo concreto.

O ónus da prova dos factos integrantes do ilícito e da culpa, neste quadro da responsabilidade civil extracontratual, se não houver presunção legal de culpa, cabe a quem com base neles faz valer o seu direito, nos termos dos artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1, ambos do Código Civil.

Mas, a obrigação de indemnizar existe, independentemente de culpa, nos casos especificados na lei (artigo 483º, n.º 2 483º do Código Civil).

Pressuposto essencial da colocação de qualquer questão de responsabilidade civil e obrigação de indemnização é a existência de um dano.

Sem ele, isto é, sem que ocorra um prejuízo resultante da lesão de um bem, direito ou interesse juridicamente protegido, não tem cabimento falar-se de responsabilidade, qualquer que tenha sido a natureza e efeitos da conduta do agente.

Expostos estes princípios, reportemo-nos ao caso sub judice.

ILICITUDE:

Enquanto pressuposto da responsabilidade civil, considera a ré/recorrente que, não tendo os autores logrado provar uma conduta ilícita da ré, nos presentes autos, deveria improceder a acção. É que, de acordo com a posição dos autores, a conduta ilícita da ré ter-se-ia manifestado em duas vertentes: a inobservância dos parâmetros legais da Lei do Ruído (com valores acima do legalmente admissível) e a produção de IRBF (sons de baixa frequência) em tal medida que, independentemente do seu valor, teriam provocado danos na saúde de dois dos autores.

Ora, continua, “no que respeita à primeira das fontes de ilicitude, resulta da resposta à matéria de facto, que os autores não lograram provar que os aerogeradores violassem os parâmetros estabelecidos no Regulamento Geral do Ruído essencialmente porque a ré conseguiu colocar em crise os resultados constantes do estudo da D.. em que os autores estribavam a prova da sua pretensão”.

Por outro lado, “os autores não demonstraram que foram ou estão afectados pela doença víbro – acústica ou por qualquer outra, pelo que não lograram demonstrar qualquer fonte de ilicitude e qualquer nexo entre essa pretensa fonte e os sintomas debilitantes que, designadamente, o 1º autor diz estar afectado”.

Que dizer?

Como atrás se referiu, a ilicitude, enquanto pressuposto da responsabilidade civil por facto ilícito, consiste na infracção de um dever jurídico.

Indicam-se, no nº 1 do citado artigo 483º do Código Civil, duas formas essenciais de ilicitude. Na primeira vertente, a violação de um direito subjectivo de outrem; na segunda vertente, a violação de lei tendente à protecção de interesses alheios.

Assim, ainda que não tivesse havido violação da Lei dos Ruídos, sempre teria que se analisar se não se teria manifestado, no caso, a violação de um direito de outrem, principalmente, os direitos absolutos, e nomeadamente, os direitos de personalidade.

No caso emerge a lesão de bens imateriais, com protecção jurídica, seja a nível das Convenções Internacionais, seja a nível da Lei Fundamental e com tutela na lei ordinária.

Desde logo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem realça que toda a pessoa tem direito ao repouso (artigo 24º), acrescentando a Convenção Europeia dos Direitos do Homem que qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar (artigo 8º, n.º 1), explicitando-se que os ruídos sonoros ou outros que causem danos no domicílio e afectem o bem - estar físico do indivíduo atingem a sua vida privada[4].

No que ao nosso ordenamento jurídico diz respeito, essa tutela tem expressão, desde logo, na Constituição da República Portuguesa, onde, em conformidade com os princípios consagrados nas referidas Convenção e Declaração, se consagram o princípio do respeito da dignidade da pessoa humana, acolhe-se, como direito fundamental, a inviolabilidade moral e física das pessoas e reconhece-se a todos os cidadãos o direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado, bem como o dever de o defender.

Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira[5], “a compreensão antropocêntrica de ambiente justifica a consagração do direito ao ambiente como um direito constitucional fundamental”, acrescentando que “o direito ao ambiente é, desde logo, um direito negativo, ou seja, um direito à abstenção, por parte do Estado e de terceiros (pois se trata de um direito imediatamente operativo nas relações entre particulares) de acções ambientalmente nocivas. E nesta dimensão negativa, o direito ao ambiente impõe proibições ou deveres de abstenção, pelo que é seguramente um dos «direitos fundamentais de natureza análoga» aos «direitos, liberdades e garantias» a que se refere o artigo 17º, sendo-lhe portanto aplicável o respectivo regime constitucional específico dos «direitos, liberdades e garantias»”.

