Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5572/05.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE DA REVISTA DA AUTORA; NEGADA A REVISTA DA RÉ
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 494.º, 496.º, N.ºS 1 E 3, 566.º, N.º3.
PORTARIA Nº 377/88, ALTERADA PELA PORTARIA Nº 679/2009.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 13 DE DEZEMBRO DE 2012.
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA:
-DE 22/01/2009, PROC. Nº 07B4242, WWW.DGSI.PT
-DE 7/07/2009, PROC. Nº 205/07.3GTLRA.C1, WWW.DGSI.PT
-DE 5/11/2009, PROC. Nº 381-2002.S1, WWW.DGSI.PT
-DE 20/01/2010, PROC. Nº 203/99.9TBVRL.P1.S1, WWW.DGSI.PT
-DE 20/05/2010, PROC. Nº 103/2002.L1.S1, WWW.DGSI.PT
-DE 28/10/2010 PROC. Nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, WWW.DGSI.PT
-DE 23/11/2011, PROC. Nº 90/06.2TBPTL.G1.S1, WWW.DGSI.PT
-DE 31/01/2012, PROC. N.º 875/05.7TBILH.C1.S1, WWW.DGSI.PT,
-DE 31/03/2012, 1145/07.1TVLSB.L1.S, WWW.DGSI.PT
-DE 31/05/2012, PROC. Nº 14143/07.6TBVNG.P1.S1, WWW.DGSI.PT
-DE 10/10/2012, PROC. N.º 643/2001.G1.S1, WWW.DGSI.PT
-DE 21/02/2013, PROC. Nº 2044/06.0TJVNF.P1.S1, WWW.DGSI.PT
-DE 21/03/2013, PROC. Nº 565/10.9TBPVL.S1, WWW.DGSI.PT
-DE 26/09/2013, PROC. Nº 5505/05.4TVLSB.S1, WWW.DGSI.PT
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ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 4/2002, DE 9 DE MAIO DE 2002 (DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE A, DE 27 DE JUNHO DE 2002).
Sumário :
I - Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade não compete ao STJ a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, mas tão-somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias.

II - Está fora do âmbito do recurso de revista a apreciação de provas sem valor fixado na lei, como é o caso da prova pericial.

III - Uma vez que resultou provado que a autora foi considerada curada do ponto de vista ortopédico, sem desvalorizações, resultando a incapacidade fixada do stress pós traumático resultante do atropelamento (que lhe origina ansiedade e medo), compatível a sua sua actividade actual, sem implicar esforços complementares, o dano biológico apenas poderá relevar enquanto dano não patrimonial.

IV - Tendo em consideração que a «ansiedade e o medo» constituem uma limitação relevante para a vida habitual da lesada com as quais, ao longo da vida, ela se irá confrontar e se irão repetir, afigura-se adequado o montante indemnizatório de € 7000, tal como fixado pela Relação.

V - Resultando dos autos que a autora, saudável e com 24 anos à data do acidente, sofreu dores, teve de ser assistida e fazer tratamentos, suportando limitações na sua vida habitual durante cerca de um mês, teve insónias e pesadelos, julga-se adequado e equitativo o montante indemnizatório de € 10 000, a título de compensação pelos danos não patrimoniais.

VI - A observância do AUJ n.º 4/2002, de 09-05, determina que a contagem dos juros se faça desde a data da sentença em 1.ª instância, e não desde o respectivo trânsito em julgado, desde que a indemnização tenha sido calculada com referência a esse mesmo momento.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA instaurou uma acção contra BB Seguros, S.A. pedindo a sua condenação no pagamento de € 150.000,00 (€ 25.000,00 por danos não patrimoniais, € 20.000,00 pela sua repercussão no futuro, € 105.000,00 por danos patrimoniais, resultantes de perda de capacidade de ganho), com juros de mora a contar da citação, até integral pagamento. Para o efeito, alegou ter sido vítima de atropelamento por um automóvel segurado na ré.

