Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
849/09.9TJVNF.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REVISTA EXCEPCIONAL
REVISTA EXCECIONAL
CONTRADIÇÃO DE JULGADOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITOS REAIS / SERVIDÕES PREDIAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / REVISTA EXCEPCIONAL ( REVISTA EXCECIONAL ).
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2.ª Edição, 2014, pp.46-47.
- Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª Edição, 2008, p.116.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 1549.º, 1569°, N° 1, AL. C) E N° 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608º, N.º 2, 663.º, N.º 2, 671.º, N.º3, 672.º, N.º1, ALÍNEA C), 679.º.
LEI N.º 41/2013, DE 26-06: - ARTIGO 5.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 17/02/2009, PROCESSO N.º 08A3761 JSTJ000 DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 04/05/2010, PROCESSO N.º 3272/04.8TBVISC.1.S1, IN CJSTJ, TOMO III, P. 63, E DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 20/11/2014, PROCESSO N.º 7382/07.1TBVNG.P1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
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A.U.J. DE 14/05/1996, PUBLICADO NO DR N.º 144/96, SÉRIE II, DE 24/06/1996.
Sumário :   
1. Sendo o recurso de revista interposto, em primeira linha, com base na não verificação de dupla conforme por alegada fundamentação essencialmente diferente, nos termos do n.º 3 do art.º 671.º do CPC, e, subsidiariamente, com fundamento especial radicado em contradição entre o acórdão recorrido e um acórdão do STJ, no domínio de uma outra questão essencial para a decisão recorrida, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art.º 672.º do mesmo Código, impor-se-á ajuizar, prioritariamente, sobre a questão da admissibilidade em sede geral de dupla conforme.    

 2. Porém, sendo a fundamentação tida por essencialmente diversa confinada a uma consideração final do acórdão recorrido feita a latere sem que tivesse sido ali assumida como fundamento nuclear da decisão confirmativa da sentença da 1.ª instância, neste plano, tal consideração revela-se, à partida, irrelevante para descaracterizar a dupla conforme.

 3. Não obstante isso, vislumbrando-se que tal consideração final poderá, ainda assim, vir a ser equacionada na apreciação do objeto do recurso, caso improceda a alegada contradição jurisprudencial sobre a outra questão essencial, deverá então admitir-se a revista com base nessa fundamentação essencialmente diversa, em termos prospectivos, mas condicionada à procedência do fundamento subsidiário estribado naquela contradição. 

 4. Assim, devendo tal contradição jurisprudencial ser apreciada em sede de mérito e não como mero requisito de admissibilidade do recurso, dado envolver um cotejo mais aprofundado dos acórdãos em confronto, julgada que seja improcedente a invocada contradição, ficará, nessa medida, prejudicado o conhecimento do objeto do recurso quanto à questão só prospectivamente tida por essencialmente diversa.   

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório


1. AA e cônjuge BB (A.A.) instauraram, em 09/03/2009, junto dos Juízos Cíveis do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, contra CC e seu cônjuge DD (R.R.) ação declarativa, sob a forma de processo sumário convolado para processo ordinário, na decorrência da reconvenção deduzida, alegando, no essencial, que:

. Os A.A. adquiriram o prédio urbano, constituído por casa de habitação com quintal, sito na Avenida … da freguesia de Joane, município de Vila Nova de Famalicão, mediante escritura de compra e venda, datada de 30/11/1983 e ainda por usucapião, o qual confina com um prédio urbano dos R.R., pelo lado nascente deste;

. Há mais de 35 anos que todas as águas residuais escoam por uma caixa existente no pavimento do rés-do-chão do prédio dos A.A. e são depois conduzidas através de um tubo de plástico, com cerca de uma polegada de diâmetro que atravessa a parede do alçado do prédio voltada para o prédio dos R.R. e, a partir daí, subterraneamente para uma caixa existente no solo deste mesmo prédio, que atravessa subterraneamente, e ainda dois prédios confinantes, até um outro prédio que dista cerca de 500 m do prédio dos R.R.;

. No dia 20/10/2007, os R.R. cortaram ou mandaram cortar o tubo condutor das águas residuais e também taparam as saídas das águas pluviais existentes no muro da propriedade dos A.A., que corriam para o prédio deles, o que, com a vinda das chuvas, provocará inundações no prédio dos A.A..

. Os prédios dos A.A. e dos R.R. constituíram um só prédio pertencente a EE, tendo sido constituída a servidão de aqueduto por destinação de pai de família;

. Além disso, por mais de 50 anos os A.A., por si e antecessores, de forma pública, pacífica, continuada e de boa fé, fizeram atravessar subterraneamente o prédio dos R.R. com o tubo de esgoto e deixarem correr para ele as águas pluviais, à vista de toda a gente, sem oposição, na convicção de exercerem um direito seu.


         Concluíram os A.A. a pedir que:

   a) – se reconheça que sobre o prédio dos R.R. está constituída uma servidão de aqueduto a favor do prédio dos A.A., consubstanciada no direito de estes fazerem atravessar subterraneamente um tubo de plástico, com cerca de uma polegada de diâmetro, que transporta as águas residuais domésticas provenientes do seu prédio, para uma caixa existente no solo do prédio dos R.R., a cerca de 10 metros da parede da casa dos A.A., e de as ditas águas serem conduzidas desta caixa, através de um tubo com idênticas dimensões, que atravessa subterraneamente todo o prédio dos R.R. e dois prédios confinantes a este, até um outro prédio, o qual dista cerca de 500 metros do prédio dos A.A.;

  b) – se reconheça que sobre o prédio dos R.R. está constituída uma servidão de escoamento a favor do prédio dos A.A., consistente no direito de fazer escoar as águas pluviais que caem no prédio destes para o prédio daqueles, através das saídas existentes no muro dos A.A.;

  c) – se condenem os R.R. a reporem a situação tal como se encontrava anteriormente a 20/10/2007, ou seja, restabelecer a ligação do tubo desde a parede do prédio dos A.A. até à caixa existente no logradouro do prédio contíguo e propriedade deles R.R., bem como a desobstruírem as saídas de águas pluviais existentes no muro propriedade dos A.A.;

   d) – se condenem os R.R. a se absterem da prática de quaisquer atos que prejudiquem ou perturbem o uso normal e pleno das servidões de aqueduto e de escoamento nos termos expostos nas alíneas a) e b), respetivamente;

  d) – se condenem os R.R. no pagamento de uma indemnização por todos os danos morais causados aos A.A., a fixar pelo tribunal, tendo em conta o tempo em que perdura esta situação, mas que se computa, à partida, em € 5.000,00.

