Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7413/14.9T8LRS.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 11/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGOCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / FORMA / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PROVA DOCUMENTAL / DOCUMENTOS AUTÊNTICOS / PROVA TESTEMUNHAL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / COMPRA E VENDA – DIREITO DAS COISAS / POSSE / USUCAPIÃO / USUCAPIÃO DE IMÓVEIS.
Doutrina:
- Fátima Gomes, Manual de Direito Comercial, UCPEditora, 2017;
- Engrácia Antunes, Direito das Sociedades, 7.ª ed., Porto, 2017, p. 129 e ss. e 264;
- Raúl Ventura, Associação em Participação (Anteprojecto), BMJ n.º 189, p. 55 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 655.º, N.º 2.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 219.º, 220.º, 369.º, 370.º, 371.º, N.º 1, 372.º, N.º 1, 393.º, N.º 1, 875.º, 1287.º, 1288.º A 1292.º, 1293.º E SEGUINTES E 1297.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- PROCESSO N.º 1156/13.8TBTVD.L1.S1, IN WWW.STJ.PT.
Sumário :

I. Constitui associação em participação a situação em que alguém que exerce uma actividade económica de compra de imóveis para revenda e exploração dos imóveis comprados antes da sua alienação acorda com outrem a partilha dos resultados resultantes da sua actividade, numa caso em que o acordo abrangia a repartição de lucros e de perdas.

II. Deve ser condenado como litigante de má-fé a parte que teve ao longo do processo uma atitude de negar evidências relativamente a situações em que, no mínimo, lhe era exigível um outro comportamento, quando não se possa afirmar que a sua postura processual se reconduz apenas a uma elevada insatisfação e inconformismo, com idêntico nível de litigiosidade, dentro de um quadro de normalidade em caso de litígio judicial.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1 – Relatório.

1. AA e BB intentaram acção declarativa (em 06/08/2002) contra CC, DD, EE e FF, na qual peticionaram:

a) A título principal, a condenação dos Réus no reconhecimento dos Autores como comproprietários na quota de 50% dos imóveis que integram no seu conjunto o prédio misto denominado ...e como tal identificada na escritura de aquisição, outorgada em 10/02/1988, no 10° Cartório Notarial de Lisboa, adquirida em nome de EE, produzindo-se decisão que permita levar ao registo predial a inscrição dessa compropriedade com todo os correspondentes direitos e obrigações relativamente aos imóveis ainda existentes, e dando-se como válidas todas as transacções entretanto efectuadas das restantes partes ou artigos, por terem os Autores sempre efectivamente participado nos respectivos direitos e obrigações, na respectiva quota-parte, estando assim as situações resultantes dessas negociações devidamente regularizadas;

b) Subsidiariamente, caso o Tribunal não entenda como adequada tal decisão, a reconhecerem os Autores como titulares de um direito a 50% de todos os valores pecuniários resultantes dos processos de expropriação actualmente em curso, cuja entidade expropriante é a GG, S.A., a título de comproprietários do imóvel ..., bem como de quaisquer valores que venham porventura a serem obtidos com a exploração, oneração ou alienação de todas e quaisquer áreas sobrantes ou ainda existentes na ..., deduzidas das correspondentes despesas, condenando-se em consequência os RR. no pagamento dessas verbas, logo que as mesmas sejam obtidas.

No seguimento da tramitação processual que ao caso competia foi, após realização da audiência de discussão e julgamento, proferida sentença, julgando a acção improcedente.

2. Inconformados, os autores interpuseram recurso daquela sentença, que foi admitido como apelação, tendo as rés DD e FF requerido a ampliação do âmbito do recurso, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Foi, então, proferido o Acórdão da Relação de Lisboa de fls.4850 e segs., onde se decidiu, com um voto de vencido, nos seguintes termos:

a) Declara-se que a sentença recorrida não é nula;

b) Altera-se a matéria de facto declarada provada nos termos enunciados no ponto 4.3.4. desta deliberação, para o qual se remete;

c) Julga-se totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se integralmente o decreto judicial absolutório que culmina a sentença recorrida.

3. De novo inconformados, os autores interpuseram recurso de revista daquele acórdão, tendo as rés DD e FF apresentado contra-alegações.

A ré FF interpôs, ainda, recurso subordinado do mesmo acórdão, impugnando o aí decidido na parte em que não conheceu da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, por si deduzida nas contra-alegações apresentadas no âmbito do recurso de apelação interposto pelos autores.

4. O STJ conheceu do recurso tendo proferido acórdão em 18/9/2018, em que decidiu:

“a) Confirmar o acórdão recorrido, na parte em que se declarou que a sentença recorrida não é nula por contradição entre a decisão e os seus fundamentos;

b) Anular o acórdão recorrido, no segmento em que se decidiu não admitir a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pela ré FF, determinando-se a baixa do processo ao Tribunal da Relação para que proceda à apreciação daquela impugnação, bem como, se for o caso, do subsequente alcance em sede de solução de direito;

c) Revogar o acórdão recorrido, no segmento em que se decidiu eliminar os números 7 a 9, 24 e 54 e dar redacção conjunta aos números 10 e 11, da matéria de facto dada como provada na 1ª instância, os quais devem ser apreciados pelo Tribunal da Relação, já que também foram objecto da impugnação referida em b);

d) Declarar que a decisão da questão de fundo e da questão da nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, suscitadas pelos autores-recorrentes, está prejudicada pela solução dada às questões referidas em b) e c), pelo que não têm que ser resolvidas.”

5. Em cumprimento do decidido o Tribunal da Relação veio a conhecer das questões indicadas por este STJ, proferindo acórdão em 29/1/2019, no qual decidiu, com um voto de vencido:

“a) Altera-se a matéria de facto declarada provada nos termos enunciados no ponto 4.3.7. desta deliberação, para o qual se remete;

b) Julga-se totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se integralmente o decreto judicial absolutório que culmina a sentença recorrida;

c) Não se condena a Ré como litigante de má-fé.
Custas pelos apelantes, na medida em que, independentemente de tudo o resto, o recurso por eles intentado é aqui julgado totalmente improcedente.”

6. Não conformados com a decisão os AA dela apresentaram recurso de revista, invocando nulidades e erros de julgamento.

7. Nas conclusões do recurso indicam os recorrentes o seguinte (transcrição):

“a) O Tribunal da Relação de Lisboa violou a lei tendo incorrido em erro de interpretação e de aplicação da lei substantiva.

b) O Tribunal da Relação de Lisboa julgou inexistir a nulidade da sentença invocada pelos Recorrentes bem como julgou inexistir qualquer oposição entre a decisão da primeira instância e os seus fundamentos, confirmando integralmente o decreto judicial absolutório que culmina a sentença;

c) Decidiu igualmente alterar a “matéria de facto declarada provada nos termos enunciados no ponto 4.3.7 desta deliberação para o qual remete”, quando tal ponto não existe no acórdão recorrido, o que torna desde logo a decisão ininteligível e ambígua (art. 615º/1 c) do CPCivil).[1]

d) Os fundamentos do Tribunal a quo assentam principalmente no facto de não ter sido alegado pelos AA./Recorrentes a falsidade da escritura pública que serviu de base ao negócio de aquisição do imóvel denominado “...”,

e) Entendendo que enquanto documento autêntico e com força probatória plena, não poder o mesmo em qualquer circunstância ser impugnado, e consequentemente ser produzido qualquer tipo de prova, incluindo a testemunhal, sobre o seu conteúdo;

f) Com esta fundamentação, o Tribunal a quo recusou-se a aceitar que a “(...) força probatória plena da escritura pública de compra e venda se limita ao declarado perante oficial público e não à realidade subjacente”, conforme é aliás defendido na declaração do voto vencido.

g) Com esta decisão o Tribunal da Relação de Lisboa acabou por destabilizar a matéria de facto abundantemente provada em 1ª instância, alicerçada em vários meios de prova.

h) Esta decisão é igualmente contrária aos múltiplos documentos juntos aos autos, designadamente de declarações escUUs e mesmo da natural confissão desta realidade por parte do próprio EE, em vida do mesmo e no pleno gozo das suas faculdades.

i) Os arts. 372º/1, 371º/1, 220º do CCivil que fundamentam o acórdão recorrido, deveriam ter sido aplicadas e interpretadas no sentido de que o valor probatório da escritura pública limita-se ao declarado perante o oficial público e não já à realidade subjacente (vide acórdãos do STJ de 15.09.2016, Procs. 165/12.9TBSJP.C1.S1 e de 15.04.2015, Proc. 28247/10.4T2SNT-A-L1.S1);

j) A apreciação da prova testemunhal - participação de uma pessoa na outorga de uma escritura pública e da relevância dessa prova cabe nos poderes cognitivos do STJ (acórdão STJ 02.06.2016 Proc. 781/11.6TBMTJ.L1.S1);

k) Os AA. Recorrentes não defendem, nem defenderam a falsidade da escritura pública, antes pugnando pela realidade subjacente ao negócio e pela inequívoca vontade das partes, mantendo a validade da escritura pública e de todos os actos e contratos onerosos que se lhe seguiram e que trouxeram inegáveis vantagens patrimoniais, reconhecidas e provadas para além de qualquer dúvida, na quota de 50% do resultado para cada um dos mesmos;

l) Ao proceder assim, o Tribunal da Relação de Lisboa interpretou e aplicou mal o conteúdo dos arts. 372º/1, 371º/1, 220º do CCivil e 655º nº2 do CPC, o que constitui fundamento de recurso de revista nos termos do art. 674º/1 a) do CPCivil.

m) Além de que os RR. CC, DD e EE, que representavam à data da instauração da acção judicial 7/8 da massa da herança aberta por óbito de EE, confessaram que aceitam como verdadeiros os factos essenciais em que os Recorrentes baseiam o seu pedido, designadamente, entre outros, a aquisição em comum da propriedade designada de “...” na proporção de 50% para os Recorrentes e de 50% para o já falecido EE, considerando os RR que o pedido que menos prejuízos traria e que mais se coaduna com o contexto do (então) acordado entre o A. e EE seria o pedido subsidiário;

n) Estes RR. requereram a sua não condenação no pagamento das custas da acção, bem como o pagamento dessas custas por parte da R. FF;

o) A Ré FF pugnou pela improcedência da acção, alegando, em síntese, que o A. Recorrente foi um mero mediador contratado pelo seu pai;

p) E 7/8 (87.5%) da herança aberta por óbito de EE (mulher, uma filha e um filho) confessaram logo tal facto em 1ª instância, sendo certo que a única fracção de 1/8 que não o fez, a Ré FF usou de clara má-fé processual, nomeadamente por ter participado e manuscrito com a sua própria mão e na presença de EE, documentos que contrariam em toda a linha a sua própria contestação e outras declarações que produziu em diversos e dilatórios requerimentos;

q) Com base nestes argumentos o Tribunal a quo recusou, sem fundamento legal, apreciar os pedidos e as respectivas fundamentações dos Recorrentes, não reconhecendo automaticamente, sequer, a aquisição do direito a 50 % do negócio da ....

r) Concluindo sempre no sentido de entender como nulos todos os actos e factos provados em que os Recorrentes ou o Recorrente marido apareça como “dono”, “co-proprietário” ou “proprietário””, “titular de 50% do imóvel” ou similar, como consequência da não outorga da escritura de compra e venda e da não impugnação por falsidade da mesma, e não obstante a reposição da matéria de facto determinada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

s) Por outro lado o Tribunal a quo não aplicou o princípio de que não está limitado pelas qualificações jurídicas das partes (iura novit curia):

t) Tão pouco pela requalificação dos factos, como nos ensina o acórdão proferido pelo STJ em 07.04.2016 (proc. 842/10.9TBPNF.P2.S1);

u) O 1º pedido apresentado pelos recorrentes na sua p.i. foi na perspectiva de defesa da propriedade do imóvel ..., enquanto direito real (“(...) reconhecimento dos AA, como comproprietários na quota de 50% dos imóveis que integram no seu conjunto o prédio misto denominado ...(...)”;

v) Ao invés, o 2º pedido procurou a defesa da titularidade do resultado da exploração do negócio da ..., enquanto direito obrigacional, e numa perspectiva de uma compropriedade económica (“(...) reconhecerem os AA. como titulares de um direito a 50% de todos os valores pecuniários resultantes dos processos de expropriação (...) a título de comproprietários do imóvel ..., bem como de quaisquer valores que venham porventura a serem obtidos com a exploração, oneração, alienação (...) deduzidas das correspondentes despesas(...)”;

w) O acórdão recorrido reconhece no final que existem contas a acertar entre AA. e RR.: “E, tal como é reconhecido, novamente com muita sensatez, pela Ré DD, seguramente que haverá contas a fazer entre os herdeiros de EE e o primeiro Autor, mercê do complexo relacionamento negocial que entre estes últimos existiu.”;

x) No entanto remete tais “contas a fazer” - leia-se os Recorridos a restituírem aos Recorrentes parte do resultado obtido com o negócio da ..., para “outro processo, com outros pedidos e causas de pedir”;

y) Os presentes autos foram instruídos e contêm todos os factos para apreciar e decidir por um dos 2 pedidos dos Recorrentes, mormente o segundo por ser aquele que melhor se adequa à realidade e reconhecido como o mais idóneo por parte dos Recorridos os quais, maioUUriamente, à excepção da R. FF, confessaram, desde logo, os factos;

z) A essa conclusão também nos conduz o princípio da economia processual e o aproveitamento de toda a abundante e segura prova produzida;

aa) Segundo os valores da eficiência, para a aquisição de um determinado resultado processual devem afectar-se apenas os meios necessários suficientes e não mais do que isso (conforme afloramentos deste principio nos arts. 137º e 138º do CPCivil);

bb) Os Recorrentes têm a expectativa e o direito a uma decisão em tempo útil, ambicionando ainda a correta administração e em tempo da Justiça (arts. 20º/4 da Constituição da Republica Portuguesa e art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificado pela Lei 65/73 de 13/10);

cc) Para além disso, o acórdão recorrido compadece de uma falta ou incompletude das questões jurídicas alegados pelos Recorrentes.

dd) O Tribunal da Relação de Lisboa deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, nomeadamente, a aquisição por via derivada (contratual), ou por via originária (usucapião), a conta em participação e o negócio fiduciário.

ee) O que constitui uma nulidade do acórdão, nos previstos na alínea d), do nº 1 do art. 615º do CPCivil.

ff) Assim, os Recorrentes alegaram desde logo múltiplos e abundantes factos que preenchem a figura da usucapião, referente a 50 % da titularidade da ..., defendendo e provando a efectiva aquisição de boa fé de 50% da ..., bem como o exercício da sua posse.

gg) O que foi aceite inicialmente e sem oposição por todos os Recorridos incluindo a R. FF.

hh) Em sede de 1ª instância os RR. CC, HH e EE, representando 87,5% da herança aberta com o óbito de EE assumiram todos os atos e contratos celebrados por ADS, sempre no pressuposto da existência de uma compropriedade económica (depois jurídica), na titularidade de 50 % dos resultados para os Recorrentes e dos restantes 50 % para os herdeiros de EE;

ii) Em defesa do seu direito real, os Recorrentes registaram a acção na competente conservatória do registo predial, tendo em vista o 1º pedido realizado, e atendendo a que o Registo Predial é uma mera presunção legal de titularidade (art. 7º do Código do Registo Predial);

jj) Não obstante os Recorrentes entenderem que existem outras figuras jurídicas, mais robustas e adequadas face à realidade subjacente, não podem deixar de alegar que todo enquadramento jurídico acima exposto preenche desde logo a figura da usucapião (arts. 1258º a 1262º, 1263º a) e b), 1287º, 1288º e 1296º do Código Civil) e pode ser aplicado ao caso;