Vários têm sido os arestos em que o Supremo Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se, tem sucessivamente reafirmado integrarem o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade, requisitos inerentes à realização do direito à saúde e à qualidade de vida, constituindo emanação dos direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente dos direitos à integridade física e moral a um ambiente de vida sadio, constitucionalmente tutelados como Direitos Fundamentais no campo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, sempre para concluir que a ilicitude de uma acção ruidosa que prejudique o repouso, a tranquilidade e o sono de terceiros está no facto de, injustificadamente, e para além dos limites do socialmente tolerável, lesar aqueles baluartes da integridade pessoal, sendo o dano real lesão desse direito em qualquer das suas componentes[6].

Retomando o caso sub judice, comprovam os factos que “os aerogeradores provocam ruído quando as suas pás estão em movimento” (quesito 20º), sendo que, “quanto maior for a velocidade e constância do vento, maior será o nível de ruído gerado pelos aerogeradores e, quanto maior for a intensidade do vento, maior é o mascaramento do ruído dos aerogeradores” (quesito 40º).

“Factores como a direcção do vento são de relevância para a produção do ruído” (quesito 41º).

Ora, “após o início de funcionamento dos aerogeradores, os autores relataram a existência de insónias, dificuldades em dormir e perturbação do seu sono” (quesito 16º), para além de que “a colocação dos aerogeradores no local e o seu funcionamento provocou ansiedade e desgaste físico e psíquico em toda a família” (quesito 21º).

“O 1º autor refere sofrer de insónias, dores de cabeça e falta de memória, irritado e intolerante ao ruído” (quesito 31º) e “não tem conseguido treinar os seus equídeos no mesmo regime intensivo de outrora” (quesito 35º).

“Os aerogeradores são ainda fonte de infra - sons e de ruídos de baixa frequência (IRBF)” (quesito 42º), explicitando-se que “os IRBF são fenómenos acústicos que ocorrem a frequências inferiores a 500 Hz” (quesito 43) e “os infra - sons ocorrem a frequências entre os 0 a 20 Hz e os ruídos de baixa frequência entre 20 a 500 Hz” (quesito 44º).

De facto, “após a entrada em funcionamento dos aerogeradores, o 1º autor apresentou queixas de alteração de humor, fadiga, enxaquecas e hipersensibilidade ao ruído” (quesito 53º), enquanto os restantes membros do agregado familiar apresentaram queixas semelhantes mas de menor intensidade” (quesito 54º).

“Os autores estão em permanência expostos aos IRBF (artigo 58º) e não têm um único período de recuperação ou de recobro (quesito 59º), “não existindo na Quinta um local onde não seja audível o ruído das pás dos aerogeradores a passar à frente da coluna quando a velocidade do vento não provoca o mascaramento desse ruído” (quesito 71º).

Acresce que, “desde o nascer do sol até ao fim da manhã, e dependendo das alturas do ano, as sombras das pás dos aerogeradores n.º 1, 2 e 3 sobrevoam toda a Quinta, afectando o picadeiro exterior e o coberto e o interior da habitação” (quesito 75º).

Como se referiu, tem este Supremo Tribunal de Justiça considerado, pacificamente, que o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono, são aspectos do direito à integridade pessoal (artigo 25º, n.º 1 da CRP), que faz parte do elenco dos direitos fundamentais, do acervo de direitos, liberdades e garantias pessoais.

Estes direitos de personalidade são assim protegidos contra qualquer ofensa ilícita, não sendo precisa a culpa para se verificar uma ofensa, nem sendo necessária a intenção de prejudicar o ofendido, pois decisiva é a ofensa em si.

O direito ao repouso é ofendido mesmo que a actividade de exploração do parque eólico em causa tenha sido autorizada administrativamente.

O facto de se respeitar o que se acha regulamentado sobre ruídos, designadamente produzindo ruído inferior ao máximo permitido pelo Regulamento sobre Ruído, não quer dizer que seja permitido afectar os direitos ao repouso e à saúde.

A ilicitude, nesta perspectiva, dispensa a aferição do nível de ruído pelos padrões legais estabelecidos: a ilicitude de um comportamento ruidoso que prejudique o repouso, a tranquilidade e o sono de terceiros está, precisamente, no facto de, injustificadamente, e para além dos limites do socialmente tolerável, se lesar um dos direitos integrados no feixe dos direitos, liberdades e garantias pessoais[7].