2. Os R.R. contestaram, deduzindo também reconvenção, a sustentar que:

. Não é possível a constituição da servidão por destinação de pai de família, já que, no momento da constituição dos dois prédios, estes não estavam fracionados nem individualizados;

. Por outro lado, a servidão invocada pelos A.A. respeita à colocação de um tubo de esgoto, não tendo sido alegado qualquer sinal visível e permanente da sua passagem, pelo que não sendo aparente, não poderia constituir-se por usucapião;

. Os A.A. invocaram ainda uma servidão legal de escoamento, mas as águas pluviais só não se infiltram no seu prédio devido às construções que eles nele fizeram, impermeabilizando-o;

. A colocação do tubo de esgoto resultou de um acordo entre irmãos, então donos dos dois prédios, com carácter provisório, até ser construído um poço sumidouro, tendo os A.A. comprado o seu prédio com a condição da sua eliminação;

Em sede de reconvenção, alegaram os R.R. prejuízos decorrentes da situação anterior ao tapamento, pedindo uma indemnização no valor de € 22.502, 00.

3. Os A.A. impugnaram a pretensão reconvencional.

4. Findos os articulados e dispensada a audiência preliminar, foi proferido saneador tabelar e selecionada a matéria de facto tida por relevante com a organização da base instrutória, conforme fls. 95 a 104.

5. Realizada a audiência final, foi proferida sentença (fls. 222- 236), na qual foi inserida a decisão de facto e respetiva motivação, julgando-se:

   a) - improcedente a ação, por se considerar abusivo o exercício pelos A.A. do direito à constituição de pretendida servidão de aqueduto e/ou extinto esse direito por renúncia;

   b) - e também improcedente a reconvenção.

6. Inconformados com tal decisão, os A.A. apelaram dela para o Tribunal da Relação do Porto, suscitando nulidades da sentença recorrida, bem como questões respeitantes à não invocação pelos R.R. da renúncia ao direito invocado, à inexistência de tal renúncia e do abuso do direito, mas a apelação foi julgada improcedente e confirmada a sentença recorrida ape-nas quanto à existência de abuso de direito, embora com a consideração final, a latere, no sentido de que nem se poderia falar da constituição da servidão por usucapião por não existir prova nem ter sido alegada sequer a inversão do título de posse, conforme o acórdão de fls 281-294, datado de 18/09/ 2014. 

7. Desta feita, novamente inconformados, vieram os A.A. interpor recurso de revista, invocando, em primeira linha, a não ocorrência de dupla conforme, por se verificar fundamentação essencialmente diferente, e subsidiariamente, a título excecional, quanto ao abuso de direito, alegando a oposição de julgados, para o que formulam as seguintes conclusões:

1.ª - O acórdão impugnado é recorrível e passível de revista porquanto não há, quanto a ele, uma confirmação da decisão da 1.ª Instância; pelo contrário, o mesmo confirmou a decisão proferida na 1.ª instância mas com base numa fundamentação essencialmente diferente (n.o 3 do art. 671.º do CPC);

2.ª - Efetivamente, o Tribunal da 1.ª Instância entendeu que os A.A. adquiriram, por usucapião, o direito de servidão de aqueduto que onera o prédio dos R.R., mas julgou improcedente a ação por entender que aqueles renunciaram ao direito à invocação da constituição dessa servidão e/ou que o exercício do direito à invocação da constituição da dita servidão consubstancia abuso de direito;

3.ª - Por sua vez, o Tribunal da Relação entendeu que não está em causa a renúncia a um direito e considerou que opera o instituto do abuso do direito mas, como meio de fundamentação, invocou o acórdão do STJ, de 14/01/1999 proferido no processo nº. 99B572, de cujo teor resulta que estão em causa atos de mera tolerância e não atos possessórios, entendendo-se que «é o que se passa neste caso», bem como defendendo que o que interessa é a posição intelectual dos A.A..

4.ª - Ainda que se entenda que a decisão do Tribunal da Relação é sobreponível à da 1.ª Instância, os Recorrentes entendem que, ainda assim, se verifica o pressuposto de admissibilidade da revista excecional nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC.

5.ª - Na verdade, o acórdão recorrido está em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo STJ, de 13-11-2003, no processo n.003B3029, com o n.º convencional JSTJOOO, relatado pelo Exm.º. Juiz Conselheiro Dr. Araújo Barros, in www.dgs.pt, no domínio da mesma legislação (artigos 1260.º, n.º1, 1261.º, n.º 1, 1262.º, 1287.º, 1296.º, 1569.º, n.º 1, al. d), e 334.º, todos do CC) e sobre a mesma questão fundamental de direito (o direito de constituição de uma servidão e o instituto do abuso de direito), não tendo sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme, o que se pretende com a presente revista.

6.ª - O acórdão recorrido não podia considerar que os A.A. apenas beneficiaram de uma situação de tolerância dos R.R., já que o Tribunal da 1.ª Instância entendeu que, perante a matéria de facto provada (a qual não foi impugnada por qualquer das partes), «temos de considerar que os A.A. foram possuidores de um direito correspondente ao de uma servidão de aqueduto.», e, por isso, nas conclusões da apelação, os Recorrentes alegaram que «lograram provar os factos necessários para que se declarasse judicialmente a constituição de uma servidão de aqueduto constituída a favor do seu prédio e onerando o prédio dos Apelados, o que resulta quer da fundamentação de facto, quer da fundamentação de direito da sentença recorrida.»

7.ª - Ora, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, pelo que o Tribunal de recurso não pode conhecer de matérias nele não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artigo 635.º CPC).

8.ª - Acresce que, a proibição da "decisão-surpresa", isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes, também se aplica à instância de recurso, pelo que o acórdão recorrido é nulo por omissão do convite aos Apelantes/Recorrentes para se pronunciarem sobre a alegada falta de “animus” - artigos 3.º, n.º 3, e 195.º, n.º1, ambos do CPC, e inconstitucional por violar os artigos 13°, 18°, nº 1, e 20°, nº 4, todos da Constituição da República Portuguesa.

9.ª - A Relação socorreu-se de uma fundamentação que se considera essencialmente diferente da utilizada pela 1.ª Instância, para concluir pelo mesmo desfecho que a sentença, ou seja, que se está perante um caso de “venire contra factum proprium” integrador da figura de abuso do direito.

10.ª - A fundamentação do acórdão recorrido não tem suporte nos factos que vêm provados na sentença, da qual resulta, aliás, o inverso, conforme pontos 5.6, 5.12, 5.13, 5.36, 5.37 e 5.40 dos factos provados da sentença.