A ré contestou, sustentando a improcedência da acção, nomeadamente porque a autora não ficou afectada de nenhuma incapacidade e por ser manifestamente desajustado o montante peticionado por danos não patrimoniais.

A acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença de fls. 438, que condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 1.000,00, com juros de mora a contar a partir do trânsito em julgado, pela “dor sentida” e pela “ansiedade e medo de atravessar passadeiras para peões” de que ficou a sofrer, não tendo sido julgados provados quaisquer outros danos.

Mas a sentença foi alterada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 533, que introduziu algumas modificações na decisão de facto e condenou a ré no pagamento de € 17.000,00 (€ 7.000,00 pelo dano biológico, traduzido “aqui num sofrimento psicológico permanente, limitativo da sua capacidade de viver a vida como a vivia antes do mesmo acidente, por violação da sua personalidade humana” e € 10.000,00 pelos demais danos não patrimoniais – dor, submissão a exames médicos, insónias e pesadelos durante um ano); manteve a condenação em juros nos termos decididos em 1ª Instância).

2. Ambas as partes recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas alegações que apresentou, a autora formulou as seguintes conclusões:

1. Sendo a recorrente uma jovem saudável até ao dia do acidente, tendo sofrido, além de traumatismo craneano e do punho esquerdo, traumatismo do joelho esquerdo, e tendo sido em exame posterior detectado lesão traumática da rótula esquerda, com rotura dos ligamentos, laxidão meniscal e rasgadura capsular, estas lesões têm de ser consideradas consequência do acidente.

2. Na formulação negativa da teoria da causalidade, consagrada no artigo 5630 do Código Civil, é admitida a causalidade indirecta, bastando que o acto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.

3. Tendo sofrido traumatismo do joelho no momento do acidente, e tendo as lesões na rótula sido atribuídas a alterações degenerativas desencadeadas por aquele dano traumático, conforme explicado pela Perita médica em audiência, as referidas lesões têm de ser consideradas consequência adequada do acidente, devendo a indemnização pelo dano biológico, contemplar também estas lesões.

4. Tendo a recorrente com 24 anos de idade, sofrido traumatismo craneano, do punho esquerdo e do joelho esquerdo (com lesão da rótula esquerda e rotura dos ligamentos), e ficado com sequelas permanentes de dor ao apoiar o joelho e em marcha prolongada, e lesões psíquicas permanentes, determinantes de uma incapacidade parcial permanente de 10 pontos, deverá atribuir-se à mesma para ressarcimento do dano biológico quantia não inferior a € 60.000,00.

5. Tendo a recorrente sofrido no momento do atropelamento perda de consciência e dores, tendo ficado impedida de realizar as suas tarefas durante 36 dias, tendo sido submetida a artroscopia com anestesia geral, tendo efectuado tratamentos de fisioterapia, suportando insónias e pesadelos durante um ano, e volvidos 12 anos, continuar a sentir dor em marcha prolongada e ao apoiar o joelho, deverá ser atribuída à mesma a quantia de € 40.000,00, para ressarcimento dos danos não patrimoniais.

6. Tendo a outra vitima do mesmo acidente com a mesma idade e com lesões e sequelas menos graves, determinantes de uma IPP de 2 pontos, e um quantum doloris igual, sido atribuída a quantia de € 11.000,00 por dano biológico e € 25.000,00 pelos danos não patrimoniais, com juros de mora sobre a primeira verba, num total de € 40.273,00, a atribuição à ora recorrente de uma indemnização total de € 17.000,00 viola o principio de equidade previsto no artigo 566, nº 3 do Código Civil.

7. Não tendo sido efectuado qualquer cálculo actualizado dos valores indemnizatórios quer pela 1a instância, quer pela Relação, são ainda devidos sobre a indemnização arbitrada, juros de mora a contar da citação, nos termos do artigo 805, nº 2. b) do Código Civil e conforme decidido pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 13-10-2012, confirmado por Ac. STJ de 26-9-2013, e que julgou a acção da outra sinistrada no mesmo acidente.

