Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
14589/17.1T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: CABRAL TAVARES
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
PROPOSTA DE CONTRATO
ACEITAÇÃO DA PROPOSTA
Data do Acordão: 11/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / PERFEIÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CONTRA-PROMESSA / PACTOS DE PREFERÊNCIA / LOCAÇÃO / ARRENDAMENTO DE PRÉDIOS URBANOS / DIREITO DE PREFERÊNCIA – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / COMPROPRIEDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 6.ª Edição, 1994, p. 373/4 ; Direito das Obrigações, 12.ª Edição, 2009, p. 450;
- António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Tomo II, 2010, p. 496 e 500;
- Antunes Varela, RLJ, 105, p. 12 a 14 ; Anotação ao ASTJ, de 22-02-1984, RLJ, 3777, p. 361 a 363;
- Carlos Lacerda Barata, Da Obrigação de Preferência, 2002, p. 106;
- Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, 1990, Reimpressão, 2003, p. 225/8;
- Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, 1997, p. 168;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 3.ª Edição, p. 366;
- Vaz Serra, RLJ, 101, p. 233 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 224.º, N.º 1, 230.º, N.º 1, 410.º, N.º 2, 416.º, N.º 1, 417.º, 418.º, 421.º, 1091.º, N.ºS 1, ALÍNEA A) E 4 E 1410.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.ºS. 2, 3 E 4 E 639.º, N.ºS 1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 65.º, N.º 2, ALÍNEA C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 15-06-1989, IN WWW.STJ.PT;
- DE 31-03-1993, IN WWW.STJ.PT;
- DE 11-05-1993, IN WWW.STJ.PT;
- DE 09-07-1998, IN WWW.STJ.PT;
- DE 02-03-1999, PROCESSO N.º 69/99, SASTJ, IN WWW.STJ.PT;
- DE 19-04-2001, PROCESSO N.º 419/01, IN WWW.STJ.PT;
- DE 21-02-2006, IN WWW.STJ.PT;
- DE 19-10-2010, IN WWW.STJ.PT;
- DE 07-12-2010, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O nº 1, alínea a), do art. 1091º do CC (na referida redação da Lei 6/2006) atribui ao arrendatário o direito de preferência na compra e venda do local arrendado há mais de três anos; quanto aos termos em que é facultado e garantido o exercício de tal direito, o nº 4 do citado artigo remete, com as necessárias adaptações, para o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º do mesmo código.

II – Verifica-se divergência, quer na doutrina, quer na jurisprudência, quanto à questão de saber se a notificação para preferência envolve uma proposta contratual que, uma vez aceite, se torna vinculativa para o autor daquela comunicação, ou se envolve antes um simples convite a contratar, tendo-se por largamente dominante a primeira posição.

III - O direito legal de preferência constitui-se como direito potestativo, com eficácia real, enquanto fundado em razões de interesse e ordem pública (já o pacto de preferência só excecionalmente será dotado de eficácia real, desde que objeto de registo, passando a aplicar-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 1410º do CC, nos termos previstos no art. 421º do mesmo código).

IV - O dever de comunicação imposto ao vinculado à preferência, transmitindo «o projecto de venda e as cláusulas do respetivo contrato», integra a dimensão obrigacional do direito em causa; dimensão essa outra que não colide, antes reciprocamente completa, a apontada natureza do direito.

 V - A atribuição de eficácia real ao direito em causa é particularmente evidenciada em caso de incumprimento do dever de comunicação para preferência, quando permite ao titular do direito fazer seu, nos termos previstos no art. 1410º do CC, o negócio de alienação realizado com terceiro.

VI - Entre os elementos necessários à decisão do preferente, tais como exigidos no nº 1 do art. 416º e o «conhecimento dos elementos essenciais da alienação», constante do nº 1 do art. 1410º, não há inteira analogia.

VII - O dever de comunicação para preferência resulta da vontade, da vontade séria, do obrigado à preferência a contratar – «Querendo vender a coisa», diz-se no nº 1 da art. 416º («Se quiser vender a coisa», no nº 1 do artigo seguinte) – e supõe a sua realização expressa num projeto concreto, articuladamente delineado, que deverá ser transmitido ao preferente.

VIII - Tal comunicação não pode qualificar-se como convite a contratar, devendo por este entender-se apenas um ato tendente a provocar uma proposta, resumindo-se a um incentivo para que alguém dirija uma proposta contratual a quem convida, cabendo depois a este o papel de aceitar ou não a proposta.

IX - Quando os requisitos exigidos no nº 1 do art. 416º não tenham na comunicação sido observados (qualificada a inobservância como essencial, em termos de habilitar a decisão do preferente, quanto ao exercício do direito), não valerá ela para os efeitos previstos nesse artigo, abrindo caminho ao preferente, em caso de alienação, para a propositura da ação prevista no citado art. 1410º.