11.ª - O Tribunal da 1.ª Instância deu como provada a constituição do direito de servidão de aqueduto a favor do prédio dos Recorrentes e onerando o prédio dos Recorridos, com fundamento que, «para além de retirarem lodos os benefícios que o referido direito lhes proporciona (atos materiais demonstrativos do exercício de poderes de facto sobre a coisa), alegavam os A.A. com a intenção e ânimo de titulares do referido direito.»; enquanto o Tribunal da Relação defende que, para tanto, aos A.A./Recorrentes falta o animus;

12.ª - Acontece que, em caso de dúvida, a posse presume-se em quem exerce o poder de facto (artigo 1252.º, n.º 2, do CC), e tendo os A.A. exercido o poder de facto durante 24 anos (desde pelo menos 1983 até 2007), sem interrupção, de forma pacífica, pública, de má fé segundo a 1.ª Instância (Cfr. Pontos 5.6, 5.7, 5.8., 5.9, 5.10, 5.11, 5.12 e 5.13 dos Factos Provados), por força da presunção não ilidida, adquiriram o direito de servidão de aqueduto por usucapião (o que decorre também da jurisprudência uniformizadora plasmada no acórdão do STJ de 14.05.96, in DR, II Série, 24.06.96).

13.ª - O Tribunal da Relação entende que os Recorridos ilidiram a dita presunção, pela prova de que os Recorrentes apenas beneficiaram de uma situação de tolerância, mas o contrário resulta dos factos provados e vertidos nos pontos 5.36, 5.37 e 5.40. dos factos provados da sentença.

14.ª - Certo é que, ainda que com diferente fundamentação, a 1.ª Instância e a Relação fizeram operar o instituto do abuso de direito, na modalidade do “venire contra factum proprium”, para julgar a acção improcedente.

15.ª - Todavia, do quadro factual resulta que o direito à constituição da servidão de aqueduto não foi exercido abusivamente pelos A.A. (Ctr. 5.17, 5.18  e 5.19 dos factos provados da sentença).

16.ª - O comportamento dos A.A., decorrido o prazo de um ano previsto na declaração em apreço e nos 23 anos subsequentes, não é suscetível de criar nos R.R. a convicção ou expetativa fundada de que o direito à constituição da servidão não seria exercido (cfr, 5.12, 5.36, 5.37 e 5.38 dos factos provados da sentença).

17.ª - Acresce que, ao subscreverem a declaração de fls. 33, os A.A. assumiram uma obrigação de “facere” perante os vendedores do imóvel e não perante os R.R., tendo a declaração natureza meramente obrigacional, produzindo apenas efeitos “inter partes”.

18.ª - Sem prescindir, não obstante o Tribunal poder conhecer oficiosamente do abuso do direito, não pode julgá-lo verificado perante a falta de alegação e prova, por parte dos R.R., dos pressupostos necessários ao desencadeamento desse instituto.

19.ª - O presente recurso estriba-se ainda na contradição existente entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento indicado supra, pois entende-se que ambas as decisões foram proferidos no âmbito da mesma legislação (artigos 1260.º, n.º 1, 1261.º, n.º1, 1262.º, 1287.º, 1296.º, 1569.º, nº 1, al. d), e 334.º, todos do CC) e sobre a mesma questão fundamental de direito (o direito de constituição de uma servidão e o instituto do abuso de direito), existindo oposição das soluções proferidas nos dois respetivos casos.

20.ª - No acórdão-fundamento, o STJ considera que estão verificados todos os pressupostos de constituição de servidão e que não pode impedir-se, com fundamento no abuso do direito, que os seus titulares peçam ao Tribunal o reconhecimento desse direito real e o convencimento dos R.R. - que não o aceitavam - da sua existência na ordem jurídica concreta.

21.ª - No acórdão recorrido, a partir da matéria de facto provada (e tendo a 1.ª Instância dado como provado o corpus e o animus da posse dos Recorrentes), a solução “de iure”' proferida por ambos os acórdãos é oposta, pois nesse acórdão entendeu-se que deveria operar o abuso do direito na modalidade de “venire contra factum proprium”;

22.ª - Assim, a questão em avaliação, que foi decidida de forma contraditória pelo acórdão recorrido e pelo acórdão-fundamento, consubstancia­se em saber se resultando da factualidade provada que estão preenchidos os pressupostos para a aquisição, por usucapião, do direito de servidão, como foi entendido que se verificava em ambos os acórdãos, pode impedir-se o respetivo reconhecimento judicial com fundamento no abuso do direito.

23.ª - Analisando a situação apreciada nos acórdãos recorrido e fundamento, verifica-se uma distinta e contraditória apreciação da mesma em ambos os arestos, sendo que o acórdão-fundamento apreciou e decidiu adequadamente, aplicando corretamente a lei aos factos, ao contrário do acórdão recorrido.

24.ª - Deste modo, a contradição existente entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento deve ser decidida no sentido acolhido por este, devendo entender-se que, verificados todos os pressupostos de constituição da servidão, não pode impedir-se, com fundamento no abuso do direito, o reconhecimento judicial e a condenação dos R.R. nesse sentido.

25.ª - O acórdão recorrido, ao contrário do acórdão-fundamento, violou as normas ínsitas nos artigos 334.º, 1260.º, n.º 1, 1261.º, n.º1, 1262.º, 1287.º, 1296.º, 1569.º, n.º 1, al. d), todos do CC, devendo, face ao exposto, ser proferida decisão que resolva o conflito jurisprudencial no sentido do acórdão-fundamento.

26.º - O acórdão recorrido incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito, tendo violado o disposto nos artigos 334.º, 1260.º, n.º 1, 1261.º, n.º 1, 1262.º, 1287.º, 1296.º, 1569.º, nº 1, al. d), todos do CC, bem como o artigo 3.º, n.º 3, do CPC e os artigos 13.º, 18.º, n.º 1, e 20.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa.  

8. Por seu lado, os Recorridos, pugnando pela confirmação do julgado, rematam com o seguinte quadro conclusivo: 

1.ª - Segundo os recorrentes, o presente recurso é admissível, na medida em que não existe dupla conforme entre a decisão da 1.ª instância e o acórdão recorrido.