8. O Acórdão recorrido, decidindo como decidiu, violou os artigos 483, 496, 563, 564, n? 2, 566, nºs 2 e 3 do Código Civil e ao valorar de modo absoluto o teor do Relatório Pericial violou ainda o disposto nos artigos 489 e 607, nº 5 do CPC.

Termos em que, dando-se provimento ao recurso, deverá o Acórdão recorrido ser revogado, concedendo-se à recorrente a indemnização de € 60.000,00 pelo dano biológico e de € 40.000,00 pelos danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora a contar da citação.


No seu recurso, a ré conclui as alegações da seguinte forma:


1 - Considerou o douto acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida, e em sua substituição, condenar a Ré, ora Recorrente, a pagar à Autora, aqui Recorrida, a quantia global de € 17.000,00 a título de danos não patrimoniais, incindido sobre esta quantia, juros de mora a partir do trânsito em julgado da decisão actualizadora.

2 - Sucede que, entende a Recorrente que, na parte supradita, incorre o mesmo em errada interpretação e/ou aplicação do disposto nos artigos 494.°, 496.°, 562.°, 563.° e 566.°, n.º 3 do Código Civil, na medida em que a indemnização arbitrada se tem por excessiva ou desrazoável.

3 - A Autora à data do acidente tinha 24 anos.

4 - Foi fixado um quantum doloris de grau 3, numa escala de 7 valores, sendo que a Tabela de Indemnização do Dano Corporal apenas prevê indemnização para quantum doloris fixado a partir do grau 4.

5 - Foi fixada uma incapacidade permanente geral de 10 pontos devido ao stress pós traumático resultante do atropelamento, criando ansiedade e medo quando tem de atravessar uma passadeira. Esta sequela é compatível com a actividade actual, não implicando esforços suplementares.

6 - A indemnização por danos não patrimoniais fixada pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa em € 17.000,00 extravasa os padrões comuns da nossa jurisprudência, designadamente da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça.

7 - Tendo em atenção outras decisões jurisprudenciais dos nossos Tribunais Superiores, em situações lesivas mais gravosas, o montante indemnizatório, equitativamente fixado, tem-se cifrado em cerca de € 25.000,00.

8 - Na atribuição da indemnização a título de danos não patrimoniais, deve a jurisprudência adoptar critérios uniformes, para evitar disparidades flagrantes, cotejando a cabal satisfação do princípio da igualdade, e de uma justiça mais equitativa.

9 - Segundo a Tabela de Indemnização do Dano Corporal constante da Portaria n.º 377/08, de 26 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, um quantum doloris fixado no grau 3 não confere direito a indemnização.

10 - Como se demonstrou, in casu, encontramo-nos ainda longe dos graus de quantum doloris que conferem, do ponto de vista estrito, indemnização por danos não patrimoniais.

11 - Pelo exposto, deve a quantia fixada para indemnização por danos não patrimoniais, presentes e futuros da Autora ser corrigida, devendo a mesma ser reduzida para um valor mais justo e equitativo, não superior a € 5.000,00.

12 - O dano biológico, atenta o grau de incapacidade permanente geral fixado (2%) e o quantum doloris (grau 3) só pode ser qualificado juridicamente como um dano não patrimonial uma vez que o grau de incapacidade permanente parcial não se repercute na actividade profissional da Autora, implicando esforços suplementares.

13 - Considerando todos os factores, nomeadamente idade, lesões, esperança de vida e o facto de não ter havido efectiva perda de retribuição, conjugados num juízo de equidade ou justiça no caso concreto, tendo em conta um esforço de uniformidade de critérios, baseado na jurisprudência conhecida, considera a recorrente adequada a indemnização por danos não patrimoniais, presentes e futuros, deve à Autora ser atribuída indemnização global não superior a € 5.000,OO.

Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, só assim se fazendo a mais lídima justiça.