Sem prejuízo do exposto,

kk) A titularidade por EE dos 50% do imóvel que, segundo o acordo celebrado entre o A. e EE, pertencem ao A. merece a qualificação de fiduciária, daí resultando a obrigação do fiduciário (rectius, dos seus herdeiros) de transmitir para o fiduciante essa quota do bem – nos termos do art. 1181, n.º 1, do Código Civil, aplicável diretamente ou por analogia;

ll) A comprovada compropriedade económica deveria dar lugar a uma compropriedade jurídica;

mm) Pelo que, sempre se deveria ter julgado procedente o segundo pedido dos recorrentes, pelas razões seguintes;

nn) Os factos centrais do caso em apreço configuram uma associação em participação – sendo associante EE e associado AA;

oo) O Tribunal a quo não aplicou as normas jurídicas relevantes do regime previsto no DL nº 231/81, de 28 de Julho, e não fez uma correcta aplicação do regime aplicável às denominadas sociedades irregulares;

pp) Em consequência não aplicou as normas jurídicas adequadas e relevantes para o presente caso, incorrendo em erro (art. 674º/1 a) do CPCivil);

qq) É irrelevante que a associação tenha nascido de uma iniciativa de AA, pois essa iniciativa ficou na zona dos preliminares do contrato;

rr) Irrelevante é também que AA tivesse papel ativo na condução da atividade, pois os atos que praticava refletiam-se na esfera jurídica de EE;

ss) Houve aspetos das relações entre EE e AA que extravasaram a associação em participação, mas os mesmos não obstam à recondução dos factos centrais a essa figura;

tt) Os acordos laterais relativamente à relação principal tinham autonomia, não acarretando a descaracterização da associação em participação, nem devendo levar a que se procure um regime integrado para o conjunto das relações contratuais em causa;

uu) No entanto, se se seguissem esses caminhos, as regras sobre associação em participação não deixariam de ser aplicáveis: houvesse união de contratos, contrato misto ou contrato atípico, o núcleo da relação entre AA e EE corresponderia sempre a uma associação em participação e, sob um de vários títulos possíveis, o respetivo regime seria aplicável;

vv) O art. 25 do Dec.-Lei 231/81, de 28 de julho, estabelece que o montante e a exigibilidade da participação do associado é primacialmente o que «resultar de convenção expressa ou das circunstâncias do contrato»;

ww) Do que ficou provado resulta que AA e EE acordaram em que a participação de cada um seria de metade de todos os proveitos e custos;

xx) Do art. 28 do Dec.-Lei 231/81, de 28 de julho, decorre que, na ausência de estipulação, a morte do associante não extingue a associação, ainda que seja lícito aos herdeiros do falecido extingui-la, mediante declaração dirigida ao outro contraente nos noventa dias seguintes ao falecimento – o que não se verificou;

yy) Por mero raciocínio académico, mesmo que se defendesse a aplicação das regras sobre união de contratos, contrato misto, ou contrato atípico, as regras sobre associação em participação não deixariam de ser aplicadas, e, sob um de vários títulos possíveis, o respectivo regime seria aplicável;

zz) De resto, ainda que a relação entre AA e EE fosse societária – o que só por extrema cautela se admite – o segundo pedido deveria à mesma ser considerado procedente, sendo congruente com o regime de dissolução e liquidação das sociedades civis, aplicável por força do art. 36, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais,

aaa) Nesse caso, o pedido subsidiário deveria proceder, com fundamento nos arts. 1011º, 1018º e 1021º do Código Civil;

bbb) Se se considerar que nenhum dos referidos regimes é aplicável, o pedido subsidiário deverá proceder por força do princípio pacta sunt servanda constante no artigo 406º do CCivil;

ccc) A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, a manter-se, corresponderia a um manifesto enriquecimento injusto e ilícito dos herdeiros de EE, situação ainda mais absurda se se tiver em conta a posição processual assumida por CC, EE e HH, tendo apenas a Co-Ré FF assumido uma posição contrária e apenas com a apresentação da sua contestação, paradoxalmente, aquela que tinha um conhecimento mais directo da situação, por ter intervindo pessoalmente em termos que confirmam esse seu conhecimento da posição defendida pelos Recorrentes e provada em julgamento;

ddd) Face ao acima exposto, o acórdão produzido é nulo pelo facto dos seus fundamentos estarem em oposição com a decisão, o que constitui uma nulidade nos termos do disposto no art. 615º nº1 al. c) do CPC;

eee) O Tribunal da Relação de Lisboa incorreu em erro de aplicação e de determinação da norma aplicável;

fff) O Tribunal da Relação de Lisboa deveria ter aplicado as normas constantes dos artigos 1181º/1 do CCivil, 980º do CCivil (na não qualificação de um regime legal societário ás relações entre EE e AA) e também arts.52º e 172º do Código das Sociedades Comerciais e 12º do CPCivil;

ggg) E também, nomeadamente o previsto nos arts. 21º, 25º, e 28º do Decreto-lei 231/81, de 28 de Julho;

hhh) Para além da aplicação dos arts. 1011º, 1018º e 1021º do CCivil (estes apenas alegados por ex abudante cautela), que determinariam a procedência do pedido subsidiário;

iii) Por último, no que concerne à litigância de má-fé da Co-Ré FF, a decisão do Tribunal a quo está em contradição com os factos provados.

jjj) O que constitui uma nulidade do acórdão, nos termos do disposto nos arts. 615º/1 d), que constitui, igualmente, fundamento de recurso de revista, cfr art. 674º/1 c) ambos do CPC;

kkk) Com efeito a Co-Ré FF Gonçalves teve no processo um comportamento reprovável, omitindo, falseando, e inclusivamente não colaborando com o Tribunal de forma a procurar impedir a descoberta da verdade, subvertendo e moldando os factos à sua oposição cuja falta de fundamento não ignorava.

lll) O que configura manifesta litigância de má-fé nos termos do disposto no art. 542º do CPC abundantemente demonstrada, entre outros factos, pela justaposição desta Ré e dos inúmeros documentos juntos aos autos, alguns deles redigidos pela própria, devendo em consequência a mesma ser condenada em multa apropriada, o que se requer e reitera.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, Que V.Excias doutamente suprirão, requer-se a admissão e a procedência do presente recurso e, em consequência:

- Serem julgadas procedentes as invocadas nulidades do acórdão e

- Ser alterada a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa sendo substituída por outra que julgue procedente um dos pedidos formulados pelos Recorrentes, assim se fazendo JUSTIÇA.”

8. A ré HH apresentou contra-alegações, nas quais conclui:

“1. Deve considerar-se matéria de facto provada a que foi admitida pelo Tribunal da Relação, designadamente alterando para “não provada” a matéria dos artigos 1º, 3º, 4º, 18º e 48º da Base Instrutória.

2. A escritura pública de compra e venda celebrada entre EE e o vendedor da ...não foi impugnada e mantém-se válida, produzindo todos os legais efeitos.

3. Também é válido e juridicamente inatacável o registo predial efectuado a favor de EE, produzindo todos os seus legais efeitos.

4. Não foi alegada e muito menos provada qualquer relação fiduciária entre EE e AA.

5. Não foram alegados e muito menos provados factos que permitam invocar usucapião de 50% da propriedade da “...” por AA; pelo contrário, constam dos autos elementos bastantes para se ter a certeza de que não pode ter lugar: não há posse; se houvesse posse seria não titulada e, por isso, de má-fé; não decorreu o tempo necessário (20 anos) para produção dos efeitos da usucapião.

6. Não há elementos nos autos que permitam concluir que houve contrato de associação em participação, designadamente nada se sabe sobre contribuições do associado; não se sabe quem é o associante; não cabe neste processo a prestação de contas, integrante e necessária, para a associação em participação. Só em processo próprio tal seria possível.

7. Improcedem todas as “Conclusões” das doutas Alegações dos Recorrentes.

Deve, assim, manter-se integralmente o douto Acórdão recorrido o qual, por sua vez, manteve a decisão da 1ª Instância.”

9. A ré FF também contra-alegou, em 466 números, intercalados por cópias de inúmeros documentos.

Com indicação de já se encontrarem juntos aos autos:
i) Doc. 19 da contestação, a fls. ... [p. 6-7 da contra-alegação, n.º 19];
ii) Doc. de fls. 375 e fls 127, datados de 24/10/2002 e 8/10/2002 [p. 16-17 da contra-alegação];
iii) Factura 00482 - p. 30 das contra-alegações;
iv) Três recibos de fls. 2137 dos autos – a p. 33 das contra-alegações;
v) Doc. 32 da PI – declaração a fls. 36 das contra-alegações;
vi) Planta do ME – p. 43 das contra-alegações;
vii) Doc. 31 da PI, fls. 71dos autos - p. 52 das contra-alegações;
viii) Folha solta, a fls. 71 dos autos - p. 53 das contra-alegações;
ix) Doc. 49 - a fls. 342 dos autos- p. 54 das contra-alegações;
x) 2 Doc. de Fls.  343 e 448 dos autos - - p. 55 das contra-alegações;
i) Procuração – junta com a contestação - p.80 das contra-alegações;
xi) Depoimento escrito de II - p.84 e 85 das contra-alegações;
xii) Declaração de HH – a fls. 898 e 3453 - p.90 das contra-alegações.

Sem indicação de já terem sido juntos:
ii) [p. 12 da contra-alegação, duas fotografias, n.º 50];
iii) [p. 14 da contra-alegação, quatro fotografias datadas de 30/7/2013, n.º 57];
iv) Declaração de II[p. 15 da contra-alegação, datada de 19/6/2014, n.º 61];
v) “Papel de carta” – p. 21-22 das contra-alegações, n.º 86;
vi) “Carta de JJ– advogado” - p. 24 das contra-alegações, n.º 95;
vii) Recibo de venda a dinheiro – a p. 27 das contra-alegações, n.º 106;
viii) Dois extractos de conta – p. 38 e 39 das contra-alegações, n.º 146;
ix) KK– 6 Abril de 2018 – p. 44 das contra-alegações, n.º 164;
x) Doc. judicial e extracto de conta - p. 46 e 47 das contra-alegações, n.º 172 e 173;
xi) Doc. do MFinanças - p. 49 das contra-alegações, n.º 176;
xii) 2 fotos - p. 50 das contra-alegações, n.º 177;
xiii) “Comparação de assinatura” - p. 57 das contra-alegações, n.º 190;
xiv) Relatório médico de exame – de 27/5/85 e pedido de exames - p.62 e 63 das contra-alegações, n.º 216 e 217;
xv) Extracto de conta - p.67 das contra-alegações, n.º 232;
xvi) Depoimento de II - p.75 das contra-alegações, n.º 258;
xvii) Depoimento de II (19/6/2014) – p. 83 das contra-alegações, n.º 292;
xviii) Carta de DD a Advogado – datada de 15/set. 2006 - p.88 e 89 das contra-alegações, n.º 302 e 303.

 

10. Os AA, ora recorrentes, também se pronunciaram sobre as contra-alegações da Ré FF, requerendo o desentranhamento da peça, ou, em alternativa, dar-se por não escrito o exposto nos art.º 19, 50, 57, 61, 63, 86, 95, 106, 127, 137, 145, 146, 162, 164, 172, 173, 176, 177, 182, 186, 187, 188, 190, 210, 216, 217, 220, 232, 236, 243, 258, 277, 292, 302 e 303.

A recorrida Ré FF, notificada do requerimento dos AA/recorrentes, nada disse.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. Fundamentação

11. Na sentença consideraram-se provados os seguintes factos: quesitos 1º, 3º, 4º, 18º e 48º, os quais, tendo em 1ª instância recebido a resposta de provado, passaram, por via do Recurso, a ter a resposta de “não provado”.

 Factos Provados

1. A falecida ré CC era mãe dos três restantes réus e, conjuntamente, são os únicos e legais herdeiros por óbito de EE, respectivamente marido e pai dos mesmos (alínea A) dos Factos Assentes).

2. Por escritura pública de 10 de Fevereiro de 1988, EE declarou comprar, pelo valor de 121.000.000$00, actualmente 60 3545,46 euros, um prédio misto denominado "...", sito na freguesia de ..., concelho de ..., inscrito então na matriz, quanto à parte rústica sob o artigo …° …, da Secção …, e quanto à parte urbana sob os artigos ..., ... e ..., descrito então na 2ª Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.5 ..., fls. 173 v., do livro ..., actual ficha ...(alínea B) dos Factos Assentes).

3. Na referida escritura ficou a constar que EE se encontrava colectado em Contribuição Industrial, pelo exercício da actividade de "Prédios - Revenda dos Adquiridos para esse fim" e que no ano de 1987 exerceu normal e habitualmente essa actividade (alínea C) dos Factos Assentes).

4. Posteriormente à aquisição do prédio identificado na alínea anterior foram efectuados os seguintes destaques:

- 2574 m2 (parte rústica) e 89 m2 (parte urbana), correspondentes à actual ficha 01450/93.03.22;

- 3861 m2, correspondentes à actual ficha 01451193.03.22;

- 7966 m2, correspondentes à actual ficha 01452/93.03.22;

- pela apresentação n.5 16/93.09.07 - Av.5, foram desanexados 24000 m2 (área coberta 8086 m2 e descoberta 15914 m2), correspondentes à actual ficha ... (ou ...), em virtude de expropriação (alínea D) dos Factos Assentes).

5. No dia 11 de Dezembro de 1992 foi outorgada escritura pública em que EE, por si e em representação da esposa, declarou vender a "LL, SA" parte do imóvel denominado ...(alínea E) dos Factos Assentes).

6. EE nasceu em ..., sofreu um AVC em 8/02/95 e faleceu no dia 16 de Janeiro de 1998 (alínea F) dos Factos Assentes).

7. Apesar de apenas o falecido EE ter outorgado a escritura de aquisição do imóvel como comprador, a efectiva aquisição do mesmo foi suportada em partes iguais, entre EE e o ora autor (resposta ao artigo 1. da Base Instrutória).

8. Na verdade, atenta a elevada confiança existente entre EE e AA, nada mais foi declarado na escritura pública (resposta ao artigo 2. da Base Instrutória).

9. Como era intenção de ambos proceder à revenda do imóvel, foi acordado que a escritura seria outorgada apenas em nome do EE, porquanto este, ao invés do autor, já beneficiava da isenção do imposto de sisa na compra de prédios destinados a revenda pelo período de três anos (resposta ao artigo 3. da Base Instrutória).

10. Assim, embora durante 3 anos não se tivesse procedido a nenhuma alienação, em 1989, por efeito de expropriação prosseguida pela DGE, EE foi expropriado em 24.000 m2 do seu imóvel “...”, para construção de escolas na freguesia ...de ... (resposta ao art.º4. da Bse instrutória).

11. O que originou, atento o relatório de Avaliação então produzido, uma indemnização no valor global de 278.115.000$00, a qual foi logo repartida equitativamente entre o autor e EE (resposta ao art.º5. da Base Instrutória).

12. Em 08/02/1991, 3 anos após a escritura de aquisição do imóvel, foi requerido e liquidado o imposto de sisa, em virtude da ainda não alienação do imóvel, no valor de 10.188.321$00 (resposta ao artigo 6. da Base Instrutória).

13. Tal valor veio a ser liquidado inicialmente pelo ora autor, através do seu cheque pessoal n.5 ..., do então ..., agência de ..., datado de 08/02/91 (resposta ao artigo 7. da Base Instrutória).

14. No entanto, tal como acordado entre ambos, o referido EE veio a liquidar ao autor a sua quota-parte de responsabilidade, no valor de 50% da quantia de esc. 10.188.321$00 (resposta ao artigo 8. da Base Instrutória).

15. Desde o início que o negócio da compra da ...foi obtido, efectuado e desenvolvido pelo autor, que convidou EE, tendo este último entrado no negócio, mediante uma participação no valor de 50% do mesmo, o que foi aceite por este último (resposta ao artigo 9. da Base Instrutória).

16. Assim, quer os proveitos, quer os custos com o imóvel denominado ...eram e sempre foram suportados em 50% pelo autor e os restantes 50% por EE (resposta ao artigo 10. da Base Instrutória).

17. Razão pela qual ambos actuavam sempre em conjunto em todos os actos, cartas e contratos relacionados com a referida Quinta, ou com o prévio acordo de ambos (resposta ao artigo 11. da Base Instrutória).

18. O autor e EE subscreveram a carta que consta a fls. 46, datada de 20 de Abril de 1988 e dirigida à MM - 14.,ícutos Comerciais, Lda. (resposta ao artigo 12. da Base Instrutória).

19. O autor e EE subscreveram a carta que consta a fls. 48, datada de 6 de Setembro de 1988 e dirigida à MM, Lda., em que ambos declararam "Embora a escritura de compra e venda da ...- ..., esteja só em meu nome, o Sr. AA, é proprietário da mesma, em posição igual à minha" (resposta ao artigo 13. da Base Instrutória).

20. Desde então, todos os recibos de recebimento de rendas da MM foram realizados a favor de ambos do autor de EE em igualdade de quotas sem que nenhuma das partes envolvidas tivesse colocado sequer em dúvida tal atitude e procedimento (resposta ao artigo 14. da Base Instrutória).

21. Em 3 de Janeiro de 1989, o autor, bem como EE assinaram um contrato promessa de arrendamento celebrado com a MM - ..., Lda., na qualidade de co-proprietários do imóvel, tendo prometido conjuntamente dar de arrendamento parte da ...(resposta ao artigo 15. da Base Instrutória).

22. E a MM, uma das mais activas inquilinas da ...aceitou tal facto passando a endereçar toda a sua correspondência para o autor e para EE, na qualidade de donos do prédio, que para o efeito adoptaram idêntico domicílio nos escritórios do autor (resposta ao artigo 16. da Base Instrutória).

23. Correspondência essa que era igualmente respondida pelo autor e por EE, na qualidade de donos do prédio, tendo os dois subscrito a carta de fls. 56 e 57, datada de 25-10-89, dirigida à mencionada MM (resposta ao artigo 17. da Base Instrutória).

24. E assim sucedeu de forma normal e regular ao longo do tempo, sem que dúvidas nenhumas existissem sobre a titularidade do identificado imóvel (resposta ao artigo 18. da Base Instrutória).

25. Na verdade, até por força do exercício da sua actividade comercial e da localização da sua sede empresarial, era o ora autor que vinha desenvolvendo a sua actividade centralizada na então ..., zelando e desenvolvendo o imóvel, de forma pública e notória, à vista de todos, assumindo sempre a qualidade de um dos donos do imóvel, em todos os actos e contratos que participava, independentemente do factor gerador dos mesmos (resposta ao artigo 19. da Base Instrutória).

26. O autor dirigiu a EE a carta de fls. 60, datada de 13/06/94, onde resumiu a conta corrente existente entre ambos (resposta ao artigo 20. da Base Instrutória).

27. Em 03/01/1991, a MM, Lda., escreveu ao autor e a EE a carta de fls. 64, na sua qualidade de utilizadora precária de parte da ...(resposta ao artigo 21. da Base Instrutória).

28. O autor e EE subscreveram a carta de fls. 65 dirigida a MM, Lda., pronunciando-se sobre a desocupação por parte desta de uma área de terreno da ...(resposta ao artigo 22. da Base Instrutória).

29. Em 07 de Junho de 1991, o autor e EE assinaram o acordo de fls. 68 e 69, denominado II Acordo de Ocupação Precária de Terreno", o qual deveria ser assinado igualmente pela MM, Lda., no qual reconhecem o interesse do autor no imóvel em questão (resposta ao artigo 23. da Base Instrutória).

30. O autor e EE em 22/11/1991 escreveram e assinaram o documento denominado "Declaração de Acordo" cuja cópia consta a fls. 71, onde declaram que a "..." pertencia a ambos em partes iguais, não obstante a escritura de compra e venda ter sido apenas celebrada em nome do EE e que ambos participavam em igualdade de quotas nas despesas e lucros realizadas ou obtidos com o referido imóvel (resposta ao artigo 24. da Base Instrutória).