Com efeito, “a consagração de um valor máximo de nível sonoro de ruído apenas significa que a administração não pode autorizar a instalação de equipamento nem conceder licenciamento de actividades que não respeitem aquele limite máximo e quem desrespeitar esse limite incorre em ilícito de mera ordenação social[8]”. Ou seja, “o Regulamento Geral sobre o Ruído apenas tem efeitos dentro da actividade administrativa e no seu âmbito, não podendo interferir com a salvaguarda dos direitos de personalidade das pessoas, cuja protecção se não esgota no limite do ruído estabelecido em tal diploma[9]”.

Inquestionável, pois, como resultou provado, a violação dos direitos de personalidade dos autores, sendo que todos os danos de ordem física e psíquica, por estes sofridos, surgiram em consequência do ruído, sombras e impacto causado pelo funcionamento dos aerogeradores, sendo estes factos imputados à ré, não se encontrando, por isso, excluída a ilicitude da sua conduta.

COLISÃO DE DIREITOS:

Insurge-se, depois, a ré/recorrente contra o acórdão recorrido, salientando que ficou plenamente demonstrado que a actividade por si desenvolvida prossegue objectivos de interesse público relevantes, sendo certo que, no caso em apreço, “os direitos em colisão são desiguais ou de espécie diferente: um respeita a um direito de personalidade enquanto o outro respeita ao bom ambiente que serve uma comunidade”.

E, no confronto entre estes dois direitos, resultou claro que os benefícios ambientais do Parque Eólico são concretos e reais, nomeadamente, que a utilização de fonte não renovável impediu a emissão para a atmosfera de 54.000 toneladas de CO2” e que a energia produzida por aquele parque em concreto permite abastecer o concelho de ... durante vários meses, “pelo que este tem de ser considerado o direito superior e logo prevalecer sobre o direito invocado pelos autores”.

Ou seja, contrapõe a ré/recorrente que, independentemente da mencionada violação, a ilicitude deve ter-se por excluída em razão dos valores da prossecução e da concretização do bem – comum ou do interesse público, valores que devem prevalecer sobre os direitos ao repouso e a um ambiente de vida humano, sadio e equilibrado, tudo por via da concordância prática consagrado no artigo 335º do Código Civil.

Vejamos:

De um lado está o direito ao repouso, de personalidade, absoluto, inviolável e inscrito no quadro dos direitos, liberdades e garantias, que são directamente aplicáveis e cujas restrições estão sempre sujeitas a reserva de lei, nos casos previstos na Constituição, devendo limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (proporcionalidade - artigo 18º CRP).

Do outro lado, perfilam-se, aceitando a posição da ré/recorrente, valores comunitários constitucionalmente protegidos, designadamente a realização do interesse público, sendo inquestionável que os aerogeradores são uma fonte de energia não poluente e que a ré representa uma indústria geradora de energia limpa e, nessa medida, defensora do ambiente.

Não são raros os casos em que o exercício de direitos subjectivos por parte de várias pessoas suscita, por vezes, situações de conflito. Estes conflitos caracterizam-se por o exercício do direito de uma das pessoas, isoladamente considerado, não ser compatível com o exercício do direito de outra pessoa, também isoladamente considerado.

Havendo, inequivocamente, no caso sub judice, direitos conflituantes, há que fazer uma ponderação judicial á luz do artigo 335º do Código Civil (colisão de direitos).

“O sentido do artigo 335º é o de distinguir situações em que os direitos em conflito podem ser hierarquizados e situações em que existe entre eles uma relação de paridade. A concretização do regime do artigo 335º do Código Civil exige uma ponderação dos direitos em conflito. A ponderação deve ser feita em concreto.

“Embora se possa dizer que “os tribunais se têm pronunciado no sentido geral da prevalência dos direitos de personalidade sobre os direitos meramente económicos”, “se da ponderação concreta dos direitos em colisão não resulta a superioridade de um sobre o outro, «devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes[10]».

