Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
211/09.3TBSRT.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: DÉFICE FUNCIONAL PERMANENTE
CAPACIDADE DE TRABALHO
CAPACIDADE DE GANHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO COMPENSATÓRIA
Data do Acordão: 01/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 10ª edição, p. 601.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 494.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20/11/ 2003, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 4/10/2005, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 10/02/2008, EM CJ/STJ, T.1, P. 65;
-DE 23/10/ 2008, PROC. N.º 08B2318, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 26/01/2012, PROC. N.º 220/2001-7.S, WWW.DGSI.PT;
-DE 19/04/2012, PROC. N.º 569/10.1TBVNG.
Sumário :

I- O défice funcional permanente da integridade física e psíquica repercute-se em todas as actividades do deficiente e, como assim, também na actividade laboral, que poderá eventualmente desempenhar, mas sujeitando-se a esforços complementares.

II- Mesmo que o sinistrado não esteja a trabalhar, a deficiência, se for permanente, marcará a sua pessoa e será potencialmente impeditiva ou limitativa da capacidade de trabalho, ainda que, por via dos esforços empregues, possa não haver diminuição da capacidade de ganho.

III- Não sendo as indemnizações por danos não patrimoniais [também designados por danos morais (do francês, dommages moraux)] grandezas propriamente comparáveis, posto que consistem em meras compensações para cada caso, para que as divergências quantitativas assumam relevância, imperioso de torna ter em presença as diversas notas diferenciais e características dissonantes que, em matéria de facto, forem apuradas nas decisões proferidas e que constituem o suporte factual das mesmas.

Decisão Texto Integral:

Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

RELATÓRIO

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, intentada por AA, BB e CC, contra DD, S.A., todos com os sinais dos autos, vieram os Autores pedir a condenação da Ré a pagar:

- ao 1º Autor a quantia total de € 69.678,93 euros (49.678.93€ a título de danos patrimoniais e 20.000,00 € a titulo de danos não patrimoniais);

- à 2ª Autora a quantia total de € 81.192,94 euros (por danos patrimoniais, no valor de 21.192,94 € e por danos não patrimoniais, no valor de 60.000,00€);

- à 3ª Autora, devidamente representada pela 2ª Autora, sua mãe, a importância total de € 85.541,15 euros (40.541,15€ por danos patrimoniais e 45.000,00€ por danos não patrimoniais), acrescidas, todas estas quantias, de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Para tanto alegam factos tendentes a demonstrar que foram vítimas de um acidente de viação quando circulavam num veículo conduzido pelo primeiro Autor e sua propriedade, por razões imputáveis ao condutor de um outro veículo (que, circulando em sentido contrário e com velocidade excessiva, veio a invadir a faixa de rodagem por onde seguiam os Autores, provocando um embate entre as duas viaturas, cujo proprietário tinha transferido a responsabilidade civil emergente da sua circulação para a Ré.

         Mais alegaram que, em consequência desse acidente, sofreram vários danos, de natureza patrimonial e não patrimonial, dos quais pretendem agora ser ressarcidos.

Na contestação a Ré impugnou grande parte dos factos alegados petos autores, referindo ainda que ambos os veículos circulavam com os respectivos lados esquerdos junto do centro da estrada, pelo que nenhum dos veículos transitava "o mais próximo possível" da berma do seu, como deviam, tendo colidido ao meio da estrada e, logo, ambos tendo tido culpa na produção do acidente. Mais refere serem exagerados os pedidos indemnizatórios dos autores.

O despacho saneador, tabelar, teve o processo como isento de nulidades, excepções ou questões prévias, que cumprisse conhecer e obstassem à apreciação do mérito.

Na mesma ocasião deixou-se exarado os factos assentes e elaborou-se a base instrutória, sem qualquer reclamação.

O processo seguiu para julgamento ao qual se veio a proceder, com observância de todo o legal formalismo, como da respectiva acta melhor se alcança, tendo-se respondido, também sem reclamações, à matéria da base instrutória.

Nenhuma das partes alegou de direito.

            Foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente e provada, condenou a Ré seguradora a pagar:

             Ao 1º Autor a quantia total de € 28.060,82 euros (28.000,00 € a titulo de danos não patrimoniais e € 60, 82 a titulo de danos patrimoniais);                            

À 2ª autora a quantia total de € 23.232,53 euros (por danos não patrimoniais, no valor de 23.000,00 € e por danos patrimoniais, no valor de 232,53 €);

À 3ª autora, devidamente representada pela 2ª autora, sua mãe, a importância de 16.000,00 euros por danos não patrimoniais.

         Mais determinou que a estas quantias acrescem de juros de mora à taxa 4%, desde a data da presente sentença, no que toca aos danos não patrimoniais, dado que foi actualizada neste momento e desde a citação (25/05/2009) no que concerne àquelas devidas a título de danos patrimoniais, até efectivo e integral pagamento.

Conformada com a decisão em matéria de facto, interpôs a Ré DD, S.A., recurso per saltum da referida decisão da 1ª Instância, para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando a sua minuta recursória com as seguintes:

         CONCLUSÕES:

1 - Este recurso circunscreve-se às indemnizações por danos não patrimoniais arbitradas aos A.A.

2- Com todo o respeito, que muito se tem, pela Ilustríssima subscritora da sentença recorrida, a gravidade das lesões e dos inerentes sofrimentos dos A.A. não legitimam as indemnizações fixadas,

3- Que se afastam enormemente das normas da Jurisprudência dos nossos tribunais superiores.

4- O A. teve 28 dias de doença, a. BB teve 106 e a A. CC teve 22 dias de doença.

5- Nenhum dos A.A. ficou com qualquer incapacidade permanente para trabalhar.

6- Só a A. BB foi sujeita a intervenção cirúrgica.

7- Neste quadro, as indemnizações arbitradas por danos não patrimoniais (28.000 € ao A., 23.000 € à A. BB e 16.000 € à CC) mostram-se desproporcionadas aos danos.

8- Num sistema que vem fixando entre os 50 e os 60.000 € a indemnização do dano morte, revela-se de todo desajustado fixar em metade ou mais de metade desse montante a compensação de ferimentos que provocaram poucos dias de doença e não geraram sequelas graves.

9- Ponderando todas as regras de prudência e senso prático e de justa medida das coisas, as realidades da vida e os critérios dominantes deste Supremo, parece mais adequado que as indemnizações pelos danos não patrimoniais do A. e da A. BB não ultrapassem 7.500 € e que se reduza para 3.750 € a dos danos da A. CC.

10 - Consequentemente devem fixar-se as seguintes indemnizações: 7.560,82 € ao A., 7.732,53 € à A. BB e 3.750 € à A. CC

11-O valor desta causa é superior à alçada da Relação e até o valor da sucumbência é superior àquela alçada - sendo portanto superior a metade da alçada da Relação -, e só são suscitadas questões de direito - pelo que se requer que este recurso suba directamente ao Supremo Tribunal de Justiça - artº 725- do CPC.

Não foram apresentadas contra-alegações no presente recurso.

         Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 684º, nº 3 do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal.

FUNDAMENTOS

         Da 1ª Instância, vem fixada a seguinte factualidade:

         1. No dia 29/07/06, pelas 21h40m, na E.N. n°2, ao Km 351, embateram os veículos ligeiros de passageiros de matrícula 00-00-00, conduzido por EE, e 00-00-00, conduzido por AA e a este pertencente, onde seguiam BB e CC.

2. O veículo de matrícula 00-00-00 circulava no sentido Vila de Rei/Sertã, e o veículo de matricula 00-00-00 circulava no sentido Sertã/Vila de Rei.

3. No local referido em 1., a faixa de rodagem tinha 6,20 metros de largura.

4. O veículo de matrícula 00-00-00 encontrava-se, à data do embate referido em 1., abrangido pela apólice n°0000000000, através da qual a responsabilidade do mesmo por danos causados a terceiros se encontrava transferida para a DD, S.A., por acordo titulado por essa mesma apólice.