3. Após as alterações introduzidas na Relação, a matéria provada é a seguinte:

1. Autora nasceu em 24-12-1977

2. No dia 19 de Outubro de 2002, pelas 9h, quando a A. atravessava a passadeira de peões localizada no topo norte da Av. …, em Lisboa, sentido Norte/Sul, foi embatida pelo veículo ligeiro de passageiros …-…-RL, conduzido por CC;

3. A condutora do RL, circulava no sentido Norte/Sul no topo Norte do Campo Grande, vinha do lado do Estádio do Sporting e ao chegar à Av. …, em Lisboa, mudou de direcção para a esquerda;

4. A condutora do RL veio a embater com a frente do veículo na A. quando esta efectuava o atravessamento na passagem de peões existente no local, projectando-a para o solo;

5. No circunstancialismo descrito em 4) a luz semafórica encontrava-se verde para os peões e amarela intermitente para a condutora do RL;

6. A responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo …-…-RL foi transferida para a Ré através de contrato de seguro titulado pela apólice nº …;

7. Após o embate e consequência do mesmo a A perdeu a consciência;

8. A A foi assistida no local por paramédicos que lhe prestaram os primeiros socorros;

9. A A, que entretanto havia recuperado a consciência, sentiu dor no joelho esquerdo;

10. De seguida a A foi transportada em ambulância para o serviço de urgência do Hospital de Santa Maria onde permaneceu até às 21 h e lhe foram prestados tratamentos;

11. A A esteve impedida de realizar com "razoável autonomia” as actividades da vida diária, familiar e social, até 24.11.2002;

12. Do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil consta que o quantum doloris da Autora é de grau três em sete.

13. Em 5 de Junho de 2003, a A foi submetida a intervenção cirúrgica (artroscopia) no joelho esquerdo com anestesia geral;

14. A autora em 2007 fez tratamentos de fisioterapia.

15. No compartimento fermo-patelar interno foi confirmada a presença de numerosas aderências para as quais foram realizadas ressecções;

16. A A. sente dor no joelho esquerdo, especialmente ao apoiar o joelho ou em marcha prolongada;

17. Em 30/4/2004, foi a A. novamente observada por um médico ortopedista que constatou a lesão central da rótula com síndroma rotuliano doloroso em subluxação e báscula externa da rótula pós traumática e dor na ponta Antero-interna de artroscopia...;

18 .... tendo-lhe sido prescritos os seguintes tratamentos de fisioterapia: agentes físicos, alongamentos isquio-tibiais e tensor fosciolata, fortalecimento sem dor do quadricípete rosto interno e estiramento da asa externa da rótula;

19. Pelos serviços médicos da Ré foi dada alta à A. em 7/5/2004;

20. A autora do ponto de vista ortopédico encontrava-se curada, sem desvalorizações mas ficou com uma incapacidade permanente de 10 pontos devido ao stress pós traumático resultante do atropelamento, o que lhe origina ansiedade e medo quando tem de atravessar uma passadeira, sendo esta sequela compatível com actividade actual, não implicando esforços suplementares;

21. Durante o ano subsequente ao atropelamento a A. sofreu insónias frequentes e pesadelos causados pela recordação do acidente;

22. Até ao dia do acidente a A. era pessoa saudável;

23. À data do acidente a A. trabalhava como secretária administrativa;

24. No ano de 2004 auferiu a retribuição total de € 8.400,00;

25. A A. em 6 de Outubro de 2005, estava desempregada.

26. À data do acidente a A. trabalhava como secretária administrativa;

27. No ano de 2004 auferiu a retribuição total de € 8.400,00;

28. A A. em 6 de Outubro de 2005, estava desempregada.


Interessa em especial recordar que, quer em 1ª Instância, quer  no recurso de apelação, foram julgados não provados os factos constantes dos seguintes quesitos (cfr. julgamento de facto, de fls. 430 e acórdão recorrido):

“6. Em consequência do atropelamento a A. sofreu lesão traumática da rótula do joelho esquerdo ao nível da união menisco-sinovial com o corno posterior, com rotura dos ligamentos femoro e tíbio-meniscais e consequente laxidão meniscal?

