Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4883/05.04TVLSB.L1.S1    
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA
INDEMNIZAÇAO DE CLIENTELA
REQUISITOS
RESOLUÇÃO
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
EFICÁCIA
RETROACTIVIDADE
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
CONTRATO DE EXECUÇÃO CONTINUADA OU PERIÓDICA
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Data do Acordão: 06/14/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Doutrina: - Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª edição, págs. 593 e 594; Noções de Direito Civil, 2ª edição, págs. 139, 140, 298.
- António Pinto Monteiro, Contrato de Agência, 2ª edição, págs. 103, 104.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª edição, II Volume, págs. 108, 109, 127, 275.
- A. Reis, C.P.C. Anotado, Vols. I pág. 614 e segs. e V pág. 71.
- Batista Machado, Pressupostos de Resolução do Incumprimento, pág. 175.
- Carlos Lacerda Barata, Anotações ao Novo Regime do Contrato de Agência, pág. 82.
- Galvão Telles Direito das Obrigações, 7ª edição, págs. 222, 336.
- Jorge Ribeiro de Faria, Estudos de Comemoração dos cinco anos da Faculdade de Direito de Universidade do Porto, págs. 18, 25.
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 411; Vol. II, 3ª edição, pág. 60.
- Rodrigues Bastos, Notas ao C.P.C, vol. III, pág. 233.
- Vaz Serra, BMJ, 47, 40; RLJ, 102º, 168; RLJ, 114º, pág. 309.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 224.º, N.º1, 230.º, N.º1, 342.º,N.º1, 432.º, N.º2, 433.º, 434.º, NºS 1 E 2, 435.º,436.º, N.º1, 762.º, 798.º, 799.º, 808.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 471.º, N.º1, 661.º, N.º2.
DL N.º 176/86, DE 03-07, NA REDACÇÃO INTRODUZIDA PELO DL N.º 118/93, DE 13-04: - ARTIGOS 1.º, 31.º, 32.º, N.º1, 33.º, ALS. A) E C).
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27-1-1993, C.J., ACS. STJ, 1993, 1º, 89;
-DE 3-12-1998, BMJ, 482º, 179;
-DE 27-3-2007, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 22-1-2008, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 22-4-2008, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 23-10-2008, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 12-2-2009, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 27-1-2011, EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - Num contrato de agência, a indemnização de clientela destina-se, essencialmente, a compensar o agente dos proveitos de que, após a cessação do contrato, poderá continuar a usufruir a outra parte, como decorrência da actividade desenvolvida por aquele. Trata-se de uma indemnização que não tem qualquer relação com o incumprimento contratual do principal, não emergindo de tal incumprimento, traduzindo-se numa forma de evitar um enriquecimento injustificado do principal à custa do agente, na medida em que o seu resultado apenas se reflecte nos contratos que o principal vem a negociar ou concluir com os clientes angariados pelo agente, após a cessação do contrato de agência.
II - A indemnização de clientela depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: Ter o agente angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente (a); a outra parte poder vir a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente (b); ter o agente deixado de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos nas als. a) e c) do art. 33.º do DL n.º 176/86, de 03-07, na redacção introduzida pelo DL n.º 118/93, de 13-04.
III - Uma declaração resolutiva deve fazer-se mediante declaração escrita à outra parte, como resulta do 31.º do referido DL n.º 178/86. A resolução segue o regime geral definido no CC, pelo que se deve entender que se trata de declaração receptícia que se torna eficaz logo que chega ao destinatário, ou é dele conhecida (art. 224.º, n.º 1), tornando-se, então, irrevogável (art. 230.º, n.º 1).
IV - No caso a declaração resolutiva realizada através de carta, tornou-se eficaz logo que a ré recebeu o escrito e se inteirou do respectivo conteúdo. Com esta declaração a ré destruiu ou extinguiu a relação contratual.
V - A resolução contratual coloca as partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado, visto que, em princípio, produz os mesmos efeitos da nulidade ou da anulabilidade do negócio (art. 433.º). Só assim não será, se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução, não abrangendo, também, esses efeitos as prestações já efectuadas nos contratos de execução continuada ou periódica, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas (art. 434.º, n.ºs 1 e 2). A resolução, igualmente, ainda que expressamente convencionada, não abrange os direitos de terceiros (art. 435.º).
VI - A colocação das partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado, origina a obrigação de restituição do prestado, sem prejuízo de indemnizar os danos que a parte culpada causou.
VII - Reconhece a doutrina tradicional e a jurisprudência maioritária que, em caso de resolução do contrato, a indemnização a considerar será a decorrente do interesse contratual negativo. Existem, porém, autores que defendem que a resolução contratual pode gerar, uma indemnização pelos danos derivados do interesse contratual positivo.
VIII - No caso dos autos não será necessário embrenharmo-nos na discussão teórica que este assunto suscita, dado que a solução da questão passa pela não retroactividade da resolução, determinada pela própria lei (art. 434.º, n.º 2), nos contratos de execução continuada ou periódica.
IX - O recorrente pede a condenação da ré no pagamento de uma quantia a título de indemnização pelo dano resultante da diminuição da retribuição e aumento dos custos da sua actividade durante o período temporal que indicou, valor que integra o interesse contratual positivo, pois visa colocar o autor na situação em que estaria se o contrato fosse pontualmente cumprido, isto é, sem que a ré efectuasse as alterações contratuais ilícitas referenciadas.
X - O contrato de agência, dada a sua natureza, deve ser integrado na categoria de contrato de execução continuada, visto que a prestação (actividade de agente) se prolonga ininterruptamente durante um período mais ou menos longo. Assim, de acordo com o disposto no art. 432.º, n.º 2, a respectiva resolução não abrange as prestações já efectuadas (com a excepção se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas, situação sem aplicação no caso). Decorre, assim, que neste tipo de contratos não devem ser submetidas ao regime da retroactividade, as prestações já realizadas. Estas prestações devem ter-se como subsistentes, pese embora a extinção do negócio.
XI - Mantendo-se subsistentes as prestações das partes e provando-se que a prestação da ré foi incorrecta, deverá aplicar-se o regime do cumprimento defeituoso da obrigação pelo que, de harmonia com o princípio geral definido no art. 798.º, todos do CC, o pedido de indemnização que o autor que realizou, terá de proceder.
XII - Como o valor do prejuízo não está determinado, o respectivo montante deverá ser calculado em liquidação de sentença, como decorre do disposto no art. 661.º, n.º 2, do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                                             

                                                I- Relatório:

                        1-1- AA, residente na Urbanização .............., Bloco ..... ......., Quarteira, Vila Moura, propôs a presente acção com processo ordinário contra BB – Indústria Cerâmica, S.A., com sede na zona industrial da ....., Apartado ....., Í......, pedindo que:

                         a) Seja declarado que a R. violou culposamente as obrigações contratuais que assumiu através de contrato de agente comercial que celebrou com o A., com o que deu causa à resolução do contrato pelo A. ;

                        b) A R. seja condenada a pagar ao A. :

                        -27.500 € a título de indemnização pelo dano resultante da diminuição da retribuição e aumento dos custos da actividade do autor entre Novembro de 2003 e Setembro de 2004;

                        -80.000 € a título de indemnização pelo dano emergente e lucro cessante derivado da extinção do contrato ;

                        -76.000 € a título de indemnização de clientela.