5. Do R/C de AA nada consta.

6. Em 10/02/06, o veículo 00-00-00 foi aprovado na inspecção técnica periódica.

7. O autor recebeu da ré os escritos de fls. 39 e 52.

8. No dia, hora e local referidos em 1., o veículo 00-00-00 circulava na hemi-faixa direita, junto do meio da estrada.

9. O condutor do 00-00-00 invadiu, com dito veículo, cerca de 10 cm, da hemi-faixa esquerda, atento o sentido que levava, transpondo o sinal M1 existente na via.

10. Embatendo a frente e lateral esquerda do veículo 00-00-00 na frente e lateral esquerda do veículo 00-00-00, na hemifaixa direita, no sentido Sertã/Vila de Rei, a uma distância de cerca de 10 cm. da linha longitudinal contínua existente entre as duas vias.

11.0 veículo 00-00-00 ficou imobilizado, conforme auto de fls. 62, onde esse veículo é representado pelo desenho da viatura A), atravessado na faixa de rodagem, sendo a distância da traseira do lado esquerdo desse veículo à berma a de 1, 40 m.

12. Por causa do embate, o veículo 00-00-00 foi projectado para fora da estrada.

13. Em consequência de 9. e 10., os autores foram assistidos no local pelo INEM e conduzidos ao Centro de Saúde da Sertã, e ao Hospital Amato Lusitano de Castelo Branco, onde foram examinados e receberam tratamento hospitalar.

14. Em virtude do acidente o autor AA sofreu traumatismo do ombro esquerdo e região anterior do tórax, ferida no antebraço esquerdo, ferimentos no joelho direito, traumatismo na zona lombar esquerda, lesões que lhe causaram dores; padeceu de défice funcional temporário geral entre 29-07-2006 e 25-08-2006, tendo recebido, no período de baixa médica, a quantia de € 109,06; foi sujeito a tratamentos médicos, medicação e consultas no Centro de Saúde de Proença-a-Nova e ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 10 pontos.

15. Como consequência das lesões causadas no acidente o mesmo autor ficou a sofrer de dores na zona lombar, que aumentam com movimentos e esforços e ficou com duas cicatrizes de feridas inciso-contusas situadas na face anterior do terço anterior do antebraço com cerca de 1 cm cada.

16. Após alta médica, AA continuou a sua actividade de manobrador de máquinas, com esforço físico superior.

17. Em virtude do acidente, o veículo 00-00-00 ficou destruído, tendo a ré pago ao autor, a este título, a quantia de € 2.550,00.

18. O autor, por causa do acidente, pagou a quantia de € 6,80 ao Hospital Amato Lusitano, de Castelo Branco e de € 54,02 aos Bombeiros Voluntários.

19. Em virtude do acidente, a autora BB sofreu traumatismo facial, no pé direito, torácico e abdominal, com abdómen agudo por perfuração intestinal; foi submetida a intervenção cirúrgica abdominal em 01/08/06; sofreu dores do que antecede; ficou internada de 30/07/2006 a 7/08/2006 no Hospital Amato Lusitano; sofreu défice funcional temporário total entre 29/07/2006 e 04-09-2006; sofreu défice funcional temporário parcial entre 05/09/2006 e 13/11/2006 e sofreu repercussão temporária na actividade profissional total entre 29/07/2006 e 13/11/2006; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9.712 pontos; após alta médica, foi tratada no Centro de Saúde de Proença-a-Nova, e teve consultas externas no Hospital Amato Lusitano; deixou de auferir 232,53 euros no período de baixa médica.

20. Em consequência do acidente, a mesma autora ficou com cicatriz na região lateral da hemi-face esquerda, medindo 5 cm e cicatriz mediana, de aspecto cirúrgico, invaginada, mediana, vertical, com 9 cm de comprimento no abdómen.

21. Após alta médica, a autora BB continuou a sua actividade de auxiliar de serviços gerais na Câmara Municipal de Proença-a-Nova.

