Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1647/13.0TBBRG.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA
QUANTUM INDEMNIZATÓRIO
PLURALIDADE DE SEGUROS
SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL
SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL - CONTRATO DE SEGURO.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL - SEGURO FACULTATIVO DE ACIDENTES PESSOAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( EFEITOS DA SENTENÇA ) / RECURSOS.
Doutrina:
- Arnaldo Oliveira, Lei do Contrato de Seguro, anotada por vários Autores, anotação ao artigo 133.º, p. 379.
- Rita Gouveia, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, p.894.
- Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3ª ed., Coimbra, 2006, p. 858, nota 1.
- Vaz Serra, em RLJ, n.º 3539, p.31, continuado no n.º 3540, p.36 e seguintes.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, PARTE FINAL, 9.º, N.º1, 356.º, N.º1, 391.º, 405.º, N.º1.
CÓDIGO COMERCIA (CCOM): - ARTIGO 434.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 623.º, 624.º, 674.º, N.º3.
DECRETO - LEI N.º 291/2007: - ARTIGOS 23.º, COM REFERÊNCIA AO ARTIGO 6.º, 47.º, N.º1.
DECRETO-LEI N.º 72/2008,DE 16.4, REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO: - ARTIGOS ARTIGO 180.º, 133.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 14.10.1987, NO BMJ 370.º, 513.
-DE 4.10.2001, PROCESSO N.º 01B2309, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 12.10.2006, PROCESSO N.º 06B2520, 5.2.2009, PROCESSO N.º 08B4093, 7.1.2010, PROCESSO N.º 1975/04.6TBSXL.S1, 31.1.2012, PROCESSO N.º 875/05.7TBILH.C1.S1 E 31.5.2012, PROCESSO N.º 14143/07.6TBVNG.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 29.4.2010, PROCESSO N.º 102/2001.L1.S1 E DE 14.4.2011, PROCESSO N.º 3075/05.2TBPBL.C1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 22.2.2011, PROCESSO N.º 667/06.8 TBOHP.C2.5.
-DE 7.5.2014, PROCESSO N.º 436/11.1TBRGR.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1 . Não merece censura o recurso pela Relação a tabelas da Prevenção Rodoviária Portuguesa – mesmo que não abordadas até então no processo – para decidir a matéria de facto relativa a acidente de viação em que era importante a velocidade do veículo conjugada com a dimensão dos rastos de travagem.

2 . Não há contradição entre um ponto factual em que se considerou que o veículo circulava a distância “não superior a 25 cm” do lancil e outro em que se assentou que o peão sinistrado se inclinou deste lancil para a faixa de rodagem em não mais de 10 cm e foi colhido.

3 . Neste quadro dinâmico, circulando o veículo a velocidade superior em 17 km/h relativamente ao limite fixado para o local, é de acolher a fixação para o condutor deste em 2/3 da culpa.

4 . No cálculo dos danos derivados da perda de proventos laborais, a idade limite de 70 anos como fim presumível de vida ativa deve ser considerada de modo não rígido.

5 . Constituindo todos, antes do acidente, uma família com perfeito entendimento e forte sentimento de amor e carinho e sentindo as autoras profundamente a perda, não são de minorar os valores compensatórios de € 30.000,00 para a viúva e € 20.000,00 para cada uma das filhas (todos a reduzir de acordo com a percentagem da culpa) relativamente aos danos próprios havidos em consequência da morte do marido e pai aos 49 anos.

6 . Também não é de minorar o montante de € 20.000,00 (a reduzir também nos mesmos termos) reportado ao pesar da vítima que ficou estendida no solo em agonia e sofrimento, com várias convulsões, tendo falecido passada uma hora já no hospital.

7 . As prestações devidas em virtude do seguro obrigatório automóvel são cumuláveis com quaisquer outras relativas a seguro de acidentes pessoais, não valendo aqui o regime dos artigos 180.º, n.ºs 2 e 3 e 133.º do Decreto-Lei n.º72/2008, de 16.4.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1 . AA, BB, CC e DD intentaram a presente ação contra:

EE - Companhia de Seguros, S.A.