31. O autor e EE aproveitaram também a oportunidade para consagrar formalmente aquilo que na prática já vinha acontecendo em parte do imóvel, que era a utilização do mesmo pelo autor (resposta ao artigo 25. da Base Instrutória).

32. Tendo no entanto ambas as partes definido e acordado num montante pecuniário como compensação desta utilização do autor atribuindo-se a EE a sua quota-parte de metade desse montante (resposta ao artigo 26. da Base Instrutória).

33. Esta situação manteve-se sempre, dia após dia, mês após mês, ano após ano (resposta ao artigo 27. da Base Instrutória).

34. E era do conhecimento de todos os herdeiros do EE, mesmo em vida do mesmo, bem como dos demais intervenientes, nomeadamente entidades públicas e privadas (resposta ao artigo 28. da Base Instrutória).

35. A Junta de Freguesia de ... enviou o ofício de 19/05/92 que consta a fls. 73, numa altura em que o AA procurava desenvolver a utilização da ..., nomeadamente procurando a instalação de uma universidade (Internacional) na parte urbana do imóvel e a criação de um Lar para Estudantes em parte dos terrenos do identificado imóvel (resposta ao artigo 29. da Base Instrutória).

36. O autor enviou à Junta de Freguesia ... a carta de 16/06/92 que consta a fls. 75, relativa à construção de mais duas torres habitacionais e correspondentes vias de acesso, no imóvel em questão (resposta ao artigo 30. da Base Instrutória).

37. Enviou uma carta de igual conteúdo ajunta de Freguesia de ..., que veio a merecer o parecer favorável dessa autarquia local, na carta de fls. 76, enviada ao Município de ..., datada de 13/07/92 (resposta ao artigo 31. da Base Instrutória).

38. Atenta a especial e particular situação do autor, utilizador da ..., era o autor que de forma pessoal zelava pela defesa, desenvolvimento e valorização do imóvel, assumindo esse papel, mesmo sabendo, como sabia, que metade dos proveitos eram do dono, EE (resposta ao artigo 32. da Base Instrutória).

39. De igual modo procedia o autor quando era necessário proceder a despesas de manutenção, tais como o desbaste e limpeza de parte da Quinta por razões de saúde pública (resposta ao artigo 33. da Base Instrutória).

40. Por essa razão lhe foi enviada a carta de fls. 78, datada de 18 de Setembro de 1992, oriunda da junta de Freguesia …, para que o autor, na qualidade de dono do imóvel, pudesse assumir as suas responsabilidades inerentes a tal qualidade (resposta ao artigo 34. da Base Instrutória).

41. De igual forma o autor manteve correspondência com ajunta Autónoma de Estradas para desenvolver os projectos de valorização da ..., nos termos da carta e oficio de fls. 79 e 80, datados de 05/11/92 e 13/11/92 (resposta ao artigo 35. da Base Instrutória).

42. Manteve também o autor contactos com os responsáveis pela Administração Urbanística da Câmara Municipal de ... para discutir aspectos relativos à ..., conforme Acta da Reunião produzida por esta edilidade datada de 09 de Dezembro de 1992, constante de fls. 82 (resposta ao artigo 36. da Base Instrutória).

43. Foi também o autor, com o acordo de EE, quem providenciou para encontrar comprador para parte da ..., nomeadamente a sua parte urbana e parte da sua parte rústica (resposta ao artigo 37. da Base Instrutória).

44. As negociações para tal transacção foram feitas pelo autor com a NN, representada pela "OO, S.A.", sempre com o objectivo de as verbas assim adquiridas, depois de deduzidas as despesas, serem partilhadas em igualdade de quotas entre o EE e o autor (resposta ao artigo 38. da Base Instrutória).

45. Em 19 de Abril de 1993 o autor e EE subscreveram a declaração que consta a fls. 91, na sequência do que o autor entregou a EE um cheque da sua conta pessoal sacado sobre o ..., com o n° ..., assinado pelo mesmo e passado à ordem do EE (resposta ao artigo 39, da Base Instrutória).

46. Tal cheque não tinha preenchido o respectivo valor, atento o desconhecimento real e efectivo do encargo fiscal de EE resultante da ...figurar apenas em seu nome, o que só foi possível, mediante a elevada e total confiança existente entre estes dois homens (resposta ao artigo 40. da Base Instrutória).

47. Nesse documento, declararam ainda ambas as partes: "Mais declaram que os restantes terrenos que fazem parte da ..., são de ambos e em partes iguais, sendo da responsabilidade do Sr. AA, pagar ao Sr. EE, a sua parte em contribuições ou quaisquer despesas que possam vir e ter com os respectivos terrenos" (resposta ao artigo 41. da Base Instrutória).

48. As rendas que o imóvel da ...ia produzindo, nomeadamente as compensações por ocupação/utilização de espaço, iam sendo recebidas integral e directamente pelo autor no seu domicílio, que posteriormente as remetia, na respectiva quota-parte, através de cheque ou outro método, a EE (resposta ao artigo 42. da Base Instrutória).

49. Em 22/04/94, EE e o autor, na iminência do início do processo de construção da nova ponte sobre o Tejo, na região de Lisboa, e respectivas vias complementares de acesso, escreveram e assinaram conjuntamente na qualidade de donos da ..., uma nova carta, que consta a fls. 93, dirigida à MM, Lda., solicitando a desocupação do imóvel, para a data de 30 de Abril de 1995 (resposta ao artigo 43. da Base Instrutória).

50. Os recibos de renda da MM, Lda., emitidos pelo autor e por EE eram realizados em conjunto pelos mesmos, quanto à identificação fiscal de cada um dos mesmos, no mesmo recibo de renda (resposta ao artigo 44. da Base Instrutória).

51. Com o início do processo de expropriação das parcelas de terreno sitas na ...destinadas à construção da nova ponte sobre o Tejo, ou mesmo de outras vias rodoviárias que com esta nova construção confluíam, o autor e EE acordaram no sentido de que seria conveniente procurar obter da GG, S.A,, um adiantamento por conta do valor da indemnização que viesse a ser fixada, no caso de entretanto não conseguirem chegar a um acordo com esta sociedade quanto ao valor da indemnização, tendo o autor ficado mais urna vez incumbido de proceder a todas as diligências nesse sentido (resposta ao artigo 45. da Base Instrutória).

52. Como resultado dessas diligências foi celebrado com a GG o acordo de fls. 94 a 96, segundo o qual foram as seguintes as verbas pecuniárias adiantadas por conta do justo preço de indemnização a ser apurado em sede judicial, relativamente às seguintes parcelas de terreno, a serem destacados da "...":

Parcela                          Adiantamento

0.0513.200.000$00
0.1153.739.000$00
0.18189.364.000$00
0.18ª10.860.000$00
TOTALTOTALLLLL:276.163.000$00

  (resposta ao artigo 46. da Base Instrutória)

53. Este acordo permitiu que o autor e EE pudessem desde logo usufruir de uma significativa importância em dinheiro, sem prejudicar o real e definitivo valor de expropriação, a ser apurado em sede judicial (resposta ao artigo 47. da Base Instrutória).

54. E foi o autor que liderou o processo de negociação com a GG na sua qualidade de dono do imóvel, facto esse conseguido com o prévio acordo do dono EE (resposta ao artigo 48. da Base Instrutória).

55. Quando os processos de expropriação passaram de uma fase administrativa para uma fase judicial foi o autor que mesmo aí nunca se alheou da defesa judicial dos direitos do proprietário (resposta ao artigo 49. da Base Instrutória).

56. Tal facto foi desde o início apresentado à GG que o entendeu e aceitou, tendo desde logo tratado o autor como dono do imóvel, com o total acordo e confiança do dono EE, tendo-se ocupado desde o processo negociai inicial até à fase contenciosa (resposta ao artigo 50. da Base Instrutória).

57. Foi ainda o autor quem auxiliou na negociação da saída/desocupação de parte dos terrenos que algumas empresas onerosamente utilizavam, sitos na ...(resposta ao artigo 51. da Base Instrutória).

58. Entre eles contavam-se a já mencionada MM, Lda., e as sociedades Empilhadores Delagnes e Largiro (resposta ao artigo 52. da Base Instrutória).

59. Fez o mesmo com diversas barracas existentes numa zona de fronteira da ...(resposta ao artigo 53. da Base Instrutória).

60. Todos os factos acima mencionados são do conhecimento de todos os réus, que desde sempre aceitaram e reconheceram a situação criada, negociada e desenvolvida, respectivamente pelo seu marido e pai, com o ora autor (resposta ao artigo 54, da Base Instrutória).

61. Só recentemente a ré FF passou a não reconhecer e a opor-se a esta situação (resposta ao artigo 55. da Base Instrutória).

62. Ainda no pleno gozo das suas faculdades, EE veio a acorda• com o autor, no sentido de este poder fica• para si com a parte sobrante da parcela 0.18, mediante o compromisso de pagar essa área sobrante ao preço da expropriação da área expropriada, bem como as áreas sobrantes das restantes parcelas ao preço da expropriação das mesmas (resposta ao artigo 56. da Base Instrutória).

63. Dado que o acordo não chegou a ser formalizado antes do AVC de EE, ocorrido em 08/02/95, foi o mesmo formalizado em 18/03/96, pela sua esposa, a ré CC nos termos do documento de fls. 106 a 108 (resposta ao artigo 57. da Base Instrutória).

64. O autor continua instalado em parte dos terrenos da ..., aí desenvolvendo as suas actividades empresariais, tendo instalado a sede efectiva da sua actividade económica (resposta ao artigo 58. da Base Instrutória).

65. E mesmo após um período de tempo mais difícil para o EE, logo após o mesmo ter sofrido um acidente vascular cerebral, continuou a ser o autor que assumiu e liderou a defesa e desenvolvimento deste projecto comum (resposta ao artigo 59. da Base Instrutória).

66. Nomeadamente, e sempre no respeito pelo acordado com EE, o autor continuou a gerir os terrenos da ..., assegurando a cobrança das respectivas rendas, emitindo os respectivos recibos, procedendo às actualizações necessárias, desenvolvendo acções de manutenção e limpeza da Quinta, desenvolvendo os projectos urbanísticos da mesma, zelando pela segurança da Quinta, procurando obter as melhores contrapartidas da sua gestão (resposta ao artigo 60. da Base Instrutória).

67. E sempre, gerindo, prestando contas e acertando periodicamente com CC as importâncias cobradas e recebidas, com as despesas efectuadas, repartindo em consequência o lucro em partes iguais, como sempre vinha fazendo com EE, no período que antecedeu a doença do mesmo (resposta ao artigo 61. dá Base Instrutória).

68. Toda esta actividade do autor relativamente à ...foi desenvolvida sem nunca ser cobrada qualquer remuneração ou contrapartida por essa gestão (resposta ao artigo 62. da Base Instrutória).

69. O autor não tinha capacidade económica para suportar metade do preço da aquisição da ...(resposta ao artigo 64. da Base Instrutória).

70. Era prática de EE encarregar o mediador de todos os processos burocráticos, representando-o junto de várias entidades (resposta ao artigo 66. da Base Instrutória).

71. Antes de sofrer o AVC, EE sofria da doença de Parkinson (resposta ao artigo 67. da Base Instrutória).

72. Depois de sofrer o AVC, EE ficou completamente incapaz de gerir os seus negócios (resposta ao artigo 68. da Base Instrutória).

72 (P). Na altura do negócio da ..., EE sofria da doença de Parkinson (resposta ao artigo 70. da Base Instrutória).

73. Tinha um mau ambiente familiar, estando inclusive há anos de relações cortadas com o filho, o ora co-Réu EE (resposta ao artigo 71. da Base Instrutória).

74. A mulher e ora co-Ré CC sempre foi apenas dona de casa e não estava dentro dos negócios do seu marido EE (resposta ao artigo 72. da Base Instrutória).

75. A 02.06.1997 a R. CC assinou o doc. 8 aludido na contestação da R. FF, e recebeu um adiantamento de esc.: 267.163.000$00 por conta da indemnização a ser fixada em tribunal (resposta ao artigo 73. da Base Instrutória).

76. E foi entregar esc.:133.583.500$00 ao A. (resposta ao artigo 74. da Base Instrutória).

77. Em 1986, o A. era sucateiro na Quinta ..., em ... (resposta ao artigo 76. da Base Instrutória).

78. O A. comprou salvados do carro acidentado de EE (resposta ao artigo 77. da Base Instrutória).

79. EE não tinha por uso fazer compras a meias com outra pessoa (resposta ao artigo 80. da Base Instrutória).

80. Era pessoa de avultadas posses, não necessitando de aditar dinheiro de outros ao seu para adquirir propriedades (resposta ao artigo 81. da Base Instrutória).

81. Além de que, EE tinha muitos depósitos bancários com enormes rendimentos de juros (resposta ao artigo 82. da Base Instrutória).

82. Esta era a prática seguida por EE em relação aos negócios que fazia: o mediador é que tratava de todos os aspectos burocráticos, representando-o junto das várias entidades (resposta ao artigo 90. da Base Instrutória).

83. EE, dada a doença de Parkinson de que sofria, tinha muita dificuldade em escrever e fazer a sua assinatura, pelo que, aquando de um novo negócio, passava um cheque a PP que este depositava na sua própria conta bancária, e depois com cheques da sua conta pessoal pagava as despesas inerentes ao negócio, notários, conservatórias finanças, sisas e até indemnizações a ocupantes de terrenos (resposta ao artigo 92. da Base Instrutória).

84. EE depositou em 21.05.1992, com data-valor de 22, na sua conta bancária n° ... do QQ, S.A., a indemnização recebida no âmbito do processo de expropriação (resposta ao artigo 93. da Base Instrutória).

85. Em 13 de Março de 1995 o Dr. JJ enviou à co-ré FF o memorando (Doc. 38 da contestação) (resposta ao artigo 94. da Base Instrutória).

86. Em 31/01/2001 o ora A. foi declarar às Finanças que era proprietário dessa área que indicou como sendo de 6.230,26m2 (resposta ao artigo 98. da Base Instrutória).

87. EE tinha todos os seus negócios centrados na sua morada sita na Av.a ..., … em Lisboa (resposta ao artigo 99. da Base Instrutória).

88. Relativamente à "RR, Lda.", o A. assinou com data aposta de 02 de Março de 1993 um contrato de cedência temporária de utilização de terreno onde indica que "é o proprietário do Prédio Urbano ..., descrito na 2° Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha 531 da freguesia de "..." e que cede àquela empresa a título precário a utilização de uma parte do referido prédio (resposta ao artigo 105. da Base Instrutória).

Mais se provou que:

107. Está registada a aquisição, por compra, a favor de EE, c.c. CC, na comunhão geral, pela inscrição G-1, Ap. 23/880512 (fls. 216 a 221, vol. II).

108. CC nasceu a ...e faleceu a ... (fls. 1503 a 1504, vol. VIII).

109. O R. EE, falecido na pendência da causa, deixou como seus únicos e universais herdeiros SS, sua viúva, e TT, UU e VV, suas filhas (fls. 1126 e segs., vol. VI).

11. Factos Não Provados (sentença)

2. Originada pelos vários negócios em que participaram conjuntamente.

4. O autor foi expropriado.

15. As esposas do autor e de EE assinaram o contrato.

16. A correspondência foi endereçada para ambos os donos do prédio.

17. A correspondência foi respondida por ambos os donos do prédio.

32. O autor é um dos donos da ....

44. Quer quanto à assinatura de cada um, no mesmo recibo de renda.

49. O autor é proprietário.

52. Entre eles contava-se a sociedade XX.

63. EE só conheceu o autor em 1986, não existindo entre ambos nenhuma relação de confiança.

64. E nunca teve negócios com EE, limitando-se a pedir-lhe dinheiro emprestado.

65. A aquisição da ...por EE foi feita com a mediação do autor.

66. A partir de então EE encarregou o autor de tratar de tudo o que dissesse respeito à ....

67. Não conseguindo assinar o seu nome.

69. Foi só depois do AVC de EE que o autor passou a arrogar-se dono da ....

70. Há cerca de 3 décadas.

75. Foi ZZ, colaboradora do escritório, sito no ......, Piso 1, escritório 2, em Lisboa, do Dr. JJ, advogado que patrocina os restantes co-réus nos processos de expropriação, e que era advogado de EE, recomendado a este por AA, que foi à 2ã Conservatória do Registo Predial de ... fazer os registos das 4 parcelas em nome dos herdeiros de EE e ora Réus.

76. EE conheceu o A. em 1986.

77. Foi PP, que o conhecia, que o indicou a EE como sendo a pessoa que lhe poderia comprar os salvados do carro acidentado; o negócio veio a ser feito por Esc.:28.000$00.

78. E o certo é que em 1994 EE manifestava a sua desconfiança em relação ao A. e em relação ao que ele andaria a fazer na "...% desconfiança agravada pelas muitas vezes que o procurava e ele não aparecia para o atender, suspeitando mesmo que este se escondia para se furtar a explicações.

79. Em Fevereiro de 1995, o A. devia a EE mais de esc.: 40.000.000$00.

80. Nunca o tendo feito ao longo de décadas de actividade.

83. Diferentemente, o A. não era pessoa de posses e várias vezes pediu dinheiro emprestado a EE, invocando estar "aflito" com compromissos a cumprir, tendo inclusivamente ficado a dever-lhe dinheiro.

84. Antes de ser adquirida por EE, uma das proprietárias encarregou um sobrinho e afilhado, o Eng.º ZZ, de encontrar comprador para a "...", o qual contactou com PP prometendo-lhe comissão se o negócio se fizesse por seu intermédio.

85. PP apresentou o negócio a EE, que se interessou pela compra.

86. Entretanto, no Verão de 1988, tendo EE já concordado com o preço, e estando PP de férias no Algarve, foi procurado pelo ora A. que lhe disse que se queria mesmo comprar a "...", tinha de o fazer através dele, como intermediário, pois estavam com ele o Dr. AAA(marido da proprietária de 1/6 da Quinta) e BBB(pai dos então dois menores proprietários de 1/2 cada) e que estes só permitiriam que a mulher de um e os filhos de outro vendessem, se o negócio fosse feito com o ora A. como intermediário.