22. À data do acidente, a autora, auferia € 525,00 como auxiliar de serviços gerais na Câmara Municipal de Proença-a-Nova.

23. Em consequência do acidente a autora CC sofreu traumatismo do joelho esquerdo com edema e limitação funcional, com derrame subquadricipital; ferida inciso contusa do lábio superior à esquerda; traumatismo do punho esquerdo; sofreu dores; foi-lhe aplicada uma tala gessada no punho esquerdo, retirada 15 dias depois; teve défice funcional temporário total de 29-07-2006 a 29-08-2006; ficou com défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos;

24. Em consequência do acidente a mesma autora faltou às aulas; ficou com cicatriz no lábio superior, à esquerda, com 1 cm de largura por 3 mm de altura, causadora de dano estético permanente fixável no grau 3, numa escala de 7 graus, numa escala crescente.  

Segundo alega a Recorrente, o presente recurso circunscreve-se aos montantes compensatórios por danos não patrimoniais de cada um dos sinistrados no referido acidente, ora demandantes.

Na óptica desta Seguradora, tais montantes mostram-se exorbitantes, na medida em que «se afastam enormemente das normas da Jurisprudência dos nossos tribunais superiores» (conclusão 3ª), tendo em atenção que «nenhum dos A.A. ficou com qualquer incapacidade permanente para trabalhar».

Assim, na perspectiva desta Ré, «as indemnizações arbitradas por danos não patrimoniais (28.000 € ao A., 23.000 € à A. BB e 16.000 € à CC) mostram-se desproporcionadas aos danos», acrescentando que  «num sistema que vem fixando entre os 50 e os 60.000 € a indemnização do dano morte, revela-se de todo desajustado fixar em metade ou mais de metade desse montante a compensação de ferimentos que provocaram poucos dias de doença e não geraram sequelas graves».

Com o respeito devido, falece-lhe razão!

Na verdade, só uma leitura menos atenta da sentença recorrida permite afirmar que «nenhum dos A.A. ficou com qualquer incapacidade permanente para trabalhar».

A incapacidade permanente para trabalhar não tem de ser absoluta, podendo ser parcial (relativa), exigindo esforços suplementares para o desempenho de tarefas, como ocorre no caso sub judicio!

 Atentemos na factualidade definitivamente provada:

            Autor AA

14. Em virtude do acidente o autor AA sofreu traumatismo do ombro esquerdo e região anterior do tórax, ferida no antebraço esquerdo, ferimentos no joelho direito, traumatismo na zona lombar esquerda, lesões que lhe causaram dores; padeceu de défice funcional temporário geral entre 29-07-2006 e 25-08-2006, tendo recebido, no período de baixa médica, a quantia de € 109,06; foi sujeito a tratamentos médicos, medicação e consultas no Centro de Saúde de Proença-a-Nova e ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 10 pontos.

15. Como consequência das lesões causadas no acidente o mesmo autor ficou a sofrer de dores na zona lombar, que aumentam com movimentos e esforços e ficou com duas cicatrizes de feridas inciso-contusas situadas na face anterior do terço anterior do antebraço com cerca de 1 cm cada.

16. Após alta médica, AA continuou a sua actividade de manobrador de máquinas, com esforço físico superior.

Autora BB

19. Em virtude do acidente, a autora BB sofreu traumatismo facial, no pé direito, torácico e abdominal, com abdómen agudo por perfuração intestinal; foi submetida a intervenção cirúrgica abdominal em 01/08/06; sofreu dores do que antecede; ficou internada de 30/07/2006 a 7/08/2006 no Hospital Amato Lusitano; sofreu défice funcional temporário total entre 29/07/2006 e 04-09-2006; sofreu défice funcional temporário parcial entre 05/09/2006 e 13/11/2006 e sofreu repercussão temporária na actividade profissional total entre 29/07/2006 e 13/11/2006; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9.712 pontos; após alta médica, foi tratada no Centro de Saúde de Proença-a-Nova, e teve consultas externas no Hospital Amato Lusitano; deixou de auferir 232,53 euros no período de baixa médica.

