Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
428/12.3TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: CABRAL TAVARES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DIREITO À HONRA
DIREITO AO BOM NOME
DOLO
ADVOGADO
INDEMNIZAÇÃO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DO RÉU E CONCEDIDA A DO AUTOR. REPRISTINA-SE A SENTENÇA DA 1ª INSTÂNCIA.
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
-Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, BFDC, Suplemento XXX, 1987, p. 437;
-Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, I, 4.ª Edição, 2007, p. 466;
-Jonatas Machado, Liberdade de Expressão, Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, 2002, p. 765;
-Menezes Cordeiro, Embargos de terceiro, reintegração de trabalhadores e sanções pecuniárias compulsórias, ROA, 1998, III, p. 1224;
-Pedro Albuquerque, O direito ao cumprimento de prestação de facto, o dever de a cumprir e o princípio nemo ad factum cogi potest. Providência cautelar, sanção pecuniária compulsória e caução, ROA, 2005, II, p. 449 e 450.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 633.º, N.º 5, 635.º, N. 4 E 639.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, 484.º, 496.º E 566.º, N. º 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 26.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 09-05-2002;
-DE 27-05-2004;
-DE 27-11-2007;
-DE 10-07-2008;
-DE 21-10-2008;
-DE 05-11-2009;
-DE 04-05-2010;
-DE 28-10-2010;
-DE 27-01-2011;
-DE 08-05-2013;
-DE 08-06-2017, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - O réu que, em processos judiciais, na qualidade de advogado, subscreve requerimentos onde se refere ao autor como “corruptor”, “amante de uma juíza” que “utiliza para corromper os tribunais”, “indivíduo sem profissão lícita”, “gangster”, “consumado vigarista”, “move-se com total à vontade (…) na corrupção de Magistrados”, “energúmeno”, “crápula”, com intenção de ofender o direito à honra e ao bom nome do autor, incorre em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.

II - Os pressupostos da responsabilidade civil não se têm por afastados com fundamento, alegado mas não provado, na veracidade dos factos imputados e no direito e liberdade de expressão do advogado no exercício forense.

III - O valor indemnizatório de € 2 500 fixado, com recurso à equidade, pelo tribunal da Relação para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo autor, num quadro em que as afirmações e imputações foram produzidas de forma reiterada, intencional, funcionalmente desajustadas ao exercício da profissão, gravemente ofensivas da honra, e visando o núcleo da vida privada e familiar, mostra-se desajustada, tendo-se por adequado confirmar o valor de € 15 000 fixado pela 1.ª instância.

IV – A sanção pecuniária compulsória mostra-se particularmente adequada, no seu campo de aplicação, à tutela dos direitos de personalidade (art. 70º, nº 2 do CC).

Decisão Texto Integral:


Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1. AA intentou contra BB ação declarativa para efetivação da responsabilidade civil por violação do direito à honra, pedindo a condenação deste ao pagamento (i) de uma indemnização por danos não patrimoniais, no montante de € 150.000,00, acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento e (ii) de uma quantia de € 100.000,00 por cada ofensa que venha a cometer no futuro contra o Autor, a título de sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 829-A do C.C..

Alegou, em síntese, que tem 71 anos de idade, é licenciado em gestão de empresas e em biologia, foi secretário da Administração, depois administrador do grupo Fábricas CC, deputado eleito, sendo muito considerado e conhecido, sobretudo na zona de .... Teve conhecimento que o Réu andava a difamá-lo em tertúlias de amigos comuns, acusando-o de ter interesse direto na partilha dos bens por óbito de sua mãe e que por isso movia mundos e fundos para influenciar os tribunais e os juízes; veio, ainda, a tomar conhecimento que o Réu o enxovalhava em requerimentos em processos judiciais; foi com surpresa e indignação que leu as peças processuais assinadas pelo Réu como advogado em causa própria, onde vinha referido como corruptor, gangster, consumado vigarista, sem profissão lícita, energúmeno, crápula, que vive com à vontade no sub-mundo do crime, imputando-lhe actividades ilícitas, tudo expressões atentatórias do seu bom-nome, honra e dignidade; o Réu é advogado com muitos anos de experiência.

Contestou o Réu, advogando em causa própria, invocando a incompetência do Tribunal em razão da matéria, a exceptio veritas, como causa de exclusão da ilicitude e a liberdade de expressão de advogado.