                        Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que a R. dedica-se à comercialização de pavimentos e revestimentos cerâmicos, tendo resultado da fusão, por incorporação e mediante transferência global de património, das sociedades “CC Cerâmicas, S.A.” e “DD, Ldª”, na “EE – Mosaicos EE os, S.A.”. Em Fevereiro de 1992, o A. celebrou com a “CC EE , S.A.” contrato de agente comercial que perdurou até 30/9/2004. Acontece que, em Outubro de 2003, a R. decidiu unilateralmente alterar as condições do contrato que mantinha com o A., alterando-lhe as zonas de comercialização, reduzindo-lhe a retribuição e retirando-lhe os principais cliente, o que implicou uma diminuição da retribuição do A., além de lhe ter aumentado os custos da sua actividade. Em Junho de 2004 o A. tomou conhecimento de vários comportamentos da R. que, conjugados com os factos já referidos, tornaram impossível a manutenção do contrato pelo que, por carta de 30/6/2004, o A. procedeu à resolução do contrato que o ligava à R.. O facto de o A. ter sido obrigado a pôr termo ao contrato, de ter perdido o mercado que construiu, capital de clientela, relações e contactos, e a sua única fonte de rendimento, causou-lhe danos. Acresce que, graças à actividade de comercialização e promoção desenvolvida pelo A. longo dos anos, até Novembro de 2003, a R. fidelizou a clientela de que já dispunha, aumentou o número e a facturação dos seus clientes.                                                      

                         A R. contestou defendendo-se por impugnação e pugnando pela improcedência da acção.

                          O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

                                                Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou-se que o A. resolveu validamente o contrato de agência com fundamento em violação culposa das obrigações contratuais da R., condenando-se a R. a pagar ao A. a quantia de € 50.000 a título de indemnização de clientela.

                         No mais, a acção foi julgada improcedente, absolvendo a R. do pedido

                        

                        1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram a R. e o A. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 16-11-2010, julgado procedente o recurso da R., revogando-se a sentença recorrida, absolvendo-se a R. do pedido contra ela formulado. Mais se negou provimento ao recurso interposto pelo A., confirmando, na parte por ele impugnada, a sentença recorrida.

                         1-3- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

                       

                        O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

                        1ª- Contrariamente ao decidido pelo douto acórdão impugnado, os factos provados preenchem os requisitos legais constitutivos do direito à indemnização de clientela peticionado pelo Autor,

                        2ª- pelo que, decidindo de modo diverso, o douto acórdão ofendeu o disposto, entre outros, no art. 33°, nº 1, do DL 178/86, de 3 de Julho.

                        3ª- O douto acórdão confirmou a douta sentença de primeira instância que negou ao Autor o direito de ser indemnizado pelos danos da diminuição da retribuição e aumento dos custos da sua actividade de agente comercial entre Novembro de 2003 e Setembro de 2004, resultantes de decisões unilaterais da Ré que desrespeitam obrigações contratuais.

                        4ª- Essas decisões (incluindo, ao que agora interessa, o douto acórdão da Relação) assentam no princípio da irreparabilidade do chamado interesse contratual positivo nas hipóteses de resolução contratual,

                        5ª- princípio esse que, ao contrário do decidido, não é absoluto, contraria, no caso, a "finalidade da resolução" e nem sequer se aplica à resolução de contratos de agência (por serem de execução continuada), como tudo resulta das disposições conjugadas dos nºs 1 e 2 e do art. 434° CC e 32° do DL 178/86, de 3 de Julho.

                        6ª - A "necessidade de ponderar os interesses em jogo à luz da boa fé negocial - como acentua o Ac. STJ de 12.02.2009 -, o incumprimento grave e reiterado da Ré que determinou a resolução do contrato e as demais circunstâncias do caso, justificam a atribuição ao Autor duma indemnização pelos danos resultantes da diferença entre a retribuição contratada e a que foi paga, e pelo agravamento dos custos que o Autor teve de suportar por força de decisões unilaterais da Ré que desrespeitaram obrigações contratuais por ela assumidas,

                        7ª- indemnização essa que terá de ser fixada na quantia peticionada pelo Autor, de 27.500,00 € (vinte e sete mil e quinhentos euros).

                        8ª- Os mesmos pressupostos de facto e de direito - que legitimam o ressarcimento do chamado interesse contratual positivo - impõem que ao Autor seja atribuída a indemnização de 80.000,00 € (oitenta mil euros) que peticionou pelo dano emergente e lucro cessante que foram consequência adequada da violação do contrato pela Ré e da sua inevitável resolução pelo Autor.

                        9ª- A tal não constitui obstáculo a circunstância de o Autor não ter logrado fazer prova do montante exacto desses danos.

                        10ª- Seja porque ficaram demonstrados os demais elementos constitutivos da obrigação de indemnizar - com especial relevo para a violação ilícita e culposa dos direitos do Autor por parte da Ré e a existência de danos que são consequência adequada dessa violação (quanto a estes, desde logo, por simples presunção natural emergente do quadro factual assente na instância) -,

                        11ª- seja porque a esse resultado - e pela via da equidade - conduziriam o disposto no art. 566°, 3, CC, ou a aplicação analógica - ad majorem ­do regime instituído pelo nº 2 do art. 32° do DL 178/86, de 3 de Julho.

                        12ª - Quando assim se não entendesse, o Tribunal sempre deveria ter relegado o cômputo da indemnização devida para liquidação em execução de sentença, por força do que dispõem os arts 564°, 2, CC, e 661°, 2, CPC.

                        13ª - Ao decidir de modo diverso, o douto acórdão ofendeu os referidos preceitos normativos.

                        14ª- Por último, a aplicação aos factos provados do regime legal estabelecido no art. 34° do DL 178/86, de 3 de Julho (na redacção do DL 118/93, de 13 de Abril), impõem que a indemnização de clientela que é devida ao Autor seja fixada no montante de 76.000,00 € (setenta e seis mil euros) por si peticionado

                        15ª - Tal solução é a única compatível, do ponto da vista da justiça e da equidade, com a elevada dimensão dos benefícios que a Ré continuou a auferir em resultado da actividade que o Autor (um dos seus dois melhores agentes) desenvolveu ao longo de cerca de treze anos na promoção e penetração dos produtos da Ré, benefícios que são função directa da fidelização da clientela de que a Ré dispunha e do incremento feito pelo Autor do número e facturação dos clientes, e do crescimento exponencial do volume dessa mesma facturação potenciado pelo Autor e estabilizado (fidelizado) graças a si.

                        16ª- Ao decidir de modo diverso, o douto acórdão fez errada aplicação do citado art. 34°.

                        TERMOS EM QUE,

                        revogando o douto acórdão recorrido e julgando o recurso procedente, farão Vossas Excelências a habitual JUSTIÇA!

                        A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.

                       

                        Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

                        II- Fundamentação:

                        2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).

                        Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:

                        - Se o A. tem direito à indemnização de clientela que pediu.

                        - Se A. tem o direito de ser indemnizado pelos danos da diminuição da retribuição e pelo aumento dos custos da sua actividade de agente comercial que exerceu a favor da R.

                        - Se o A. tem direito a ser indemnizado pelo dano emergente e lucro cessante derivado da extinção do contrato de agência que celebrou com a R..

                                                2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:

                        1- A R. é uma sociedade comercial que explora a actividade de produção e comercialização de pavimentos e revestimentos cerâmicos.

                        2- Resultou da fusão, por incorporação e mediante transferência global de património, das sociedades “CC Cerâmicas, S.A.” e “DD – Contabilidade, Gestão e Recursos Humanos, Ldª”, na sociedade “EE – Mosaicos Cerâmicos, S.A.”, que alterou a designação social para “BB – Indústria Cerâmica, S.A.”.