87. Como EE queria muito comprar o referido prédio, disse a PP que o desculpasse, mas que tinha surgido aquele impasse, e teria de fazer como eles queriam pois se não concordasse iriam apresentar o negócio a outra pessoa.

88. Assim o negócio veio a ser feito entre os proprietários da "..." e EE com mediação do A. e não de PP, que inicialmente apresentara o negócio.

89. A partir de então, EE encarregou o ora A. de tratar de tudo o que dissesse respeito à "...”, nomeadamente nas Repartições de Finanças, Conservatórias do Registo Predial e Cartórios Notariais.

91. O ora A. interveio nos negócios referentes à "...", mas sempre e apenas na qualidade de mediador ­primeiro na venda desta a EE, e depois na venda de parte desta por EE à OO, S.A.

95. Depois de Fevereiro de 1995, o A. veio pedir à ora Ré que lhe desse autorização para ele pôr em exposição algumas máquinas numa das partes sobrantes das parcelas da "..." expropriadas pela GG, dizendo que era "..." um pedaço de terra tão pequeno que lá "vocês" não vão poder construir nada, aquilo tem só pedras.

96. Mais tarde a co-Ré veio a saber que o tal "..." tinha afinal 6.230,61 m2.

97. Aproveitando a incapacidade de EE, o A. passou a ocupar abusivamente essa parcela de 6.230,61m2 da ....

100. E nunca usou, qualquer outra morada, nem nunca consentiria que o seu correio fosse enviado de outra morada que não a dele.

101. A única coisa que o A. fazia era tratar da papelada referente à "..." junto das repartições públicas.

102. A Ré FF sempre soube que o seu pai era o único proprietário da "..." e que o ora A. apenas lhe tratava da burocracia e papelada junto das entidades oficiais.

103. E só depois da morte de seu pai é que a Ré verificou que o ora A. se apresentava como proprietário e ocupante da "..." nos processos de expropriação da GG para obter indemnizações.

104. E que procurava até criar nas pessoas que com ele ia contactar a ideia de que era o único proprietário do referido prédio, sendo useiro e vezeiro em chamar seu o que não lhe pertence.

106. O A. afirmou a CCC que era proprietário de uma propriedade sita na Av.'' ..., em cuja transacção este estava interessado e que este veio a apurar que tal afirmação não correspondia à verdade.

Ainda sobre os factos provados

12. No recurso de apelação (Acórdão de 2019), tendo havido reapreciação da matéria de facto, foi a mesma alterada, nos seguintes termos:
I. Os factos provados  7, 8, 9, 24  e 54 foram eliminados[2]:
7. Apesar de apenas o falecido EE ter outorgado a escritura de aquisição do imóvel como comprador, a efectiva aquisição do mesmo foi suportada em partes iguais, entre EE e o ora autor (resposta ao artigo 1. da Base Instrutória).
8. Na verdade, atenta a elevada confiança existente entre EE e AA, nada mais foi declarado na escritura pública (resposta ao artigo 2. da Base Instrutória).
9. Como era intenção de ambos proceder à revenda do imóvel, foi acordado que a escritura seria outorgada apenas em nome do EE, porquanto este, ao invés do autor, já beneficiava da isenção do imposto de sisa na compra de prédios destinados a revenda pelo período de três anos (resposta ao artigo 3. da Base Instrutória).
24. E assim sucedeu de forma normal e regular ao longo do tempo, sem que dúvidas nenhumas existissem sobre a titularidade do identificado imóvel (resposta ao artigo 18. da Base Instrutória).

54. E foi o autor que liderou o processo de negociação com a GG na sua qualidade de dono do imóvel, facto esse conseguido com o prévio acordo do dono EE (resposta ao artigo 48. da Base Instrutória).

II. Os factos 10 e 11 foram unificados e passaram a ter a seguinte redacção:

10. e 11. Em 1989, por efeito de expropriação prosseguida pela Direcção Geral de Escolas e para construção de escolas na freguesia ...de ..., foram expropriados 24 000 m2 do imóvel designado «...», facto que originou, atento o Relatório de Avaliação então produzido, o pagamento de uma indemnização no valor global de 278.115.000$00, quantia que foi repartida em partes iguais entre o Autor e EE (respostas aos artigos 4 e 5 da Base Instrutória).

13. Delimitação do objecto do recurso

13.1. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, in casu, os AA.

Voltando às questões suscitadas pelos AA., recorrentes, e que balizam o presente recurso, são elas as seguintes:
a) Saber se o acórdão recorrido é nulo – omissão de pronúncia e contradição entre decisão e fundamentos;
b) Saber se houve erro de julgamento, nomeadamente na parte decisória que alterou a matéria de facto, por se ter considerado que certos factos não podiam ser dados por provados já que contrariavam a força probatória de documento autêntico;
c) Saber se houve erro de julgamento, nomeadamente na parte em que julgou improcedente a acção por não se ter considerado demonstrada a compropriedade com base na usucapião, ou a contitularidade económica, com base da associação em participação, não tendo o tribunal lançado mão dos poderes que lhe permitem a qualificação jurídica dos factos.

13.2. Os AA. suscitaram como questão prévia a resolver por este tribunal a questão de saber se as contra-alegações da Ré FF devem ser desentranhadas ou, pelo menos, desconsiderados certos pontos das mesmas.
A justificação para tal solicitação prendeu-se com o facto de, em tal peça, haver inserção documentação – no meio do texto das contra-alegações; tais documentos, no dizer dos AA., não podem ser agora juntos na medida em que não tenham sido oferecidos no momento processual próprio.
Como se indicou supra o tribunal fez um esforço para, através da análise da peça identificar os documentos já existentes nos autos, face aos que só agora foram apresentados.
Foi possível identificar vários documentos que, não tendo o carácter de documento superveniente, em caso algum poderiam ser juntos em fase de recurso.
É também duvidoso que os documentos supervenientes pudesse ser apresentados em fase de recurso e inequívoco que não o podiam ser no recurso de revista – art.º 651.º, n.º1 e 425.º do CPC.
Não há dúvidas de que a sua integração no meio do texto dificulta grandemente o trabalho do tribunal – admitindo-se que também o dos demais intervenientes; não há dúvidas de que, na peça indicada não se suscitam questões – nem prévias, nem há ampliação do recurso, nem recurso subordinado – pelo que a peça pode ser usada na parte em que não introduza documentos não constantes dos autos como meio de o tribunal saber qual a posição da Ré sobre as questões suscitadas no recurso – no exercício do contraditório.
A peça pode servir igualmente para efeitos de análise do comportamento da Ré, no que respeita ao pedido que integra o recurso – condenação por litigância de má-fé.
Nesse sentido, é de manter nos autos as contra-alegações da Ré FF, mas não se devem considerar as referências documentais novas e que são as seguintes[3], conforme apurou este tribunal:
1) Duas fotografias [p. 12 da contra-alegação, n.º 50];
2) Quatro fotografias datadas de 30/7/2013 [p. 14 da contra-alegação,  n.º 57];
3) Declaração de II[p. 15 da contra-alegação, datada de 19/6/2014, n.º 61];
4) “Papel de carta” – p. 21-22 das contra-alegações, n.º 86;
5) “Carta de JJ– advogado” - p. 24 das contra-alegações, n.º 95;
6) Recibo de venda a dinheiro – a p. 27 das contra-alegações, n.º 106;
7) Dois extractos de conta – p. 38 e 39 das contra-alegações, n.º 146;
8) KK– 6 Abril de 2018 – p. 44 das contra-alegações, n.º 164;
9) Doc. judicial e extracto de conta - p. 46 e 47 das contra-alegações, n.º 172 e 173;
10) Doc. do MFinanças - p. 49 das contra-alegações, n.º 176;
11) Duas fotos - p. 50 das contra-alegações, n.º 177;
12) “Comparação de assinatura” - p. 57 das contra-alegações, n.º 190;
13) Relatório médico de exame – de 27/5/85 e pedido de exames - p.62 e 63 das contra-alegações, n.º 216 e 217;
14) Extracto de conta - p.67 das contra-alegações, n.º 232;
15) Depoimento de II - p.75 das contra-alegações, n.º 258;
16) Depoimento de II (19/6/2014) – p. 83 das contra-alegações, n.º 292;
17) Carta de DD a Advogado – datada de 15/set. 2006 - p. 88 e 89 das contra-alegações, n.º 302 e 303.

14. A invocação de omissão de pronúncia vem sustentada nas conclusões, bem como a contradição entre a decisão e os fundamentos (cf. estas em ddd) e iii).
É entendimento unânime que a omissão de pronúncia, enquanto vício da sentença/acórdão, é distinta do erro de julgamento. Para que ocorra omissão de pronúncia é mister que o Tribunal não tenha analisado questão de que devesse conhecer – seja porque fora suscitada pelas partes, seja porque resultada do seu dever de ofício.
Segundo os recorrentes o tribunal omitiu pronúncia por não se ter pronunciado sobre o segundo pedido formulado na acção, a saber: caso o Tribunal não entenda como adequada tal decisão, a reconhecerem os Autores como titulares de um direito a 50% de todos os valores pecuniários resultantes dos processos de expropriação actualmente em curso, cuja entidade expropriante é a GG, S.A., a título de comproprietários do imóvel ..., bem como de quaisquer valores que venham porventura a serem obtidos com a exploração, oneração ou alienação de todas e quaisquer áreas sobrantes ou ainda existentes na ..., deduzidas das correspondentes despesas, condenando-se em consequência os RR. no pagamento dessas verbas, logo que as mesmas sejam obtidas.
Lendo o acórdão recorrido não se identifica a alegada omissão de pronúncia. O tribunal conheceu do pedido, subsidiário, que julgou não procedente, por vir fundado na alegada compropriedade do imóvel ..., compropriedade que o tribunal não considerou ter base de sustentação nos factos alegados, atenta a causa de pedir.
Tanto basta para afastar a invocada omissão de pronúncia, improcedente a alegação do recorrente.

15. Quanto à contradição entre a fundamentação e a decisão, dizem os recorrentes que a mesma decorre do facto de o tribunal ter considerado que haveria lugar a “acertos de contas entre AA e RR”, quando o tribunal julgou improcedentes os pedidos dos AA.
Contudo, não se identifica uma contradição no silogismo empreendido pelo Tribunal: é que o tribunal entendeu que existiam factos provados nos autos que indiciavam a necessidade do acerto, mas tais factos não estariam relacionados com o pedido e causa de pedir formulados, motivo pelo qual não podia o tribunal – sob pena de excesso de pronúncia – retirar efeitos dos mesmos, em termos de solução jurídica nesta acção.
Também aqui não assiste razão aos recorrentes.

16. No que respeita à nulidade do acórdão por contradição entre a decisão e os fundamentos, reportada à não condenação como litigante de má-fé da Ré FF (conclusão iii) do recurso), importa dizer o seguinte: não se identificam factos provados inequívocos no sentido do preenchimento dos pressupostos do art.º 542.º, n.º2 do CPC, nem do dolo ou negligência grave da Ré FF, o que, permite sustentar a decisão do tribunal recorrido, a qual, no máximo, enfermaria de erro de julgamento.
Improcede a invocada nulidade.
Voltaremos ao tema de má-fé e à questão suscitada pelo recorrente: saber se houve erro de julgamento.

17. Lidas as conclusões não se denotam diferenças significativas entre as questões agora colocadas e as que outrora os mesmos recorrentes colocaram em face do 1º acórdão do TR de Lisboa, e que veio a merecer reparo deste STJ (em parte).

As recorridas não suscitaram questões prévias, nem são recorrentes, pelo que as suas alegações apenas constituem exercício do contraditório. A Ré FF havia requerido a ampliação do objecto do recurso, em face da 1ª decisão do TR, impugnando a decisão sobre a matéria de facto, mas agora, no acórdão recorrido, depois de efectuada a reapreciação da referida matéria de facto, sem que fosse obtido resultado diverso do anterior, não manifestou as mesmas preocupações. Ora, esta questão seria para nós desafiadora, porquanto no anterior acórdão este STJ havia indicado já como se devem interpretar as normas jurídicas aplicadas pelo tribunal recorrido – e cremos que este fez tábua rasa do que aí se indicou, proferindo decisão que conduz ao mesmo resultado.

Contudo, também nos parece que a solução encontrada pelo Tribunal da Relação, ainda que formalmente constitua uma reapreciação da matéria de facto – e esta esteja em geral excluída da apreciação por este Supremo Tribunal – envolveu a reapreciação dos factos à luz da interpretação de dispositivos legais – o que constitui matéria de direito (à qual não está vedada a intervenção deste STJ).

Assim, é de conhecer da questão relativa ao erro de julgamento.

Vejamos, então, o erro de julgamento primeiramente invocado (arts. 220.º, 371.º, n.º1, 372.º, n.º1 e 393.º, n.º1, do C.Civil, e do art.º 655.º, n.º2, do CPC).

17.1. O raciocínio do tribunal recorrido (no acórdão de 2016) foi este: os pontos 7 a 9, 24 e 54 da matéria de facto provada na sentença não poderiam assim ser declarados por serem contrários a uma escritura pública de aquisição de imóvel, documento autêntico e com força probatória plena, cuja falsidade não fora invocada, não sendo possível a valoração da prova testemunhal contra tais factos (revestidos de força probatória plena).

17.2. O STJ, no seu acórdão de 2018, que censurou o anterior acórdão do Tribunal da Relação (acórdão de 2016), disse sobre o ponto o seguinte:

“No entanto, verifica-se que, tendo a impugnante DD defendido que as respostas aos quesitos 1, 3, 4, 18 e 48 (correspondentes, respectivamente, aos pontos 7, 9, 10, 24 e 54 da sentença recorrida) devem ser alterados para «Não provado», face à prova produzida nos autos, o acórdão recorrido decidiu eliminar os pontos 7 a 9, 24 e 54, dando nova redação aos pontos 10 e 11.

Para o efeito, considerou-se resultar inequivocamente dos arts.220º, 371º, nº1, 372º, nº1 e 393º, nº1, do C.Civil, e do art.655º, nº2, do CPC, que, em certo tipo de matérias, como a presente, é completamente irrelevante para a enunciação do que está ou não provado, por inadmissível, qualquer depoimento testemunhal que tenha sido produzido em audiência.

Isto porque, diz-se ainda naquele acórdão, a matéria de todos aqueles pontos conflitua directamente com o conteúdo das declarações registadas na escritura pública de compra e venda da «...», em que interveio como adquirente o entretanto falecido EE, não tendo os autores invocado a falsidade dessa escritura.

Mas também nesta parte foi lavrado voto de vencido, nos seguintes termos:

«Vencido, também, quanto à impugnação da matéria de facto deduzida por DG, porquanto entendo que a força probatória plena da escritura pública de compra e venda se limita ao declarado perante o oficial público e não à realidade subjacente».

Mais uma vez consideramos ter razão de ser o voto de vencido.

Assim, passaremos a reproduzir o expendido por Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., págs.520 a 523, dada a clareza da exposição e a sua pertinência ao caso dos autos.

Assim, segundo aquele ilustre Professor:

«Uma coisa é saber se o documento provém da pessoa ou entidade a quem é imputado (força probatória formal); outra, muito distinta, é saber em que medida os actos nele referidos e os factos nele mencionados se consideram como correspondentes à realidade (força probatória material).

A força probatória material dos documentos autênticos vem definida, com grande precisão, pelo art.371º do Código Civil nos seguintes termos: “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”.

A disposição legal distingue assim três categorias de factos.

A primeira é a dos factos que o documento refere como praticados pela entidade  documentadora. Diz-se, por exemplo, na escritura pública que o notário leu o documento às partes, que o explicou, que lhes entregou duas cópias dele.

Todos estes factos se têm não só por verdadeiros, como cobertos pela força probatória plena do documento autêntico. A parte que pretender impugná-los terá de provar o contrário, não lhe aproveitando a simples contraprova, como bem se compreende em face da fé pública atribuída ao documentador. Mas só poderá fazer prova do contrário, arguindo o documento de falso, no incidente de falsidade (art.372º, 1, do Cód. Civil).

A segunda faixa ainda abrangida pela força probatória plena dos documentos autênticos é a dos factos, não praticados pelo documentador, mas por ele atestados com base nas suas percepções. São os factos de que o funcionário pode inteirar-se pelos seus próprios sentidos e não aqueles sobre os quais a entidade documentadora apenas pode formar um juízo ou apreciação de natureza mais ou menos falível.

Diz-se na escritura que um dos outorgantes declarou perante o notário querer comprar certa coisa e que o outro, declarando querer vendê-la, afirmou ter já recebido, no dia anterior, o preço de 500 contos entre eles convencionado (sublinhado nosso).

Quanto a esta segunda camada de factos, como se depreende do texto do art.371º, 1, do Código Civil, a força probatória plena do documento só vai até onde alcançam as percepções do notário ou outra entidade documentadora (quórum notitiam et scientiam habet propriis sensibus, visus et auditus).

No exemplo figurado, ter-se-á assim como plenamente provado (até prova do contrário, feita no incidente da falsidade) que um dos outorgantes declarou perante o notário querer comprar e que o outro declarou na presença do mesmo oficial querer vender e ter recebido determinada quantia, a título de preço da coisa.

Mas já se não tem por provado que o primeiro quis realmente comprar e que o segundo quis na realidade vender, nem que este recebeu efectivamente a quantia indicada, nem que essa quantia corresponde, de facto, ao preço convencionado entra as partes (Já assim não sucederá se a entrega e a contagem do dinheiro constitutivo do preço tiverem sido efectuadas perante o notário e este certificar os factos no documento. Neste caso, estes factos já se consideram cobertos pela força probatória plena do documento.)

A essa zona de factos do foro interno dos outorgantes ou de factos exteriores, não ocorridos no acto da escritura e fora até do cartório notarial, não chegam as percepções do funcionário documentador.