Foi considerada improcedente a exceção da incompetência do tribunal em razão da matéria e, a final, proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, condenando o Réu no pagamento (i) da indemnização de € 15.000 por danos não patrimoniais e (ii) da sanção pecuniária compulsória de € 2.500, «por cada ofensa que venha a proferir contra os direitos de personalidade do Autor».

2. Apelou o Réu, impugnando a matéria de facto e de direito.

A Relação, por acórdão, após julgar improcedente a impugnação da matéria de facto, concedeu parcial provimento ao recurso (i) reduzindo para € 2.500 o montante da indemnização por  danos não patrimoniais em que o Réu fora condenado e (ii) absolvendo-o da aplicação da sanção pecuniária compulsória.

3. Pedem revista o Autor e, subordinadamente, o Réu.

 

3.1. São as seguintes as conclusões do recurso principal, agora interposto pelo Autor:

« A.     (…);

B.        A decisão recorrida não se pode manter na parte que reduz o valor da indemnização a atribuir ao Autor/ Recorrente de € 15.000,00, para € 2.500,00, a título de danos morais, pois, ao contrário da sua fundamentação, a indemnização agora atribuída (1) não é equitativa, nem compensa os danos sofridos pelo Autor/ Recorrente, (2) nem, por outro lado, parece situar-se dentro dos parâmetros indemnizatórios praticados pela Jurisprudência, ao contrário do que sucedera com aqueloutra atribuída em sede de 1.ª Instância e, inicialmente confirmada pelo Senhor Desembargador Relator na decisão singular a fls.;

C.       Resulta, tanto da Sentença a fls. do Tribunal de 1.ª Instância, como do Acórdão recorrido, como ainda dos próprios autos que o Réu/ Recorrido viola, de forma reiterada, o direito do Autor/ Recorrente ao bom nome, mesmo após a decisão condenatória (cfr., a este respeito, requerimento do Réu/ Recorrido a fls. datado de 08.01.2017);

D.       (1) A indemnização fixada no Acórdão recorrido, não corresponde minimamente à gravidade dos atos lesivos praticados pelo Réu / Recorrido provados nos autos. A afetação da consideração pessoal do lesado junto da sua família e a propositada e injustificada ofensa da sua reputação e imagem constituem danos relevantes que, pela sua gravidade, aferida por um padrão objetivo, não podem deixar de merecer a tutela do direito e compensação adequada;

E.       (2) A indemnização fixada no Acórdão recorrido não corresponde também aos parâmetros estabelecidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e que se exemplificaram em sede de alegações (Cfr., também, o estudo elaborado pelo Gabinete dos Juízes Assessores em Assessoria Cível, de Dezembro de 2012, “Os danos não patrimoniais na jurisprudência das Secções Cíveis dos Supremo Tribunal de Justiça”, no qual constam, em sentido similar ao caso dos presentes autos, diversas situações);

F.       A indemnização por danos morais visa, por um lado, contribuir para atenuar, minorar e compensar os danos sofridos pelo lesado, e, por outro lado, pretende constituir-se como uma sanção, que crie no espírito do seu autor a convicção de que errou e que não pode repetir tais atos lesivos. Nenhuma destas finalidades é acautelada através da decisão recorrida a fls.;

G.        O Acórdão recorrido não pode manter-se também na parte que revoga a Sentença a fls. que constituía o Réu na obrigação de não voltar a proferir quaisquer expressões de forma idêntica à que fez, para garantia do que o condenava em sanção pecuniária compulsória de € 2.500,00, por cada ofensa que venha a proferir contra os direitos de personalidade do Autor, a qual deve, por isso, ser mantida;

H.        Receando justamente a repetição de novas acometidas, e com o propósito de dissuadir o réu de reincidir nas mesmas, foi requerida e deferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, nos termos do Art. 829.º-A do Código Civil, uma sanção penal compulsória por cada ofensa que o Réu venha a cometer no futuro contra os direitos de personalidade do autor, independentemente do meio utilizado;

I.          Com efeito, uma vez que se trata de direitos pessoais de natureza não patrimonial, mais do que reprimir as lesões, a tutela dos direitos de personalidade impõe, sobretudo, a prevenção, a dissuasão e a cessação do ilícito lesivo, o que só pode ser alcançado através da confirmação desta sanção pecuniária compulsória fixada na sentença recorrida;

J.        Sendo que, dos presentes autos e da matéria de facto provada na Sentença de 1.ª Instância e no Acórdão recorrido, é evidente que existe uma situação de ilicitude iminente que possa fazer perigar os direitos de personalidade do Autor, que é objectiva – atendendo à experiência passada e à conduta reiterada, e bem recente, do Réu/ Recorrido;