                        3- A. e R. estabeleceram contrato verbal, em Fevereiro de 1992, que vigorou desde então até ao dia 30/9/2004.

                        4- Nesse acordo, o A. obrigou-se a promover, por conta da “CC Cerâmicas, S.A.”, como seu agente exclusivo e não podendo exercer nem explorar nenhuma outra actividade comercial concorrente, a venda dos produtos “S.........”, “C.........”, “Amarona” e “Maronagres” por ela fabricados e comercializados.

                        5- Numa zona geográfica que abrangia o Algarve e parte do Alentejo.

                        6- Suportando o A., a expensas próprias, todos os custos e despesas dessa actividade que desenvolvida, gasolina, refeições, viaturas e demais instrumentos de trabalho, escritórios.

                        7- No desempenho das funções e cumprimento das obrigações a que ficou adstrito, o A., sem poderes para celebrar os respectivos contratos de fornecimento e/ou compra e venda, que eram formalizados apenas pelo principal.

                        8- O A., só ele, fazia na referida zona prospecção do mercado, angariava e contactava clientes, difundia aqueles produtos e serviços, negociava preços, quantidades e prazos de entrega, actividade que se passa a designar como de promoção e comercialização.

                        9- Em articulação com as antecessoras da R. e, depois, com esta e de acordo com os seus objectivos comerciais.

                        10- Mas com autonomia uma vez que era ele que organizava, segundo os seus critérios de necessidade e oportunidade, a actividade que desenvolvia, em termos de horários, percursos, agendamento, programação de contactos.

                        11- A partir de 1/4/1998, por acordo das partes, o A. passou a desenvolver a actividade que acima ficou caracterizada também na zona geográfica da Grande Lisboa, identificada como “Zona 211”, definida através duma linha imaginária que passava, a norte, entre Torres Vedras e Campo Maior e, a sul, entre Póvoa e Alvito.

                        12- Continuando a desenvolvê-la na anterior zona geografia Algarve e parte do Alentejo, designada como “Zona 210”.

                        13- O A. aceitou, nessa altura, deixar de comercializar os produtos “Maronagres”.

                        14- Continuou a promover e comercializar, nos exactos termos em que o fazia antes, os produtos “S.........”, “C.........” e “Amarona”.

                        15- Até 2003, a actividade do Autor não incluíam, nem na Zona 210, nem na Zona 211, os produtos “EE”.

                        16- Em 30/9/2004 cessaram, em definitivo, as relações contratuais que vigoraram entre a R. e suas antecessoras e o A., desde 1992.

                        17- Foram os seguintes os valores da retribuição auferida pelo A., apenas em comissões, durante os últimos cinco anos:

                        -Entre 1/10/1999 e 31/12/1999, 17.993,48 €.

                        -No ano de 2000, 68.993,88 €.

                        -No ano de 2001, 103.435,45 €.

                        -No ano de 2002, 84.466,72 €.

                        -Entre 1/1/2003 e 1/10/2003, 45.012,52 €.

                        -A partir de 1/11/2003, 62.982,61 €.

                        18- A última destas verbas inclui retribuições devidas por promoções e comercialização desenvolvidas antes de 1/11/2003, mas pagas apenas depois dessa data.

                        19- O A., até Junho de 1998, auferiu uma retribuição correspondente a 3,5% do valor da facturação da R. na zona 210 e 2,8% do valor da facturação na zona 211.

                        20- A partir de Julho de 1998 e até Outubro de 2003, a remuneração pela sua actividade era de 4,5% sobre o valor da facturação para a zona 210 e de 3,25% sobre o valor da facturação para a zona 211.

                        21- Entre Novembro de 1998 e Novembro de 1999, a R. abonou ao A. a quantia de 65.000$00 mensais para pagamento de renda de casa em Lisboa que serviu de suporte logístico à sua actividade nessa zona.

                        22- Em Outubro de 2003, a R. decidiu, contra a vontade do A., alterar as condições do contrato que mantinha com ele e vigentes até então.

                        23- Decidiu a R. retirar-lhe a promoção e comercialização da zona 210 Algarve e parte do Alentejo que atribuiu a outro agente.

                        24- E atribuir-lhe uma nova zona geográfica descontínua que passou a abranger uma parte a Sul do Tejo, todo o lado oeste duma linha imaginária entre Porto Alto e Setúbal, saltava para Alverca, Vila Franca de Xira, Cartaxo e Santarém e daí para Leiria e Monte Redondo, até 8 km a norte de Pombal.

                        25- Retirou-lhe alguns dos seus principais clientes entre os quais “Ma.......”, “P..........i” e “A......”.

                        26- E atribuiu-os a outro agente.

                        27- O A. passou a ter como clientes da sua actividade uma lista de trinta e quatro indicada pela R..

                        28- Decidiu a R. atribuir-lhe a promoção e comercialização dos produtos “EE” que o A. nunca tinha feito.

                        29- A R. reduziu a remuneração do A., que era de 4,5% na Zona 210 e 3,25% na Zona 211, para a percentagem única de 3%.

                        30- Desde 1992, o A. não exerceu nenhuma outra actividade comercial nem profissional senão a promoção e comercialização dos produtos da R. e suas antecessoras.

                        31- Que era a sua única fonte da sua sobrevivência comercial, económica e pessoal.

                        32- O A. manifestou à R. o seu desagrado perante as modificações que implicavam um agravamento das condições de exercício da sua actividade.

                        33- O A. passou a ter de pernoitar mais dias fora da residência da família, em Quarteira.

                        34- O ponto da nova zona geográfica mais próximo da sua residência distava daquela 245 km.

                        35- Os clientes a contactar estavam dispersos por essa zona, distando entre si muitas dezenas de quilómetros.

                        36- O que levou o A. a ter de pernoitar em hotéis mais dias.

                        37- Passava grande parte desse tempo em deslocações entre os diversos clientes.

                        38- O referido em 34. a 37. aumentou os custos do A. dispendidos em combustível, portagens, refeições e alojamento em montante concretamente não apurado.

                        39- O A. reclamou sempre contra a diminuição da percentagem da retribuição.

                        40- A partir de 1/11/2003, começou a exercer a sua actividade na nova zona a partir de então designada como zona 6.

                        41- A R. atribuiu a um sobrinho do seu director comercial os principais clientes do A. em Lisboa.

                        42- Em Janeiro de 2004, na apresentação dos orçamentos anuais, a R. fixou ao A. a quantia mínima de 116.000 € por mês de facturação.

                        43- Na terceira semana desse mesmo mês de Janeiro de 2004, a R., por decisão sua unilateral, subiu esse valor para 112.677 € por mês.

                        44- Sempre sem obter o acordo do A., voltou a elevar esse montante, em 16 de Fevereiro seguinte, para 167.350 € por mês.

                        45- Um dos novos clientes do A., sediado em Vila Franca de Xira, tinha lojas espalhadas por toda a Zona da Grande Lisboa (Sacavém, Odivelas, Centro de Lisboa, etc.), tendo ele de o visitar ao lado das quais existem outros clientes da R., que estavam atribuídos a outro agente.

                        46- Um cliente sediado em Santarém tem lojas, que tinham de ser visitadas pelo A., em Torres Vedras, Almeirim e Entroncamento.

                        47- Havia clientes do A. dispersos por todo o distrito de Leiria.

                        48- Um dos clientes situava-se em Vieira de Leiria, onde o A. tinha de deslocar-se, não obstante a facturação quase insignificante.

                        49- O A. foi sempre protestando junto da R. contra este quadro de novas condições.