São factos que podem, consequentemente, ser impugnados por qualquer das partes, sem necessidade de arguir a falsidade do documento, por não estarem cobertos pela força probatória plena deste.

O documento autêntico faz prova plena em relação à materialidade das afirmações atestadas; mas não quanto à sinceridade, à veracidade ou à validade das declarações emitidas pelas partes.

A terceira categoria de factos referida na lei é a dos meros juízos pessoais (simples apreciações) do documentador. No testamento, o notário declara que o testador se encontrava na plena posse das suas faculdades mentais; ou afirma, na escritura, que o objecto vendido estava em perfeitas condições de funcionamento.

Estas declarações não são evidentemente apoiadas pela força probatória plena do documento, porque transcendem a área das percepções do documentador.

E nem sequer valem como juízo pericial, à semelhança do que ocorre com o reconhecimento da assinatura por mera semelhança, porque se trata de afirmações num domínio em que o documentador não é perito. Trata-se, por conseguinte, de elementos sujeitos, em toda a linha, à livre apreciação do julgador (art.371º, 1, in fine, do Cód. Civil)».

No mesmo sentido, podem ver-se Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Anotado, vol.I, 2ª ed., pág.304, em anotação ao art.371º, onde referem:

«Um exemplo: numa escritura de compra e venda de imóveis o vendedor declara que recebeu o preço convencionado; o documento só faz prova plena de que esta declaração foi proferida perante o notário, nada impedindo que mais tarde se prove que ela foi simulada e que o preço ainda não foi pago».

Como se diz no Acórdão do STJ, de 6/12/11, disponível in www.dgsi.pt., trata-se de entendimento de há muito sustentado no direito português (cfr., ainda, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 9/6/05, 9/7/14, 15/4/15, 2/6/16 e 15/9/16, igualmente disponíveis in www.dgsi.pt).

Assim, o documento em causa (escritura pública de compra e venda da «...») prova que os seus outorgantes fizeram as declarações dele constantes. Mas nem sequer prova, nem garante, nem podia garantir, que tais declarações não sejam viciadas por erro, dolo ou coacção ou simuladas.

Por isso que nada impede, designadamente, que se recorra à prova testemunhal para se demonstrar a falta ou vícios da vontade.

Na verdade, a essa zona de factos do foro interno dos outorgantes não chegam as percepções do funcionário documentador.

E o mesmo se diga dos factos exteriores, não ocorridos no acto da escritura e fora até do cartório notarial.

Deste modo, no caso dos autos, não tinham que ser eliminados os pontos 7 a 9, 24 e 54, nem havia que dar nova redacção aos pontos 10 e 11 (todos reproduzidos na fundamentação de facto do presente acórdão), por serem factos exteriores ao documento.

Isto é, o resultado da prova testemunhal não havia sido empregue para infirmar o âmago da força probatória plena reconhecida ao documento – a prestação, pelos outorgantes nesse acto notarial, das declarações consignadas na escritura pública de compra e venda – mas antes para demonstrar factos exteriores, relativamente a um terceiro (o ora autor).

Não havia, pois, que arguir a falsidade do documento, por se tratar de factos não cobertos pela força probatória plena deste.

Haverá, assim, que concluir que o Tribunal da Relação, ao eliminar os nºs 7 a 9, 24 e 54 da matéria de facto provada e ao dar uma redacção conjunta aos pontos 10 e 11, violou o direito probatório material, nos termos atrás referidos.

Razão pela qual não poderá deixar de ser revogado aquele segmento do acórdão recorrido, devendo a Relação proceder à apreciação das respostas dadas àqueles pontos, em sede de decisão da impugnação da matéria de facto deduzida pela ré FF, como já resulta do atrás exposto.”


17.3. O que fez a Relação, em face da decisão deste STJ?

O Tribunal da Relação disse nos pontos 4.1.3. – em resposta à impugnação da matéria de facto da Ré DD sobre os art.ºs 1, 2, 3, 4, 18 e 48 do Base instrutória (anteriormente dados como provados) – que tais factos conflituam com a escritura pública de compra da ..., e que os mesmos não podem ser dados como provados por violarem normas legais: art.º 219.º, 220.º, 875.º, 369.º a 372.º e 393.º do CC e 655.º, n.º2 do CPC (A Ré DD não reagiu a esta decisão). Em seguida passou a transcrever a motivação da sentença (ponto 4.1.4) e que sustentou a matéria de facto dada por provada pela 1ª instância. Já em 4.1.5. voltou a reafirmar que os depoimentos das testemunhas indicados não poderiam sustentar a prova dos factos considerados pela 1ª instância, por a tal resultado se opor a lei, indicando-se que é necessário alterar a matéria de facto anteriormente fixada. Prosseguiu: em 4.1.6. passou a analisar a impugnação da Ré FF; considerou que havia sobreposição nas impugnações das Rés DD e FF quanto a certos pontos (1º, 3º, 4º, 18.º e 48.º da base instrutória), remetendo a impugnação para o que já se havia afirmado em 4.1.3. e 4.1.5., e passou a responder à impugnação exclusiva da Ré FF – dizendo que, lidos os depoimentos das testemunhas e os documentos juntos aos autos, não se encontrou motivos para alterar a matéria de facto provada; finalmente aludiu ao ponto 78.º da base instrutória – declarada não provada – e que o tribunal considerou ser de manter (A Ré FF não reagiu a esta decisão). Em face do raciocínio utilizado, em 4.1.7. o tribunal julgou improcedente a impugnação da matéria de facto de FF e, parcialmente procedente, a da Ré DD, ordenando:
1. A eliminação dos n.º 1, 7 a 9, 24 e 54 da Parte II-A) da sentença;
2. Que os números 10 e 11 da Parte II-A) da sentença passassem a ter uma redacção unificada;
3. Não houvesse outras alterações na matéria de facto.

E, no ponto seguinte (4.2.), o tribunal passou a conhecer da questão jurídica dizendo, em síntese:
4.2.1. “Estabilizada a matéria [d][4]se facto que pode servir de fundamento ao julgamento do fundo material da causa [e só ela o pode, insiste-se], urge, então, escrutinar a validade substantiva do silogismo judiciário operado pela Mma Juíza a quo através da sentença criticada.
Contudo, ao iniciar essa análise crítica dessa decisão, não pode esta Relação deixar de recordar que está absolutamente vedado aos Juízes, sob pena de prática de uma nulidade, conhecer para além do que é pedido pelas partes (art°s 661° n.° 1 e 668° n.° 1 d) do CPC aplicável e do CPC aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de junho),
E porque assim é, considerando os exactos factos alegados na petição inicial e o concreto petitório formulado nesse articulado, forçoso se torna concluir que o pleito bem poderia ter sido dirimido logo no despacho saneador (isto porque em 06/08/2002 já não estava prevista, para casos como aquele a que estes autos se reportam, a possibilidade de ser lavrado despacho de indeferimento liminar) no mesmo exacto sentido que está vertido no decreto judicial absolutório criticado pelos Autores.
Na verdade, como foi alegado pelos demandantes aqui apelantes e está totalmente provado nos autos - e estando, como não podia deixar de ser, essa matéria devidamente assinalada na sentença recorrida -, foi inscrita no registo predial a favor de EE a aquisição do prédio denominado “...”, tudo isto sendo certo e sabido (como também está claramente referido nessa sentença) "... que como decorre do art. 1316º do CC o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, ocupação, acessão e demais modos previstos na Lei” e que "... (tratando-se) de um contrato de compra e venda relativo a um imóvel, o mesmo deve ser celebrado por escritura pública, sob pena de nulidade (artºs 875.º e 220.º CC )” (sic).
Ora acontece que, na sua petição inicial, os Autores reconhecendo a existência da escritura pública de compra e venda que originou o supra aludido registo, na qual interveio como adquirente apenas o entretanto falecido EE, não invocam a nulidade desse instrumento notarial (ou a falsidade das declarações negociais nele inscritas) nem a do subsequente já assinalado registo e, confessando eles próprios que nenhuma escritura pública de transmissão para eles de 50% da propriedade desse bem foi celebrada, também não alegam que essa aquisição se operou por qualquer das outras formas legalmente previstas - que neste caso apenas poderia ser por usucapião ou por acessão (art°s 1316° a 1345° e 1287° a 1297° do Código Civil) - nem, como é natural e evidente, qualquer facto que pudesse sustentar um tal pedido que não formulam.
Nestas condições, independentemente de tudo o que fizeram escrever na sua petição inicial e de toda a prova que foi produzida neste processo e da qual, o que vivamente se sublinha, não resulta, sequer minimamente e muito menos com a certeza para além de qualqucr dúvida razoável imposta pelo art.° 346° do Código Civil, que são falsas as declarações prestadas no momento da celebração da supra aludida escritura pública de compra e venda que originou o supra aludido registo, na qual interveio como adquirente apenas o entretanto falecido EE), nunca por nunca poderiam os Autores obter do Tribunal um sentenciamento reconhecendo-os como comproprietários do imóvel denominado “...” ou atribuindo aos mesmos o direito a perceber "... 50% de todos os valores pecuniários resultantes dos processos de expropriação actualmente em curso, cuja entidade expropriante é a GG, S.A., a título de comproprietários do imóvel ..., bem como de quaisquer valores que venham porventura a serem obtidos com a exploração, oneração ou alienação de todas e quaisquer áreas sobrantes ou ainda existentes na ..., deduzidas das correspondentes despesas, condenando-se em consequência os RR no pagamento dessas verbas, logo que as mesmas sejam obtidas" .
Como muito sensatamente afirma a Ré DD nas suas contra-alegações «...improcedendo o reconhecimento do direito de compropriedade dos Autores sobre o referido imóvel, não poderia o Meritíssimo Juiz “a quo ” julgar procedente o segundo pedido ... por um lado porque (o mesmo) se fundamento num direito (compropriedade) que o Tribunal acabou por não reconhecer ... (e) por outro..., porque as indemnizações emergentes de expropriação nos termos peticionados pelos Autores cabem por inteiro e só cabem aos proprietários (como, desde logo, até terminologicamente se deduz)».
E esses pedidos e essa concreta causa de pedir (serem os Autores comproprietários do imóvel) não foram alterados em qualquer momento do processo - nem sequer em sede de alegações de recurso (quando legalmente já nem o poderiam ser), razão pela qual é totalmente inútil e completamente descabido discutir neste processo qual o tipo de relacionamento (ou a sua natureza material e jurídica) que se estabeleceu entre o Autor AA e o falecido EE, muito menos se existe ou não enriquecimento sem causa dos Réus.
Tudo isto mesmo reconhecendo que existia uma relação negocial privilegiada entre essas pessoas (o Autor AA e o falecido EE) e que haverá que proceder a um acerto de contas entre os patrimónios em causa.
(…)
E nada, mas mesmo nada, na economia da petição inicial da acção, pode permitir a conclusão de que os Autores invocaram que adquiriram a co-titularidade da “...” por usucapião ou que têm direito a perceber metade da indemnização paga pela “GG, SA” em consequência da expropriação em benefício dessa sociedade de parte desse imóvel por via do funcionamento de uma qualquer sociedade comercial irregular ou conta em participação.
Toda a matéria de facto alegada por esses demandantes e agora apelantes nessa peça processual visava única e exclusivamente demonstrar que eles eram proprietários de 50% desse prédio e que, por via dessa situação/posição legal (e só por esse motivo e com esse fundamento, e mais nenhuns), tinham direito a perceber essa parte do quantum indemnizatório.
Todos esses factos alegados eram/são meramente instrumentais destinados a alcançar esses objectivos e a cumprir esses desígnios.
E, como se tudo isto não fosse suficiente (mas é), como é sabido, em sede de recurso não podem suscitar-se questões jurídicas novas, isto é, questões que não tenham sido suscitadas, no momento processualmente oportuno e devido, em Ia instância.
(…)
4.2.3. E, por tudo o exposto, julgam-se totalmente improcedentes as conclusões a) a s) e u) a y) das alegações de recurso dos apelantes e confirma-se integralmente o decreto judicial absolutório que culmina a sentença recorrida.”

17.4. Tendo o recorrente de revista invocado erro de direito na interpretação das normas que conduziram à decisão recorrida, nomeadamente, na parte que veio a envolver a eliminação dos pontos 7 a 9, 24 e 54 dos factos provados, por coerência com o já afirmado por este STJ no acórdão de 2018, não se pode sufragar a decisão recorrida.
Os pontos 7, 8, 9, 24 e 54 dos factos provados que diziam:
7. Apesar de apenas o falecido EE ter outorgado a escritura de aquisição do imóvel como comprador, a efectiva aquisição do mesmo foi suportada em partes iguais, entre EE e o ora autor (resposta ao artigo 1. da Base Instrutória).
8. Na verdade, atenta a elevada confiança existente entre EE e AA, nada mais foi declarado na escritura pública (resposta ao artigo 2. da Base Instrutória).
9. Como era intenção de ambos proceder à revenda do imóvel, foi acordado que a escritura seria outorgada apenas em nome do EE, porquanto este, ao invés do autor, já beneficiava da isenção do imposto de sisa na compra de prédios destinados a revenda pelo período de três anos (resposta ao artigo 3. da Base Instrutória).
24. E assim sucedeu de forma normal e regular ao longo do tempo, sem que dúvidas nenhumas existissem sobre a titularidade do identificado imóvel (resposta ao artigo 18. da Base Instrutória).

54. E foi o autor que liderou o processo de negociação com a GG na sua qualidade de dono do imóvel, facto esse conseguido com o prévio acordo do dono EE (resposta ao artigo 48. da Base Instrutória).

Os pontos 7, 8, 9, 24 e 54 dos factos provados não podem ser expurgados da matéria dos factos provados, pelos fundamentos invocados pelo tribunal recorrido[5].
Repetem-se aqui as afirmações já feitas por este STJ no acórdão de 2018:

“Assim, o documento em causa (escritura pública de compra e venda da «...») prova que os seus outorgantes fizeram as declarações dele constantes. Mas nem sequer prova, nem garante, nem podia garantir, que tais declarações não sejam viciadas por erro, dolo ou coacção ou simuladas.

Por isso que nada impede, designadamente, que se recorra à prova testemunhal para se demonstrar a falta ou vícios da vontade.

Na verdade, a essa zona de factos do foro interno dos outorgantes não chegam as percepções do funcionário documentador.

E o mesmo se diga dos factos exteriores, não ocorridos no acto da escritura e fora até do cartório notarial.

Deste modo, no caso dos autos, não tinham que ser eliminados os pontos 7 a 9, 24 e 54, nem havia que dar nova redacção aos pontos 10 e 11 (todos reproduzidos na fundamentação de facto do presente acórdão), por serem factos exteriores ao documento.

Isto é, o resultado da prova testemunhal não havia sido empregue para infirmar o âmago da força probatória plena reconhecida ao documento – a prestação, pelos outorgantes nesse acto notarial, das declarações consignadas na escritura pública de compra e venda – mas antes para demonstrar factos exteriores, relativamente a um terceiro (o ora autor).

Não havia, pois, que arguir a falsidade do documento, por se tratar de factos não cobertos pela força probatória plena deste.

Haverá, assim, que concluir que o Tribunal da Relação, ao eliminar os nºs 7 a 9, 24 e 54 da matéria de facto provada e ao dar uma redacção conjunta aos pontos 10 e 11, violou o direito probatório material, nos termos atrás referidos.
E porque a decisão de eliminar este ponto está errada há que reparar o erro, ordenando que se considerem os indicados factos como provados (já que não vem novamente questionada a reapreciação da matéria de facto pelas R. FF ou DD), que passarão assim a integrar os factos provados e terão de constituir base para aplicação da correcta decisão judicial.
A mesma ordem de razões deve levar a considerar que não há que unificar os pontos 10 e 11 dos factos provados, que se devem dar por assentes tal como veio a decidir-se na 1ªinstância.
Ao assim proceder não está este STJ a conhecer da impugnação da matéria de facto, porquanto não se está a decidir que os indicados factos devem ser tidos por provados ou não por este ou aquele meio de prova, mas por terem sido eliminados da base factual por decisão jurídica ou de direito que se reputa contrária ao direito constituído, nada impedindo que os factos indicados pudessem ser dados por provados já que não colidem com a força probatória da escritura de compra da ....
Note-se que isso não significa que o Tribunal venha a julgar procedente a acção dos AA., porquanto haverá que analisar se os pedidos formulados, no contexto da causa de pedir, podem conduzir ao resultado pretendido pelos AA.. Tendo sido o problema assim equacionado também pela 1ª instância, que havia decidido a causa contando com tais factos provados, pode verificar-se que a decisão – sentença – ainda assim não foi favorável aos AA.

18. O recorrente invoca igualmente erro de julgamento por não ter sido decidido o pedido principal nem o subsidiário formulado com recurso às competentes normas legais, que são, na afirmação dos recorrentes:
1) O regime da usucapião;
2) O previsto nos arts. 21º, 25º, e 28º do Decreto-lei 231/81, de 28 de Julho;
3) As normas constantes dos artigos 1181º/1 do CCivil, 980º do CCivil (na não qualificação de um regime legal societário às relações entre EE e AA) e também arts.52º e 172º do Código das Sociedades Comerciais e 12º do CPCivil;
4) Os arts. 1011º, 1018º e 1021º do CCivil (estes apenas alegados por ex abudante cautela), que determinariam a procedência do pedido subsidiário.

18.1. Iniciando pela usucapião.
Para que a usucapião pudesse constituir um modo de aquisição da compropriedade da ... teriam se de verificar os pressupostos a que alude o art.º 1287, 1288.º, 1293.º e ss  e 1297.º do CC: posse pública, pacífica, em nome próprio, com a duração legalmente exigida. E a aquisição teria de ser invocada pelos AA, por não ser de conhecimento oficioso (art.º 1288.º- 1292.º CC).
A invocação da usucapião, a ter ocorrido, estaria consignada na PI.
Lida a peça não se identifica qualquer invocação da aquisição da propriedade em contitularidade fundada na posse. Tal invocação não pode ser extraída dos art.º128.º a 130.º da PI, local onde faz alusão ao motivo pelo qual os AA. intentaram a acção, nem consta do articulado, não se considerando que a mesma possa estar implícita. Também não pode a invocação ser feita em sede de recurso, pois estes não se destinam a solucionar questões novas.
Mas ainda que assim não se entendesse.