Autora CC

23. Em consequência do acidente a autora CC sofreu traumatismo do joelho esquerdo com edema e limitação funcional, com derrame subquadricipital; ferida inciso contusa do lábio superior à esquerda; traumatismo do punho esquerdo; sofreu dores; foi-lhe aplicada uma tala gessada no punho esquerdo, retirada 15 dias depois; teve défice funcional temporário total de 29-07-2006 a 29-08-2006; ficou com défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos ( destaques e sublinhados nossos).

Note-se que a sentença recorrida, não obstante ter fixado os factos provados, teve ainda a preocupação de destacar o seguinte:

Ficou ainda provado que em virtude do acidente,

- o autor AA ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 10 pontos e após alta médica, continuou a sua actividade de manobrador de máquinas, com esforço físico superior;

-a autora BB ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9.712 pontos, tendo continuado a sua actividade de auxiliar de serviços  gerais na Câmara Municipal de Proença-a-Nova;

- a CC ficou com défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos.

O défice funcional permanente da integridade física e psíquica repercute-se em todas as actividades do deficiente e, como assim, também na actividade laboral, que poderá eventualmente desempenhar, mas sujeitando-se a esforços suplementares.

Mesmo que o sinistrado não esteja a trabalhar, a deficiência, se for permanente, marcará a sua pessoa e será potencialmente impeditiva ou limitativa da capacidade de trabalho, ainda que, por via dos esforços empregues, possa não haver diminuição da capacidade de ganho.

É certo que esses danos são geralmente considerados como danos de natureza patrimonial (presentes e/ou futuros) também designados por danos biológicos ou danos corporais.

A sentença ora em recurso, louvando-se no Acórdão deste Supremo Tribunal de 4-10-2005, doutamente teceu as seguintes considerações que bem espelham o criterioso exame que o caso vertente lhe mereceu:

Como se refere no acórdão do STJ de 4-10-2005 (www.dgsi.pt), o chamado dano biológico, como incapacidade em termos de prejuízo funcional, consiste, precisamente, “na diminuição somático-psíquico do indivíduo com repercussão na vida de quem o sofre”.

Trata-se de um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, afectando-lhe o seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa sexual, social e sentimental. É um prejuízo que determina perda das faculdades físicas e até intelectuais em termos de futuro, deficiências que se agravarão com a idade do ofendido.

Em termos profissionais conduz este dano o lesado a uma posição de inferioridade no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho. Ou seja, é um prejuízo que se repercute no seu padrão de vida, actual e vindouro.

Tem-se discutido, essencialmente, a questão de saber se esse dano deve ser indemnizado a título de danos não patrimonial, ou a título de dano patrimonial, quando se verifica que a incapacidade permanente parcial não implica uma perda de ganho do rendimento auferido. Normalmente o cariz do dano biológico deve, casuisticamente, oscilar entre dano patrimonial ou dano não patrimonial.

É que, como se refere no acórdão deste STJ de 26-1-2012 (proc. n.º 220/2001-7.S, www.dgsi.pt) “a extrema amplitude que o nosso legislador confere ao conceito de incapacidade para o trabalho, aliada à orientação sedimentada da jurisprudência de que é de indemnizar, quer esta leve a diminuição de proventos laborais, quer não leve, já o contempla (o dano biológico) indemnizatoriamente, ainda que noutro plano”. Para se proceder à dita valorização, deverá ponderar-se se esse prejuízo teve repercussões, no futuro, em termos de perda da capacidade de ganho, durante o período activo do lesado ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual em termos vindouros para os actos da vida corrente.

Na primeira situação deverá ser valorizado como dano patrimonial; nesta segunda hipótese (sendo a que se verifica relativamente a todos os autores nos autos, em que não se provou que os défices funcionais permanentes de integridade físico-psíquica com que ficaram afectados tenha repercussão ao nível da capacidade de ganho, não obstante ter ficado demonstrada a relevante circunstância, no que toca ao 1.º autor, que continuou a desempenhar a sua profissão habitual com esforço físico superior), a sua valorização deve ser no âmbito dos danos não patrimoniais» (negrito e sublinhado nossos).