7. Sofreu também a A. no mesmo joelho esquerdo ao nível do compartimento femoro-tibial interno, rasgadura capsular?

10. Em consequência das lesões sofridas a A. ficou com uma atrofia quadricipital e com tónus deste musculo diminuído?”

Desta falta de prova resultou a conclusão de não ter ficado provado que “em consequência do atropelamento” a autora “sofreu lesão traumática da rótula do joelho esquerdo e rasgadura capsular” (sentença, fl. 442) ou seja, não se estabeleceu o nexo causal naturalístico entre o acidente e essas lesões.

4. A autora suscita as seguintes questões:

– Nexo de causalidade entre o acidente e as lesões que refere: “lesão traumática da rótula esquerda, com rotura dos ligamentos, laxidão meniscal e rasgadura capsular”;

– Montantes indemnizatórios relativamente ao dano biológico e aos danos não patrimoniais sofridos.

– Momento a partir do qual devem ser contados os juros de mora.

A ré questiona igualmente o valor da indemnização.



      5. Antes de mais, cumpre recordar o seguinte:

      – Ambas as recorrentes discutem o valor das indemnizações atribuídas por danos patrimoniais futuros (vertente patrimonial do chamado dano biológico) e por danos não patrimoniais (dano biológico e demais danos não patrimoniais). Trata-se portanto, em ambos os casos, de indemnizações cujo critério fundamental de fixação é a equidade (artigos 496º, nº 3 e 566º, nº 3 do Código Civil). Ora, como o Supremo Tribunal da Justiça já observou em diversas ocasiões (cfr., por exemplo, o acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 381-2002.S1), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”. Cfr. ainda os acórdãos de 10 de Outubro de 2012, www.dgsi.pt, proc. 643/2001.G1.S1 ou de 21 de Fevereiro de 2013, www.dgsi.pt, proc.nº 2044/06.0TJVNF.P1.S1;

– A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, como no fundo observa a autora quando faz a comparação com a indemnização atribuída à outra vítima do mesmo atropelamento, J... (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Dezembro de 2012 e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que o confirmou, de 26 de Setembro de 2013 (www.dgsi.pt, proc. nº 5505/05.4TVLSB.S1). A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242, www.dgsi.pt). Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição” ( cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2013 cit.);

– Como repetidamente tem observado o Supremo Tribunal de Justiça, o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os critérios seguidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, invocadas pela ré e, aliás, posteriores ao acidente dos autos, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele (cfr., por todos, o acórdão de 7 de Julho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 205/07.3GTLRA.C1);

– Como se disse já no acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2012 (www.dgsi.pt, 1145/07.1TVLSB.L1.S), na linha dos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1) ou de 20 de Maio de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 103/2002.L1.S1), “É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. No que aos primeiros respeita, o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes frisou que «os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» acórdão de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978) – e a perda de rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (cfr. o acórdão de 20 de Outubro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. Nº 428/07.5TBFAF.G1-S1) A lesão que a incapacidade revela pode, naturalmente, causar danos patrimoniais que se não traduzem em perda de ganho (…)”;

– Para calcular a compensação a atribuir por danos não patrimoniais “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1 do artigo 496º do Código Civil), o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º) – cfr., por exemplo, os acórdãos de 31 de Maio de 2012 (proc. nº 14143/07.6TBVNG.P1.S1, www.dgsi.pt) e de 23 de Novembro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. nº 90/06.2TBPTL.G1.S1), o que desde logo revela a natureza também sancionatória da obrigação de indemnizar.



6. A autora afirma, nas alegações, que “as lesões sofridas pela recorrente no joelho esquerdo (lesão traumática da rótula esquerda, com rotura dos ligamentos, laxidão meniscal e rasgadura capsular) são consequência do acidente em termos de nexo de causalidade, tal como este conceito é acolhido pelo artigo 563º do Código Civil”.