K.        Esta situação não carece também de qualificação adicional, conquanto, como resulta claro da Sentença a fls., o Réu/ Recorrido foi constituído na obrigação de não voltar a proferir quaisquer expressões de forma idêntica à que fez. De resto, o juízo valorativo sobre a identidade entre a expressões a que o Réu foi condenado a se abster e as novas que proferiu, apenas deve ser aferido em sede de processo de execução. Não pode, por razões óbvias, ser sempre apurada a priori, caso contrário seria necessário a apresentação de uma nova acção declarativa por cada expressão ilícita proferida pelo Réu posteriormente à condenação em 1.ª Instância;

L.         Por fim, e ao contrário do que resulta do Acórdão a fls., a Sentença a fls. comina uma injunção jurídica e específica contra o Réu, “constituindo[-o n]a obrigação de não voltar a proferir quaisquer expressões de forma idêntica à que fez, verdadeira prestação de facto infungível, de carácter negativo, cabe, o dito constrangimento indireto do devedor, nos termos do normativo citado”;

M.        Da jurisprudência e doutrina – reproduzida, sem pretensão de exaustividade, nas alegações –, flui a possibilidade de aplicação do instituto da sanção pecuniária compulsória para garantir o cumprimento e respeito do direito de personalidade do Autor/ Recorrente, mediante o cumprimento de obrigações de prestação de facto, de facere, de realização (ou omissão) de uma actividade.»

Contra-alegou  o Réu, pugnando pela total improcedência do recurso.

3.2. O Réu, com o recurso subordinado interposto, juntou documentos e formulou as seguintes as conclusões:

«1- Conforme resulta dos presentes autos o furto de uma Colcha de Castelo Branco, do acervo hereditário de DD teve a conivência do  Juiz EE – cfr fls 105 -  que nem  inquiriu testemunhas –cfr fls 270 dos autos.

2-Na queixa crime que lhe foi movida, o Recorrente, no cumprimento de um dever deontológico, consignado no E.O.A., remeteu ao Juiz EE a carta de fls 230 e sgtnts dos autos, na qual se referiu ao Recorrente de forma elíptica e muito pouco clara.

3-O Corrompido FF e o Corruptor, ora, Recorrido, entenderam perfeitamente o significado da mesma, ao ponto de esta ter sido transcrita com sublinhados a fls 311 dos presentes autos.

4-O requerimento em questão, nem sequer deveria ter sido admitido pela Senhora Magistrada, que não considerou nenhum facto alegado nos articulados, pelo Recorrente, uma vez que não cumpria as exigências do articulado superveniente.

5-Porém e para satisfação do Recorrente, o mesmo foi admitido e integrou a Matéria Assente – cfr. fls 371 alinea J).

6-A q. c. movida ao Juiz EE, apenas reconheceu as ilegalidades perpetradas pelo Juiz EE – cfr. fls 267 e 268 dos autos – justificando-se  o furto da colcha «por não ter sido produzido prova oportunamente arrolada por alguns interessados» quando, na realidade, não foi designada qualquer inquirição de testemunhas.

7-O envolvimento do Recorrido, no furto da colcha é pois evidente.

8- Chegando ao extremo de ao minuto 60 do depoimento de parte que prestou em audiência por sua iniciativa, saber que a colcha não foi objecto de qualquer avaliação e saber a data em que foi vendida.

9-Os Tribunais são responsáveis pelo furto da colcha, de valor superior a € 35.000,00.

10- O Recorrido, que é o principal responsável pelo furto e por toda a vaga processual que as suas ilicitudes determinaram.

11-Uma Mulher policia, que assaltou uma residência e roubo € 1.400,00 encontra-se presa (cfr. doc. n.º 13)

12- Pelo despacho adiante junto como doc. n.º  11, proferido na sequência do incidente de Aceleração Processual, deduzido pelo Recorrente em 9 de Dezembro de 2016, prova-se, que desde 5 de Novembro de 2012, que o Recorrido, tem pendente no D.I.A.P. de Almada, um denúncia pela prática dos crimes de lavagem de dinheiro sujo, fraude fiscais e associação criminosa.