 X- Desde que os requisitos enunciados no nº 1 do art. 416º do CC estejam preenchidos, ou seja, desde que a comunicação para preferência contenha os elementos necessários à decisão do preferente, aquela deve, em princípio, ser qualificada como uma proposta de contrato; se a celebração do contrato depender de requisitos formais, não preenchidos pela comunicação do obrigado à preferência e pela resposta do preferente, mas constantes de documento assinado, deverá entender-se que se concluiu um contrato-promessa (art. 410º, nº2 do CC).

XI - Tal comunicação, por parte do obrigado à preferência, diferentemente do regime constante do Código de Seabra, tem-se como irrevogável (arts. 224º, nº 1 e 230º, nº 1 do CC), não facultando a lei, na matéria, o exercício de um direito de arrependimento.

XII - A aceitação, por parte do preferente, vincula o obrigado, e, igualmente, o próprio, à realização do contrato, nos termos do projeto e clausulado transmitidos – não podendo tal obrigação ser reconduzida ou substituída pela não realização do contrato (seja com o terceiro, seja com o preferente), por um non facere.

XIII – O regime do direito legal de preferência, mais precisamente de preempção, não se mostra violador de princípios constitucionais, designadamente do direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida, garantido no art. 62º da Constituição (direito garantido no quadro dos direitos económicos).

XIV - A conformação do direito em causa visa a concordância prática dos vários valores e interesses, sociais e económicos, coenvolvidos [podendo, em alguns casos, especificamente convocar-se o «acesso à habitação própria» - art. 65º, nº 2, alínea c) da Constituição] e, considerado o restrito grau de compressão que poderá afetar o exercício do direito de alienação do imóvel, a solução legal não se revela, nem desproporcionada, nem desrazoável.

Decisão Texto Integral:

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1. AA, Lda. Intentou ação contra Santa Casa da Misericórdia de ... ação, pedindo a condenação desta última ao pagamento da quantia de € 55.967,50, acrescida de juros legais desde a citação e até integral pagamento, sendo € 47.500,00, a título de prejuízos imediatos traduzidos na diferença do valor da proposta irrevogável para o que efetivamente recebeu, acrescidos da diferença do que deveria ter pago a título de IMT e Imposto de selo, nomeadamente 6,5% sobre a diferença (€ 3.087,50) e os 8 por mil sobre a mesma diferença (€ 380,00), bem como dos custos com a presente demanda, que estima cingirem-se a € 5.000,00; fundamenta a Autora o seu direito na responsabilidade pré-contratual da Ré, que emitiu uma proposta contratual irrevogável, consubstanciada na sua comunicação de 8 de maio, que posteriormente retratou, por comunicação de 4 de maio, atuando com culpa, desse modo se tornando responsável pelos prejuízos causados à Autora, à luz do disposto no art. 227.º do Código Civil.  

Contestou a Ré, contraditando a tese jurídica da Autora.

Proferido saneador-sentença julgando a ação improcedente e absolvendo a Ré do pedido.

2. Apelou a Autora.

A Relação julgou o recurso parcialmente procedente, revogando a decisão da 1ª instância e condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 50.967,50, acrescida de juros legais desde a data da citação.

3. Pede revista a Ré, formulando a final da alegação as seguintes conclusões:

«1ª- A recorrente não se conforma com o douto acórdão proferido porquanto entende, salvo o devido respeito, que fez errada interpretação e aplicação da lei aos factos provados, designadamente, quanto à qualificação da carta para preferência enviada à Autora como sendo uma proposta contratual irrevogável e não um convite para contratar.

2ª- A questão a apreciar por V. Exªs. consiste em saber se a Ré ainda antes de receber uma eventual reposta da Autora a uma primeira comunicação para preferência, podia ou não alterar os termos da mesma, ou até mesmo desistir do negócio, dado tratar-se de um convite para contratar.

3ª- A douta decisão da Relação partiu dos pressupostos errados desde logo por vários motivos: a comunicação da Ré não era uma proposta irrevogável; não ocorreu qualquer “retratação posterior”, apenas alteração do valor; e a nova comunicação da Ré foi ainda antes da Autora aceitar a primeira comunicação.

4ª- Desde logo, salvo melhor opinião, a comunicação para preferência para ser uma proposta irrevogável exige vários requisitos cumulativos: a) ser completa, ou seja conter todos os elementos essenciais do negócio; b) exprimir uma vontade séria e inequívoca de contratar; c) deve revestir a forma para o contrato em causa.