                        50- A R. fornecia à “A.......” material “EE”, violando um compromisso que assumira com a “M.......”, cliente do A., de não aceitar novos clientes concorrenciais na respectiva zona.

                        51- O mesmo acontecendo com os armazéns “Madiver”.

                        52- No dia 30/6/2004, o A. enviou à R. a carta de fls. 9 a 12, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a qual foi recebida pela R., na qual afirma designadamente que “(…) as situações sumariamente delineadas integram justa causa para pôr termo ao mesmo contrato, conferindo-me direito à indemnização legal pelos danos que sofri, de que não abdico e, bem assim, à indemnização de clientela, que de igual modo exijo”.

                        53- Na carta referida em 52., afirmou ainda o A. que “apesar da gravidade dos factos que me levam a pôr termo ao contrato, não quero deixar de vos facultar a possibilidade de reorganizarem a comercialização dos vossos produtos na área que me foi imposta, pelo que, por este meio, devem considerar que as relações inerentes ao contrato que mantemos cessarão em definitivo a partir do dia 30 de Setembro do corrente ano de 2004”.

                        54- Por causa da actividade de promoção e comercialização desenvolvida pelo A. ao longo dos anos nas áreas geográficas, de que tinha a exclusividade até Novembro de 2003, a R. fidelizou a clientela de que já dispunha e aumentou o número e a facturação dos seus clientes.

                        55- Ao ponto de, por exemplo, na zona 211, ter subido de 1.259.429,04 € no ano de 1998 para 3.008.511,64 € no ano de 2001.

                        56- Entre 1/1/2003 e 31/10/2003, ano em que o A. ainda exerceu a sua actividade nessa zona, a R. facturou 1.559.236,59 €.

                        57- Apesar de nos primeiros seis meses desse ano ter tido longos períodos de inactividade por razões de doença dum filho e dele próprios.

                        58- Entre 1/11/2003 e 30/9/2004, e como consequência adequada das alterações que a R. introduziu no contrato dos autos, o A. recebeu comissões no valor de 56.348,88 € e sofreu um aumento de custos da sua actividade em montante concretamente não apurado.

                        59- A partir de 1998 e até à altura referida em 22., o A. foi sempre um dos dois agentes, da R. e antecessora “CC”, melhor classificados em volume de vendas.

                        60- Por força da reestruturação, uma vez que a sociedade “EE” possuía, também ela, agentes para promoção dos seus produtos e tratando-se de sociedades com o mesmo objecto social, tornou-se necessário reorganizar a distribuição territorial dos seus agentes de forma a racionalizar os recursos humanos.

                        61- Evitando a duplicação de agentes para o mesmo cliente.

                        62- A R. entendeu que seria proveitoso, quer para si, quer para todos os agentes e também para o A., atribuir aos vários agentes a promoção dos produtos “CC” e da “EE”, redistribuindo as áreas territoriais.

                         63- A R. uniformizou a percentagem remuneratória de todos os agentes (quer os que provinham da “CC” quer os que provinham da “EE”) para 3% .--------------

                       

                        2-3- Na presente revista o recorrente A. começa por contestar a posição assumida pelo douto acórdão recorrido quanto à indemnização de clientela a que se julga com direito. Com efeito, no seu prisma, a aplicação aos factos provados do regime legal estabelecido no art. 34° do DL 178/86, de 3 de Julho (na redacção do DL 118/93, de 13 de Abril), impõem que a indemnização de clientela que lhe é devida, seja fixada no montante de 76.000,00 € por si peticionado. Tal solução é a única compatível, do ponto da vista da justiça e da equidade, com a elevada dimensão dos benefícios que a R. continuou a usufruir em resultado da sua actividade, acção que desenvolveu ao longo de cerca de treze anos promovendo e fazendo a penetração dos produtos da R., daí resultando para esta benefícios derivados directamente da fidelização da clientela, incremento feito por si, resultante do número e facturação dos clientes, e do crescimento exponencial do volume dessa mesma facturação. Conclui dizendo que ao decidir de modo diverso, o aresto fez errada aplicação do citado art. 34°.

                        Na sentença de 1ª instância reconheceu-se ao A. o direito a uma indemnização por clientela. Isto porque, em síntese, se considerou que os requisitos de que dependia a atribuição de indemnização neste âmbito e a que se refere o art. 33º do Dec-Lei 176/86 de 3/7, se encontravam preenchidos.

                        Porém, o douto acórdão recorrido, discordando desta posição, entendeu que pese embora se mostre preenchido o requisito da alínea a) desse art. 33º (dado que o aumento de facturação se mostra suficientemente quantificado nos factos dados como provados, nomeadamente no que respeita à Zona 211), não se poderá reputar como demonstrado o fundamento da alínea b) da mesma disposição. Para justificar esta posição referiu-se que “em primeiro lugar, não vislumbramos da matéria de facto provada que a clientela em causa, angariada pelo A. se tenha mantido como clientela da R.. Em segundo lugar, mesmo que presumisse que aqueles clientes se mantiveram “fiéis” à R., desconhece-se qual o número exacto dos mesmos, ou seja, quais os que, fazendo parte da carteira de clientes do A., se mantiveram como clientes da R. após a cessação do contrato. Em terceiro lugar, é escassa a prova sobre a determinação se esses clientes eram habituais (isto é, com os quais seria previsível a negociação e celebração de contratos futuros) ou se, pelo contrário, eram clientes esporádicos ou ocasionais e desconhece-se qual o volume de negócios que esses clientes representavam (ou seja, desconhece-se se tais clientes faziam compras de valor significativo ou se, pelo contrário, faziam compras de dimensão reduzida ou até irrelevante, até porque apenas existe um dado parcelar, referente a uma das zonas de actividade do A.)”. Acrescentou-se que, sabendo-se que “a indemnização de clientela nada tem a ver com juízos de imputabilidade ou de culpa”, visando apenas “fazer com que o agente beneficie dos ganhos que o principal vai provavelmente auferir, após o termo do contrato, por virtude da sua actividade e, como tal, não há lugar a indemnização de clientela nos casos em que o principal, ainda que por razões a si imputáveis, não retire benefícios consideráveis da clientela angariada pelo seu ex-agente”.

                        Ou seja, o douto acórdão recorrido, entendeu não atribuir a indemnização de clientela ao A. por não se ter demonstrado a manutenção da clientela em causa como clientela da R., por se desconhecer o número exacto desses clientes que se mantiveram como clientes da R. após a cessação do contrato (por não se indiciar se os mesmos clientes eram habituais ou se, pelo contrário, eram clientes esporádicos ou ocasionais) e por se ignorar o volume de negócios que esses clientes representavam (dado que se desconhece se tais clientes faziam compras de valor significativo ou se, pelo contrário, faziam compras de dimensão reduzida ou até irrelevante).

                        Vejamos:

                        Não existe qualquer dúvida que os factos provados indiciam que as partes, designadamente o A. e a R. celebraram um contrato de agência, assumido o A. a qualidade de agente e a R. a de principal, contrato que é definido no art. 1º nº 1 do Dec-Lei 176/86 de 3/7 na redacção introduzida pelo Dec-Lei 118/93 de 13/4. Porque as instâncias assim reputaram o contrato, as partes aceitam pacificamente tal qualificação e nós consideramos essa classificação como certa, abstemo-nos, por desnecessário, de desenvolver o tema.

                        Sobre a indemnização de clientela estabelece o art. 33º nº 1 do dito Decreto-Lei 178/86:

                        “Sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos seguintes:

                        a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;

                        b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato da actividade desenvolvida pelo agente;

                        c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a)”.