Assim, para a hipótese de colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, considerou o Professor Capelo de Sousa, analisando o n.º 1 do artigo 335º, que “a solução do conflito passa pelo sacrifício no mínimo necessário de qualquer dos direitos conflituantes e pelo não privilegiar qualquer um desses direitos, suportando cada um dos titulares dos direitos, em igual medida, os custos da resolução da colisão, de modo a que os direitos conflituantes, nos seus concretos modos de exercício, possam coexistir um ao lado do outro e produzam os seus efeitos próprios em condições de igualdade. A concordância prática de tais direitos faz-se, pois, aqui com idênticos ou equivalentes sacrifícios ou cedências recíprocas”.

“Diferentemente, para a hipótese de colisão de direitos desiguais ou de espécie diferente determina o n.º 2 do artigo 335º que «prevalece o que deva considerar-se superior». As partes não estão agora em posições conflituais idênticas ou equiparadas, pois a maior carga axiológico – jurídica, mais ampla ou mais intensa do que a do direito inferior e, se necessário, com detrimento desta”.

“Só que, mesmo o direito inferior deve ser respeitado até onde for possível e apenas deve ser limitado na exacta proporção em que isso é exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses. Inclusivamente, caso sejam possíveis e adequados vários modos de exercício dos direitos superior e inferior, a solução legal do conflito impõe que as partes adoptem modos alternativos de exercício que respeitem a diferença axiológico – jurídica em causa e se mostrem não colidentes entre si ou, se isso não for possível, impõe que o titular do direito predominante adopte o modo de exercício mais moderado ou menos gravoso, que limite no mínimo o direito secundário[11]”.

Qual então o direito prevalente?

Antes de mais, deve referir-se que se não acompanha a argumentação da ré/recorrente quando insinua que os direitos ao repouso, sossego, por não pertencerem ao núcleo essencial do direito fundamental à integridade física e moral, não merecem, por isso, o mesmo grau de protecção, o que resultará dos seus próprios limites imanentes ou intrínsecos, com a inerente consequência de se revelar lícita a conduta da ré de agressão física e moral dos autores, para levar a cabo o interesse público, não havendo, assim, sequer, uma situação de conflito.

Na verdade, como considerou o citado acórdão de 19/10/2010[12], “a tutela da integridade pessoal está umbilicalmente ligada à consagração constitucional absoluta da dignidade da pessoa humana, especialmente revelada no artigo 25º pela declaração da sua inviolabilidade, «na inexistência de autorização expressa de leis e na proibição de afectação do direito á integridade pessoal nas situações de suspensão de direitos fundamentais em estado de sítio de emergência[13] (artigo 129º, n.º 6 da Constituição)», sendo certo que, como é reconhecido, o sono e o repouso são essenciais à vida, não só na vertente da saúde, mas também da própria existência física”.

Assim, continua, “embora o direito à integridade pessoal não seja, em absoluto, «um direito imune a quaisquer limitações», designadamente de autolimitações ou de intervenções de autoridade públicas dentro de estritos limites legalmente regulados e justificados à luz da própria Constituição e da proporcionalidade aferida pelo grau (mínimo) de ofensa corporal, entende-se que não pode, sem mais ou em abstracto, afirmar-se que os direitos ao sono e ao repouso que o integram estejam, como que por natureza, excluídos do respectivo núcleo essencial”.

Neste mesmo sentido, tem o Supremo Tribunal de Justiça entendido que, “em caso de conflitos entre os «direitos, liberdades e garantias» não sujeitos a reserva de lei restritiva com outros direitos fundamentais (direitos económicos, sociais e culturais) devem prevalecer aqueles[14]”.

“Bem diferentemente, crê-se que hão-de ser a espécie e grau de ofensa, na ponderação, em concreto, do princípio da proporcionalidade, a ditar se o direito, originariamente absoluto e inviolável, pode suportar alguma limitação ou compressão em ordem à compatibilização ou harmonização, em co - exercício com outros direitos constitucionalmente reconhecidos”.

Importa, pois, “averiguar, caso a caso, se a prevalência dos direitos relativos à personalidade não resulta em desproporção intolerável, face aos interesses em jogo, certo que o sacrifício e compressão do direito inferior apenas deverão ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante[15]".

Como se referiu, a ré/recorrente esgrime com a natureza e interesse público da sua actividade, invocando como imperativo de interesse público relevante o facto de a ré representar uma indústria geradora de energia limpa, não poluente e, nessa medida, defensora do ambiente.