5ª- E, salvo o devido respeito, não se pode considerar a carta da Ré datada de 04 de maio como proposta negocial, e muito menos irrevogável, pois que não cumpre os requisitos exigíveis mínimos, entre outros “ a forma exigida para o contrato em causa...”, e in casu a forma para o contrato de compra e venda é a escritura pública, e a proposta não revestiu essa forma;

6ª- E só seria uma proposta irrevogável se fosse vinculativa para ambos os contratantes, e não só para um deles, e in casu o convidado a preferir pode aceitar ou não, pode querer ou não querer, e até no limite pode comunicar que pretende preferir, e depois não outorga a respectiva escritura, e não há forma de o obrigar a tal.

7ª- Por outro lado, podendo o obrigado à preferência “desistir pura e simplesmente do negócio por exemplo, por ter acedido a meios de fortuna que lhe permitam não necessitar (desistir) da alienação projectada”, também nos parece razoável que o obrigado à preferência possa ainda antes do preferente aceitar, ou não, uma comunicação para preferir, alterar os termos da mesma, pois, tal é jurisprudência uniforme deste mais Alto Tribunal, como decorre do acórdão de 08.01.209 in Proc 2772/08 in CJ 1, pag. 31.

8ª- Sendo também a posição da doutrina, como consta neste acórdão, citando Antunes Varela, RLJ 121-360 e Carlos Lacerda Barata, Da Obrigação de Preferência, pg 105 e 106: “Consequentemente, a notificação para preferir é, no fundo, um convite a contratar, cuja amplitude é o preferente ficar com a possibilidade de aceitar ou não a proposta”.

9ª- Por isso, salvo o devido respeito, podia a Ré enquanto o negócio não se concretizasse com a respectiva escritura pública – que é quando o direito surge na esfera jurídica do preferente - desistir do contrato ou alterar os termos do contrato.

10º - O acórdão recorrido entendeu que a proposta contratual em certas condições “sendo aceite pelo destinatário, dá lugar a um contrato”, o que concordamos, sendo certo, porém, in casu a primeira proposta, enviada em 04 de maio, ainda não tinha sido aceite pela Autora, e por isso nunca podia dar origem a um contrato.

11ª- A Ré efectuou uma comunicação para preferência em 4 de maio, e ainda antes da Autora ter manifestado o interesse em exercer o direito de preferência, comunicou à mesma as novas condições do negócio, ou seja pelo preço de 425.000,00 €, dentro do principio da autonomia privada, da liberdade contratual e do exercício do direito de propriedade que a Lei e a Constituição lhe confere, e que a Autora aceitou.

12ª- E como se refere no mesmo acórdão, e apenas no caso de já ter havido comunicação de aceitação – e in casu não tinha havido ainda comunicação de aceitação pelo preferente – “tal ocorre apenas em teremos meramente obrigacionais e não em termos reais”, fazendo “incorrer em responsabilidade civil pré-contratual, e não mais que isso”.

13ª- Não sendo o caso dos presentes autos similar à situação descrita / ocorrida no citado acórdão deste STJ de 19.10.2010, pois que no nosso caso a comunicação com o novo preço ocorreu ainda antes da aceitação pela Autora, e no acórdão citado a alteração do preço ocorreu após a aceitação pelos preferentes, e além disso quando já havia um contrato promessa de compra e venda outorgado pelo obrigado e pelo preferente.

14ª- Aliás, entender-se a mera comunicação como uma vinculação definitiva, sem possibilidade de desistência ou alteração, obrigando à venda ao preferente, constituiria uma violação do direito de propriedade e do princípio da liberdade contratual, estabelecendo um proteccionismo ilegal, injustificado e desproporcionado a favor do inquilino/arrendatário, que a Constituição não consagra.

15ª- “Ora, não pretendendo o legislador, com a criação de qualquer direito de preferência, afastar as leis de livre concorrência, não terá o preferente que ficar monetariamente favorecido com o seu direito, beneficiando apenas, em igualdade de preços (ou situações), da faculdade de ser o escolhido (um “primus inter pares”), pelo que, uma vez colocada à venda o prédio, pelo vendedor, por um determinado preço, sendo o mesmo aceite pelo preferente, não lhe assiste o direito de excluir outros interessados que cubram tal quantia, ficando o seu interesse em “stand by”, não estando o vendedor impedido de continuar a negociar, apenas relevando o direito do preferente quando a oferta não subir mais.

16ª- Salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido ao enunciar a questão situa-a no domínio da responsabilidade pré-contratual e/ou enriquecimento sem causa, mas, porém, a final condena a Ré a indemnizar a Autora na quantia de 50.967,50 € sem referir a que titulo, se de responsabilidade pré-contratual, se de enriquecimento sem causa.

17ª- E a título de enriquecimento sem causa não poderá ser, pois que a Ré não enriqueceu indevida ou injustamente, nem recebeu seja o que for sem ser por direito próprio, pelo que a haver enriquecimento sem causa, favorecimento ilegítimo é da Autora, e à custa da Ré, dado que paga pelo valor do bem, menos 47.500,00 € do que o valor a que tinha direito a Ré e que receberia na venda do bem a um terceiro adquirente, sendo o prejuízo da Ré e não da autora.