13-A denúncia em questão e a participação pelo crime de corrupção realizada pelo Recorrente, que  estiveram em completa hibernação no D.I.A.P. de Almada, só se compreende pelo facto constante na Matéria Assente a fls 368 sob o n.º 24: «o AA corrompe tudo»

14-Apenas em 1 de fevereiro p.p., nos autos de inquérito 3015/12.TAALM, foi ordenado a inquirição e constituição de arguido do Recorrido, contudo, o suspeito dos crimes de lavagem de dinheiro sujo e de fraudes fiscais, no valor de € 17.0000.000,00 e de corrupção na Câmara de Almada, apenas é passível dos adjectivos constantes a fls 369 dos autos: «gangster» e «consumado vigarista»

15- A presunção de inocência consignada no n.º 2 do art.º 32 da Constituição vigora, é certo para a Justiça, mas não para uma vítima ou advogado.

16-Ignora-se, se nesta data o Recorrido já foi finalmente constituído Arguido – cfr. doc. n.º 10 - mas uma coisa o Recorrente tem como certa: a vaga de crimes de que o Recorrido será responsabilizado nunca se restringirá  às denúncias agora tornadas públicas.

17-O acordão recorrido violou, fontalmente, o disposto nos art.ºs 38 n.º 2 alinea a) e 208 da Constituição da República».

Contra-alegou o Autor, no sentido da improcedência do recurso, tendo junto certidões de despachos finais de arquivamento proferidos, já após a prolação do acórdão da Relação, em dois processos de inquérito criminal em que o mesmo era arguido, referenciados nos nºs. 12 e 14 das conclusões da alegação do Réu.

4. Vistos os autos, cumpre decidir.


II

Os factos


5. Vem confirmada pela Relação a seguinte matéria de facto fixada pela 1ª instância (transcreve-se do acórdão recorrido):

«A) Em 9 de Fevereiro de 2011, o Réu juntou ao processo nº 3588/10.4TBOER, do 3° Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Oeiras, o requerimento cuja certidão se encontra junta aos autos a fls. 192 e 194, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual, referindo-se ao Autor, declarou: "( ... )10. O corruptor encontra-se obnubilado - se bem que já tenha tido honras de uma reportagem da R.T.P. sobre a construção clandestina na "Fonte da Telha", na qual era referenciado como o "AA". 11. Amante de uma juíza desembargadora utiliza a amante para corromper os Tribunais - designadamente o de Oeiras. (...)".

B) Em 23 de Maio de 2011, o Réu juntou ao processo nº 3588/10.4TBOER, do 3° Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Oeiras, o requerimento cuja certidão se encontra junta aos autos a fls. 195 a 201, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual declarou: "(...) 24° - E que o signatário indicou como corruptor, um individuo sem profissão lícita, de nome AA - com conhecidas actividades ilícitas na margem sul, designadamente na Câmara Municipal de Almada. 25° - Ora da mesma maneira que V. Ex.a proferiu a inacreditável sentença de fls. 416 e ss. dos autos, cuja nulidade foi decretada pela Veneranda Relação de Lisboa, o despacho de fls. cuja aclaração se requer, parece não ter diferente sanção, mas, põe manifestamente em causa a seriedade de V. Ex.a e permite indagar, se a acusação do famigerado e "talentoso" - é assim que o mesmo se define - AA, não tem uma actividade ilícita bem mais extensa que a já denunciada, num processo crime movido a um Magistrado deste Tribunal e às demais actividades desenvolvidas na C.M. de Almada. ( ... )"