                        Quer dizer, perante este dispositivo, o agente tem direito, após a cessação do contrato (e sem prejuízo de qualquer outra) a uma indemnização de clientela. Refere António Pinto Monteiro[1], a respeito desta disposição, que se trata “no fundo, de uma compensação devida ao agente, após a cessação do contrato – seja qual for a forma por que põe termo ou o tempo por que o contrato foi celebrado (por tempo determinado ou por tempo indeterminado) e que acresce a qualquer outra indemnização a que há já lugar – pelos benefícios de que o principal continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente”. Constitui, pois, uma indemnização devida pelo aumento ou fidelização de novos clientes angariados pelo agente. A indemnização de clientela destina-se, essencialmente, como se diz no preâmbulo do dito Dec-Lei 178/86, a compensar o agente dos proveitos de que, após a cessação do contrato, poderá continuar a usufruir a outra parte, como decorrência da actividade desenvolvida por aquele. Trata-se de uma indemnização que não tem qualquer relação com o incumprimento contratual do principal, não emergindo de tal incumprimento. Visa essencialmente, como já se afirmou, compensar o agente pelos benefícios que a outra parte continua a auferir e que se devem, essencialmente, à actividade do ex-agente, benefícios esses que, na vigência do contrato, eram de proveito comum e que, após a cessação do contrato, aproveitam, unilateralmente ao principal. Traduz-se, assim, numa forma de evitar um enriquecimento injustificado do principal à custa do agente, na medida em que o seu resultado apenas se reflecte nos contratos que o principal vem a negociar ou concluir com os clientes angariados pelo agente, após a cessação do contrato de agência.

                        Em síntese, os requisitos do art. 33º nº 1 “justificam-se, em tese, pela transferência de clientela do agente para o principal, que a execução do contrato pelo primeiro (eventualmente) veio a motivar, gerando os correlativos benefícios para o segundo[2].

                        Resulta do dito art. 33º nº 1, que a indemnização de clientela depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: Ter o agente angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente (a); a outra parte poder vir a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente (b); ter o agente deixado de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos nas alíneas a) (c).

                        No caso provou-se que por causa da actividade de promoção e comercialização desenvolvida pelo A. ao longo dos anos nas áreas geográficas, de que tinha a exclusividade até Novembro de 2003, a R. fidelizou a clientela de que já dispunha e aumentou o número e a facturação dos seus clientes, ao ponto de, por exemplo, na zona 211, ter subido de 1.259.429,04 € no ano de 1998 para 3.008.511,64 € no ano de 2001, sendo que entre 1/1/2003 e 31/10/2003, ano em que o A. ainda exerceu a sua actividade nessa zona, a R. facturou 1.559.236,59 €, apesar de nos primeiros seis meses desse ano ter tido longos períodos de inactividade por razões de doença dum filho e dele próprios (factos referidos de 54) a 57).

                        Quer dizer, perante esta factualidade, resulta que o A. aumentou não só o número de clientes da R. como também a respectiva facturação. Temos dúvidas, porém, que se possa ter como assente que a facturação foi incrementada substancialmente, ou seja, de forma exponencial ou acentuada, dado o montante do último período em referência (1-1-2003 a 31-10-2003)[3]. Todavia porque o requisito da alínea a) se satisfaz com qualquer das hipóteses aí contempladas (a angariação de novos clientes ou o aumento substancial o volume de negócios com a clientela já existente), e porque se demonstra o conseguimento de novos clientes por acção do A., este fundamento deve ter-se como concretizado.

                        Na alínea b) da disposição exige-se, como já se viu, que após a cessação do contrato, o principal possa vir a beneficiar, consideravelmente, da actividade desenvolvida pelo agente, ou seja, que o respectivo incremento seja acentuado, notoriamente relevante. Como se diz, a este propósito, no acórdão deste STJ de 4-6-2009 (in www.dgsi.pt/jstj.nsf) “Mas a lei exige, ainda, que o benefício assim projectado seja considerável …. Tem pois de ser significativo, do ponto de vista do principal, seguramente, mas atendendo também ao volume de negócios que o contrato de agência lhe proporcionou, ou seja, dentro do contexto desse mesmo contrato. Pode por exemplo acontecer que o principal seja uma empresa de grande dimensão, que tenha contratado um agente para uma área delimitada de actuação; para avaliar o preenchimento do requisito de que nos ocupamos é imprescindível ter em conta as circunstâncias do caso”.

                        Ora, a nosso ver, este fundamento, no caso, não é indiciado pelos factos provados. Na verdade, desconhece-se qual o volume de negócios que os novos clientes, angariados pelo A., podem representar para a empresa R., após o terminus da actividade desenvolvida pelo A.. Por outro lado, os factos acima referenciados não evidenciam também que o volume de negócios atribuíveis ao A., possam ser entendidos, em termos futuros (isto é, após a cessação do contrato de agência), como uma contribuição acentuada de proventos para a empresa, dado o montante global logrado pelo A. no último período em referência (1-1-2003 a 31-10-2003), quantia que em pouco se distingue do primeiro período considerado (1.259.429,04 € no ano de 1998).

                        Ou seja, à míngua de factos provados, temos que concluir que não se provou, como se devia[4], que a empresa recorrida possa vir a beneficiar “consideravelmente”, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pela A..

                        Sabendo-se que os ditos requisitos são cumulativos, é evidente que à falta deste pressuposto, a indemnização de clientela pedida pelo recorrente não pode ter lugar.

                        Não se desconhece que segundo António Pinto Monteiro[5], a indemnização de clientela não depende da prova absoluta de que o principal irá beneficiar concretamente da actividade desenvolvida pelo agente durante a vigência do contrato, bastando que a actividade desenvolvida por esse constitua uma “chance” de negócio para aquele, bastando que, de acordo com juízo de prognose que a recorrida, muito provavelmente, irá beneficiar da actividade de desenvolvimento do mercado que a recorrente.

                        A esta argumentação diremos que não compete a este Supremo Tribunal, como tribunal de revista, retirar presunções da matéria de facto provada. Neste sentido apelaremos, ao que se refere em idêntico caso, no acórdão deste STJ de 23-2-2010 (in www.dgsi.pt/jstj.nsf): “… sempre para alcançar essa conclusão (tese defendida pela recorrente) teria de fazer-se apelo a presunção judicial cujo estabelecimento se situa no âmbito da pura matéria de facto da exclusiva competência das instâncias”, sendo que “as instâncias não lograram dar esse facto por assente”. Ou seja, não tendo a Relação retirado dos factos provados a pertinente presunção, não pode este S.T.J., como tribunal de revista, substituir-se a essa instância e fazer esse juízo de prognose (neste sentido também o acórdão do S.T.J de 18-1-2011 proferido no processo 5284/05.5TVLSB.L1.S1).

                        Isto não significa nem exclui, todavia, que o Supremo esteja impedido de verificar se a matéria de facto provada é ou não suficiente para se ter por preenchidos os requisitos de que depende a atribuição de indemnização de clientela ao agente. O que se afirma é que esse juízo deve ser feito face à factualidade dada como assente pelas instâncias e não através de presunções.

                        Improcede, assim, a pretensão do recorrente de dever beneficiar da indemnização de clientela.