A invocação da usucapião pressupõe uma posse pública e pacífica com uma duração longa, exercida em nome próprio em face de um direito real usucapível. A duração varia de caso para caso, de acordo com os critérios legais, mas está sempre situada entre os 10[6] e os 20 anos.
Para que fosse aplicável o prazo de 10 anos seria necessário preencher os requisitos do art.º 1293.º - posse fundada em título de aquisição e registo. Nada nos autos permite concluir que estejam verificados os indicados requisitos; para quem fosse aplicável o prazo de 15 anos seria necessário igualmente o título de aquisição e registo, sendo a posse de má-fé, faltando também aqui a comprovação do registo.
Para que fossem aplicados os prazos do art.º 1295.º, ter-se-ia de dar por demonstrado o registo da mera posse – elemento que não se encontra provado.
Para quem fosse aplicável o 1296.º a posse teria de ter durado 15 anos (se de boa-fé) ou 20 anos (se de má-fé), o que deve ser conjugado com as presunções do art.º1260.º, n.º2 e o conceito de título (art.º1259.º).
Contudo, constata-se que não decorreu entre o momento da aquisição da ...(10/2/1988) e a data da entrada em juízo da acção (6/8/2002) o prazo de mínimo de 15 anos, motivo pelo qual a posse não teve a duração mínima exigida pela lei para permitir a invocação da usucapião, logo, a mesma não poderia ser reconhecida como título de aquisição da compropriedade da ...em 50%.
Tanto basta para não se poder reconhecer a compropriedade alegada, não obstante os recorridos também indicaram que os actos de posse não configurariam uma posse em nome próprio, mas ao invés uma mera detenção, argumento que não se justifica desenvolver, por em nada vir a modificar a solução jurídica a dar.
Não podia, à luz da usucapião ser julgada procedente o pedido principal dos AA..

E porque os AA. não conseguiram provar a aquisição do direito de propriedade em contitularidade com o EE, de nada serve para a aludida pretensão principal indicar que houve um acordo com EE no sentido de a compra da ...ficar a pertencer a ambos, na proporção de 50%.
Neste sentido, cremos que assiste razão à Ré HH, quando nas suas contra-alegações diz:

“Parece que os AA pretenderiam que o Tribunal anulasse o contrato de compra e venda celebrado com EE e o substituísse por decisão que declarasse a venda a favor de EE e AA; mas, para tanto, falta tudo: em primeiro lugar o vendedor declarou vender apenas a EE sendo essa a sua vontade relevante, não se tendo provado que alguma vez desejasse vender a AA ou a isso estivesse vinculado; em segundo lugar, ainda que a escritura pública fosse posta em causa por qualquer razão que se desconhece (e, aliás, nem foi invocada) não teria como resultado a venda a AA que não teve com o vendedor qualquer relação contratual subjacente.”
 
O que se indica não é contraditório com a admissão de prova dos factos 7 a 9, 24, 54 e 10 e 11 da matéria de facto provada. Na verdade, tratando-se nestes pontos de elementos externos e não abrangidos pela força probatória da escritura pública, devem os mesmos poder ser demonstrados em juízo, sendo valorados, depois, no âmbito do direito aplicável (por exemplo, se evidenciarem motivo de vício da vontade ou outro atendível) terão os efeitos que a lei para os mesmos reserva, em termos de constituir causa de invalidação do negócio relativamente aos quais são opostos. Mas na situação dos autos nada permite concluir no sentido de a escritura da compra da quinta estar viciada nos indicados termos – não há alegação em nenhum sentido, nem prova.

Na falta de elementos que permitam invalidar a escritura de compra da ..., aquisição levada a registo predial, não se considerando a usucapião como modo de aquisição do direito invocado pelo A., tratando-se na presente acção de um reconhecimento da propriedade invocado pelos AA, há que dizer que os mesmos não conseguiram fazer prova do seu direito; e o direito dos RR. estava, adicionalmente, protegido pela presunção derivada do registo, que sendo ilidível, não foi ilidida.
Isso mesmo foi decidido pelo tribunal recorrido, ao dizer (ainda que algumas das expressões usadas possam gerar dúvidas, o sentido final está correcto):
“não invocam a nulidade desse instrumento notarial (ou a falsidade das declarações negociais nele inscritas) nem a do subsequente já assinalado registo e, confessando eles próprios que nenhuma escritura pública de transmissão para eles de 50% da propriedade desse bem foi celebrada, também não alegam que essa aquisição se operou por qualquer das outras formas legalmente previstas - que neste caso apenas poderia ser por usucapião ou por acessão (art°s 1316° a 1345° e 1287° a 1297° do Código Civil) - nem, como é natural e evidente, qualquer facto que pudesse sustentar um tal pedido que não formulam.”

Improcede o invocado erro de julgamento.

20. Quanto o erro de julgamento imputado ao acórdão recorrido por não ter considerado procedente o pedido subsidiário e não se ter (re)qualificado os factos à luz do direito, dizem os recorrentes que o pedido subsidiário devia ter sido julgado procedente, o que justificam à luz de diferentes institutos jurídicos (sociedade, associação em participação), vejamos.
O pedido subsidiário formulado é o seguinte:
“Subsidiariamente, caso o Tribunal não entenda como adequada tal decisão, a reconhecerem os Autores como titulares de um direito a 50% de todos os valores pecuniários resultantes dos processos de expropriação actualmente em curso, cuja entidade expropriante é a GG, S.A., a título de comproprietários do imóvel ..., bem como de quaisquer valores que venham porventura a serem obtidos com a exploração, oneração ou alienação de todas e quaisquer áreas sobrantes ou ainda existentes na ..., deduzidas das correspondentes despesas, condenando-se em consequência os RR. no pagamento dessas verbas, logo que as mesmas sejam obtidas.”

Dizem os AA que esse pedido não tem na sua base um direito real, mas antes uma pretensão de natureza obrigacional.
A referida interpretação da natureza obrigacional não é totalmente de afastar, por se entender que o pedido tem de ser interpretado à luz da causa de pedir formulada. Ora essa causa de pedir não parece que se possa considerar ser apenas fundada num direito real pretensamente adquirido em compropriedade, mas ser complexa e integrar todos os demais factos que rodeiam as relações descritas e invocadas pelos AA. e que se terão desenrolado ao longo de anos e produzido efeitos no relacionamento com  EE.
É nossa opinião que, em relação ao pedido subsidiário, a causa de pedir não é se limita à aquisição da titularidade do direito real de propriedade, abrangendo factos relativos a uma relação complexa de negócio em torno da apropriação de proveitos económicos e partilha de despesas/encargos resultantes da exploração da indicada quinta.
Estamos em crer que a própria Ré DD na sua contra-alegação da presente revista vai no mesmo sentido, ao afirmar (transcrição): “Verdadeiramente, os AA. Limitam-se a invocar meros acordos estabelecidos entre EE e AA, completamente indefinidos que levariam a uma das seguintes conclusões: i) ou a “...” pertenceria em propriedade a ambos e dividiriam entre si os resultados dessa propriedade (primeira hipótese); ii) ou apenas dividiriam entre ambas as partes o resultado da exploração daquela mesma “Quinta” que pertenceria em propriedade a EE e passaria a ser gerida por AA (segunda hipótese).”
Não foi este o entendimento do tribunal recorrido que se ateve às palavras usadas no pedido, sublinhando a importância da expressão “a título de comproprietários do imóvel ...”, e desvalorizando a restante frase, em especial, na parte onde se indica “bem como de quaisquer valores que venham porventura a serem obtidos com a exploração, oneração ou alienação de todas e quaisquer áreas sobrantes ou ainda existentes na ..., deduzidas das correspondentes despesas”.

Que dizer?
É nossa firme convicção que o pedido subsidiário tem de ser interpretado e lido à luz de todo o conjunto de factos que integram a causa de pedir desta acção.
Essa causa de pedir comporta quer o reconhecimento de um direito real, quer a possibilidade de apenas ter sido estabelecido um direito de natureza creditícia entre as partes. A alusão à compropriedade é, aliás, muitas vezes usada impropriamente para indicar situações de contitularidade e não tem a contitularidade de ocorrer apenas no âmbito dos direitos reais.
Assim, o pedido subsidiário teria de ser analisado em duas vertentes:
1) Como correspondendo a um direito real – de compropriedade;
2) Como correspondendo a um direito de natureza não real – uma contitularidade.
Se relativamente à vertente correspondente ao direito real de compropriedade se disse que o mesmo não procedia, por não estar demonstrada a titularidade do direito – e, por isso, não procedia o pedido subsidiário (o que se compreende pois depende da procedência dos mesmos elementos que levaram à não consideração do pedido principal) –, já quanto à vertente de direito não real o tribunal recorrido nada disse. E não disse porque a sua interpretação foi no sentido de o pedido subsidiário só comportar a vertente relativa ao direito real.
Porque a perspectiva em que nos colocamos é diversa – entendemos que o pedido não é limitativo no sentido da apreciação sob a perspectiva do direito real de propriedade, assistindo razão ao Sr desembargador que fez consignar o seu voto de vencido a fls… – impõe-se conhecer da solução jurídica mais adequada tendo em conta os factos provados.
A esta luz, dizem os recorrentes que o pedido subsidiário devia ter sido julgado procedente por o mesmo merecer o apoio legal de diversos institutos – uma associação em participação, uma relação fiduciária ou uma relação de cariz societário.

21. Vejamos se dos factos provados e do direito aplicável é possível concluir que o pedido subsidiário devia ser julgado procedente por entre os AA e EE ter existido uma associação em participação.

21.1. Em apoio da configuração do caso como uma associação em participação, juntaram os AA. o douto parecer do Professor Doutor DDD, de fls…, reproduzido igualmente em anexo ao recurso de revista.
Tal parecer foi apresentado após prolação da sentença, pelo que se reporta aos factos provados que são considerados como relevantes para efeito do actual recurso de revista (como supra se explicou).
Nas conclusões do douto parecer consta o seguinte (transcrição):
a) Os factos centrais do caso em apreço não configuram uma sociedade, mas antes
uma associação em participação - sendo associante EE e
associado AA;

b) É irrelevante que a associação tenha nascido de uma iniciativa de AA, poís essa iniciativa ficou na zona dos preliminares do contrato;
c) Irrelevante é também que AA tivesse papel ativo na condução  da atividade, pois os atos que praticava refletiam-se na esfera jurídica de EE;
d) Houve aspetos das relações entre EE e AA  que extravasaram a associação em participação, mas os mesmos não obstam à recondução dos factos centrais a essa figura;
e) Os acordos laterais relativamente à relação principal tinham autonomia, não
acarretando a descaraterização da associação em participação, nem devendo levar a que se procure um regime integrado para o conjunto das relações contratuais em causa;

f) No entanto, se se segmssem esses caminhos, as regras sobre associação em
participação não deixariam
. de ser aplicáveis: houvesse união de contratos, contrato misto ou contrato atípico, o núcleo da relação entre AA e EE corresponderia sempre a urna associação em participação e, sob um de vários títulos possíveis, o respetivo regime seria aplicável;
g) O art, 25 do Dec.-Lei 231/81, de 28 de julho, estabelece que o montante e a
exigibilidade da participação do associado é primacialm.ente o que «resultar de
convenção expressa ou das circunstâncias do cont
rato»;
h) Do que ficou provado resulta que AA e EE acordaram em que a participação de cada um seria de metade de todos os proveitos e custos;
i) Do art. 28 do Dec.-Lei 231/81, de 28 de julho, decorre que, na ausência de estipulação, a morte do associante não extingue a associação, ainda que seja lícito aos herdeiros do falecido extingui-la, mediante declaração dirigida ao contraente nos noventa dias seguintes ao falecimento - o que não se verificou;
j) As conclusões anteriores impoem que o segundo pedido formulado por AA deva ser considerado procedente;
k) De resto, ainda que a relação entre AA e EE fosse societária – o que só por extrema cautela se admite – tal segundo pedido deveria à mesma ser considerado procedente, sendo congruente com o regime de dissolução e liquidação das sociedades civis, aplicável por força do art.º 36.º, n.º2 do CSC.

A sustentar as conclusões, o parcerista indicou que não considerava correcta a aplicação, ao caso, do regime das sociedades irregulares (art.º 36, n.º2 do CSC), nem o da liquidação da mesma.
Depois de enquadrar normativamente a associação em participação – DL 231/81, de 28 de Julho – e definir a associação em participação à luz da lei, considerou-se que os factos dos autos preenchem cabalmente tal definição, sendo EE o associante e AA o associado, tendo a associação em vista permitir ao associado participar em metade dos lucros e perdas da actividade do associante.
Partindo-se do pressuposto de que não havia compropriedade (no mundo do direito), porque não tinham sido cumpridas as regras legais que a tanto poderiam conduzir, afirmou-se aí que existia um proprietário de imóveis que associava outra pessoa às actividades de “promoção” desse s imóveis (p. 6-7).
Como factos essenciais da relação de associação em participação foi indicado o seguinte: (p. 5, in fine) “EE associou AA à sua actividade relativa à ..., ficando AA a participar em metade dos lucros e das perdas. É irrelevante que a associação tenha nascido de uma iniciativa de ADS (facto 15.), pois essa iniciativa ficou na zona dos preliminares do contrato. Irrelevante é também que ADS tivesse papel ativo na condução da actividade (facto 25.), pois os actos que praticava reflectiam-se na esfera jurídica de EE. Na configuração foaml que as relações entre os interessados assumiram, a actividade era exercida por EE e ADS era um associado a ela.”
Como factos que, sendo estranhos à relação de associação em participação, não obstariam à recondução dos factos principais à associação em participação, foram indicados os seguintes: factos 31, 32, 33 e 62.
São, adicionalmente, tecidas considerações sobre o “carácter oculto” ou silencioso da associação em participação – p. 8 – explicitando-se que essa ideia não tem de significar que a associação em participação seja ignorada por terceiros. É que no plano jurídico o que relevará é o facto de o associado só ter relações com o associante e as relações com terceiros são tidas em nome do associante.
Em defesa da posição adoptada é referida doutrina autorizada: Coutinho de Abreu, Raúl Ventura, José Engrácia Antunes, Paulo Olavo Cunha, Pedro Pais de Vasconcelos; não se deixa de indicar alguma jurisprudência dos tribunais Superiores.

22.2. Antes de se tomar posição, vejamos o que diz a lei sobre a associação em participação, reproduzindo as normas mais relevantes:

ARTIGO 21.º
(Noção e regulamentação)


1 - A associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda, regular-se-á pelo disposto nos artigos seguintes.
2 - È elemento essencial do contrato a participação nos lucros; a participação nas perdas pode ser dispensada.
3 - As matérias não reguladas nos artigos seguintes serão disciplinadas pelas convenções das partes e pelas disposições reguladoras de outros contratos, conforme a analogia das situações.


ARTIGO 23.º
(Forma do contrato)


1 - O contrato de associação em participação não está sujeito a forma especial, à excepção da que for exigida pela natureza dos bens com que o associado contribuir.
2 - Só podem, contudo, ser provadas por escrito a cláusula que exclua a participação do associado nas perdas do negócio e aquela que, quanto a essas perdas estabeleça a responsabilidade ilimitada do associado.
3 - A inobservância da forma exigida pela natureza dos bens com que o associado contribuir só anula todo o negócio se este não puder converter-se, segundo o disposto no artigo 293.º do Código Civil, de modo que a contribuição consista no simples uso e fruição dos bens cuja transferência determina a forma especial.


ARTIGO 24.º
(Contribuição do associado)


1 - O associado deve prestar ou obrigar-se a prestar uma contribuição de natureza patrimonial que, quando consista na constituição de um direito ou na sua transmissão, deve ingressar no património do associante.
2 - A contribuição do associado pode ser dispensada no contrato, se aquele participar nas perdas.
3 - No contrato pode estipular-se que a contribuição prevista no n.º 1 deste artigo seja substituída pela participação recíproca em associação entre as mesmas pessoas, simultaneamente contratada.
4 - À contribuição do associado deve ser contratualmente atribuído um valor em dinheiro: a avaliação pode, porém, ser feita judicialmente, a requerimento do interessado, quando se torne necessária para efeitos do contrato.
5 - Salvo convenção em contrário, a mora do associado suspende o exercício dos seus direitos legais ou contratuais, mas não prejudica a exigibilidade das suas obrigações.


ARTIGO 25.º
(Participação nos lucros e nas perdas)


1 - O montante e a exigibilidade da participação do associado nos lucros ou nas perdas são determinados pelas regras constantes dos números seguintes, salvo se regime diferente resultar de convenção expressa ou das circunstâncias do contrato.
2 - Estando convencionado apenas o critério de determinação da participação do associado nos lucros ou nas perdas, aplicar-se-á o mesmo critério à determinação da participação do associado nas perdas ou nos lucros.
3 - Não podendo a participação ser determinada conforme o disposto no número anterior, mas estando contratualmente avaliadas as contribuições do associante e do associado, a participação do associado nos lucros e nas perdas será proporcional ao valor da sua contribuição; faltando aquela avaliação, a participação do associado será de metade dos lucros ou metade das perdas, mas o interessado poderá requerer judicialmente uma redução que se considere equitativa, atendendo às circunstâncias do caso.
4 - A participação do associado nas perdas das operações é limitada à sua contribuição.
5 - O associado participa nos lucros ou nas perdas das operações pendentes à data do início ou do termo do contrato.
6 - A participação do associado reporta-se aos resultados de exercício, apurados segundo os critérios estabelecidos por lei ou resultantes dos usos comerciais, tendo em atenção as circunstâncias da empresa.
7 - Dos lucros que, nos termos contratuais ou legais, couberem ao associado relativamente a um exercício serão deduzidas as perdas sofridas em exercícios anteriores, até ao limite da responsabilidade do associado.