C) Em 12 de Outubro de 2010, o Réu juntou ao processo nº 1076/09.0TBOER, do 4° Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Oeiras, o requerimento cuja certidão se encontra junta aos autos a fls. 203 a 222, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual declarou: "(...) 17° - O "gangster" mencionado na carta já se encontra identificado nos presentes autos: AA 18° - Trata-se de um consumado vigarista, sem qualquer profissão lícita, que se move com total à vontade e eficiência no sub-mundo do crime - designadamente na corrupção de Magistrados. 19° - Faz gala e propala "a sua fortuna". 20° - Só que o "enriquecimento ilícito", só muito recentemente foi tipificado como crime. 21° - E, é este energúmeno, que determina e acompanha toda a estratégia processual da interessada GG (...) 23° - É o AA que dita aos Mandatários forenses da interessada GG, as aldrabices e provocações que estes alegam sem qualquer rebuço pois, têm uma certeza - o crime de falso depoimento de testemunhas será posteriormente arquivado face obviamente à intervenção do corruptor. 24° - O Batista corrompe tudo. 25° - O signatário até admite, que o crápula do AA, tenha seduzido os mentecaptos GG e HH, que os seus poderes, no mundo do crime, são suficientes para estes se locupletarem com parte da herança de sua Mãe, em prejuízo dos demais Herdeiros. 26° - Mas de um facto o signatário tem a certeza: o fim último do AA é locupletar-se com o quinhão da herança dos interessados GG e HH. 27º - Trata-se, repete-se, de um crápula capaz de tudo - não tem qualquer resquício de vergonha, nem de dignidade. 28° - Só o facto de a interessada GG se ter deixado envolver por este energúmeno, capaz de todos os crimes, é suficiente para revelar a sua "falta de senso" (...). 36° - Orientada à distância pelo semi-louco do AA (...). 49° - Ainda não tinha sido corrompido! 50° - O AA ainda não tinha entrado em acção. (...) 57° - (...) d) E quando intimidada e condenada em 1ª instância, para o efeito, socorreu-se do corruptor AA, para corromper a Desembargadora (...). 61° - Encontrando-se por detrás desta vergonhosa traquibérnia UM VÍGARO do calibre do AA era óbvio que haveria de surgir problemas. (...) 78° - Pois uma coisa é certa: Enquanto o AA não for dentro, a corrupção não findará. (...) 79° - Nestes termos e por tudo o que antecede, requer-se a V. Exa. o seguinte: a) Que face à falta de seriedade e ilegalidade, inclusive na área criminal, de que a indigitada cabeça de casal é suspeita, requer-se desde já a sua remoção do cabeçalato da herança de sua Mãe, sob pena de vir a causar ao património hereditário, muitos graves danos, para benefício do inqualificável vigarista e mentor da Interessada - o já identificado AA; (...) Prova: I - Que ao abrigo do disposto no art.° 535 do C.P.C. e para prova do alegado nos artigos 18° e 19° deste requerimento, se digne mandar oficiar ao 2° Serviço de Finanças de Lisboa, (...) para remeter as três últimas declarações do I.R.S., apresentadas pelo corruptor AA (...), bem como a relação dos imóveis de que é proprietário. (...)"

D) O Réu é advogado.

E) O Autor não é parte em nenhum dos processos mencionados nas alíneas anteriores.

F) No processo nº 3588/10.4TBOER, do 3° Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Oeiras, o Réu é mandatário do Autor, EE.

G) No processo nº 1076/09.0TBOER, do 4° Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Oeiras, o Réu é advogado em causa própria.

H) Com a referência que lhe é feita como corruptor e com a imputação de manter uma relação de intimidade com uma senhora que não é a mãe dos seus filhos, o Autor sentiu-se atentado na sua imagem familiar perante os filhos, noras e netos.

I) O Autor sentiu-se ofendido e indignado.

J) Em carta que o Réu dirigiu ao Exmo. Senhor Juiz do 4° Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Oeiras, fez constar: "(...) Além da pessoa, que interveio junto de V. Exa. recentemente, está também envolvido um "gangster", já relativamente conhecido, pelas tropelias realizadas na construção clandestina da Fonte da Telha e de que a Desembargadora FF se permite actuar como sua "mulher de mão" para corromper Magistrados - quer neste Tribunal, quer no Tribunal da Relação de Lisboa. (...)"

K) O Autor tem um "certificat d'aptitude à l'Administration des Entreprises" emitido pela Faculdade de Direito e das Ciências Económicas da Universidade de ....

L) O Autor é licenciado em Biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade de ....

M) O Autor foi Secretário da Administração e depois Administrador do Grupo Fábricas CC.

N) O Autor foi eleito mais do que uma vez deputado pelo Círculo de ..., primeiro para a Assembleia Constituinte e depois para a Assembleia da República, tendo exercido o mandato pela última vez no período de 3 de Novembro de 1980 a 8 de Setembro de 1981.

O) O Autor é muito considerado e conhecido, sobretudo na região de ....

P) Autor e Réu conhecem-se desde a infância.

Q) Foi com surpresa e admiração que o Autor leu nas peças jurídicas apresentadas pelo Réu, numas enquanto advogado em causa própria e noutras enquanto mandatário o vertido em A), B) e C) supra.

R) Todas as expressões mencionadas em A), B) e C) supra foram expressas e escritas pelo Réu com o propósito de ofender o Autor no seu nome e reputação.

S) O A. nasceu em 27 de Fevereiro de 1940 (…)».


III

Do recurso subordinado


6. Conhecer-se-á do recurso subordinado interposto pelo Réu, não obstante a existência de dupla conforme, relativamente ao segmento autónomo da decisão da Relação sobre que incide, atento o especial regime garantístico constante do nº 5 do art. 633º do CPC.