                        2-4- Sustenta ainda o recorrente que o acórdão recorrido confirmou a sentença de 1ª instância que lhe negou o direito de ser indemnizado pelos danos da diminuição da retribuição e aumento dos custos da sua actividade de agente comercial entre Novembro de 2003 e Setembro de 2004, resultantes de decisões unilaterais da R. que desrespeitam obrigações contratuais. Essas decisões assentam no princípio da irreparabilidade do chamado interesse contratual positivo nas hipóteses de resolução contratual, princípio, que ao contrário do decidido, não é absoluto e que contraria, no caso, a "finalidade da resolução", não se devendo aplicar à resolução de contratos de agência (por serem de execução continuada), como resulta das disposições conjugadas dos nºs 1 e 2 e do art. 434° do C.Civil e 32° do DL 178/86, de 3 de Julho. A necessidade de ponderar os interesses em jogo à luz da boa fé negocial, o incumprimento grave e reiterado da R. que determinou a resolução do contrato e as demais circunstâncias do caso, justificam a atribuição ao A. duma indemnização pelos danos resultantes da diferença entre a retribuição contratada e a que foi paga e pelo agravamento dos custos que o A. teve de suportar por força de decisões unilaterais da R. que desrespeitaram obrigações contratuais por ela assumidas, indemnização que deverá ser fixada na quantia peticionada pelo A., 27.500,00 €.

                        Pretende, pois, o recorrente, com esta argumentação, que lhe seja reconhecido o direito à indemnização pelos danos resultantes da diferença entre a retribuição contratada e a que lhe foi paga e pelo aumento dos custos que teve de suportar por força de decisões da R. desrespeitadoras das obrigações contratuais por ela assumidas.

                        O douto acórdão recorrido, que confirmou a posição assumida pela 1ª instância, referiu a este propósito que, no caso, o valor pedido neste âmbito integra o chamado interesse contratual positivo, pois visa colocar o A. na situação em que estaria se o contrato fosse pontualmente cumprido, sem a alteração ilícita realizada pela R.. Ora, se o A. não optou por pedir ao devedor o cumprimento do contrato, optando por resolver este, regressa à situação anterior à sua celebração, ficando com o direito a ser indemnizado, já não pelo interesse contratual positivo, mas apenas pelo interesse contratual negativo ou de confiança, isto é, em relação ao prejuízo que não sofreria se não tivesse celebrado o contrato, mas não do benefício que lhe traria a execução do mesmo. Por isso, negou o direito de ser indemnizado por esse interesse contratual positivo.

                        Vejamos:

                        Os factos provados demonstram que o A. decidiu, por sua iniciativa, resolver o contrato de agência que celebrara com a empresa R. e que o mantinha vinculado a esta. A declaração resolutiva deve fazer-se mediante declaração escrita à outra parte, como resulta do 31º do referido Dec-Lei 178/86 (vide ainda art. 436º nº 1 do C.Civil, diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem). A resolução segue o regime geral definido no C.Civil, pelo que se deve entender que se trata de declaração receptícia que se torna eficaz logo que chega ao destinatário, ou é dele conhecida (art. 224º nº1), tornando-se, então, irrevogável (art. 230º nº 1).

                         Nesta conformidade, a declaração resolutiva realizada através da carta referenciada em 52) da factualidade assente, tornou-se eficaz logo que a R. recebeu o escrito e se inteirou do respectivo conteúdo.

                        Com esta declaração a R. destruiu ou extinguiu a relação contratual. É que, como refere Antunes Varela[6]a resolução é a destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato”.

                        A resolução coloca as partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado, visto que, em princípio, produz os mesmos efeitos da nulidade ou da anulabilidade do negócio (art. 433º)[7]. Só assim não será, se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução, não abrangendo, também, esses efeitos as prestações já efectuadas nos contratos de execução continuada ou periódica, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas (art. 434º nºs 1 e 2). A resolução, igualmente, ainda que expressamente convencionada, não abrange os direitos de terceiros (art. 435º).

                        Goza, em princípio, a resolução de eficácia retroactiva (art. 434º nº 1), “visto que a falta de prestação a cargo do devedor deixa a obrigação da contraparte destituída da sua razão de ser, sem embargo da ressalva dos direitos de terceiro e das restrições impostas pela vontade das partes ou pela finalidade da resolução[8]

                        A colocação das partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado, origina a obrigação de restituição do prestado, sem prejuízo de indemnizar os danos que a parte culpada causou.

                        Neste sentido estabelece o art. 32º nº 1 do Dec-Lei 178/86 que “independentemente do direito de resolver o contrato, qualquer das partes tem o direito de ser indemnizada, nos termos gerais, pelos danos resultantes do não cumprimento das obrigações da outra”.

                        Quer isto dizer que reconhece esta disposição[9] a cumulação da resolução do contrato, com o direito à indemnização. Isto é, a resolução do contrato e direito à indemnização são compatíveis e cumuláveis.

                        Reconhece a doutrina tradicional[10] e a jurisprudência maioritária[11] que, em caso de resolução do contrato, a indemnização a considerar será a decorrente do interesse contratual negativo. Trata-se, como diz Antunes Varela[12], de “indemnização do prejuízo que o credor teve com o facto de se celebrar o contrato – ou, por outras palavras, do prejuízo que ele sofreria, se o contrato não tivesse sido celebrado (cfr. fórmula do art. 908º), que é a indemnização do chamado interesse contratual negativo ou de confiança”. Acrescenta o mesmo autor que “desde que o credor opte pela resolução do contrato, não faria sentido que pudesse exigir do devedor o ressarcimento do benefício que normalmente lhe traria a execução do negócio. O que ele pretende, com a opção feita, é antes a exoneração da obrigação que, por seu lado, assumiu (ou a restituição da prestação que efectuou) e a reposição do seu património no estado em que se encontraria, se o contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual negativo)”.

                        No mesmo sentido referem Pires de Lima e Antunes Varela[13]a indemnização a que o credor tem direito, quando opte pela resolução do contrato, refere-se obviamente ao dano de confiança, ou seja, ao interesse contratual negativo, nomeadamente o lucro que teria tido, se não fora a celebração do contrato resolvido”.

                        Quer dizer, segundo esta doutrina, tendo o credor optado pela resolução contratual, tem direito à indemnização decorrente dos danos que não teria se não tivesse outorgado o contrato (interesse contratual negativo). Mas já não terá o direito à indemnização derivada da não realização da prestação da outra parte, isto é, à indemnização que visa colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido (indemnização do interesse contratual positivo).

                        Existem, porém, autores que defendem que a resolução contratual pode gerar, uma indemnização pelos danos derivados do interesse contratual positivo, posição defendida, designadamente por Vaz Serra[14] e Batista Machado[15]e[16]. O acórdão deste STJ de 12-2-2009 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf), tomando posição sobre a querela defendeu, no mesmo sentido, que “se vista também como reintegradora dos interesses em jogo, a abertura ao ressarcimento pelos danos positivos impõe-se, em certos casos (Cfr-se Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações II, 434). À partida, a nossa lei encara-a apenas no primeiro sentido, distinguindo, nos artigos 432.º e seguintes do Código Civil, a figura, dos seus efeitos. Logo nestes, todavia está uma destruição contratual mitigada. Remete-se para o regime da nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico que encerra algumas excepções à senda destrutiva prevista, à cabeça, na lei (cfr. os artigos 289.º e seguintes). Depois, no próprio regime dos efeitos, a lei refere que a retroactividade não opera, além do mais, se contrariar a “vontade das partes” ou “finalidade da resolução”, estabelecendo mesmo um regime próprio quanto aos contratos de execução continuada ou periódica. Retiramos, então, daqui a falência da primeira das premissas da tese clássica, qual seja a da destruição da relação contratual. Em muitos casos, esta relação, ainda que atingida, continua a ter-se como subsistente, produzindo efeitos próprios da subsistência”. Quer dizer, este aresto, aceita, em certos casos, a indemnização pelo interesse contratual positivo.