2.ª - Acrescentam que, caso assim não se entenda, o recurso terá de ser considerado como revista excecional, pois o acórdão recorrido contradiz o acórdão do STJ de 13/11/2013;

3.ª - Quanto à questão da dupla conforme, o Tribunal da Relação confirmou a decisão recorrida;  

4.ª - A esse respeito, refere António Abrantes Santos Geraldes, em Recursos em Processo Civil, pag. 380, na anotação ao anterior art.º 721.º, n.º 3, CPC (actual art.º 671.º) "A segunda coordenada do recurso de revista e aquela que foi objecto de mais discussão é a que consta do já referido n.º 3 que barra o caminho dos recursos nos casos em que a Relação confirme, sem qualquer voto de vencido ainda com fundamento diverso, a decisão da primeira instancia; a chamada "dupla conforme" (...) Assim, por regra, desde que a Relação confirme a decisão da primeira instancia, sem qualquer voto de vencido e ainda que usando uma diversa fundamentação de facto ou de direito, não é admissível recurso para o Supremo, mesmo que a acção ou o decaimento atinjam valores que excedam os mínimos prescritos pelo art.º 678.º, n.º 1. Ou seja, desde que seja confirmado por unanimidade o resultado final, é indiferente que a Relação tenha seguido na fundamentação uma via divergente da trilhada pelo tribunal da 1.ª instancia, que tanto pode consistir numa diversa interpretação dos mesmos preceitos como no recurso a uma diversa qualificação jurídica. Tal regra abarca mesmo os casos em que a manutenção do resultado declarado pela 1.ª instancia tenha sido determinada pela apreciação de uma questão de conhecimento ofi-cioso (como a nulidade dos negócios jurídicos ou o abuso de direito) ou pela modificação da decisão da matéria de facto, nos termos do art.º 712.º

5.ª - Assim, o recurso não pode ser admitido, e o mesmo se diga quanto à revista excecional.

6.ª - Desde logo porque o recorrente, ao interpor recurso, tem de indicar expressamente a espécie de recurso que pretende interpor, e não interpor recursos subsidiários;

7.ª - Mas mesmo que assim não se entenda, ainda assim o recurso não pode ser admitido.

8.ª - Os recorrentes invocam uma pretensa contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão- fundamento, sustentando que ambas as decisões estão em oposição e foram proferidas no âmbito da mesma legislação, estando em causa, particularmente, o disposto nos artigos 1260.º, n.º 1, 1261.º, n.º 1, 1262.º, 1287.º, 1296.º, 1569.º. n.º 1, al. d), e 334.º do CC.

9.ª - E indicam como acórdão-fundamento o proferido pelo STJ em 13/11/03 (proc. n.º 03B3029, n.º conv. JSTJOOO, relatado pelo Exmº Juiz Conselheiro Dr. Araújo Barros, in www.dgsi.pt.

10.ª – A alínea c) do artigo 672.º do CPC exige que se trate de acórdãos contraditórios no sentido de estarem em oposição frontal e não apenas implícita ou pressuposta e que incidam sobre a mesma questão fundamental de direito, não bastando que as decisões sejam análogas, tem de se tratar da mesma questão fundamental de direito, o que só acontece "quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável, seja idêntico" - Amâncio Ferreira a propósito do artigo 678.º, n.º 2, alínea c), do CPC anterior, doutrina que mantém plena atualidade pois aquele preceito corresponde ao atual art.º 629.º, n.º 2, alínea c).

11.ª - No acórdão recorrido entendeu-se que da matéria de facto dada como provada resultava, inequivocamente, que os recorrentes, não obstante terem o direito à servidão em causa, exerciam-no de forma abusiva, na medida em que quando adquiriram o referido prédio, comprometeram-se perante a vendedora, irmã do réu marido, como condição da aquisição, que fariam desaparecer os esgotos que oneram os prédios dos irmãos da vendedora, constituindo no prédio que adquiriram uma fossa sumidoura que desvie esses esgotos.

12.ª - Porém, no acórdão-fundamento passou-se exatamente o contrário, pois não obstante ter sido invocado o abuso de direito, o tribunal recorrido entendeu que da matéria de facto dada como provada não resulta que o comportamento dos A.A. mereça qualquer censura ético-jurídica.

13.ª - Como refere o referido acórdão fundamento: "Não existe, no entanto, in casu, no comportamento dos autores qualquer acto que mereça a censura ético-jurídica subjacente ao abuso de direito.”

14.ª - Não se tratando da mesma materialidade a fundamentar ambas as decisões, não podemos concluir que os mesmos preceitos legais foram interpretados e aplicados diversamente a factos idênticos, requisito sem o qual não ocorre qualquer contradição de julgados.

15.ª - E não se verificando a previsão da alínea c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC, o recurso interposto pelos recorrentes tem de ser indeferido.

16.ª - De qualquer modo, sempre se dirá, relativamente à questão do abuso de direito, que como dispõe o atual art.º 5.º, n.º 3, do CPC (anterior art.º 664.º CPC) "O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito."

17.ª - "Nos termos do art.º 664.º CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, sendo neste sentido livre na qualificação jurídica dos factos...” - Ac. STJ de 15/11/95, BMJ, 451, p. 440.

18.ª - Acresce que, no que se refere ao abuso de direito, o mesmo é do conhecimento oficioso, pelo que o tribunal pode e deve debruçar-se na sua apreciação ainda que não haja sido expressamente alegado - neste sentido vide, entre outros Ac. STJ de 05/02/87, BMJ, n.º 364, p. 787, bem como Ac. STJ de 21/02/02, Ver. N.º 3227/01-2ª: Sumários, 2/2002.

19.ª - Face ao exposto, o presente recurso não merece provimento.

9. O coletivo da formação de três juízes deste Supremo Tribunal a que se refere o n.º 3 do art.º 672.º do CPC, julgou ser prioritária a questão da admissibilidade do recurso nos termos gerais relacionado com a invocada não ocorrência de dupla conforme relevante, determinando a conclusão dos autos ao juiz relator.


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II – Quanto à admissibilidade do recurso


Antes de mais, importa equacionar a questão da admissibilidade da presente revista.

Como estamos no âmbito de uma ação instaurada em 09/03/2009, em que a sentença da 1.ª instância e o acórdão ora recorrido foram proferidos após 1 de Setembro de 2013, é aplicável o regime recursal introduzido pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-08, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, por força do preceituado no respetivo art.º 5.º, n.º 1.

Assim, a primeira questão sobre a admissibilidade da revista consiste em saber se, no caso presente, ocorre dupla conforme relevante obstativa dessa admissibilidade.

Ora, o n.º 3 do artigo 671.º do CPC prescreve que:

Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamento essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos nos artigos seguintes.

Nestes termos, a inovação aqui mais relevante foi a de restringir a proibição de revista por via da dupla conforme, de modo a tornar esse recurso admissível em caso de confirmação com fundamentação essencialmente diferente, quiçá para reforçar a garantia do duplo grau de jurisdição.

Significa isto que, para tal efeito, a fundamentação do acórdão da Relação, apesar de nele se concluir pela confirmação da decisão da 1.ª instância, terá de estribar-se num enquadramento fáctico-jurídico ou até meramente jurídico substancialmente diverso do adotado na sentença recorrido, em termos de se equiparar a uma solução de primeira linha que justifique a sua reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, de forma a que fique garantido o duplo grau de jurisdição.