Por outro lado, criteriosa e ajustada à realidade também se mostra a decisão recorrida ao fundamentar, de forma cabal, a atribuição dos montantes indemnizatórios aos autores, como se colhe da seguinte transcrição:

«Estamos no caso vertente, e no que aos três autores diz respeito, perante um quadro de sofrimento físico-psíquico não despiciendo, para que os danos não patrimoniais em causa, pela sua considerável gravidade, aferida em termos objectivos e considerando a maior parte das pessoas, mereçam a tutela do direito.

Considerando as circunstâncias de os autores terem sofrido, por causa do acidente, de traumatismos vários, necessitando de receber assistência médica; terem sofrido dores, naturalmente durante o acidente e, depois dele, durante o período de recuperação; de a autora BB sido sujeita a cirurgia médica e 9 dias de internamento; terem sofrido, todos eles, períodos de sofreu défice funcional temporário total (de cerca de um mês para todos eles, sendo que no que toca à segunda autora, a mesma sofreu défice funcional temporário parcial durante cerca de cerca de 2 meses e repercussão temporária na actividade profissional total durante mais de 3 meses); todos terem ficado com cicatrizes, que demandam à 3.ª autora dano estético fixado em 3 pontos; de o 1.º autor ter que efectuar um esforço físico maior para desempenhar a sua actividade profissional; ponderando os diferentes défices funcionais de que ficaram a padecer (aqui se salientando que não podemos tomar em conta a idade dos autores, factor consabidamente relevante para a formulação de qualquer juízo de equidade, já que, apesar da advertência feita nesse sentido aos autores no final da fixação da Base Instrutória, estes não juntar aos autos os respectivos assentos de nascimento); de terem decorrido já mais de 6 anos desde a data do acidente, julgamos, nesta matéria ajustadas à real dimensão e importância dos danos que sofreram, de ordem física, moral e psicológica a fixação de indemnização no valor global de: € 28.000,00 para o autor AA; €23.000,00 para a autora BB e €16.000,00 para a autora CC»

Face ao excerto transcrito, é patente que todos os factores considerandos foram devidamente ponderados e o quantum fixado para cada um dos autores também se acha em conformidade com os parâmetros legais e jurisprudenciais em vigor, tendo até em atenção a jurisprudência mais actualizada.

É patente também que não sendo as indemnizações por danos não patrimoniais [também designados por danos morais ( do francês dommages moraux)] grandezas mensuráveis, para que as divergências quantitativas assumam relevância, imperioso de torna ter em presença as diversas notas diferenciais e características dissonantes que, em matéria de facto, forem apuradas nas decisões proferidas e que constituem o suporte factual das mesmas, circunstância que a Recorrente parece não ter tido em conta na sua douta minuta recursória, pois alega apenas os montantes fixados e compara com o montante compensatório pelo dano morte, tendo este com padrão referencial.

Aponta, depois, alguns arestos jurisprudenciais que alega perfilarem-se em abono da sua posição.

Certo que os precedentes judiciários servem de critério auxiliar do julgador, de linha de orientação na fixação equitativa do quantum indemnizatório, mas importa ter sempre em atenção as semelhanças e dissemelhanças das situações factuais de cada caso, na medida em que são geralmente tais elementos que fundamentam as discrepâncias registadas.

Importa, por outro lado, ter sempre presente também que, quando se trata de formular juízos equitativos, há sempre uma margem de discricionariedade, apesar da preocupação de observância do princípio da igualdade e da uniformização de critérios.

         Como não é desconhecido, por um lado inexiste uma medida-padrão, tudo dependendo dos contornos concretos do caso, embora pautando-se por critérios objectivos e, por outro, como decidiu este Supremo Tribunal no seu acórdão de 20.11. 03[1] de que foi Relator o Exmº Conselheiro Santos Bernardino (que não sendo uma decisão recente, mantém plena validade pelo seu valor doutrinal intrínseco): «sendo certo que nestes casos a indemnização não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, não é menos verdade que tal compensação deve ser significativa e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal acentua cada vez mais a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações miserabilistas para compensar danos não patrimoniais», acrescentando, porém, que «importa sublinhar que indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária»[2].