A ré, mesmo que se entenda que, no desenvolvimento dessa sua actividade, actua na realização do interesse público, tal actuação não pode deixar de se efectivar com sujeição à Constituição e á lei, respeitando os direitos subjectivos e os interesses legítimos dos particulares, o que se caracteriza pela necessidade permanente de conciliar as exigências do interesse público com as garantias dos particulares[16].

Em suma, os particulares não estão sujeitos ao dever de, em qualquer caso, em nome do interesse público, suportar exclusivamente lesões dos seus direitos ou suportar sacrifícios em nome do bem comum, cabendo á sociedade, nos casos em que aqueles sacrifícios possam ser e tenham de ser impostos, compensá-los dos prejuízos causados, como acontece com as expropriações.

6.

Os autores discordam do acórdão recorrido na parte em que decidiu suspender a actividade dos aerogeradores 1, 3 e 4 durante onze horas que decorrem entre as oito horas da tarde e as sete da manhã, correspondentes ao período do entardecer e nocturno e não durante todo o dia.

Entendem os autores que a decisão seria aceitável se o agregado familiar, por exemplo, apenas utilizasse a Quinta à noite para tomar refeições e dormir e durante o dia estivessem ausentes da Quinta, todos os dias do ano, quando, afinal, a violação dos direitos dos autores dá-se permanentemente, 24 sobre 24 horas, sendo essa violação em certos aspectos tão ou mais intensa durante o período diurno do que no período nocturno.

Que dizer?

Como ficou provado, (i) é possível programar os aerogeradores para, em determinadas condições de vento mais propícias a gerar níveis de ruído mais intensos, reduzirem ou suspenderem a sua actividade (quesito 112º); (ii) programar os aerogeradores para ajustarem as respectivas pás para posições menos agressivas em termos aerodinâmicos (quesito 113°); (iii) – reforçar o isolamento acústico dos equipamentos, caso se trate de um ruído gerado pelo funcionamento das turbinas (quesito 114º); (IV) ou suspender o funcionamento a determinadas horas/períodos do dia (quesito 115º).

Como se constata, a ré nada fez de modo a controlar os ruídos e a própria administração pública, só alertada pelo estudo da D.., feito a pedido do 1º Autor, concluiu também pela necessidade da desmontagem do aerogerador n.º 2.

Tendo ficado demonstrado que o 1º autor vive e trabalha a tempo inteiro na Quinta e que a 2ª autora é doméstica (ou seja, trabalha em casa), que a vida social da família é passada na Quinta e que os dois filhos menores estudam na Quinta, fora do horário escolar, isto significa que a exposição ao ruído acontece não só durante a noite mas também durante o dia, causando problemas de sono à noite, mas constituindo um perturbado viver durante todo o dia, causando os ruídos e sombras intermitentes, em consequência da actividade dos aerogeradores, um desgaste físico e psíquico também durante o dia na pessoa dos autores.

Por essa razão, não tendo a ré procedido às alterações que se impunham para minimizar os ruídos, é inaceitável a decisão de só determinar a suspensão dos aerogeradores desde o entardecer ao amanhecer.

O efeito prático do acórdão recorrido, tal como está, não é cessar a actuação violadora dos direitos que reconhece aos Recorrentes. Apenas lhes confere um período de paragem de funcionamento dos aerogeradores durante a noite. Ou seja, reconhece a impossibilidade de coexistência dos direitos mas ignora as consequências, não obstante a violação dos direitos de personalidade dos réus ser total sempre que se verifica o funcionamento dos aerogeradores, tal como decorre do nexo de causalidade entre os danos sofridos e o funcionamento dos aerogeradores, seja diurno, ao entardecer ou nocturno, quer estejam os quatro aerogeradores a funcionar, como refere o acórdão recorrido, quer estejam apenas três aerogeradores a funcionar.

Na verdade, não estando provado que o ruído seja menor de dia do que durante a noite, se os aerogeradores não estiverem desligados, é evidente que a violação dos direitos de personalidade também se verifica no período diurno, causando ansiedade e desgaste físico e psíquico em toda a família.

Por esta razão, em clara prevalência dos direitos de personalidade, deve ser ordenada a suspensão/remoção de todos os aerogeradores, ora em questão.

7.

No que respeita ao segundo fundamento deste recurso, consideram os Recorrentes que o valor da indemnização fixado pelo Tribunal da Relação revela-se insuficiente face aos danos sofridos pelos autores.