No caso presente, a sentença da 1.ª instância, embora reconhecendo a existência do invocado direito de servidão de aqueduto a favor do prédio dos A.A. sobre o prédio dos R.R., com fundamento na sua aquisição originária emergente de usucapião, que não por destinação de pai de família, acabou por considerar que tal direito se extinguira por renúncia, por parte dos A.A., e que, cumulativamente, o exercício de tal direito, pelos mesmos A.A., se revelava abusivo, tendo julgado a ação improcedente com base naquelas duas exceções perentórias.             

Por sua vez, com arrimo na mesma factualidade provada, o acórdão recorrido considerou que não se configurava uma situação de renúncia, mas que operava o instituto do abuso de direito, também reconhecido em 1.ª instância.  

Não obstante isso, o acórdão recorrido acrescentou ainda a seguinte consideração final:

«Diga-se, aliás, embora isso não venha ao caso, que até entendemos que não pode falar-se da constituição da servidão por usucapião.

Como se diz na sentença, para a obtenção desse resultado é necessária a combinação de dois requisitos: o corpus – a posse do direito durante certo lapso de tempo - e o animus – exercício do poder de facto com intenção de agir como beneficiário do direito (arts. 1253.º e 1287.º do CC).

Segundo o art. 1253.º, são havidos como meros detentores ou possuidores precários os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito (a), e os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito (b). Está em causa uma concepção subjectiva da posse.

Os A.A. beneficiaram de um estado de facto insusceptível de constituir para eles um direito, e susceptível de desaparecer no dia em que os donos dos prédios por onde passa o esgoto resolvessem eliminá-lo.

É verdade que o n.º 2 do art. 1252.º do CC estabelece uma presunção de posse em nome próprio por parte daquele que exerce o poder de facto, isto é, de quem tem a detenção da coisa (corpus) mas esta presunção foi ilidida pela prova de que os AA. apenas beneficiaram de uma situação de tolerância dos onerados, pois se sabiam obrigados a eliminar a tubagem.

Assim, sendo meros detentores (art. 1253.º-a) do CC), não podiam adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, excepto achando-se invertido o título da posse (art. 1290.º do CC).

Ora, não há prova da interversio possessionis, que nem foi alegada.»   

Significa isto que o acórdão recorrido, apesar de ter reconhecido a procedência do abuso de direito, também tida em conta pela 1.ª instância, e confirmado, nessa base, a sentença recorrida, considerou a latere que, afora isso, nem sequer haveria a aquisição originária da invocada servidão de aqueduto por via da usucapião. 

Neste contexto, aquela consideração final traduz-se num mero obiter dicta, que não chegou sequer a ser assumida como fundamento da decisão ora recorrida, ao confirmar a sentença da 1.ª instância, não constituindo, nessa linha, fundamentação essencialmente diferente nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art.º 671.º do CPC.    

Sucede que os Recorrentes começam por justificar a admissibilidade da revista, em termos gerais, por considerar que, por via daquela consideração, o acórdão recorrido se estribou em fundamentação essencialmente diversa, o que parece não se verificar, como foi dito, dada a natureza meramente lateral daquela consideração final.

Todavia, os Recorrentes, invocam ainda, a título subsidiário, a admissibilidade excecional da revista com fundamento numa alegada contradição, no que respeita à questão do abuso de direito, entre o acórdão recorrido e o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-11-2003, no proferido no processo n.º 3029/03, transitado em julgado em 27/11/2003, conforme certidão de fls. 199-374/v.º, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC.

Nestas circunstâncias, embora a sobredita consideração final do acórdão recorrido não tenha sido ali assumida como fundamento essencial da confirmação da sentença da 1.ª instância, não se pode deixar de reconhecer que, a proceder a alegada contradição de julgados, no sentido pretendido pelos Recorrentes, poderá então ter de se equacionar a questão da própria existência do direito de servidão em causa tal como foi suscitada na parte final do acórdão recorrido.

Nessa linha prospectiva, afigura-se ser de admitir a presente revista com base em fundamentação essencialmente diversa, ainda que condicionada à procedência da alegada contradição de julgados.


III – Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, no que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC.

Dentro desses parâmetros, o objeto deste recurso incide:

(i) – em primeira linha, sobre a alegada contradição de julgados no que respeita à questão do abuso de direito;

(ii) – subsidiariamnete, sobre a questão da existência do invocado direito de servidão de aqueduto com base na usucapião. 


IV – Fundamentação   


1. Factualidade dada como provada pelas Instâncias


Vem dada como provada pelas Instâncias a seguinte factualidade:

1.1. Os autores (A.A.) são donos e legítimos possuidores do prédio urbano, constituído por casa de habitação com quintal, sito na Avenida …, antes lugar de Charrueiras ou Mato da Serra, da freguesia de Joane, município de Vila Nova de Famalicão, descrito na respetiva Conservatória do Registo sob o nº … e inscrito na matriz sob o artigo …, antes artigo … - Alínea A) dos Factos Assentes;

1.2. O direito de propriedade e a posse deste prédio advieram aos A.A. por escritura pública de compra e venda, outorgada em 30/11/1983, no 1.º Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, lavrada de fls. 29 verso a 31 do Livro de Escrituras Diversas nº 121-B, através da qual FF e sua mulher GG declararam vender ao A. marido, e este declarou comprar, pelo preço de 500.000$00, o referido prédio – Alínea B) dos Factos Assentes;

1.3. Os réus (R.R.) são proprietários do prédio urbano que confina com o prédio dos A.A., pelo seu lado nascente e adquiriram a propriedade deste prédio por sucessão “mortis causa” – Alínea C) dos Factos Assentes;

1.4. Correu termos por este tribunal sob o n.º 3.321/07.8TJVNF do 4.º Juízo Cível providência cautelar sobre os mesmos factos e foi julgada improcedente – Alínea D) dos Factos Assentes;

1.5. Os prédios em causa, ora propriedade dos A.A. e dos R.R., constituíam outrora um único prédio, pertencente a EE – Alínea E) dos Factos Assentes;

1.6. Desde data não apurada, anterior a 1983, que as águas residuais domésticas provenientes do prédio identificado em 1.1. (alínea A) passam, subterraneamente, através de um tubo, pelo prédio atualmente propriedade dos R.R. – resposta ao art.º 1.º da base instrutória;

1.7. Nomeadamente, as águas da cozinha, das casas de banho do prédio e da máquina de lavar roupa dos A.A. escoam todas numa caixa existente no pavimento do rés-do-chão desse prédio – resposta ao art.º 2.º da base instrutória;

1.8. E são depois conduzidas através de um tubo de plástico, com cerca de uma polegada de diâmetro que atravessa a parede do alçado do prédio voltado para o prédio dos R.R. – resposta ao art.º 3.º da base instrutória;

1.9. E a partir daí, subterraneamente, para uma caixa existente no solo do referido prédio dos R.R., a cerca de 10 metros da parede da casa destes – resposta ao art.º 4.º da base instrutória;