                        Entendemos, porém, não ser necessário, no caso vertente, embrenharmo-nos na discussão teórica que o assunto suscita, dado que a solução da questão passa, a nosso ver, pela observância e valorização de outros pressupostos, ou seja, pela não retroactividade da resolução, determinada pela própria lei (art. 434º nº 2), nos contratos de execução continuada ou periódica.

                        O efeito retroactivo da resolução, não é um princípio categórico, decisivo e operante em toda a linha, pois a lei estabelece várias excepções a ele, como acima já se viu. Assim, não tem eficácia retroactiva, se esta retroactividade contrariar a vontade das partes ou o escopo da resolução (art. 434º nº 1), eficácia que também não tem nos contratos de execução continuada ou periódica (excepto entre estas e a causa de resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas – art. 434º nº 2 -)[17]. Como refere Jorge Ribeiro de Faria[18]a retroactividade encontra por limites ou os direitos de terceiros ou as prestações já efectuadas nos contratos de execução continuada ou periódica”.

                        O recorrente pede a condenação da R. no pagamento da quantia de 27.500 € a título de indemnização pelo dano resultante da diminuição da retribuição e aumento dos custos da sua actividade entre Novembro de 2003 e Setembro de 2004.

                        Somos em crer que este valor integra o interesse contratual positivo, pois visa colocar o A. na situação em que estaria se o contrato fosse pontualmente cumprido, isto é, sem que a R. efectuasse as alterações ilícitas que os factos provados deram como assentes.

                        Como já se viu, a resolução não abrange, nos contratos de execução continuada ou periódica, as prestações já efectuadas (excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas - art. 434º nº 2-).

                        Os contratos de execução continuada serão aqueles que, pese embora decorram de uma só relação obrigacional, a respectiva prestação prolonga-se ininterruptamente no tempo. Como refere Almeida Costa[19]considera-se continuativa, contínua ou de execução continuada a prestação que consiste numa actividade ou abstenção que se prolonga ininterruptamente – como conduta única, segundo os critérios da prática – durante um período mais ou menos longo…”. Por sua vez contratos de execução periódica serão aqueles cuja prestação se renovam em prestações singulares sucessivas, ao fim de períodos consecutivos. Neste sentido afirma o mesmo autor[20]quando, todavia, em vez de uma única prestação a realizar pelas partes (prestação fraccionada) existam – posto que decorrentes de uma só relação obrigacional – diversas prestações (isto é prestações repetidas) a satisfazer regularmente … ou sem regularidade exacta … teremos as chamadas prestações reiteradas, repetidas, com trato sucessivo ou periódicas («lato sensu»)”.

                        Segundo cremos o contrato de agência, dada a sua natureza, deve ser integrado na categoria de contrato de execução continuada, visto que a prestação (actividade de agente) se prolonga ininterruptamente durante um período mais ou menos longo.

                        Nesta conformidade, de acordo com o disposto no art. 432º nº 2, a respectiva resolução não abrange as prestações já efectuadas (com a excepção acima referida - se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas -, sem aplicação, porém, aqui).                     

                        Decorre, assim, que neste tipo de contratos não devem ser submetidas ao regime da retroactividade, as prestações já realizadas. Estas prestações devem ter-se como subsistentes, pese embora a extinção do negócio.

                        Refere apropriada e equilibradamente Vaz Serra[21] que “no caso de resolução por não cumprimento, baseado na lei, a eficácia retroactiva resulta de que não cumprida a obrigação de uma das partes, fica sem razão de ser a obrigação da outra, devendo, por isso, ser restituído o que esta tenha já prestado e podendo também o contratante faltoso recusar a sua prestação ou o equivalente e exigir a restituição do que tenha prestado, pois, havendo, nos contratos bilaterais, reciprocidade de prestações, dar-se-ia, de contrário, um locuplemento da outra parte. Não pode, porém, exagerar-se o alcance da retroactividade. A retroactividade da resolução só tem lugar até onde a finalidade desta o justificar: as coisas não podem passar-se inteiramente como se nunca tivesse existido o contrato, pois esse existiu de facto e dele podem ter surgido obrigações, direitos e situações não abrangidas pela razão de ser da resolução e que esta, portanto, não elimina, subsistindo não obstante ela”.

                        Parece-nos que este entendimento tem plena aplicação ao presente caso. É que pese embora a resolução o certo é que existiu, por parte do A., uma prestação correcta e integral (no novo âmbito definido pela R.) sendo que, por banda da R., em virtude do abaixamento unilateral da retribuição e a modificação da área de trabalho (com aumento de custos para o A.), ocorreu um cumprimento incorrecto da prestação a que se vinculara. Deve, a nosso ver, manter-se, durante o período da vigência do contrato e enquanto este se executou normalmente, o princípio da correspectividade das prestações

                        Mantendo-se subsistentes, nos termos do art. 434º nº 2, as prestações das partes e sabendo-se que a prestação da R. foi incorrecta, deverá aplicar-se, a nosso ver, o regime do cumprimento defeituoso da obrigação.

                        Decorre do art. 762º, como princípio geral, que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado. O cumprimento deve ter por objecto aquela mesma coisa ou aquele mesmo facto sobre que versa a obrigação[22].

                        Daqui resulta que a R. cumpriria a obrigação que lhe incumbia, se pagasse ao A. a retribuição acordada e mantivesse o mesmo a exercer funções nas zonas previamente determinadas (não propiciando o aumento de custos da actividade do A. no período em questão).

                        O não cumprimento da obrigação (em termos amplos) pode revestir as modalidade de retardamento da prestação (mora) ou da não realização definitiva desta[23]. Para além destas haverá a considerar ainda a execução defeituosa ou imperfeita da prestação. O devedor executa materialmente a prestação, mas não a cumpre cabalmente porque a cumpre mal. O dano não resulta aqui da omissão ou do atraso do cumprimento, mas antes dos vícios ou deficiências da prestação efectuada[24]. A prestação não se realiza da forma como se impunha.

                        Refere a este propósito o Antunes Varela[25] o cumprimento defeituoso “apenas se dá quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito”.

                        Neste contexto, parece não resultarem dúvidas sobre a circunstância de existir, por parte da R., um cumprimento defeituoso da prestação, visto que diminuiu unilateralmente a retribuição acordada e atribuiu ao A., para o exercício da sua actividade, locais diversos das zonas previamente combinadas.                     

                        A lei civil fala do cumprimento defeituoso no art. 799º sem, porém, desenvolver as especialidades que a noção comporta[26].

                        Face ao deficiente cumprimento da sua obrigação, a nosso ver, o A. poderia exigir, formalmente, nos termos do art. 808º, o cumprimento da obrigação e marcar prazo razoável que para esse efeito, sob pena de considerar a obrigação como definitivamente não cumprida e, daí, retirar, as consequentes consequências legais.

                        Poderia ainda pedir o ressarcimento dos danos (eventualmente) sofridos em razão do cumprimento imperfeito da obrigação, de harmonia com o princípio geral definido no art. 798º, pedido que realizou e que, assim, terá de proceder.

                        O douto acórdão recorrido, sobre o que denominou regime excepcional do disposto no art. 434º nº 2, entendeu que o A. teria que alegar e provar os factos que pudessem integrar essa situação de excepcionalidade, o que, no seu prisma não fez. Com efeito, considerou que “não resultam dos autos valores concretos que nos permitam concluir que o eventual prejuízo do A. ascendeu a 27.500 €, conforme peticionado”, pelo que entendeu que a sentença recorrida não merecia qualquer censura, indeferindo, nessa parte, o recurso do A..