        Como se sabe, no âmbito dos pressupostos da responsabilidade civil, a lei portuguesa consagra a teoria da causalidade adequada. O que significa “que, para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Julho de 2010, www.dgsi.pt, proc. 1399/06.OTVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., Coimbra, 2000, pág. 900).” (acórdão deste Supremo Tribunal de 24 de Abril de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 3379/05.4TBVCT.G1.S1). Estas observações tanto valem para a causalidade directa com para a causalidade indirecta, ou seja, para a hipótese de concorrência de causas subsequentes; e significam, no caso, que, não estando provada a causalidade naturalista, não pode ter-se como assente o nexo causal, que a recorrente dá como verificado.

       Está manifestamente fora do âmbito do recurso de revista a apreciação de provas sem valor fixado na lei, como é o caso da prova pericial (artigo 389º do Código Civil e artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2 do Código de Processo Civil); não tem pois cabimento a invocação de tal prova, feita nas alegações de recurso, para concluir pela verificação da causalidade e sustentar que “a valoração do dano biológico foi, assim, minimizada”.



7. A autora considera insuficiente o montante de € 7.000,00 como indemnização pelo dano biológico, quer tendo em conta as lesões que, a seu ver, decorreram do acidente, quer considerando “a incapacidade parcial permanente de 10 pontos, [que ] sempre justificaria a atribuição à recorrente de uma indemnização de maior valor”.


Para a ré, o acórdão recorrido deveria ter considerado unitariamente o “stress pós traumático sofrido pela autora”, em lugar de distinguir duas parcelas, “uma quantia a título de dano biológico e outra quantia a título de indemnização”; e conclui que € 17.000,00 é excessivo, por ter sido fixado à autora “um quantum doloris no grau 3, numa escala crescente de 7 valores”, o que, de acordo com a Tabela de indemnização do dano corporal definida na Portaria nº 377/88, alterada pela Portaria nº 679/2009, “não confere direito a indemnização”, relevando apenas para este efeito a “incapacidade permanente geral de 10 pontos, devido a perturbação de stress pós traumático resultante do atropelamento, criando ansiedade e medo quando tem de atravessar uma passadeira”. A indemnização arbitrada não deveria ter sido superior a € 5.000,00.

Começando pelo dano biológico, a verdade é que, tal como entendeu o acórdão recorrido e sustenta a ré, no caso presente, a prova apenas permite considerar relevante a sua expressão enquanto dano não patrimonial, tendo em conta, em particular, o ponto 20 dos factos provados: a autora foi considerada curada “do ponto de vista ortopédico”, “sem desvalorizações”, resultando a incapacidade fixada do “stress pós traumático resultante do atropelamento, o que lhe origina ansiedade e medo quando tem de atravessar uma passadeira, sendo esta sequela compatível com actividade actual, não implicando esforços complementares”.

Diferentemente do que sucedia em outros casos analisados por este Supremo Tribunal, nos quais a incapacidade fixada por lesão do direito à integridade física e psíquica, tal como aqui, não se traduziu em perda de capacidade de ganho (cfr., a título de exemplo, o já citado acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Outubro de 2011, www.dgsi.pt, proc, nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), as sequelas agora em causa não implicam qualquer acréscimo de esforço ou esforço suplementar. Escreveu-se ali: “uma incapacidade permanente geral, compatível com o exercício da actividade profissional habitual mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver, é causa de danos patrimoniais futuros, indemnizáveis nos termos dos artigos 562º e segs., do Código Civil, maxime dos artigos 564º e 566º”. Cfr., ainda, o acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Março de 2013 (www.dgsi.pt, proc. nº 565/10.9TBPVL.S1).

A verdade é que a “ansiedade e medo” de que se trata constituem uma limitação significativamente relevante para a vida habitual da lesada, que ao longo da vida, anos e anos provavelmente, se verá repetida e necessariamente confrontada com o medo e a ansiedade que lhe provocam situações impossíveis de evitar: atravessar passadeiras para peões, na rua. Recorde-se que, ao tempo do atropelamento, a autora tinha 24 anos.

Assim sendo, e dentro dos limites em que este Supremo Tribunal controla a aplicação de critérios de equidade, conclui-se no sentido de que não merece censura o montante de € 7.000,00, encontrado pelo acórdão recorrido.