A doutrina e a jurisprudência costumam salientar que, embora os danos morais não sejam susceptíveis de avaliação pecuniária, já que atingem bens, como a saúde, o bem – estar, que não integram o património do lesado, podem, todavia, ser compensados, com a atribuição aos lesados de uma reparação ou satisfação adequada, que possa contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar as dores físicas e o sofrimento psicológico em que tais danos se traduzem.

A nossa lei acolhe, sem margem para dúvidas, a solução de reparabilidade de tais danos, limitando-se embora àqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.

O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso (entre as quais se contam, seguramente, a natureza e gravidade do dano sofrido e os sofrimentos físicos e psíquicos dele decorrentes), devendo ter-se em conta na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.

Sabido que, nestes casos, a indemnização não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, é mister que tal compensação seja significativa e não simbólica.

No caso em apreço não se suscitam dúvidas quanto a terem os recorrentes sofrido danos de natureza não patrimonial, sendo igualmente inquestionável que estes danos assumam gravidade suficiente para justificar a intervenção reparadora do direito.

Aqui está em causa uma violação do direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono que são aspectos do direito à integridade pessoal, isto é, um dos direitos que integram o feixe de direitos, liberdades e garantias pessoais.

Pelo que se deixa exposto, afigura-se-nos como adequada uma indemnização de 10.000 euros a favor do 1º e 2º autor (marido e mulher) que passam todo o dia na Quinta e 5.000 euros a favor de cada um dos filhos menores, cujas deslocações para a Escola se efectiva ao longo da maior parte do período diurno, durante o tempo Lectivo, perfazendo tal indemnização o montante de 30.000 euros, na sua globalidade.

8.

Concluindo:

I - A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.

II - Não se confunde com tal nulidade o erro de julgamento, designadamente quanto a contradições da matéria de facto, as quais, a existir, poderão implicar a anulação do acórdão, atento o disposto no n.º 3 do artigo 729º do CPC.

III - Não conhece de questões que lhe estejam vedadas o acórdão da Relação que, face ao recurso interposto pelos autores no qual concluem “pela revogação da sentença, julgando-se procedente o pedido por si apresentado, nomeadamente a remoção de aerogeradores”, julgando-o procedente, condena, também, no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais, que integrava o pedido – formulado na petição inicial – daqueles os autores.

IV - Também, não condena em objecto diverso do pedido o acórdão que, face ao pedido de suspensão dos aerogeradores condena na suspensão, apenas, no período da noite, a qual é um minus face àquele pedido.

V - Os direitos ao repouso, ao sono e à tranquilidade constituem uma emanação dos direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente à integridade física e moral da pessoa e a um ambiente de vida sadio, direitos esses acolhidos quer em Convenções Internacionais, como a DUDH (artigo 24º) e a CEDH (artigo 8º, n.º 1), encontrando-se também constitucionalmente consagrados, nos artigos 17º e 66º da CRP.

VI - A ilicitude, na perspectiva da violação intolerável dos direitos fundamentais, dispensa a aferição do nível de ruído pelos padrões legais estabelecidos, verificando-se se, após o início de funcionamento de determinados instrumentos, como o sejam os aerogeradores, terceiros vêm a sofrer queixas de alteração de humor, fadiga, enxaquecas e hipersensibilidade ao ruído.

VII - Embora o direito à integridade pessoal não seja em absoluto um direito imune a quaisquer limitações, em caso de conflito de direitos, designadamente com o de desenvolvimento de uma actividade que actua na realização de um interesse público – como é o da indústria geradora de energia limpa, a prevalência a que alude o artigo 335º do CC poderá impor ao seu titular limitações (sacrifícios que terá de suportar em nome do bem comum) apenas compensáveis monetariamente.

VIII - Se ficou provado que é possível (i) programar os aerogeradores para, em determinadas condições de vento mais propícias a gerar níveis de ruído mais intensos, reduzirem ou suspenderem a sua actividade, (ii) programar os aerogeradores para ajustarem as respectivas pás para posições menos agressivas em termos aerodinâmicos, (iii) reforçar o isolamento acústico dos equipamentos, caso se trate de um ruído gerado pelo funcionamento das turbinas ou (iv) suspender o funcionamento a determinadas horas/períodos do dia e que (v) o autor vive e trabalha a tempo inteiro na quinta e que a 2ª autora é doméstica (ou seja, trabalha em casa), (vi) que a vida social da família é passada numa quinta (contígua ao terreno em que se encontram implantados os aerogeradores) e (vii) que os dois filhos menores estudam na quinta, fora do horário escolar – a significar que a exposição ao ruído, em consequência da actividade dos aerogeradores, acontece não só durante a noite, mas também durante o dia, causando problemas de sono à noite, mas constituindo um perturbado viver durante todo o dia, causando os ruídos e sombras intermitentes e um desgaste físico e psíquico também durante o dia na pessoa dos autores, resulta clara a prevalência dos direitos de personalidade, sendo de ordenar a cessação da actividade referida em VII.