Começar-se-á, por prejudicial, pelo conhecimento deste recurso, já que aqui se visa o afastamento, no caso, dos pressupostos da responsabilidade civil por ofensa ao bom nome, cuja verificação determinou a condenação do Réu (arts. 483º e 484º do CC).

7. O direito à honra, ao bom nome e à reputação, objeto de proteção no art. 26º, nº 1, da Constituição, «consiste no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a consequente reparação» (Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, I, 4.ª ed., 2007, p. 466).

No que ora releva, em termos de direito civil, tal proteção é operada através da tutela geral de personalidade, protegendo os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade moral (arts. 70º e 483º, n. 1, do CC) e concretizada na norma relativa à ofensa do crédito ou do bom nome (art. 484º do mesmo código): «A verificação destes pressupostos, juntamente com os relativos à culpa e ao nexo de causalidade, desencadeia a activação dos mecanismos de responsabilidade civil do agressor do direito, podendo haver lugar à indemnização por danos patrimoniais ou não patrimoniais, conforme os casos» (Jonatas Machado, Liberdade de Expressão — Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social, 2002, p. 765).

8. O Recorrente visa o afastamento dos pressupostos da responsabilidade civil por ofensa à honra e ao bom nome, tendo a sua atuação por justificada, alegando, por um lado a veracidade de factos alegados e, por outro, contrapondo ao direito ao bom nome o direito e liberdade de expressão [por lapso, na conclusão nº 17 vem referida a liberdade de imprensa – CRP, art 38º, nº 2, alínea a)], reforçadamente, no caso, no exercício do patrocínio forense (CRP, art. 208º).

Quanto à primeira alegação, no que respeita ao furto da colcha de Castelo Branco (conclusões nºs. 1 a 11), quadra-se a mesma no âmbito da pretensão de levar à base instrutória a pergunta com o seguinte teor, «O Autor é o ilegítimo possuidor da “colcha de Castelo Branco” que integra o acervo hereditário da falecida DD?», definitivamente apreciada e denegada no acórdão da Relação; no que respeita aos demais factos invocados – tendo os inquéritos criminais que os teriam por objeto sido entretanto arquivados, como documentou o Autor –, não conseguiu o Réu comprovar a pretendida veracidade ou a existência de boa fé na respetiva imputação, conforme a matéria assente; a veracidade da imputação ou da convicção em boa fé, só por si, não excluiriam a ilicitude da conduta, para os efeitos estabelecidos no art. 484º do CC [não tem aplicação a justificação prevista no art. 180º, nº 2, alínea b), aliás com a ressalva contida na 2ª parte do nº 3 do mesmo artigo], como justamente referido no acórdão da Relação.

No que respeita à liberdade de expressão no exercício do patrocínio e autopatrocínio do exercício forense, as afirmações constantes das alíneas A), B), C) e J) – produzidas com o propósito de ofender, alínea R) –, não sendo o Autor parte nesses processos, tem-se por manifesto que as mesmas exorbitam do considerado exercício, com a máxima latitude em que este deva ser dimensionado, com ele funcionalmente não se podendo adequar.

9. Improcede, deste modo, o recurso do Réu.


IV

Do recurso principal.


10. Consideradas, agora, as transcritas conclusões da alegação do Autor Recorrente (CPC, arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2), as questões a decidir respeitam (i) ao montante da indemnização arbitrada por danos não patrimoniais e (ii) à aplicabilidade, ao caso, do instituto da sanção pecuniária compulsória.

10.1. Quanto ao montante da indemnização.

10.1.1. A indemnização em causa foi, nos termos legalmente previstos, fixada segundo a equidade (arts. 566º, n.º 3, 484º e 496º do CC).

O recurso a equidade significa que «o que passa a ter força especial são as razões de conveniência, de oportunidade, principalmente de justiça concreta, em que a equidade se funda. E o que fundamentalmente interessa é a ideia de que o julgador não está, nestes casos, subordinado aos critérios normativos fixados na lei» (Pires de Lima / Antunes Varela, em anotação ao art. 4º do CC).

Deste modo, quando o cálculo da indemnização resulte decisivamente de juízos de equidade, ao Supremo não competirá a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar, já que a aplicação de tais juízos de equidade não se totaliza na resolução de uma questão de direito, contendo-se o seu conhecimento na eventual sindicância dos limites e pressupostos à luz dos quais se situou o juízo equitativo expresso pelas instâncias, na ponderação casuística da individualidade do caso concreto sub juditio (entre outros, ASTJ de 5.11.2009, 28.10.2010, 8.5.2013, todos, bem como os demais, adiante citados, disponíveis em www.dgsi.pt).