1.10. E, desta caixa, as ditas águas são conduzidas através de um tubo com idênticas dimensões, que atravessa subterraneamente todo o referido prédio dos R.R. e dois prédios confinantes a este, até um outro prédio, o qual dista cerca de 500 metros daquele prédio dos R.R. – resposta ao art.º 5.º da base instrutória;

1.11. É visível o tubo que surge no fundo do prédio ou descarga na caixa recetora existente no logradouro do prédio dos A.A. – resposta ao art.º 6.º da base instrutória;

1.12. Tal é do conhecimento dos R.R. e dos seus familiares, que autorizaram a colocação desse tubo, até 1983, data em que os A.A. compraram o seu prédio e subscreveram a declaração-compromisso com o seguinte conteúdo:

«Se comprometem a fazer desaparecer, dentro do prazo de um ano a contar da presente declaração, os esgotos que pendem sobre prédios pertencentes ao Dr. HH, e Padre EE, designadamente através da construção no prédio que agora adquiriram, de uma fossa sumidoura que desvie os esgotos dos referidos prédios.

Esclarece-se que a venda hoje realizada ao declarante e acima referida foi efectuada sob a referida condição de desvio dos esgotos por parte dos vendedores…»

resposta ao art.º 7.º da base instrutória;

1.13. No dia 20 de Outubro de 2007, os R.R., ou alguma pessoa a mando destes, cortaram e taparam o tubo condutor das águas residuais do prédio dos A.A. para a dita caixa localizada na propriedade deles – resposta ao art.º 8.º da base instrutória;

1.14. Os A.A. aperceberam-se do ato, pois usaram a casa de banho e, pelo cheiro proveniente do rés-do-chão, aperceberam-se de que as águas residuais haviam encharcado dentro da caixa e não escoavam para a caixa sita na propriedade dos R.R. – resposta ao art.º 9.º da base instrutória;

1.15. Logo constataram que o tubo que fazia a ligação dessa caixa à caixa localizada na propriedade dos R.R. havia sido cortado e tapado com cimento – resposta ao art.º 10.º da base instrutória;

1.16. Existiam sinais visíveis no solo da propriedade dos R.R. de terem estado a remexer na terra, pois a terra encontrava-se solta e não compactada como no restante pedaço de logradouro, bem como sem qualquer vegetação, no sítio encostado à casa dos A.A., onde o tubo se encontrava enterrado – resposta ao art.º 11.º da base instrutória;

1.17. No prédio dos A.A. não existe qualquer fossa séptica – resposta ao art.º 14.º da base instrutória;

1.18. Na área de residência dos A.A., ainda não existe rede pública de saneamento – resposta ao art.º 15.º da base instrutória;

1.19. Os A.A. são pessoas de idade avançada, já na casa dos 70 anos, têm dificuldades de mobilidade, principalmente o A. marido, e ambos têm antecedentes cardíacos – resposta ao art.º 16.º da base instrutória;

1.20. Os R.R., ou alguém a seu mando, também taparam as saídas das águas pluviais, existentes no muro propriedade dos A.A., e que escoavam para o prédio deles, o que com a vinda das chuvas causará inundações na propriedade dos A.A. – resposta ao art.º 17.º da base instrutória;

1.21. Pelos A.A. foram realizadas várias construções, incluindo habitação e anexos com passeios pavimentados e colocados tubos e caleiras para recolha da água, de forma a conduzi-las para o prédio dos R.R. – resposta ao art.º 20.º da base instrutória;

1.22. Atualmente, grande parte da área do prédio dos A.A. é coberta e está totalmente impermeável à infiltração de águas no solo – resposta ao art.º 21.º da base instrutória;

1.23. Com a referida construção, os A.A. aumentaram a superfície para recolha das águas pluviais e impediram a normal infiltração das águas no solo do seu prédio – resposta ao art.º 22.º da base instrutória;

1.24. Se não existissem aquelas construções, o terreno dos A.A. permitiria a infiltração das águas pluviais, sem causar malefícios ao prédio dos réus – resposta ao art.º 23.º da base instrutória;

1.25. As águas sujas provenientes das casas de banho e lavagens, esgotam a já de si exígua capacidade do prédio dos A.A. para absorver as águas pluviais que nele caem – resposta ao art.º 24.º da base instrutória;

1.26. Os A.A. fizeram obras na casa de habitação, construindo a parede nascente sobre o muro divisório ali existente, ocupando-o na totalidade – resposta ao art.º 25.º da base instrutória;

1.27. Depois, construíram passeios e canalizaram todas as águas que eventualmente viessem a cair no respetivo quintal para o prédio dos R.R., através de tubos e buracos abertos nas paredes – resposta ao art.º 26.º da base instrutória;

1.28. As águas sempre escorrem diretamente para o prédio dos R.R., mesmo com os citados tubos e buracos tapados – resposta ao art.º 27.º da base instrutória;

1.29. Os A.A. podem canalizar as águas para a valeta da estrada nacional (Famalicão/Guimarães), que passa a norte do prédio – resposta ao art.º 28.º da base instrutória;

1.30. Na altura que os prédios eram propriedade da mesma pessoa, pai do R. marido, o prédio dos A.A. tinha um poço sumidouro próprio e para ele eram conduzidas todas as águas sujas do prédio – resposta ao art.º 29.º da base instrutória;

1.31. Mais tarde, esse prédio dos A.A. passou para a propriedade da irmã do R., GG, e esta e o marido, FF, venderam-no aos A.A. – resposta ao art.º 30.º da base instrutória;

1.32. Quando o prédio dos A.A. ainda pertencia àquela irmã e cunhado dos R.R., o Padre EE, então dono do prédio dos R.R.,  permitiu que aqueles ligassem as águas do seu prédio à caixa e ao tubo referido, indo as mesmas desaguar num prédio que pertencia a outro irmão, Dr. HH – resposta ao art.º 31.º da base instrutória;

1.33. Tudo isso resultou de um acordo entre aqueles três irmãos e seria sempre uma situação provisória e temporária, por serem familiares ou seja só até ser reconstruído o poço sumidouro – resposta ao art.º 32.º da base instrutória;

1.34. Mais tarde, a irmã e o cunhado dos R.R. venderam o prédio aos A.A., mas puseram como condição que estes eliminassem o tubo de escoamento referido e construíssem um poço sumidouro no seu prédio, pois era esse o compromisso que tinham assumido para com os irmãos Padre EE e do Dr. HH – resposta ao art.º 33.º da base instrutória;

1.35. Os A.A. aceitaram tal condição e assumiram o compromisso respetivo – resposta ao art.º 34.º da base instrutória;

1.36. Essa declaração foi assinada na data da escritura e as assinaturas reconhecidas no notário – resposta ao art.º 35.º da base instrutória;