18ª- De igual modo, o douto acórdão recorrido não fundamenta a condenação da Ré em responsabilidade pré-contratual, nem há, pois que tal só ocorreria se a Ré por exemplo desistisse do negócio, e com isso causasse prejuízos desnecessários à autora, o que não sucedeu in casu,

19a- Havendo assim, nesta parte, salvo melhor opinião, uma absoluta falta de fundamentação de direito no douto acórdão quanto à condenação, pelo que é nula a decisão nos termos do disposto no art. 615o, n°1, alínea b) do CPC.

20a- Por isso salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos art. 227o e 230o do CC e errada aplicação do art. 1410o, n° 1 do CC.»

Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do decidido no acórdão da Relação.

4. Vistos os autos, cumpre decidir.


II

5. Consideradas as transcritas conclusões da alegação da Autora, ora Recorrente (CPC, arts. 635º, nºs. 2 a 4 e 639º, nºs 1 e 2), a questão a decidir no presente recurso respeita à natureza e aos efeitos jurídicos produzidos pela comunicação para preferir, importando, no caso, saber se a 1ª comunicação pela Ré dirigida ao Autor, em 4 de Fevereiro de 2017, para o exercício, por parte deste, do direito de preferência [nº 1, alínea a), do art. 1091º do CC[1]], contendo os requisitos estabelecidos no nº 1 do art. 416º do CC (nº 4 do art. 1091º), deve ser qualificada como proposta contratual, como tal irrevogável (nº 1 do art. 230º do CC), sendo que a modificação produzida, através da 2ª comunicação, de 8 de maio, a fez incorrer em responsabilidade pré-contratual, à luz do disposto no art. 227.º do Código Civil.

Consigna-se, relativamente ao imputado vício de absoluta falta de fundamentação ao acórdão recorrido [art. 615º, nº 1, alínea b) do CPC] – conclusões 16ª a 19ª –, não obstante a qualificação expressa pelos Recorrentes, e como imediatamente se verifica através da leitura das antecedentes conclusões, bem como da última, que a censura é dirigida à solução jurídica, tal como estabelecida no acórdão, pelos mesmos Recorrentes claramente alcançada e atacada por errónea – nessa sede será a questão examinada.[2]

6. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):

«1.- A Ré foi, até 14 de junho de 2017, a proprietária do prédio urbano sito ao ..., prédio esse devidamente inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ... sob o artigo 3410, prédio esse composto de casa de 5 pavimentos, conforme caderneta predial junta a fls. 7 e 8, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

2.- Até ao referido dia 14 de junho de 2017, a Autora, mediante contrato de arrendamento com mais de 30 anos, era a inquilina da totalidade do mesmo prédio.

3.- A Ré decidiu publicitar em Jornal de grande tiragem, nomeadamente o Jornal de Noticias, a intenção de vender o referido prédio.

4.- Nessa sequência, publicitou as condições para a pretendida venda, através da publicação de anúncio, no dia 14 de abril de 2017, concretizando que venderia o prédio que identificava pelo valor base de € 250.000,00.

5.- Da mesma forma e nesse anúncio, fez conhecer que as propostas em carta fechada rececionadas até às 16 horas do dia 28 de abril de 2017 seriam abertas pelas 17 horas desse mesmo dia, na sede da Ré, conforme documento junto a fls. 2v.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

6.- Chegado o dia e hora comunicados, procedeu-se, perante diversos interessados e proponentes de propostas, à abertura de todas elas.

7.- A Autora recebeu da Ré carta registada com aviso de receção expedida a 04 de maio de 2017, onde é exposto o direito da Autora de preferir e fixar as condições de venda, nomeadamente as explanadas na declaração e proposta negocial publicada, mencionando o preço da melhor proposta, de € 377.500,00 e a identidade da potencial compradora, conforme documento junto a fls. 3 e v.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

8.- Na mesma comunicação, a Ré fixou, para a realização da escritura pública, o dia 14 de junho de 2017, pelas 15 horas, no cartório Notarial de ..., e a forma de pagamento.

9.- A Autora rececionou uma outra carta da Ré, registada com AR, expedida em 08 de maio de 2017, a comunicar que a entidade vencedora do direito a adquirir na aquisição do prédio por via de ter apresentado a proposta maior, havia encetado novas negociações com a Ré, e haviam assumido que a venda seria, não pelos € 377.500,00, mas antes por € 425.000,00, conforme documento junto a fls. 13 e v.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

10.- A Autora envia carta registada com AR à Ré, expedida a 11 de maio de 2017, comunicando que exercia a preferência na aquisição assumida na publicitação de vontade negocial decorrente da proposta de € 377.500,00, sendo que na mesma carta e por cautela assume também a preferência na aquisição pelo segundo valor de € 425.000,00, conforme documento junto a fls. 14, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

11.- Nesta sequência, a Autora, munida de cheque visado de € 425.000,00, das guias de IMT e Imposto de Selo e ata a deliberar o ato assumido, compareceu no cartório marcado e outorgou com a Ré a respetiva escritura, em 14 de junho de 2017, encontrando-se a aquisição registada em seu nome, conforme documentos juntos a fls. 14v.º a 20, cujo teor aqui se dá por reproduzido.»