Mas tal não se confunde com a entrega a critérios de puro subjectivismo do julgador.

Como tem decidido pacificamente a nossa Jurisprudência, «não devendo confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir a “justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador ter em conta as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida» (Acs. do STJ de 10-02-2008 in CJ/STJ, t. 1, pg. 65 e de 23.10. 2008 (Relator, Cons. Serra Baptista, Pº 08B2318 in www.dgsi.pt).

Como ensinou o emérito Civilista que foi Antunes Varela «os danos não patrimoniais, como “as dores físicas, os desgostos morais, os vexames e os complexos de ordem estética” são prejuízos que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação que uma indemnização»[3].

Ora a sentença recorrida teve em boa conta os critérios legais e jurisprudenciais a ter em consideração em casos análogos, não se vislumbrando motivos de censura quanto ao doutamente decidido em matéria danos não patrimoniais.

Quanto ao argumento esgrimido de que « num sistema que vem fixando entre os 50 e os 60.000 € a indemnização do dano morte, revela-se de todo desajustado fixar em metade ou mais de metade desse montante a compensação de ferimentos que provocaram poucos dias de doença e não geraram sequelas graves» ( conclusão 8ª), embora recorrente nas alegações recursórias em que tenham sido fixadas compensações por danos não patrimoniais emergentes de acidente de viação, não colhe.

Não colhe, desde logo, porque, embora haja efectivamente vários arestos em que montantes como os indicados (50 ou 60.000 euros) têm sido arbitrados, inexiste, todavia, qualquer montante-padrão fixado para a atribuição do quantum indemnizatório pelo dano morte, tudo dependendo da factualidade que respeite os parâmetros normativos gizados artº 494º do Código Civil.

Não convence também porque, nesta matéria, não pode haver um limite indemnizatório pré-constituido, já que a diferença dos factores a ter em consideração varia muito de um caso para o outro.

Por isso, assim se ponderou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 19-04-2012,  subscrito pelos mesmos Juízes Conselheiros que proferem o presente aresto[4]:

«Finalmente, cumpre dizer que o argumento de que se «atribuiu ao dano não patrimonial sofrido pela mulher da vítima, o mesmo valor, que se atribuiu ao dano específico de perda de vida, que é o bem mais importante de todos os direitos fundamentais, e, atribuiu-se ao dano não patrimonial sofrido pelos filhos da vítima, quase o mesmo valor, que se atribuiu ao dano específico de perda de vida, o que salvo o devido respeito»  (conclusão XI) não é um argumento convincente.

Trata-se de mera coincidência aritmética de valores pecuniários, pois situações de sofrimento existem que são tão intensas, dada a gravidade do dano sofrido, designadamente em caso de dano de perda de entes queridos e de quem se dependia afectiva, económica e familiarmente, como é o caso sub judicio, que não consentem  restrições compensatórias só porque o quantum atribuído à perda de vida foi fixado num valor padronizado.

O que poderá questionar-se  – e vem sendo cada vez mais questionado – é se o montante compensatório pela perda da vida deve continuar a ser fixado naquele valor padronizado que tem servido de referência»

Pelo exposto, claudicam as conclusões da douta minuta recursória da Ré seguradora, improcedendo, em consequência, o presente recurso.

DECISÃO 

Face a tudo quanto exposto fica, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em se negar a Revista.

Custas pela Recorrente, por força da sua sucumbência.

Processado e revisto pelo Relator.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Janeiro de 2012

Álvaro Rodrigues (Relator)

Fernando Bento

João Trindade

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[1] Disponível em www.dgsi.pt.
[2] Ibidem.
[3] A. Varela, Das Obrigações em Geral, 10ª edição, pg. 601.
[4] Acórdão proferido na Revista 569/10.1TBVNG, em 19 de Abril de 2012