1.37. Em 02/02/2005, o Dr. HH, dono do prédio onde a referida canalização ia desaguar, escreveu aos A.A. uma carta dando-lhes 30 dias para a resolução do problema, mas sem qualquer resultado – resposta ao art.º 36.º da base instrutória;

1.38. Por sua vez, o R., em 15 de Setembro de 2006, já dono do prédio, enviou aos A.A. a carta registada, pela qual lhes deu o mesmo prazo de 30 dias para a resolução do problema, mas também sem qualquer resultado – resposta ao art.º 37.º da base instrutória;

1.39. Quer a casa de habitação quer os anexos que os A.A. construíram no seu prédio estão totalmente ilegais, já que não têm licença de construção nem de utilização – resposta ao art.º 38.º da base instrutória;

1.40. Existe uma deliberação da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão que os obriga a demolir todas as construções que fizeram sem licença – resposta ao art.º 39.º da base instrutória;

1.41. Com este procedimento os R.R. viram o seu prédio ser contaminado, permanentemente e durante vários anos, pelos esgotos provenientes do prédio daqueles, apesar dos sucessivos avisos e pedidos para que tal situação terminasse, mas em qualquer resultado – resposta ao art.º 40.º da base instrutória.


2. Do mérito do recurso


2.1. Quanto à alegada contradição de julgados


Como já acima ficou enunciado, os Recorrentes invocam, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, a ocorrência de oposição, quanto à questão do abuso de direito, entre o acórdão recorrido e o decidido no acórdão-fundamento, e que consiste no acórdão do STJ, de 13-11-2003, proferido no processo n.º 3029/03, transitado em julgado em 27/11/2003, constante da certidão de fls. 199-374/v.º.

Segundo o referido normativo, excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do art.º 671.º do CPC, quando:  

O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

Ora, diga-se desde já que sobre a matéria em questão não existe acórdão uniformizador, restando agora aferir a alegada contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento, para o que se exige ainda, na esteira da jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal[1], a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

i) – a existência de, pelo menos, dois acórdãos da mesma ou diferente Relação ou do STJ em oposição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito fundamental, tendo por obje-to idêntico núcleo factual, ali versados;  

ii) – a anterioridade do acórdão-fundamento, já transitado em julgado.

Relativamente ao requisito enunciado em i), importa que a alegada oposição de acórdãos se inscreva no âmbito da mesma legislação, no sentido de que as decisões em confronto tenham convocado um quadro normativo ou regras de conteúdo e alcance substancialmente idênticos, ainda que porventura incluídos em dispositivos legais distintos[2].  

Por sua vez, tal oposição tem de incidir sobre a mesma questão de direito fundamental, o que pressupõe que as decisões em confronto tenham subjacente um núcleo factual idêntico ou coincidente, na perspetiva das normas ali diversamente interpretadas e aplicadas[3].

Para tanto, a oposição deve revelar-se frontal nas decisões em equação, que não implícita ou pressuposta, muito embora não se mostre necessária a verificação de uma contradição absoluta, não relevando a argumentação meramente acessória ou lateral (obiter dicta)[4]. Essa oposição só é relevante quando se inscreva no plano das próprias decisões em confronto e não apenas entre uma decisão e a fundamentação de outra, ainda que as respetivas fundamentações sejam pertinentes para ajuizar sobre o alcance do julgado, como, aliás, se considerou no acórdão do STJ, de 17/02/2009, proferido no processo 08A3761 JSTJ000[5].        

No caso dos autos, logo no requerimento de interposição de recurso, o Recorrente invocou, como fundamento específico, que o acórdão recorrido, no que respeita à questão do abuso de direito, está em contradição com o acórdão deste Supremo, de 13-11-2003, transitado em julgado em 27/11/2003, proferido no processo n.º 3029/03.

Ora, sobre a referida questão, no acórdão recorrido consignou-se o seguinte:

   «Nós consideramos que opera o primeiro instituto.

   Como se adiantou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.09.1999, um acordo por mero escrito particular que autorizou uma pessoa a manter abertas umas janelas que deitavam directamente para outro prédio, em que aquele reconhecia expressamente que com tal permissão não se visava constituir qualquer servidão de vistas e que o dono do prédio devassado ficava com o direito de "justapor a sua parede" à parede do prédio onde foram deixadas as janelas, tapando-as, leva a ter-se como assente que a permissão de abertura configurava um acto de mera tolerância. Por isso, o facto de o dono do prédio com as janelas vir depois pedir a condenação do outro proprietário a ver reconhecida uma servidão de vistas representa um verdadeiro venire contra factum proprium integrador da figura de abuso do direito.

    É o que se passa neste caso, pois que os AA. comprometeram-se a eliminar o esgoto, conforme exigido pela vendedora, precisamente porque a autorização para a sua colocação adviera do facto de se tratar de prédios pertencentes a irmãos, condição não comungada pelos AA. (cfr. facto 32).

   Pelo que não colhe o argumento de que a declaração apenas obriga os Apelantes relativamente aos vendedores, porquanto do que se trata é do posicionamento intelectual deles relativamente à obrigação assumida e às consequências dessa assunção sobre o direito que pretendem exercer.»

Por seu lado, no acórdão-fundamento, em sede da constituição de uma servidão predial por destinação de pai de família, foi entendido o seguinte:

«Sustentam ainda os Recorrentes que a constituição de da servidão de passagem a favor do prédio adjudicado aos autores estaria afastada pelo clausulado e exarado na escritura de partilhas, que sempre obstaria, como manifestação de vontade declarada tacitamente, à pretensão dos recorridos.

Não se nos afigura que assim seja. 

Já vimos que o art. 1549° do C.Civil exige, para obstar à constituição da servidão por destinação do pai de família que, no momento da separação dos prédios ou fracções dos prédios, outra coisa se haja declarado no respectivo documento.

O que significa que o estado de dependência ou subordinação só será excluído se puder comprovar-se, por declaração em contrário, que foi outra a intenção do dono do prédio fraccionado ou que esse estado já se não verificava à data da separação. Em suma, para que a servidão não surja, é indispensável urna cláusula contrária à sua constituição.

Ora, a clara menção do n° 1 do art. 1549° à declaração de outra coisa no respectivo documento aponta decisivamente no sentido da exigência de urna cláusula expressa para afastar a servidão, não sendo bastante inferir essa conclusão de qualquer comportamento do qual esse sentido se deduza (declaração tácita).

E não existe no documento de partilha (escritura de 26 de Outubro de 1992) de que resultou a separação dos prédios de autores e réus qualquer declaração de que possa extrair-se a intenção das partes de afastarem a servidão por destinação do pai de família (ao contrário, dela consta que os prédios são adjudicados com todas as suas pertenças e servidões).