IX - É adequada a indemnização de € 10 000 arbitrada a favor do 1.º e 2.º autor (marido e mulher) que passam todo o dia na quinta e € 5.000 a favor de cada um dos filhos menores, cujas deslocações para a escola se efectivam ao longo da maior parte do período diurno, durante o tempo lectivo, pelos danos não patrimoniais sofridos, e referidos em VIII.

DECISÂO:

Pelo exposto, na improcedência da revista da ré/recorrente, e na parcial procedência da revista dos autores/recorrentes, decide-se condenar a ré:

a) – A suspender o total funcionamento dos aerogeradores n. os 1, 2, 3 e 4 do mesmo Parque Eólico, no período diurno e nocturno, devendo a ré, em consequência, proceder à sua remoção.

b) – A pagar aos mesmos autores a título de indemnização a quantia de trinta mil euros.

Custas pelos autores e ré, na proporção do respectivo decaimento no que respeita ao recurso dos autores, fixando-se a percentagem em 1/5 e 4/5, respectivamente e custas totalmente pela ré quanto ao seu recurso.

Lisboa, 30 de Maio de 2013

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Ana Paula Boularot

________________________
[1] Este quesito foi aditado pelo Tribunal da Relação aos factos assentes em consequência da parcial procedência do recurso interposto pelos Autores, relativamente à impugnação da matéria de facto.
[2] Vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 10ª edição, página 525 e seguintes.
[3] Antunes Varela, Obra Citada, página 562.
[4] Veja-se Acórdão Moreno Gomez, de 16 de Novembro de 2004, R04-X, página 321, & 3 e demais queixas citadas por Ireneu Cabral Barreto, in “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Anotada, 4ª edição, página 239.
[5] Constituição da República Portuguesa, Anotada, Volume I, 4ª edição, página 845.
[6] Vide Acórdão de 19/10/2010, Processo n.º 565/1999.L1.S1 (Conselheiro Alves Velho – Relator).
Acórdão de 2/07/2009, Processo n.º 09B0511; Acórdão de de 8/04/2010, Processo n.º 1715/03TBEPS.G1.S1; Acórdão de 6/05/1998, Revista n.º 338/98-1ª Secção; Acórdão de 10/02/98, Revista n.º 1044/98-2ª Secção; Acórdão de 17/01/2002, Revista n.º 4140/01 – 7ª Secção; Acórdão de 18/02/2003, Revista n.º 4733/02-6ª Secção; Acórdão de 13/09/2007, Revista n.º 2198/07 – 7ª Secção; Acórdão de 22/09/2009, Revista n.º 161/05.2TBVLG.S1

[7] Acórdão STJ de 2/07/2009, Revista n.º 511/09 – 2ª Secção (Conselheiro Santos Bernardino-Relator).
[8] Ac. STJ de 6/05/1998, Revista 338/98-1ª Secção, Cons. Fernandes Magalhães (Relator).
[9] Ac. STJ de 17/10/2002, Revista n.º 2255/02-2ª Secção, Simões Freire (Relator).
[10] Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 7ª edição, página 254/255.
[11] O Direito Geral de Personalidade, página 547 a 549.
[12] Relator: Conselheiro Alves Velho.
[13] Jorge Miranda – Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, página 268.
[14] Acórdão de 13/03/1997, Processo n.º 557/96-2ª Secção;
Acórdão de 6/05/1998, Revista n.º 338/98-1ª Secção;
Acórdão de 3/05/2001, Revista n.º 978/01-1ª Secção.
Acórdão de 22/09/2009, Revista n.º 161/05.2TBVLG.S1-1ª Secção
[15] Vide Acórdão STJ de 19/04/2012, Processo n.º 3920/07.8TBVIS.C1.S1, publicitado em www.dgsi.pt.
[16] Vide Freitas do Amaral, Direito Administrativo, II Volume, 1988, página 82.