Invocaram detalhadamente os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente de viação cuja ocorrência imputam ao condutor do veículo seguro na ré, do qual resultou a morte do seu marido e pai, FF.


Pedem, em conformidade, a condenação desta a pagar:

A todas, € 354.311,10;

À 1.ª, € 60.000,00, a título de danos morais sofridos pela própria;

A cada uma das restantes, € 50.000,00, a título de danos morais sofridos pelas próprias;

Os juros que se vencerem à taxa legal desde a data da citação e até ao integral pagamento.

A ré contestou sustentando ter sido o acidente da responsabilidade do FF e sustentando, em qualquer caso, ser a indemnização peticionada exagerada.



2 . A ação prosseguiu e, na devida oportunidade, foi proferida sentença em que se absolveu a ré do pedido.



3 . Apelaram as autoras e o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu:

“São termos em que, julgando a apelação parcialmente procedente, revoga-se a sentença, e condena-se a ré a pagar, respectivamente às 1ª, 2ª, 3ª e 4ª autoras, as quantias de 23 333,00 €, 31 767,00 €, 32 717,00 € e 34 117,00 €, com juros legais desde a data desta decisão (artº566.º, nº2, do CC), e ainda, a todas, em partes iguais, relativamente aos danos atrás identificados nas alíneas b) a d), o que vier a ser liquidado, no valor máximo de 2/3 de 2 905,00 €, com juros legais desde a citação para os termos desta acção (artº805.º, nº3, do CC)”.



4 . Pedem revista, quer a ré, quer as autoras (estas subordinadamente).

Como as questões relativas a cada um dos recursos se interpenetram, vamos conhecer de ambos em conjunto.


Conclui a seguradora as alegações do seguinte modo:


1. A recorrente não pode conformar-se com o Acórdão recorrido por entender que o mesmo não teve na devida conta a matéria de facto provada e posta à discussão e fez errada interpretação da lei aplicável.

2 . O recurso do ora recorrente tem por objecto:

a) a apreciação das várias nulidades de que o acórdão está ferido, por violação, entre outras, das regras do direito probatório material, sendo que a alteração da decisão relativa à matéria de facto efectuada pela Relação está em clara contradição com a matéria de facto provada sob o ponto 16 e que não foi alterada pela 2.ª instância;

b) a apreciação da responsabilidade pela ocorrência do acidente, que, no entender da recorrente, é exclusivamente imputável ao falecido FF ou, se assim não se entender, nunca poderá atribuir-se ao condutor do veículo SA um grau de culpa superior ao atribuído ao falecido FF;

c) e, no que respeita aos montantes indemnizatórios atribuídos pela Relação, além de exagerados, as importâncias fixadas não estão de acordo com a matéria de facto provada, acontecendo, além disso, que as Autoras foram já indemnizadas pela Companhia de Seguros GG, pelo montante de €121.250,00, pelo que terá sempre de ser deduzida essa importância à eventual indemnização a cargo da recorrente.

 2 .[1] o acórdão está ferido de nulidade no que respeita à alteração da decisão relativa à matéria de facto constante dos pontos 25, 27, 28 e 34 dos factos provados.

3 . Relativamente aos pontos 25 e 27 dos factos provados, entende a recorrente que a Relação excedeu o poder que lhe é conferido pelo nº 1 do art. 662º do CPC, socorrendo-se, para alterar a matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância, de um novo meio de prova que nem sequer consta do processo nem tão pouco foi alegado pelas partes. Além disso, as medições constantes da fotografia nº 7 a fls. 38 do auto de inquérito não traduzem as medidas referidas pela Relação, sendo ininteligível por total desacordo entre os dados matemáticos e as medidas constantes da referida fotografia e as conclusões da fundamentação do acórdão.

4 . Na verdade, a Relação, relativamente ao ponto 25, para dar como provado que, no momento do embate, o condutor do veículo SA circulava à velocidade de 67Km/hora, em vez da velocidade de 50Km/hora dada como provada pela 1.ª instância, socorreu-se de um resultado" alegadamente" obtido num "jogo" do site da Prevenção Rodoviária Portuguesa.