Em todo o caso, que assim se não entendesse, nunca seria a mera referência à abertura (ou alargamento) de um caminho assente no prédio adjudicado ao Padre II, que, além de continuar a prestar servidão aos prédios de JJ e dos réus, fica a estabelecer a ligação entre a estrada camarária e os prédios dos autores (e, curiosamente, nem mesmo referiram a possibilidade de tal ligação revestir a natureza de servidão constituída por contrato), que poderia traduzir acordo contrário à destinação do pai de família.

Cremos, aliás, que o simples facto do estabelecimento dessa ligação poderia, quando muito, justificar a extinção da servidão pela renúncia dos autores, donos do prédio serviente, ou por desnecessidade desta (art. 1569°, n° 1, al. c) e n° 2, do C.Civil).

Ora, como facilmente se constata, não renunciaram os autores à servidão. E, por outro lado, ainda que se entendesse (entendimento que hoje em dia ninguém subscreve) que a servidão constituída poderia extinguir-se por desnecessidade, tal "desnecessidade não opera automaticamente a extinção da servidão, tornando-se necessária uma decisão judicial", motivo pelo qual se não poderia conhecer dessa questão no âmbito limitado deste recurso.

Impõe-se, deste modo, a conclusão de que permanece e vigora a servidão constituída sobre o prédio dos réus por destinação do pai de família.

E não se diga, como referem os recorrentes (apenas a título incidental, e sem qualquer justificação) que a conduta dos autores é abusiva.

O abuso do direito, figura a que alude o art. 334.° do C.Civil, de cuja verificação resulta a ilegitimidade do exercício de um direito, ocorre apenas quando o respectivo titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Daí se infere, por isso, que o exercício de um direito só poderá taxar-se de abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou, o mesmo é dizer, quando esse direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.

Prevê o art. 334.° do C.Civil, sobremaneira, a boa fé objectiva: não versa sobre factores atinentes, directamente, ao sujeito, mas antes elementos que, enquadrando o seu comportamento, se lhe contrapõem. Nessa qualidade, concorre com outros elementos normativos, na previsão legal dos actos abusivos: o sujeito exerce um direito move-se dentro de uma permissão normativa de aproveitamento específico – o que, já por si, implica a incidência de realidades normativas e deve, além disso, observar limites impostos pelos três factores acima isolados, dos quais um a boa fé (os demais serão os bons costumes e o fim social e económico do direito). O sentido desta implica a determinação do conjunto".

E assenta, essencialmente, no princípio (cláusula geral) de que “as pessoas devem ter um certo comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros”,

Princípio esse que reside no pressuposto ético jurídico fundamental de que “a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Assim tem de ser, pois poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens. Mais ainda: esse poder confiar é logo condição básica da própria possibilidade da comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação (logo, da paz jurídica)”.

Não existe, no entanto, in casu, no comportamento dos autores qualquer acto que mereça a censura ético jurídica subjacente ao abuso de direito.

Com efeito, verificados todos os pressupostos de constituição de servidão por destinação do pai de família, limitaram-se eles a pedir ao tribunal o reconhecimento desse direito real e o convencimento dos réus - que o não aceitavam - da sua existência na ordem jurídica concreta.

Resulta claro, portanto, que se não pode julgar improcedente por abusivo o pedido de condenação dos réus a reconhecerem a existência dessa servidão, nem mesmo com o fundamento na sua desnecessidade.

De facto, o abuso de direito supõe a existência de um lesado pelo respectivo exercício, tendo este o poder de exigir que o exercício do direito se exerça com moderação, equilíbrio, lógica e racionalidade, mas não o de requerer que o direito não seja reconhecido.

Improcedem, assim, também nesta parte, o recurso interposto, impondo-se, em consequência, a confirmação do acórdão impugnado.”

Do cotejo dos dois arestos constata-se que o acórdão recorrido considerou que o comportamento dos A.A., ao se terem comprometido, por acordo escrito, a eliminar o esgoto, conforme exigido pela vendedora, constituía abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium, enquanto que o acórdão-fundamento, embora admitindo a hipótese de abuso de direito perante o exercício de direito de servidão predial, considerou, in casu, que não era abusivo o pedido de condenação dos réus a reconhecerem a ali questionada servidão por destinação de pai de família.

Assim, o contexto factual e até jurídico de cada um dos litígios é diverso: no caso destes autos, estamos perante uma situação de constituição de servidão de aqueduto por usucapião e de um comportamento dos A.A. traduzido num compromisso escrito no sentido de eliminar o esgoto sobre o qual se poderia constituir tal servidão; o acórdão-fundamento versou sobre um caso de servidão de passagem por destinação de pai de família, que se pretendia afastada, tacitamente, por escritura de partilhas.        

Em suma, os núcleos fáctico-jurídicos nos arestos em confronto revelam-se total e substancialmente diferenciados, quanto à apreciação do abuso de direito, pelo que se conclui, já em sede de mérito, pela inexistência da pretendida contradição jurisprudencial.

2.2. Quanto à questão subsidiária

Resolvida que ficou, em sentido negativo, a questão da contradição de julgados, não existem razões para censurar, a título do alegado fundamento especial de revista, o acórdão recorrido.

Assim sendo, teremos de concluir que, confirmada como foi, por aquele acórdão, a sentença recorrida, quanto à verificação da exceção do abuso de direito, se torna irrelevante a consideração final ali feita sobre a eventualidade de não existência da invocada servidão de aqueduto, tendo-se, assim, por prejudicada tal questão, nos termos do artigo 608º, n.º 2, aplicável por via do 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.  


V - Decisão


Pelo exposto, nega-se a revista.

As custas do recurso ficam a cargo dos Recorrentes.

Lisboa, 15 de abril de 2015

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria 

João Luís Marques Bernardo

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[1] Vide, por todos, o acórdão do STJ, de 20/11/2014, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Granja da Fonseca, no processo 7382/07.1TBVNG.P1.S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj. 

[2]  Este propósito, vide Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª Edição, 2008, p.116; e ainda o AUJ do STJ, de 14/05/1996, publicado no DR n.º 144/96, Série II, de 24/06/1996.   

[3] Vide Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª Edição, 2008, p.116; e ainda o acórdão do STJ, de 04-05-2010, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Sebastião Póvoas, no processo 3272/04.8TBVISC.1.S1, in CJSTJ, Tomo III, p. 63 e também disponível na Internet http://www.dgsi. pt/jstj

[4] Neste sentido, vide Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2.ª Edição, 2014, pp.46-47.

[5] Acórdão relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Salazar Casanova, publicado na CJSTJ, Tomo I, p. 102 e disponível na Internet http://www.dgsi. pt/jstj.