                        Não podemos aceitar este entendimento.

                        O valor do prejuízo não está determinado, razão por que o respectivo montante se deverá calcular em liquidação de sentença, como decorre do disposto no art. 661º nº 2 do C.P.Civil.

                        Estipula esta disposição que "se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida ".

                        Aplicação desta norma, para o que aqui interessa, depende da verificação, em concreto, de uma indefinição de valores de prejuízos. Mas como pressuposto primeiro de aplicação do dispositivo, deverá ocorrer a prova de existência de danos. Este preceito tanto se aplica no caso de se ter inicialmente formulado um pedido genérico e de não se ter logrado converter em pedido específico, como ao caso de ser formulado pedido específico sem que se tenha conseguido fazer prova da especificação, ou seja, quando não se tenha logrado coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o quantitativo na condenação[27]. Portanto e para o que aqui importa, no caso de o A. ter deduzido um pedido específico (isto é, um pedido de conteúdo concreto), caso não logre fixar com precisão a extensão dos prejuízos, poderá fazê-lo em liquidação de sentença. A este propósito haverá a salientar, corroborando a posição que se assume, que a norma não distingue os pedidos, aplicando regimes diversos consoante se trate de pedidos genéricos ou pedidos específicos. Note-se que a norma fala genericamente em casos em que não há elementos para fixar a quantidade, pelo que reduzir o campo de aplicação da norma aos pedidos genéricos (concretizados no art. 471º nº 1 do C.P.Civil), é diminuir, sem razão, o campo de aplicação da disposição, indo contra o antigo dito latino e princípio atinente à interpretação de normas jurídicas, segundo o qual "ubi lex non distinguit, nec nos destinguere debemus".

                        Quer isto dizer que, no caso vertente, o A., apesar de se ter deduzido um pedido específico em relação aos prejuízos e de não ter logrado fazer a prova concreta deles, provando-se a existência de danos, deve aplicar-se à aplicação a dita disposição[28].

                        Portanto deve relegar-se para liquidação de sentença o cômputo de tais prejuízos. 

                        Nesta parte o recurso procederá.

                        2-5- Defende ainda o recorrente que a R. deve ser condenada a ressarci-lo pelo interesse contratual positivo (em indemnização de 80.000,00 €), em razão do dano emergente e lucro cessante que foram consequência adequada da violação do contrato pela R. e da sua inevitável resolução pelo A..

                        Já acima referimos que a indemnização a que alude o art. 32º do Dec-Lei 178/86, diz respeito essencialmente ao interesse contratual negativo, mas não à indemnização derivada da não realização da prestação da outra parte, isto é, à indemnização que visa colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido (indemnização do interesse contratual positivo).

                        Constituindo os danos emergentes que o A. reivindica e os lucros cessantes, indemnização pelo interesse contratual positivo, sendo que foi o próprio A. quem resolveu o contrato, não terá direito a qualquer indemnização neste âmbito. Ou seja, dado que o A. optou pela resolução do contrato, não faz sentido vir a exigir da R., o ressarcimento dos benefícios que normalmente lhe traria a execução do negócio. Adere-se, assim, nesta parte, à posição da doutrina tradicional e à jurisprudência dominante, remetendo-se para o mais que acima se referiu sobre o assunto.

                        III- Decisão:

                        Por tudo o exposto, concede-se parcialmente a revista, condenando-se a R., na indemnização que se liquidar pelo dano resultante da diminuição da retribuição do A. e aumento dos custos da sua actividade entre Novembro de 2003 e Setembro de 2004.

                        Custas pelas partes conforme o seu vencimento (no recurso e na acção).



Lisboa, 14 de Junho de 2011

Garcia Calejo (Relator)
Helder Roque
Gregório Silva Jesus

____________________________


[1] In Contrato de Agência, 2ª edição, pág. 103.
[2] Carlos Lacerda Barata, in Anotações ao novo regime do contrato de Agência, pág. 82.
[3] Para este efeito interessará apenas a facturação realmente alcançada, sendo irrelevante a circunstância nos primeiros seis meses desse ano o A. ter tido períodos de inactividade por razões de doença dum filho e dele próprios.
[4] Ónus da prova que pertencia ao A. (art. 342º nº 1 do C.Civil).
[5] Obra citada, pág. 104.
[6]  In (Das Obrigações em Geral, 7ª edição, II Volume, pág. 275)
[7] De notar que no que toca ao efeito da resolução “a lei não distingue entre os casos em que ela se funda numa circunstância imputável ao contraente contra quem é proferida e aqueles em que tal circunstância lhe não é imutável” (in C.Civil Anotado, de Pires de Lima e Antunes Varela, Vol. I, 4ª edição, pág. 411).
[8] Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, 7ª edição, II Volume, pág. 108.

[9] Em paralelo com o disposto no art. 801º nº 2 do C.Civil que estabelece que “tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir dela por inteiro”.
[10] Vide designadamente Antunes Varela e as referências doutrinais que indica em “Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, pág. 109 e também Jorge Ribeiro de Faria (Estudos de Comemoração dos cinco anos da Faculdade de Direito de Universidade do Porto, pág.25), com indicação além de Antunes Varela, Pereira Coelho, Mota Pinto, Galvão Telles, Almeida Costa, Pessoa Jorge e Vasco Xavier.
 [11] Entre outros Acs. deste STJ de 27-3-2007, 22-1-2008, 22-4-2008 e 23-10-2008, todos em www.dgsi.pt.jstj.nsf.
[12] Obra citada, pág. 109.
[13] C.Civil Anotado Vol. II, 3ª edição, pág. 60
[14] BMJ, 47, 40
[15] Em Pressupostos de Resolução do Incumprimento, pág. 175.
[16] Jorge Ribeiro de Faria na estudo indicado e em jeito de síntese entende que deve “deixar intervir aqui, neste quadro de coisas, um quadro contratual com as virtualidades de adaptação a uma nova situação, mas em que, por isso mesmo, se pode contar com o ressarcimento pelo interesse positivo. Pelo menos assim deverá ser nas situações em que a contraprestação ainda não tiver sido feita. Embora aqui se possa dizer que, então, se está fora da resolução
[17] Igualmente quanto a terceiros, a resolução não prejudica os respectivos direitos.
[18] Obra indicada, pág.18
[19] Direito das Obrigações, 6ª edição, págs. 593 e 594.
[20] Obra indicada, pág. 594 e também em Noções de Direito Civil, 2ª edição, págs. 139 e 140.

[21] RLJ, 102º, 168
[22] Vide Galvão Telles Direito das Obrigações, 7ª edição, pág. 222.
[23] Vide mesmo autor e obra, pág. 336
[24] Vide a este respeito Almeida Costa, Noções de Direito Civil, 2ª edição, pág. 298

[25] Vide mesmo parecer, pág. 30
[26] Vide a este propósito Antunes Varela In Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, pág. 127

[27] neste sentido A. Reis, C.P.C. Anotado, Vols. I pág. 614 e segs. e V pág. 71, Vaz Serra, RLJ, ano 114º, pág. 309, Rodrigues Bastos, Notas ao C.P.C, vol. III, pág. 233
[28] neste sentido entre outros Acs. do STJ. de 3-12- 98, BMJ, 482º, 179 de 27-1-93, Col. Jur., Acs. STJ, 1993, 1º, 89 e 27-1-2011 em www.dgsi.pt/jstj.nsf