5 . Além de a Relação nem juntar o resultado obtido nesse jogo, que refere estar disponível no site da Prevenção Rodoviária Portuguesa, nem explicar como chegou a esse resultado, este site nunca foi utilizado nem referenciado pelas partes nem elo tribunal ao longo de todo o processo.

6 . Se a Relação entendia que existia um outro meio capaz de apurar a velocidade e que não consta do processo, teria de dar cumprimento ao estatuído nos nºs 2 e 3 do art. 662º do CPC, o que não fez.

7 . Salvo o devido respeito, ainda que se admitisse o resultado desse "jogo" constante do site da Prevenção Rodoviária, esse resultado não é dotado de força probatória nem serve qualquer propósito jurídico, não podendo ser utilizado para vincular qualquer entidade judicial.

8 . Aliás, o próprio site nem almeja tal importância, uma vez que consta da sua página electrónica que o mesmo se destina a servir o propósito de educação e sensibilização à formação de professores, jovens e técnicos ligados à construção e sinalização e conservação de diversos tipos de vias.

9 . Pois, se assim não fosse, teríamos encontrado a fórmula mágica de determinar a que velocidade circulava qualquer veículo, bastando, para isso, obter os rastos de travagem.

10 . De referir que, para apurar a velocidade a que circula um veículo, tem de se considerar igualmente o tipo de pneus do veículo e o seu estado de uso, o tipo da via e o seu estado de conservação e respectiva composição.

11 . Ora, esses dados não foram nem podiam ser tidos em consideração pela Relação para apurar a velocidade a que circulava o veículo SA, por serem desconhecidos e só poderiam ser do conhecimento do tribunal e das partes com recurso a uma prova pericial, que não foi efectuada.

12 . Não obstante, o site onde a Relação terá, porventura, efectuado o "jogo” tendo em conta os rastos de travagem é um documento eletrónico, que não é dotado de assinatura digital, pelo que tem um valor probatório semelhante a um documento particular não assinado.

13 . E, nos termos do art. 368º do CC, esse documento electrónico, que é equiparado a um documento particular, não tem força probatória plena, não podendo, por essa razão, afastar a prova testemunhal e as demais provas constantes do processo.

14 . O resultado que a Relação obteve no site da Prevenção Rodoviária não é mais do que uma presunção, conforme ensina Luís Filipe Pires de Sousa, in "Prova por presunção no Direito Civil", Almedina, 2ª edição.

15 . Não sendo admissível que a Relação altere, através de uma mera presunção judicial, um facto dado como assente pela lª instância.

16 . É, assim, inequívoco, que a Relação, ao usar o site da Prevenção Rodoviária para apurar a velocidade, que nunca foi alegado pelas partes nem referenciado em todo o processo, infringiu a lei do processo, fazendo uso ilegal dos poderes conferidos pelo nº 1 do art. 662º do CPC, violando o princípio do contraditório e do dispositivo, tornando nula a sua decisão.

17 . No que respeita ao ponto 27 dos factos provados, e seguindo o mesmo raciocínio do alegado relativamente ao ponto 25, a Relação alterou os factos constantes do ponto 27 da 1.ª instância, tendo por base um cálculo efectuado no resultado do site da Prevenção Rodoviária Portuguesa, nomeadamente através da conjugação entre os rastos de travagem e o tempo de reacção de 1,2 metros, pelo que se dá por reproduzido o que a recorrente alegou relativamente à nulidade invocada Quanto ao ponto 25.

18 . É se salientar que os rastos de travagem de 22 metros do veículo SA não se situam antes do local do embate; pelo contrário, os 22 metros deixados pelo veículo SA situam-se praticamente na sua totalidade após o local onde se deu o acidente, que ocorreu junto ao semáforo avisador, à entrada do túnel (cfr. medições constantes do croqui a fls. 9 e 10 dos autos de inquérito.

19 . Acresce ainda que as operações matemáticas efectuadas pela Relação, nesse ponto, estão erradas e nem sequer traduzem o que consta da fotografia nº 7 a fls. 38 dos autos de inquérito.