7. Do direito.

7.1. O nº 1, alínea a), do art. 1091º do CC (na referida redação, que aqui releva, da Lei 6/2006) atribui ao arrendatário o direito de preferência na compra e venda do local arrendado há mais de três anos.

Relativamente aos termos em que é facultado e garantido o exercício de tal direito, o nº 4 do citado artigo remete, com as necessárias adaptações, para o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º do mesmo código.

Interessa nuclearmente, no caso, o disposto no nº 1 do art. 416º: «Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato».

7.2. Quanto à questão objeto do presente recurso, respeitante, como foi dito, à natureza e aos efeitos jurídicos produzidos pela comunicação para preferir, vem referenciada em acórdão deste tribunal, de 7.12.2010 (este e os adiante citados, caso a sua publicação não seja de modo diverso indicada, todos disponíveis em www.dgsi.pt, os mais antigos apenas através de sumário), a divergência, quer na doutrina, quer na jurisprudência, relativamente a saber se a notificação para preferência envolve uma proposta contratual que, uma vez aceite, se torna vinculativa para o autor daquela comunicação, ou se envolve antes um simples convite a contratar, tendo-se por largamente dominante a primeira posição (reforçando este entendimento, acórdão de 21.2.2006).

No sentido de que a notificação para preferência valerá, em regra, desde que contenha todos os elementos necessários à decisão do preferente, ou seja, desde que observe os requisitos estabelecidos no nº 1 do art. 418º do CC, como proposta contratual, a qual, uma vez aceite, se torna vinculativa, além do acórdão de 21.2.2006, entre outros, acórdãos de 19.10.2010, 9.7.98, 11.5.93, 31.3.93, 15.6.89 e de 2.3.99-Proc. 69/99, este constante dos Sumários de Acórdãos, publicados em www.stj.pt.

Em sentido divergente, citado pela Recorrente, o acórdão de 8.1.2009; adotando posição intermédia, entendendo que a notificação para preferência não encerra uma verdadeira proposta contratual no sentido técnico-jurídico, antes se aproximando mais do chamado convite a contratar, mas sendo-lhe aplicável o art. 227º do CC, acórdão de 19.4.2001-Proc. 419/01, sumário publicado em www.stj.pt.

7.3. Comecemos pelo exame do direito de preferência, em resultado do qual fica o imediato destinatário a ele sujeito vinculado à emissão da comunicação para preferir.

O direito legal de preferência, conforme qualificação da doutrina, acolhida na jurisprudência deste tribunal, constitui-se como direito potestativo, com eficácia real, enquanto fundado em razões de interesse e ordem pública (o pacto de preferência só excecionalmente será dotado de eficácia real, desde que objeto de registo, passando a aplicar-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 1410º do CC, nos termos previstos no art. 421º do mesmo código).

Obviamente, de gestação heteroimpositiva e de modo mais vincado do que os pactos de preferência, os direitos legais de preferência implicam uma limitação à liberdade contratual e ao próprio exercício do direito de propriedade (ver-se-á adiante, perante o entendimento a firmar, se o mesmo, como a Recorrente previne nas conclusões 14ª e 15ª da sua alegação, aduzindo ainda violação da livre concorrência, padecerá de inconstitucionalidade, por protecionismo injustificado e desproporcionado).

7.4. O dever de comunicação imposto ao vinculado à preferência, transmitindo «o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato», nos termos estabelecidos no nº 1 do art. 416º do CC (estando o exercício do direito do preferente sujeito a abreviadíssimo prazo de caducidade, conforme o nº 2 do mesmo artigo – prazo esse ampliado pela Lei 64/2018, através da nova redação dada ao nº 4 do art. 2091º do CC), integra a dimensão obrigacional do direito em causa.

Dimensão essa outra que não colide, antes reciprocamente completa a apontada natureza do direito: «Por um lado, o preferente é titular de um verdadeiro direito de crédito, quer a preferência tenha, quer não tenha, eficácia real. Por outro lado, gozando de eficácia real, como sucede com os direitos legais de preempção, a preferência atribui ainda a esse sujeito a titularidade de um direito real de aquisição» (Antunes Varela, RLJ, 105, pp. 12/3).