ARTIGO 27.º
(Extinção da associação)


A associação extingue-se pelos factos previstos no contrato e ainda pelos seguintes:
a) Pela completa realização do objecto da associação;
b) Pela impossibilidade de realização do objecto da associação;
c) Pela vontade dos sucessores ou pelo decurso de certo tempo sobre a morte de um contraente, nos termos do artigo 28.º;
d) Pela extinção da pessoa colectiva contraente, nos termos do artigo 29.º;
e) Pela confusão das posições de associante e associado;
f) Pela vontade unilateral de um contraente, nos termos do artigo 30.º;
g) Pela falência ou insolvência do associante.


ARTIGO 28.º
(Morte do associante ou do associado)


1 - A morte do associante ou do associado produz as consequências previstas nos números seguintes, salvo estipulação contratual diferente ou acordo entre o associante e os sucessores do associado.
2 - A morte do associante ou do associado não extingue a associação, mas será lícito ao contraente sobrevivo ou aos herdeiros do falecido extingui-la, contanto que o façam por declaração dirigida ao outro contraente dentro dos noventa dias seguintes ao falecimento
3 - Sendo a responsabilidade do associado ilimitada ou superior à contribuição por ele efectuada ou prometida, a associação extingue-se passados noventa dias sobre o falecimento, salvo se dentro desse prazo os sucessores do associado tiverem declarado querer continuar associados.
4 - Os sucessores do associado, no caso de a associação vir a extinguir-se, não suportam as perdas ocorridas desde o falecimento até ao momento da extinção prevista nos números anteriores.



22.3. A relatora deste projecto já teve oportunidade de escrever, em publicação de carácter didáctica[7] algo sobre a associação em participação, que aqui se reproduz (parcialmente) como enquadramento da análise que se fará de seguida.
Disse-se aí:
I. Igualmente regulada no DL n.º 231/81, encontramos a antiga figura da conta em participação, hoje designada associação em participação[8].
Como mecanismo de cooperação empresarial[9], a associação em participação resulta de um acordo de vontades entre associante e associado, visando instituir uma ligação participativa à atividade económica ou empreendimento determinado daquele por parte deste, através da assunção da obrigação de contribuir para o exercício da atividade com uma prestação de natureza patrimonial. Em contrapartida, o associado partilha com o associante os resultados da atividade – primordialmente os resultados positivos (lucros), mas não estando impedido de encontrar fórmulas de partilha de perdas[10].
No que concerne à sua natureza jurídica, a doutrina parece aceitar que estamos perante uma figura diferente da sociedade[11], muito embora, em tese, se pudesse aceitar a sua qualificação societária, à semelhança do que fazem outras ordens jurídicas e do regime anterior (Código de Ferreira Borges), ainda que sem personalidade jurídica[12].
Olhando para o regime do DL n.º 231/81, os elementos mais relevantes são os que se destacam:
a)  Quanto aos objetivos visados pelo associado – a participação nas perdas não é imperativa (art.º 21.º, n.º 2);
(…)
 c)  Quando o associado faz uma contribuição patrimonial esta entra no património do associante, não surgindo aqui nem um novo ente jurídico, nem um património autónomo;
d) Forma do contrato – a lei não exige qualquer forma, exceto nos casos em que a natureza dos bens com que o associado contribuir exigir forma especial (art.º 23.º, n.º 1) [13];
e)  Firma e registo – não criando uma nova entidade jurídica não há lugar à criação de uma firma própria, nem qualquer obrigação de registo comercial;
f)  Quanto à prestação do associado – normalmente consiste na prestação de uma coisa, mas pode consistir numa prestação de facto (exemplo, um serviço)[14]. Quando consiste na constituição ou na transmissão de um direito, deve ser-lhe contratualmente atribuído um valor em dinheiro (art.º 24.º, n.ºs 1 e 4). A contribuição de as- sociado pode ser dispensada se o associado se obrigar a participar nas perdas (art.º 24.º, n.º 2);
g)  Em matéria de participação nos lucros e perdas, vigora um regime de liberdade e as partes podem estabelecer o modo de participação do associado nos lucros e nas perdas que melhor lhes convier (art.º 25.º, n.º 1). Supletivamente a lei instituiu uma solução de repartição:
i)   A participação do associado nas perdas é limitada ao valor da sua contribuição (art.º 25.º, n.º 4);
ii)  A participação do associado nos lucros e nas perdas abrange os resultados nas operações pendentes à data do início e do termo da associação (art.º 25.º, n.º 5);
iii) A participação do associado reporta-se aos resultados de exercício apurados segundo os critérios estabelecidos por lei ou resultantes dos usos comerciais, tendo em atenção as circunstâncias da empresa (art.º 25.º, n.º 6);
iv) Estando convencionado apenas o critério de determinação da participação do associado nos lucros, aplica-se o mesmo critério à determinação da sua participação nas perdas e vice-versa (art.º 25.º, n.º 2);
(…)
j)   Relativamente à extinção da associação – ocorre nos casos previstos no contrato de associação e ainda:
i)     Pela completa realização do seu objeto (art.º 27.º, alínea a));
ii)    Por impossibilidade de realização  do seu objeto (art.º 27.º, alínea b));
iii)   Por morte do associante ou do associado, se os seus sucessores assim o entenderem (art.º 27.º, alínea c) e art.º 28.º);
iv)    (…)
v)    (…)
vi)   (…)
vii)  (…)
viii) (…)
ix)   (…)
(…)
II. A associação em participação é uma figura distinta da sociedade, que tem natureza associativa e envolve relações entre um empresário e um terceiro que pretende comungar dos lucros e/ou perdas resultantes da atividade do primeiro, encontrando-se regulada pelo DL n.º 231/81, de 28 de julho, nos art.os  21.º e ss.
A repartição de lucros assume a natureza eventual própria que carateriza o conceito de lucro: se existir lucro poder-se-á falar de repartição.
Na falta de estabelecimento contratual de um critério de repartição dos lucros, dever-se-á atender ao critério legal supletivo previsto para a figura da associação em participação[15].
(…)”

22.4. Avancemos agora para uma análise do ponto de vista da conjugação do regime legal, com a posição doutrinal e com os factos provados dos autos:
Das normas citadas resulta que o regime legal da associação em participação tem natureza supletiva, devendo respeitar-se o que tiver sido acordado pelas partes.
O que caracteriza a associação em participação é o facto de ser acordada a associação de uma pessoa (in casu, os AA) a uma actividade económica exercida por outra (EE), ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda.
In casu EE exercia uma actividade económica – compra de imóveis para revenda e exploração dos imóveis comprados antes da sua alienação; foi acordado entre o A e EE a partilha dos resultados resultantes da actividade do EE relativa à .... O acordo abrangia a repartição de lucros e de perdas.
Não se considera procedente nenhum dos argumentos da recorrida FF que procura construir a associação em participação vendo nos AA os associantes e em EE o associado, por não ter adesão aos factos provados, com os quais o tribunal tem de decidir a causa submetida à sua apreciação.

No que respeita à participação do associado, decorre da lei que o montante e a exigibilidade da mesma é a que resultar da convenção expressa ou das circunstâncias do contrato, o que também pode encontrar correspondência nos factos provados 7.º, 15.º, 16.º e 30.º, não se exigindo que o contrato de associação em participação tenha observado qualquer forma especial (não se considera procedente o argumento da R.. FF a exigir a forma especial, porque o associante é EE e não os AA, na interpretação que consideramos ter melhor suporte nos factos provados).

São os seguintes os factos provados relevantes para aferição da existência de associação em participação, posição de associante e associado: 2, 3, 5, 7 a 14, 16, 29 a 34, 43, 45 a 60, 66 a 68, 75 a 81 e 84.

Não obstaculizam à identificada associação em participação, por a vida real ser mais rica que o estrito enquadramento legal, nomeadamente, os seguintes factos:
a) Quanto à iniciativa do negócio: 15;
b) Quanto ao modo como foi desenvolvimento/gerido o negócio: 17 a 28, 37-38 e 88
Reafirma-se o já indicado: a vida real oferece uma riqueza que não consegue ser apreendida, na sua totalidade, por um instituto jurídico; para que o mesmo se aplique basta que não existam elementos completamente alheios ao modelo pretendido.

Dos factos provados resulta que foi acordado repartir as despesas e lucros relativos à ..., exigência que é objecto do pedido subsidiário dos AA, e que foi realizada em 2002, depois da morte do associante, mas sem que esta envolva a extinção da associação – art.º 28.º
A participação nos lucros e nas despesas foi respeitada pelo A e por EE, tendo sido realizados acertos de contas em momentos sucessivos.

A oposição dos recorridos à procedência do pedido subsidiário fundado na associação em participação formulada nas contra-alegações (onde afirmamO problema é que, ainda que se aceitasse essa tese, (mas não se aceita por inexistência dos respectivos elementos e pressupostos) o presente processo não pode servir esse desiderato. Na verdade, inexiste, para tanto, causa de pedir; e não há nos autos elementos que permitam o julgamento do pedido que, só agora, em fase de Alegações, vem vagamente formulado”) foi já contraditada, não constituindo obstáculo a que este tribunal considere procedente o pedido.
A oposição dos herdeiros – ou de uma herdeira (FF) – manifesta pela posição assumida nos presentes autos não é de molde a configurar a situação indicada na lei: exercícios da faculdade de os herdeiros do associante extinguirem a associação, mediante declaração dirigida ao A. nos 90 dias seguintes ao falecimento de EE.
Os RR ao longo do processo, a começar logo na Contestação (art.º 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, - com excepção da Ré FF que não teve essa postura -, foram dando provas de não considerarem completamente descabido o pedido subsidiário dos AA., afirmando que a palavra do avô devia ser honrada, tendo ele assumido o compromisso de repartir com o A. os proveitos e despesas resultantes da aquisição da ..., em sinal de boa-fé, que este tribunal reconhece como sendo de enorme valor.

23. Os recorrentes também invocaram erro de julgamento por o tribunal não ter qualificado a relação entre os AA. e EE como uma relação fiduciária, dela extraindo as necessárias consequências.
A análise dessa questão fica prejudicada pela solução encontrada, que tutela o direito dos AA., mas ainda assim pode dizer-se que na associação em participação não está excluída a relação fiduciária ou de confiança que presidiu à instituição e cumprimento do acordo, nomeadamente porque o mesmo não foi reduzido a escrito com contornos claros e inequívocos que salvaguardassem, na plenitude, a posição do associado.
Fica também prejudicada a análise da tese da relação societária, ainda que do exposto anteriormente se permita concluir que não poderia defender-se ter existido uma relação societária por não existir exercício em comum de actividade económica.

24. Finalmente, como última questão do recurso, importa que este tribunal diga se ocorreu erro de julgamento imputado ao acórdão recorrido, por não ter condenado a Ré FF como litigante de má-fé.

24.1. No acórdão recorrido, sobre o ponto, disse-se:
 “4.3.1. De acordo com o disposto no n.° 2 do art.° 542° do CPC 2013, "(Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
а) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
б) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
a) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.".
Como é evidente a partir do texto legal citado, para merecer uma tal condenação é necessário que a parte em questão tenha actuado com dolo ou negligência grave.
Ou seja, tem que existir um fortemente intenso desvalor ético-social na conduta desviante do prevaricador.
E, como é óbvio, os actos praticados não podem consistir em meros erros técnicos.
Ora, porque nada permite afirmar com o exigível grau de certeza - e que, face ao estatuído no art.° 346° do Código Civil, tem de ser uma certeza para além de qualquer dúvida razoável- que a verdade formal apurada no processo corresponde exacta e inteiramente à realidade material controvertida, isto é, aos factos que ocorreram na realidade, é impossível configurar a conduta processual da Ré FF como algo mais do que uma forma altamente intensa de procurar demonstrar a veracidade das alegações por si produzidas nos seus articulados.
E muito menos, é possível afirmar que, em termos subjectivos, essa Ré agiu neste processo com a intenção ética e socialmente censurável que é legalmente exigida, a saber, que actuou com dolo ou negligência grave.
Daí que não exista fundamentação suficiente para decretar a condenação por litigância de má-fé pretendida pelos Autores/apelantes.
4.3.1. E, por tudo o exposto, julga-se totalmente improcedente a conclusão t) das alegações de recurso dos apelantes e não se condena a Ré FF como litigante de má-fé.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.”

24.2. Contrapõe o recorrente as seguintes conclusões:

“KKK) Com efeito a Co-Ré FF teve no processo um comportamento reprovável, omitindo, falseando, e inclusivamente não colaborando com o Tribunal de forma a procurar impedir a descoberta da verdade, subvertendo e moldando os factos à sua oposição cuja falta de fundamento não ignorava.

lll) O que configura manifesta litigância de má-fé nos termos do disposto no art. 542º do CPC abundantemente demonstrada, entre outros factos, pela justaposição desta Ré e dos inúmeros documentos juntos aos autos, alguns deles redigidos pela própria, devendo em consequência a mesma ser condenada em multa apropriada, o que se requer e reitera.”

Para fundamentar as conclusões dizem os recorrentes (transcrição):

“ (…) foi aquela (FF) que teve uma participação pessoal em muitos factos, documentos e actos julgados como provados nos presentes autos, em clara oposição aos factos alegados pela mesma.

A título meramente indicativo vejam-se os 2 documentos manuscritos pela própria FF e assinados por seu pai, um dos quais reconhecido notarialmente, a fls. 1462/1463 e a fls. 1719 onde EE sempre reconheceu de forma pacífica e transparente a titularidade de 50% de AA sobre a ....

Assim, conforme assinalado na douta sentença recorrida,

- as declarações de fls. 1462 e 1463 (vol. VIII), com respeito às quais a primeira foi escrita pela Co-Ré FF, e assinada por EE, encontrando-se a segunda escrita e assinada EE. Ambos os documentos constituem descrições de património, tendo o primeiro aposta a data de 16-11-92 e o segundo a data de 15- 12-93. Também em ambos os documentos se faz menção da ..., com a indicação de “50%” frente do nome.

- a declaração escrita  de fls. 1719 (vol. IX), que é um documento original, mostrando-se assinada com o nome de EE, junto do qual se encontra a rubrica do A., e estando aquela assinatura reconhecida notarialmente, no verso, por semelhança com a assinatura aposta no respectivo bilhete de identidade. A declaração não está datada, mas o reconhecimento de assinatura tem a data de 22.11.1991.

Consta desta declaração que: “EE ( ) para os fins tidos por convenientes que a ...sita entre ... de Cima e o Bairro ...foi por si adquirida em 10 de Fevereiro de 1988. A mesma foi comprada por ele e o Sr. AA, pertencendo 50% a cada um. A escritura feita nessa data só em nome de EE, foi motivado por só ele estar colectado em compra de prédios e revenda dos adquiridos para esse fim. Da liquidação da parte do Sr. AA falta a quantia de 25.000.000$00, quantia esta titulada por um cheque que se encontra em meu poder e que será liquidado por qualquer valor de venda e valor

recebido. Como atrás se faz referência o Sr. AA tem 50% em todos os lucros que a mesma venha a dar, assim como tem de responsabilidade 50% de todas as despesas que se façam, incluindo com o próprio Estado”. Esta declaração foi manuscrita pela mão da R. FF, conforme por esta assumido nos autos, tendo também a testemunha EEE (filho da mesma) sido “absolutamente claro no sentido de que no documento de fls. 1719 se encontra aposta a assinatura do seu avô, pertencendo a letra do texto manuscrito a sua mãe, a R. FF” (douta sentença e confirmado no acórdão recorrido).

Recorde-se que FF apresentou toda a sua defesa nos presentes autos alegando que AA teria sido apenas um mero mediador no negócio e sem qualquer direito ou contribuição pessoal, mínima que fosse, sobre o negócio da .... Em nenhum outro documento junto aos autos assinado ou realizado por EE, nunca nenhum foi manuscrito ou assinado por qualquer dos restantes Co-RR e herdeiros – seus irmãos e mãe, e tão pouco por qualquer outro familiar ou terceiro; foi sempre através da Co-Ré FF.

E não obstante estes factos, que são do seu conhecimento directo, a mesma intencionalmente, de forma reprovável e ao longo de todos estes anos procurou contrariar ou alterar a verdade dos factos, deturpando, omitindo, ou simplesmente negando a apresentação de documentos relevantes em sua posse para a boa decisão da causa (art. 7º do CPCivil). Aliás em relação a um dos mesmos, começou por negá-lo expressamente nos autos – a fls. 1488 (“8. A Ré impugna expressamente nos termos do nº1 do art. 544º do CPC e nº 2 do art. 374º do Código Civil, a letra e assinatura do doc.1 e 2 juntos com o referido documento”, “9. Bem como o “exame pericial” que os AA. fazem do documento chegando à conclusão de que o doc.1 é da Autoria da Ré.”), para mais tarde –quando confrontada pelos AA., já admitir que a letra era da sua autoria (a fls 1728 – docs. a fls 1462 e 1713), conforme, aliás reconhecido por despacho da Mma. Juíza a quo (fls. 1879, sobre requerimento de fls. 1710 e ss).

Com esta postura, a Co-Ré FF litigou manifestamente de má-fé, nos termos do previsto no art. 542º do Código de Processo Civil (CPC), nomeadamente nas diversas alíneas do seu nº2.. Por último mesmo quando os ora Recorrentes pediram e insistiram em audiência de julgamento pela junção dos extractos bancários da única conta bancária conhecida em vida de EE (domiciliada no QQ) para a descoberta da verdade, a mesma, como Co-Ré e então cabeça de casal sempre se opôs à junção dos referidos documentos (FLS. 3093, 3098), sem apresentar qualquer argumento plausível, tudo de forma a prejudicar intencionalmente a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.