Dito isto, devendo na referida ponderação do caso concreto ser assegurado o princípio da igualdade, cumpre a este Tribunal apenas conhecer se, relativamente ao montante da indemnização arbitrada, o mesmo se harmoniza com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência atualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis (ASTJ de 8.6.2017).

10.1.2. O acórdão da Relação, confirmando a responsabilidade do Réu por ofensa ao bom nome do Autor, como ajuizado em 1ª instância, desta divergiu quanto à indemnização arbitrada, nos seguintes termos:

«Na sentença recorrida julgou-se adequado atribuir ao Autor a quantia de € 15.000,00 a título de indemnização por danos morais, a suportar pelo Réu. Na Relação, e tudo ponderado, entende-se que equilibrado será fixar essa indemnização em 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros). Atende-se à argumentação de que a natureza dos interesses juridicamente protegidos no caso não justifica indemnizações em quantitativo equiparáveis a situações em que estão em causa danos físicos ou até a morte por actuação negligente. O valor agora encontrado situa-se dentro dos parâmetros indemnizatórios praticados pela Jurisprudência, inexistindo razão especial para introduzir outros factores na análise.»

10.1.3. O Recorrente, ao defender a manutenção do montante indemnizatório arbitrado em 1ª instância (reduzido a 1/10 o pedido por aquele inicialmente formulado), invoca os parâmetros indemnizatórios colhidos em jurisprudência temática deste tribunal (acs. de 27.5.2004, 27.11.2007, 10.7.2008, 4.5.2010, 27.1.2011).

Considerada a citada jurisprudência, relativamente ao caso dos autos, há que destacar por um lado, não ter ocorrido publicação ou publicitação em meios de comunicação social, independentemente do grau da respetiva circulação e, por outro, não se estando perante afirmações e imputações que devam obter guarida no direito e liberdade de expressão, nem funcionalmente no exercício do patrocínio forense, como acima referido, não se confronta aqui a questão relativa à concordância prática entre direitos e valores constitucionalmente tutelados.

Não devendo, pois, no caso dos autos, fundadamente compaginar-se o direito à honra do Autor com o direito à liberdade de expressão do Réu, importa relevar aquele como «uma das mais importantes concretizações da tutela e do direito da personalidade. A honra é a dignidade pessoal pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita e convive com outras pessoas» (ac. de 4.5.2010, cit.).

Consideradas as afirmações e imputações transcritas nas alíneas A), B), C) e J) da matéria assente, gravemente ofensivas da honra do A., entre elas visando o núcleo da sua vida privada e familiar, dolosa e reiteradamente produzidas no exercício forense, dele funcionalmente desajustadas, bem como as demais circunstâncias do caso, designadamente as consignadas nas alíneas E), H), I), N) e O), tem-se por adequado confirmar a indemnização arbitrada em 1ª instância, no montante de € 15.000.

Procede, nesta parte, o recurso do Autor.

10.2. Da aplicabilidade, ao caso, do instituto da sanção pecuniária compulsória.

10.2.1. A Relação, ao examinar os termos em que a 1ª instância condenara o Réu em uma sanção pecuniária compulsória, após considerar a história e o alcance do instituto, entendeu que, no caso, não se verificavam os respetivos requisitos, dando, nessa parte, provimento ao recurso por aquele interposto.

Transcrevem-se os termos desse exame:

«(…) Resulta do direito imaterial e ainda do positivo a proibição da violação do direito à honra, consideração e bom-nome de outro. E o Réu está adstrito a esta obrigação para com o Autor. Não se pode extrair que com a sentença recorrida o Réu ficou constituído na obrigação de não voltar a proferir quaisquer expressões de forma idêntica à que fez contra o Autor. Da sentença não decorre portanto uma injunção jurídica nesse sentido contra o Réu. É necessário que o tribunal utilize um meio indirecto de pressão – como é a sanção pecuniária compulsória - para que o Réu cumpra a obrigação (genérica e abstracta) de respeito da honra e bom-nome do Autor? Não parece, uma vez que inexiste uma situação de ilicitude iminente que possa fazer perigar os direitos de personalidade do Autor. Esse perigo iminente tem de ser objectivo. E não o é. A actuação do Réu, em relação ao Autor, depende do livre arbítrio daquele, cuja vontade é controlável por ele, caso a caso. A ofensa dos direitos de personalidade do Autor não depende apenas da violação de uma obrigação de facere ou de non facere. Envolve necessariamente outros elementos, uma sempre uma qualificação.»