A atribuição de eficácia real ao direito em causa é particularmente evidenciada em caso de incumprimento do dever de comunicação para preferência, quando permite ao titular do direito fazer seu, nos termos previstos no art. 1410º do CC, o negócio de alienação realizado com terceiro.

Não interessando ao caso dos autos prosseguir o exame quanto a este ponto, observa-se que entre os elementos necessários à decisão do preferente, tais como exigidos no nº 1 do art. 416º e o «conhecimento dos elementos essenciais da alienação», constante do nº 1 do art. 1410º, não há inteira analogia[3].

7.5. Relativamente ao potencial ciclo de vida de aplicação do regime do direito legal de preferência, interessa aqui cuidar da sua primeira fase (não a segunda, restringida aos casos de incumprimento do dever de comunicação para preferência).

O direito de preferência emerge e é desencadeado, a partir do momento em que o obrigado à preferência decide realizar o negócio.

O dever de comunicação para preferência resulta da vontade, da vontade séria, do obrigado à preferência a contratar«Querendo vender a coisa», diz-se no nº 1 da art. 416º («Se quiser vender a coisa», no nº 1 do artigo seguinte) – e supõe a sua realização expressa num projeto concreto, articuladamente delineado, que deverá ser transmitido ao preferente.

Tal comunicação, com o devido respeito por posição contrária, aqui sustentada pela Recorrente, não pode qualificar-se como convite a contratar, devendo por este entender-se apenas um ato tendente a provocar uma proposta, resumindo-se a um incentivo para que alguém dirija uma proposta contratual a quem convida, cabendo depois a este o papel de aceitar ou não a proposta (com citação de doutrina, Carlos Lacerda Barata, Da Obrigação de Preferência, 2002, pág. 106).

Não é a emissão de ato com essa natureza e finalidade que adequadamente resulta dos termos em que se expressa o nº 1 do art. 416º do CC (nº 3, parte final do art. 9º do mesmo código): não tendo previamente sido ajustado determinado contrato de venda do imóvel em causa, «o notificado não é, no bom rigor das coisas, chamado a preferir: é, sim chamado a contratar, se quiser. E ele tem o direito de ser chamado a preferir, não apenas o direito de ser chamado a contratar» (Antunes Varela, em anotação ao ASTJ, de 22.2.84, RLJ, 3777, 363; realce acresc.).

Quando os requisitos exigidos no nº 1 do art. 416º não tenham na comunicação sido observados (qualificada a inobservância como essencial, em termos de habilitar a decisão do preferente, quanto ao exercício do direito), não valerá ela para os efeitos previstos nesse artigo, abrindo caminho ao preferente, no caso de alienação, para a propositura da ação prevista no citado art. 1410º.

Coisa diferente, que exorbita do âmbito de previsão desses artigos, e «é preciso não confundir, como na prática sucede muitas vezes, a notificação para preferência com a proposta de contrato que o obrigado à preferência dirija ao preferente antes de ter qualquer projecto ajustado de venda com terceiro» (Antunes Varela, RLJ, 105, cit., 14).

7.6. Desde que os requisitos enunciados no nº 1 do art. 416º do CC estejam preenchidos, ou seja, desde que a comunicação para preferência contenha os elementos necessários à decisão do preferente, aquela «deve ser qualificada como uma proposta de contrato. Se este não estiver sujeito a forma (ou depender de formalidades a que a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente obedeçam), deve entender-se que a declaração de querer preferir feita pelo preferente aperfeiçoa o contrato (…). Caso a celebração do contrato dependa de requisitos formais que a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente não preencham, importa distinguir (…) Se a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente forem feitas em documento assinado (A., por exemplo, tendo-se comprometido a dar preferência a B. na venda de determinado imóvel, comunica-lhe por carta que projecta vendê-lo a C. e indica as cláusulas da projectada venda; B., também por carta, responde que quer preferir), deve entender-se que se concluiu um contrato-promessa (cfr. o artigo 410º, nº2) com as respectivas consequências (…)» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 3ª ed., pág. 366, realces acrescs.; anteriormente, Vaz Serra, RLJ, 101, pp. 233 e ss.; igualmente, desde que a comunicação preencha os apontados requisitos legais, correspondendo ela a verdadeira proposta de contrato, entre outros, além de Pires de Lima e Antunes Varela, adiante citados, Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª ed., 1997, pág. 168, Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed., 2009, pág. 450 e António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, tomo II, 2010, pp. 496 e 500).