Assim se é verdade que.

I - A litigância de má-fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta.

Conforme Acórdão do STJ, de 18/02/2015, Proc 1120/11.1TBPFR.P1.S1

E que

II - Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.

Atuando como

III – (...) litigantes de má-fé, os réus que, no articulado contestação, alegam uma realidade que se provou inexistir e cuja inexistência forçosamente conheciam, o que significa terem eles alterado a verdade dos factos a fim de deduzirem intencionalmente, portanto, com dolo, oposição, cuja falta de fundamento não podiam deixar de conhecer, assim integrando o estatuído nas als. a) e b) do n.º 2 do art. 456.º do CPC, na redação anterior, que corresponde ao atual art. 542.º do NCPC (2013)

Perante o exposto, a Co-Ré FF tem tido no processo um comportamento altamente reprovável, omitindo, falseando e inclusivamente não colaborando ou cooperando com a Justiça, tudo de forma a procurar impedir a descoberta da verdade material e a moldar os factos de acordo com a sua pretensão.

Pelo que deve a mesma ser condenada em litigância de má-fé, nos termos do disposto no art. 542º do CPCivil, o que desde já se requer.

24.3. A Ré FF exerceu o contraditório sobre a indicada pretensão dos AA. na sua condenação, mas não contradita os elementos indicados pelos AA.
Na sua peça – contra-alegações da revista:
 – adopta um discurso de inconformismo, contra-ataque e vitimização, apresentando inúmeras páginas com a sua versão da história – e não segundo os factos provados nos autos;
–  a essa versão faz juntar, por inserção em texto, inúmeros documentos que não estavam nos autos e não podem ser apresentados em recurso de revista.
–  estrutura da peça é a seguinte:

I - AS CIRCUNSTÂNCIAS QUE PERMITIRAM A MONTAGEM DE UMA BURLA

A) DE COMO ADS SE APODEROU DA MEDIAÇÃO DO NEGÓCIO DA ...

B) DO PARKINSON DE QUE SOFRIA EE

C) DOS NEGÓCIOS DE QUE EE ANDARA A TRATAR EM 1988

D) DO TRATO ENTRE EE E OS MEDIADORES

E) DOS CONTACTOS DE ADS DE CARÁCTER ELEITORALISTA

F) DO CAVALO DE TRÓIA

G) DA INCAPACIDADE PSÍQUICA DE EE

H) DO ROUBO DO ARQUIVO DE EE, MAL ESTE FICOU INCAPACITADO

I) DO CONTO DO VIGÁRIO: O SUPOSTO “...”

J) DA SAÚDE MENTAL DE MAG

II - DE COMO SE MONTA UMA BURLA

A) DO POMPOSO PAPEL DE CARTA TIMBRADO DO A. ADS

B) DO ENIGMA “RR, LDA.

C) DAS CONTAS SUPOSTAMENTE PRESTADAS POR ADS A EE

D) DO SUPOSTO GUARDIÃO DA Q. ...

E) DA DECLARAÇÃO DE ACORDO SUPOSTAMENTE ASSINADA POR EE

F) DO CONTRATO SUPOSTAMENTE CELEBRADO ENTRE ADS E MAG

G) DO ILEGAL ACORDO ENTRE MAG E A GG DOS 276.163.000$00 ILEGALMENTE RECEBIDOS POR MAG DOS 133.583.500$00 ILEGALMENTE RECEBIDOS POR ADS

H) DA TRISTE FIGURA FEITA PELAS TESTEMUNHAS DOS AA. DURANTE O JULGAMENTO

III - DO SUPOSTO RECONHECIMENTO DOS RECORRENTES COMO CO-PROPRIETÁRIOS DA ...

IV - DOS RECORRENTES SUPOSTAMENTE “ESCLARECEREM” O TRIBUNAL SOBRE A INICIAL ACEITAÇÃO DE TODOS OS RR. QUANTO AO SEU SUPOSTO DIREITO À CO-PROPRIEDADE DA QUINTA ...

V - DA SUPOSTA USUCAPIÃO

VI - DA SUPOSTA SOCIEDADE
VII - DA SUPOSTA ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO

24.4. Conhecendo do invocado erro de julgamento sobre a não condenação como litigante de má-fé.
Seguindo (ipsis verbis) o que já se subscreveu em acórdão deste STJ[16] (como vogal), pode dizer-se:

“Estabelece o nº 1 do artigo 7º do Código de Processo Civil ("Princípio da cooperação"), que "na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio".

Reafirmando tal princípio, o artigo 8º do Código de Processo Civil vem aludir ao dever de boa-fé processual ("as partes devem agir de boa-fé"), sendo consabido que, na perspectiva tradicional, amplamente difundida no Direito Civil, a boa fé corresponde a um padrão ético-jurídico de avaliação de comportamentos sociais, enquanto honestos, leais e correctos.

Ora, o instituto da litigância de má-fé, consagrado nos artigos 542º e ss do Código de Processo Civil) visa, precisamente, sancionar comportamentos contrários ao princípio da boa-fé processual, embora exigindo que a tais comportamentos acresça um específico animus da parte do litigante.

Assim, dispõe o aludido artigo 542º do Código de Processo Civil, nos seus nºs 1 e 2, que:

"1. Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

2. Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. "

E, atentando no teor literal das alíneas do nº 2 do referido artigo, constata-se que as mesmas, procurando traduzir um "sentido negativo" da boa-fé processual, elencam os comportamentos que as partes se devem abster de praticar de molde a não prejudicarem o decurso da relação jurídica processual, que deve ser pautado por um espírito de cooperação intersubjectiva e consentâneo com o dever de verdade, tendo em vista a justa resolução do litígio.

Efectivamente, analisando o aludido nº 2, verifica-se que:

A alínea a), traduzindo os ditames da boa-fé processual, impõe às partes um dever de cuidado aquando da propositura da acção ou dedução da oposição, para que não seja colocada em funcionamento a máquina judiciária nos casos em que a manifesta falta de fundamento poderia ser conhecida a priori;

Já a alínea b) concretiza o dever de verdade que as partes devem observar nas suas afirmações de facto, impondo-lhes que se abstenham de alterar a verdade dos factos ou de omitir factos relevantes, dever esse que decorre, ainda, do princípio da boa-fé processual:

Por último, as alíneas c) e d) aludem à obrigação de cooperação intersubjectiva que, tendo também como fundamento o princípio da boa-fé, recai sobre as partes durante todo o desenrolar do processo, e que, infringida activa ou passivamente, o desvia do interesse e do fim a que se encontra destinado, ou seja, da justa resolução do litígio em tempo útil.

Ainda de acordo com aquela enumeração efectuada pelo nº 2 podemos integrar a má-fé processual numa de duas modalidades: substancial / material ou instrumental / processual, consoante se relacione com o mérito da causa (respeitando ao próprio fundo da causa) ou se refira apenas ao comportamento processual especificamente assumido pelo litigante.

Assim, estaremos perante má-fé substancial sempre que a parte formule pedido ou deduza oposição manifestamente infundados, ou ainda quando infrinja o dever de verdade (cfr. nº 2, als. a) e b)). Como referem José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, esta má-fé substancial "relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, actua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual" (in "Código de Processo Civil Anotado", Vol. 2º, 2001, p. 196-197),.

Por sua vez, actuará com má-fé instrumental o litigante que transgrida o dever de cooperação ou que faça um uso manifestamente reprovável do processo (nº 2, als. c) e d)). Como assim, esta segunda modalidade, "abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo" (José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, ob. e loc. cit.).

Por último, para que o comportamento abusivo, descrito em qualquer uma das alíneas do aludido nº 2 seja considerado de má-fé, exige-se, ainda, que tenha sido praticado na presença de um determinado elemento de ordem subjectiva, isto é, torna-se necessária uma subjectivização do abuso.

Assim, quando, no proémio do nº2 o legislador refere "quem, com dolo ou negligência grave" praticar o comportamento descrito em qualquer das subsequentes alíneas, tal significa que, apenas quando o comportamento descrito nas diversas alíneas tenha sido praticado com dolo (comportamento intencional) ou negligência grave, se poderá considerar o sujeito processual como litigante de má-fé.

 (i) Quanto à dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento se não deve ignorar

Sendo certo:
Por um lado, que o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa assegura a todos os cidadãos o direito de acesso aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, dele resultando o direito de acção judicial;
Por outro, que "a protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar", significando ainda a "garantia de acesso aos tribunais" que "a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção" (artigo 2º do Código de Processo Civil),
—  Por último  que,  se tal direito de recorrer aos Tribunais para aceder à Justiça constitui um direito fundamental, já o mau uso desse direito consubstancia uma conduta processual abusiva, sancionada nos termos do Código de Processo Civil,

então apenas preencherá o ilícito típico daquela alínea a) do nº 2, a parte que tenha consciência da falta de fundamento da sua pretensão, ou aquele litigante que, embora não a tendo, devê-la-ia ter se houvesse cumprido os deveres de cuidado que lhe eram impostos.

Ou seja: actuará de má-fé não apenas o sujeito processual que, tendo consciência da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, a deduziu em juízo, mas também o litigante que, não tendo intenção de propor acção ou deduzir oposição infundada, o fez por não haver indagado, com culpa grave, os fundamentos de facto e de direito da mesma, uma vez que nas duas hipóteses se acaba por funcionalizar o direito de acção ou de defesa a interesses diversos daqueles que fundamentaram a sua atribuição e, por conseguinte, por praticar abuso de processo.

(ii) Quanto à alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa

Considerando que:

O processo civil apresenta como interesse primordial a justa resolução dos litígios, pelo que, para que tal objectivo seja alcançado se afigura necessário que esta resolução assente na verdade dos factos;

Sempre que as alegações de facto das partes se desviem da verdade estar-se-á o processo, do mesmo modo, a desviar da resolução do litígio de acordo com a Justiça,

então pode ser sancionado como litigante de má-fé:

 Não só aquele que profere afirmações fácticas contrárias ao que subjectivamente sabe ser verdade, mas também aquele que apenas se encontra subjectivamente convencido da verdade de um facto inexistente ou da inveracidade de um facto verdadeiro, porque desrespeitou o mínimo de diligência que lhe era exigido, recorrendo ao processo de modo totalmente leviano e imprudente;

Como, por fim, aquele que oculta um facto essencial do qual tem perfeito conhecimento, bem como aquele que não podia deixar de o conhecer caso tivesse empregado o mínimo de diligência exigível a quem atua em juízo.”

24.5. Revertendo ao caso dos autos importa, então, saber se ocorreu a prática do comportamento processual abusivo que fundamente a condenação da Ré FF como litigante de má-fé.

Atentando, especialmente, nas afirmações dos AA., supra reproduzidas, nos factos provados e na apreciação dos mesmos efectuados pela 1ª instância, e bem assim pelo conjunto dos elementos deste recurso, não temos dúvidas em afirmar que a Ré FF não tem uma postura processual que se possa reconduzir apenas a uma elevada insatisfação e inconformismo, com idêntico nível de litigiosidade, dentro de um quadro de normalidade em caso de litígio judicial.

Todos os elementos indicados apontam para uma outra realidade: a Ré FF teve ao longo do processo uma atitude de negar evidências relativamente a situações em que, no mínimo, lhe era exigível um outro comportamento (em alguns casos terá tido alguma intervenção em factos que vem a negar, sem justificação plausível, como é exemplificado pelos AA quando indicam: “Aliás em relação a um dos mesmos, começou por negá-lo expressamente nos autos – a fls. 1488 (“8. A Ré impugna expressamente nos termos do nº1 do art. 544º do CPC e nº 2 do art. 374º do Código Civil, a letra e assinatura do doc.1 e 2 juntos com o referido documento”, “9. Bem como o “exame pericial” que os AA. fazem do documento chegando à conclusão de que o doc.1 é da Autoria da Ré.”), para mais tarde –quando confrontada pelos AA., já admitir que a letra era da sua autoria (a fls 1728 – docs. a fls 1462 e 1713), conforme, aliás reconhecido por despacho da Mma. Juíza a quo (fls. 1879, sobre requerimento de fls. 1710 e ss)”.

Em face do exposto, é de considerar procedente o pedido de condenação da Ré FF como litigante de má-fé, em multa, que se fixa em 3 UC.



III. Decisão
Pelas razões acima apresentadas, com base nos factos provados nos autos, deve ser julgado procedente e deferido o pedido subsidiário, no qual são condenados os RR., nos termos peticionados.
A Ré FF é condenada como litigante de má-fé em 3 UC.
Atenta a postura dos RR. – distinta entre si – e o modo como o processo tinha de decorrer contra todos por serem os herdeiros, não se justifica a condenação em custas em partes iguais, pelo que se decide condenar a Ré FF nas custas em 95% do valor total, ficando os restantes 5% da responsabilidade dos demais RR (CC, EE e HH), que ainda assim também ficaram vencidos (art.º 527.º e 528.º CPC).

Lisboa, 26 de Novembro de 2019


Fátima Gomes (Relator)



Acácio Neves



Fernando Samões

_______________________
[1] A referência ao ponto 4.3.7. foi rectificada por Acórdão do tribunal recorrido de fls…, passando a ler-se 4.1.7.
[2] E não como vem indicado nas peças do recurso como considerados não provados.
[3] Não se consideraram totalmente justificadas as indicações dos AA, por em alguns casos os documentos já estarem juntos aos autos e por noutras situações apenas haver transcrição de textos de documentos e não a reprodução/integração do mesmo – cf. pontos 19, 63, 127, 137, 145, 162, 182, 186, 187, 188, 210, 220, 236, 243 e 277.
[4] Leia-se:” de”.
[5] No acórdão de 2016 o TR já havia dito o seguinte:
“O que, não em termos do que foi declarado pelas testemunhas arroladas pelos autores que se pronunciaram acerca da matéria (sendo a este propósito suficientemente elucidativa a extensa, completa e precisa motivação exposta pelo Mº Juiz a quo a fls. 3350 a 3356 dos autos, a qual satisfaz suficientemente os critérios de livre e ponderada e sensata apreciação da prova agora expostos neste ponto 4.3.2.do presente acórdão…) mas sim pelo que se encontra estatuído nos art.º 219.º, 220.º, 875.º, 369.º a 372.º e 393.º do CC – e muito especialmente os nºs 1 deste dois últimos – e 655.º, n.º2 do CPC de 1961…”
O que demonstra que, na apreciação do TR, a prova testemunhal havia sido correctamente apreciada pela 1ª instância, tratando-se de uma discordância jurídica.
[6] Mesmo na situação do registo da mera posse – n.º1 e n.º2 do art.º 1295.º CC.
[7] Manual de Direito Comercial, UCPEditora, 2017.
[8] Engrácia Antunes, Direito das Sociedades, 7ª ed., Porto, 2017, p. 129 e ss.
[9] Quando utilizada no âmbito empresarial. Mas pode recorrer-se à figura fora deste âmbito, nomeadamente quando um investidor se socorre desta figura, em que exerça qualquer atividade económica ou seja detentor de qualquer empresa.

[10] Na jurisprudência, vd., por exemplo, Ac. STJ 11.6.91, in BMJ, n.º 408, Julho 1991, p. 597 e ss., Ac. Rel. Évora 5.2.98, in CJ, XXIII, tomo I, p. 267 e ss., Ac. Rel. Lisboa 12.11.02, in CJ, XXVII, tomo I, p. 75 e ss. Ac. Rel. Évora 5.2.98, in CJ, XXIII, tomo I, p. 267 e ss., e Ac. Rel. Lisboa 18.9.08, in CJ, XX- XIII, tomo IV, p. 94 e ss.
[11] Para distinção da sociedade face à associação em participação,  vd. o Ac. do STJ de 11/6/91 (Meneres  Pimentel), no qual se considerou que a associação em participação  não é uma sociedade e que existe um contrato de conta em participação quando há uma estrutura associativa caracterizada pela atividade  económica de uma pessoa com a participação  de outra (ou outras)  nos lucros ou perdas resultantes da mesma atividade.  Já no Ac. do STJ de 15/05/2003 (Araújo de barros), a conta em participação é caraterizada, com afastamento da qualificação como sociedade, nos seguintes termos (por extrato): “... na noção mais atual do art.º 21.º, n.º 1, do DL 231/81, de 28 de Julho, é a associação de uma pessoa a uma atividade exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou perdas que desse exercício resultarem para a segunda; sendo a conta (ou associação) em participação inegavelmente  um contrato associativo, embora não societário, algumas  são as afinidades que apresenta relativamente ao contrato de sociedade, tornando algo melindrosa a distinção entre ambos os institutos”.
[12] V. Raúl Ventura, “Associação em Participação (Anteprojecto)”, in BMJ n.º 189, p. 55 e ss., e Engrácia  Antunes, “Os contratos de cooperação empre- sarial”, cit., p. 264.
[13] Mas atenção: a cláusula que exclua o associado das perdas ou a que lhe atribua  responsabilidade ilimitada nas mesmas perdas têm de ser reduzidas a escrito (art.º 23.º, n.º 2).

[14] Um caso que ilustra a dificuldade de qualificação de certos acordos de co- operação entre empresas não reduzidos a escrito é o que foi objeto do acórdão da Relação de Évora de 5.2.98 e do acórdão do STJ de 20.10.98 que referimos no n.º 1 deste texto. V. Raúl  Ventura, “Associação em Participação (Anteprojeto)”, cit., BMJ n.º 189, pp. 126 e 127.
[15] O recurso ao regime das sociedades civis ou comerciais não parece justifica- do, mesmo com natureza subsidiária, uma vez afastada a natureza jurídica societária da associação em participação. O recurso a qualquer destes regimes com base na aplicação analógica poder-se-ia equacionar, mas apenas como último recurso.
[16] Nomeadamente no Processo nº1156/13.8TBTVD.L1.S1 – in www.stj.pt.