8. O mesmo se diga, aliás, quanto aos € 10.000,00 atribuídos como compensação pelos demais danos não patrimoniais.

Também aqui não podem ser consideradas sequelas que a prova não demonstrou terem sido consequência directa ou indirecta do acidente; não está provado, nomeadamente, que “do ponto de vista ortopédico”, o acidente tenha deixado sequelas.

Todavia, está provada matéria suficiente para suportar o juízo de equidade constante do acórdão recorrido.

Sabe-se que a autora era saudável à data do acidente, sofreu dores, teve de ser assistida e de fazer tratamentos, suportou limitações na sua vida habitual durante cerca de um mês, teve insónias e pesadelos. Assim como se sabe que o atropelamento ocorreu numa passadeira, o que levou a sentença a salientar que a condutora do veículo que atropelou a ré agiu “com imprudência temerária e em violação das mais elementares regras do código da estrada” (fls. 442), o que releva para efeitos de aplicação do disposto no artigo 494º do Código Civil, aplicável por remissão do nº 3 do artigo 496º, como já foi referido.

Cumpre ainda ter em conta que o acidente ocorreu em 19 de Outubro de 2002 e que a sentença tem a data de 22 de Março de 2013, esclarecendo que o momento considerado para o cálculo foi o do “encerramento da discussão em 1ª instância”. A Relação alterou o montante da indemnização em consequência de uma ponderação diversa das circunstâncias do caso; mas nada modificou quanto ao momento tido em vista.

Esta distância temporal obriga a ter em conta o significado dos montantes em jogo no final de 2013 e o tempo decorrido desde o acidente, tempo que os € 1.000,00 atribuídos em 1ª Instância não eram manifestamente suficientes para compensar.

Entende-se que essa compensação justifica também os valores encontrados pela Relação, para o ressarcimento equitativo dos danos concretamente apurados.

9. A autora afirma que não se respeita a equidade, quando se compara a indemnização que lhe foi atribuída com aquela que foi arbitrada à outra vítima do mesmo atropelamento, “que sofreu consequências menos graves”.

No entanto, essa menor gravidade não resulta de forma nenhuma dos factos que ali ficaram efectivamente provados, como se pode ver em www.dgsi.pt, proc. nº 5505/05.4TVLSB.S1, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Setembro de 2013.

Confirma-se, assim, a indemnização arbitrada pela Relação.

10. Resta apreciar a questão relativa ao início da contagem dos juros de mora, marcado no trânsito em julgado da sentença pela 1ª Instância e confirmado pela Relação, cujo acórdão não revela ter procedido à escolha de outro momento relevante.

Entende-se que a observância do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002 (Diário da República, I Série A, de 27 de Junho de 2002), segundo o qual “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”, obriga a determinar que os juros se contam desde a data da sentença, em 1ª instância – e não desde o respectivo trânsito em julgado.

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B4242), escreveu-se: “No sentido de que os juros de mora se contam desde a data da sentença da 1ª Instância, se a indemnização foi calculada com referência a esse momento, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Dezembro de 2007 (…). Como se escreveu no acórdão deste Supremo tribunal de 23 de Outubro de 2008 (proc. nº 08B2318, em www.dgsi.pt) “pois que a compensação pelos aludidos danos não patrimoniais terá sido – tal como agora o é aqui – concebida de forma actualizada, resultando num cúmulo injustificado a contagem dos juros de mora a partir da citação, já que a respectiva obrigação pecuniária agora em causa cobre todo o dano verificado. De facto, como se diz no acórdão deste STJ de 25/10/2007 – Pº 07B3026 (…), “… se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederá o prejuízo efectivamente verificado.”»

12. Nestes termos, decide-se.

a) Conceder provimento parcial à revista interposta pela autora, AA, determinando que a contagem dos juros de mora se inicie na data em que foi proferida a sentença da 1ª instância e, quanto ao mais, confirmando o acórdão recorrido;

b) Negar provimento ao recurso da ré, BB Seguros, SA.

Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.

Lisboa, 20 de novembro de 2014

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova

Lopes do Rego