Detendo o exame na esfera jurídica do preferente e nos efeitos jurídicos na mesma produzidos, a partir do momento em que o obrigado à preferência decide realizar o negócio (Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, 1990, Reimpressão, 2003, pp. 225/8; realce acresc.): «(…) ao preferente assistem sucessivamente, antes que aquele negócio se efetive, os seguintes direitos: o direito (creditório) a que lhe sejam notificados os termos essenciais do projeto de alienação; o direito (potestativo) de, na sequência desta notificação, declarar que pretende preferir - declaração esta que, conjugada com a do notificante, dará origem a uma relação creditória equiparável, pelo seu conteúdo e efeitos, a um contrato-promessa bilateral, ou tornará mesmo perfeito o contrato definitivo, se em ambas as declarações (a do obrigado à preferência, que equivale a uma proposta de contrato, e a do preferente, que se traduz na aceitação dessa proposta) houver sido observada a forma exigida para a celebração deste contrato; finalmente, o direito (creditório) de exigir, após ter declarado a vontade de exercer a preferência, que o obrigado a esta realize com ele o negócio projectado, sempre que aquela declaração não baste para o consumar».

7.7. Presentes, naturalmente, as diferenças entre a figura do contrato promessa e a do pacto de preferência (esta para a qual o direito legal de preferência é, com as necessárias adaptações, reconduzido), pretende-se integrar o sentido e alcance da comunicação para preferência, a que o obrigado está vinculado, aquando contrata com terceiro a alienação da coisa, na teoria geral do negócio jurídico.

O requisito para a comunicação para preferência revestir a natureza de proposta contratual, relativamente à vontade séria e inequívoca de contratar é liminarmente convocado, como causa desencadeadora da comunicação para preferência (supra, 7.5); o respeitante ao conteúdo, dela devendo, pelo menos, constar os elementos essenciais do contrato em causa, estão estes descritivamente presentes no nº 1 do art. 416º [4], com referência ao contrato projetado, ao qual o preferente é chamado, em substituição do terceiro; finalmente, no que concerne à forma, regendo-se a comunicação pelo princípio da liberdade de forma (art. 219º do CC), na prática e em regra, sendo a comunicação prevista no nº 1 do art. 416º realizada por escrito (precisa-se, atualmente, com a redação da Lei 64/2018, no nº 4 do art. 1091º, que a comunicação deverá ser efetuada por carta registada, com aviso de receção), apela-se à verificação de um contrato promessa, concetualmente se integrando nessa categoria – e, por via dela, se garantindo – o efeito pretendido pela lei (diretamente resultando, ope legis, a natureza da comunicação prevista no art. 416º do CC como proposta de contrato, Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 6ª ed., 1994, pp. 373/4).

A declaração de preferência assume, decorrentemente, o significado de uma aceitação.

7.7. Importa, a esta luz, considerar o teor da comunicação (da 1ª comunicação, datada de 4 de Maio de 2017) dirigida pela Ré à Autora, tal como consta do documento, junto como nº 3, com a petição, comunicação subordinada ao assunto «Exercício do Direito de Preferência» e cujos termos são referidos sob os factos 7 e 8.

Vejamos, diretamente, o documento.

Escreveu a Ré na referida comunicação:

«(…) Como é do V. conhecimento, a Santa Casa da Misericórdia de ..., procedeu, no passado dia 23.04.11, à abertura de propostas em carta fechada para venda do imóvel de que a V. empresa é arrendatária (…).

O imóvel será vendido a esta empresa proponente com sede em (…), pelo valor de 377.500€, caso a V. empresa não pretenda exercer o direito de preferência.

Assim, pela presente fica a V. sociedade notificada corno arrendatária para querendo, no prazo de 10 dias uteis a contar da receção desta carta, comunicar se pretende exercer o direito de preferência na aquisição do supra identificado imóvel, sendo as seguintes condições:

- Valor 377.500€, a ser pago no ato da escritura mediante entrega de cheque visado de instituição bancária nacional ou por transferência bancária concretizada e comprovada até ao dia da escritura.

- Escritura será realizada até ao dia 14/06/2017 pelas 15 horas no Cartório Notarial de ... (…).

- Interessado proponente: (…)».

A comunicação claramente preenche os enunciados requisitos legais, em vista da tomada de decisão pelo preferente, remetendo para os termos do anúncio da venda, já conhecidos e fazendo constar o preço e as condições de pagamento, ademais indicando a identidade do proposto comprador, bem como o local e a data/hora para a escritura.

7.8. É, em resposta, inequívoca a aceitação da Autora[5], «comunicando que exercia a preferência na aquisição assumida na publicitação de vontade negocial decorrente da proposta de € 377.500,00, sendo que na mesma carta e por cautela assume também a preferência na aquisição pelo segundo valor de € 425.000,00» (facto 10), tendo-se lavrado a escritura na data aprazada (facto 11).

A aceitação, por parte do preferente, vincula o obrigado, e, igualmente, o próprio, à realização do contrato, nos termos do projeto e clausulado transmitidos (supra, 7.6) – não podendo tal obrigação ser reconduzida ou substituída pela não realização do contrato (seja com o terceiro, seja com o preferente), por um non facere.