10.2.2. O art. 829º-A do CPC foi, a este código, aditado pelo art. 1º do DL 262/83, de 16 de Junho.

O preâmbulo do diploma apresenta-o como autêntica inovação no ordenamento jurídico nacional, referencia a história do instituto e expressa os objetivos que o determinam, nos seguintes termos: «A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis».

Elucida-se, cautelarmente, no mesmo preâmbulo, que «evitou-se contudo atribuir-se-lhe um carácter de coerção pessoal (prisão) que poderia ser discutível face às garantias constitucionais».

Instituto, como anunciado pelo legislador e reforçado pela doutrina, de verdadeira natureza inovatória, que se assume como desvio e contraponto ao princípio nemo ad factum (precise) cogi potest esse: «O incumprimento dum facto infungível, porém, deixaria o credor sem solução directa: a única hipótese residiria em desistir da obrigação em jogo, substituindo-a por um dever de indemnizar, de teor compensatório» (Menezes Cordeiro, Embargos de terceiro, reintegração de trabalhadores e sanções pecuniárias compulsórias, ROA, 1998, III, pág. 1224; v., igualmente, Pedro Albuquerque, O direito ao cumprimento de prestação de facto, o dever de a cumprir e o princípio nemo ad factum cogi potest. Providência cautelar, sanção pecuniária compulsória e caução, ROA, 2005, II, pp. 449/50).

Interessa, em especial, no caso dos autos, o disposto no nº 1 do preceito (realçado o segmento aplicável):
· «Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.»

10.2.3. Presentes os objetivos pelo legislador assinalados à sanção pecuniária compulsória, a mesma determina para o visado o cumprimento de uma nova obrigação, agora pecuniária, subsidiária da inicial e principal de prestação de facto (ASTJ de 9.5.2002 e de 21.10.2008), no caso dos autos, de uma prestação de facto negativa duradoura.

A sentença da 1ª instância, julgando procedente o pedido inibitório inicial nesse sentido apresentado e sobre o qual foi exercido o contraditório, condenou o Réu em uma sanção pecuniária compulsória de € 2.500, «por cada ofensa que venha a proferir contra os direitos de personalidade do Autor».

Não pode, pois, com o devido respeito, concordar-se com o juízo constante do acórdão da Relação, no passo acima transcrito, quando nele se afirma que «da sentença não decorre (…) uma injunção jurídica nesse sentido contra o Réu».

Discorda-se, do mesmo modo, sempre com o devido respeito, do juízo negativo quanto à adequação da sanção em causa.

O Autor, enquanto ofendido no seu direito de personalidade, «pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida» (CC, art. 70º, nº 2).

Justamente, à luz do direito à cessação e prevenção do ilícito, como tem sido evidenciado na doutrina, a sanção pecuniária compulsória tem o seu campo de eleição na tutela dos direitos de personalidade: «(…) na tutela jurídica dos direitos de personalidade, a que se contrapõe um dever geral de abstenção ou obrigação geral de respeito, é de grande relevo a cominação feita a quem ameaça violar o direito para que se abstenha de consumar a ameaça, como é a intimação feita a quem já ofendeu o direito para que cesse a ofensa. E porque os direitos de personalidade são direitos pessoais, de conteúdo e função não patrimonial, a sua adequada e eficaz tutela passa pela prevenção do acto ilícito lesivo e não pela repressão e remedeio da violação» (Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, BFDC, Suplemento XXX, 1987, pág. 437).

Certamente, tão só sendo a cominação em causa um meio de coerção, sempre, como se afirma no acórdão, «a actuação do Réu, em relação ao Autor, depende do livre arbítrio daquele, cuja vontade é controlável por ele, caso a caso».

Da violação da obrigação de non facere, em que o Réu ficou constituído, depende a ofensa (futura) dos direitos de personalidade do Autor: daí a valia preventiva da medida.

10.2.4. Repristina-se, deste modo, a sentença da 1ª instância, também quanto à aplicação da sanção pecuniária compulsória, objeto do pedido inicial da ação.

Tem-se por adequado, considerada a dimensão do bem jurídico garantido, o respetivo montante na mesma sentença fixado.


V


Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista do Réu e conceder provimento ao do Autor, repristinando-se a sentença da 1ª instância.

Custas, em ambos os recursos, pelo Réu.


Lisboa,  3  de Maio de 2018

J. Cabral Tavares (Relator)

Fátima Gomes

Acácio das Neves