A comunicação (a 1ª comunicação, datada de 4 de Maio de 2017) tem-se como irrevogável, nos termos dos arts. 224º, nº 1 e 230º, nº 1 do CC – diferentemente do regime constante do Código de Seabra –, não sendo alcançada pela retratação ou modificação pretendida pela 2ª comunicação, de 8 de Maio (neste mesmo sentido, acórdãos de 19.10.2010 e de 9.7.98, no caso neste último considerado, nem sequer tendo sido produzida resposta englobando a 2ª comunicação emitida pelo obrigado).

Relativamente à declaração, validamente emitida (não vem questionada a sua validade, designadamente por vício de vontade, nos termos dos arts. 240º e ss. do CC), não faculta a lei o exercício de um direito de arrependimento.

Considerou-se no acórdão de 7.10.97, passo retomado no acórdão de 9.7.98, que ora igualmente se reitera: «a notificação para preferir ficaria despojada de qualquer sentido útil se o obrigado pudesse desistir livremente do negócio, perante resposta positiva do preferente; na verdade, todo o mecanismo legal relativo ao direito de preferência visa, por um lado, possibilitar o exercício desse direito e, por outro, evitar situações de conflito a dirimir por via judicial (as frequentes ações de preferência), por omissão da notificação».

Escrevera-se já, em anotação ao acórdão deste tribunal, de 22.2.84 (RLJ, 3777, cit., 363): «(…) os fins de interesse social subjacentes aos diversos direitos legais de preferência só têm a lucrar com a possibilidade que a solução mais rigorosa para o alienante confere ao preferente de ajustar, até à última hora, a sua reacção à comunicação recebida».

7.9. Pese a opinião da Recorrente, não resulta do regime do direito legal de preferência, mais precisamente de preempção, nos termos acima expostos, violação dos princípios invocados nas conclusões 14ª e 15ª, maxime do direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida, garantido no art. 62º da Constituição (direito garantido no quadro dos direitos económicos).

O direito de preferência do arrendatário, previsto na alínea a) do nº 1 do art. 1091º do CC (encurtado o prazo de arrendamento para a constituição do direito, na redação da Lei 64/2018) é um elemento do regime geral do contrato de arrendamento, contrato cuja celebração é inteiramente determinada pela livre iniciativa das partes.

A conformação do direito em causa visa a concordância prática dos vários valores e interesses, sociais e económicos, coenvolvidos [não sendo, embora, no caso, especificamente convocado o «acesso à habitação própria» - art. 65º, nº 2, alínea c) da Constituição] e, considerado o restrito grau de compressão que poderá afetar o exercício do direito de alienação do imóvel, a solução legal não se revela, nem desproporcionada, nem desrazoável.


III

Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 27 de Novembro de 2018



J. Cabral Tavares (Relator)


Fátima Gomes


Acácio das Neves

__________


[1] Considerada, não a novíssima redação emergente da Lei 64/2018, de 29 de Outubro, mas a anterior, determinada pela Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro.
[2] O acórdão da Relação, após ter abrangentemente equacionado a questão objeto do recurso para ela interposto como «a de saber se a Ré se mostrava vinculada perante a Autora por proposta irrevogável, consistente na primordial comunicação para preferência, tendo a retractação posterior, constante de uma segunda comunicação para preferência levada ao conhecimento da Autora ainda esta se encontrava em prazo para aceitar ou não a primeira referida comunicação, feito incorrer a Ré, perante a Autora, em responsabilidade pré-contratual e/ou em enriquecimento sem causa», ao dela decidir, escreve: «não temos dúvida de que a inicial comunicação para preferência, efectuada pela Ré vendedora, na pessoa da Autora, constituiu uma verdadeira proposta ou oferta de contrato, irrevogável, nos termos do disposto no artº 230º CCiv, sujeitando o obrigado à preferência à obrigação de indemnizar o preferente, nos termos do disposto no artº 227º CCiv» [realce acresc.; a Autora havia, justamente, com invocação do art. 227º, cit. (art. 25º da petição), fundado o pedido de condenação  na responsabilidade pré-contratual da Ré – supra, 1].
[3] Antunes Varela, em anotação ao ASTJ, de 22.2.84, RLJ, 3777, adiante considerada, a pág. 361, aí a propósito da diferente importância, em um e outro caso, em matéria de identificação do terceiro.
[4] Cfr. supra, confrontando redação do nº 1 do art. 416º com o nº 1 do art.1410º, nota nº 3.
[5]  Diferentemente da situação subjacente ao citado ASTJ de 8.1.2009 (objeto, designadamente, da conclusão 7ª da alegação da Recorrente), em que a Autora, arrendatária de uma fração e sendo objeto de venda a totalidade do imóvel, questionara, no caso, o cumprimento do disposto no art. 416º do CC, por parte da Ré.