20 . Pois, se atentarmos na fotografia nº 7 a fls. 38 dos autos de inquérito, cujos dados métricos foram registados por medição feita no local e não por livre apreciação do tribunal, os metros obtidos diagonalmente não correspondem à distância realmente existente, que é medida verticalmente, sendo, portanto, neste aspecto, incompreensível e errado o resultado matemático calculado pela Relação e que fundamentou a alteração da matéria de facto.

21 . Ora, além de a Relação fazer um uso ilegal dos poderes conferidos pelo art. 662º do CPC, violando, assim, o princípio do dispositivo e do contraditório, utilizando um novo meio prova não discutido no processo, é ininteligível a conclusão a que a Relação chegou face aos dados concretos constantes da fotografia nº 7 a fls. 38 dos autos de inquérito, em que a mesma se baseou.

22 . No que concerne aos pontos 28 e 34 da decisão relativa à matéria de facto alterados pela Relação, além de ininteligível face às medidas constantes da acta da diligência de inspecção ao local e das fotografias dos autos de inquérito, nas quais constam essas medições, a matéria dada como provada nesses pontos está em clara contradição com os factos provados constantes do ponto 16 , e que não foram postos em causa pela Relação.

23 . Foi dado como provado na sentença da 1.ª instância, no ponto 16, que "A face do lancil do lado da via de circulação do SA, dista 30 cm do lado nascente da linha branca que delimita a berma".

24 . Não obstante, a Relação na fundamentação do ponto 28 refere que " .... a linha de/imitadora, à direita, da faixa de rodagem onde seguia o SA, dista poucos centímetros, cerca de 5, do lancil onde o FF parou, mas também que ela própria, deveria ter, de largura, cerca de 10 cms".

25 . Ora, há uma clara contradição entre a fundamentação do acórdão e o facto provado no ponto 16, uma vez que, segundo este, ficou provado que do lancil à linha delimitadora da faixa de rodagem dista 30 cm e não cerca de 5, como vem referido no acórdão

26 . Por outro lado, a fotografias nº 7 a fls. 38 dos autos de inquérito onde, uma vez mais, a Relação se fundamenta, refere que do ponto H ao ponto F dista 5,5 metros! E não 5 centímetros! E a distância de 0,55 m do ponto O ao limite da faixa de rodagem diz respeito ao lado esquerdo da via, atento o sentido do veículo SA, e não ao lado direito da via.

27 . Salvo o devido respeito, não se compreende o que consta do acórdão relativamente à alteração do ponto 28, face ao consta do fotografia nº 7 a fls. 38., o que torna a decisão ininteligível e contrária ao que foi dado como provado por medições anteriormente efectuadas e que não são de livre apreciação do julgador, por serem dados concretos e objectivos.

28 . Além de a Relação ter ignorado as medições apuradas nos autos de inquérito e que foram efectuadas pelas autoridades competentes, também ignorou o resultado da inspecção ao local realizada em 25.06.2014, constante da acta de audiência de audiência final.

29 . Sendo essas medições algo de concreto e objectivo e que não dependem da livre apreciação do julgador, dada a ausência de carácter subjectivo.

30 . O mesmo raciocínio é valido para o ponto 34 da alteração da decisão relativa à matéria de facto provada.

31 . Pois, ao manter-se os factos constantes do ponto 16 da matéria assente, é impossível que no momento do embate o veículo SA circulasse a uma distância do lancil, onde se encontrava a vítima, não superior a 25 em, como consta do Acórdão.

32 . Sendo certo que não resulta da matéria de facto provada que o veículo SA tenha galgado o lancil ou nele tivesse raspado ou embatido.

33 . Assim, tendo em consideração que a linha branca delimitadora da faixa de rodagem dista cerca de 30 centímetros do lancil (ponto 16 dos factos provados) e os rastos de travagem do pneu do lado direito do veículo SA se situavam a cerca de 20 centímetros da linha branca (20cm +30cm =50cm, cfr. mediações constantes dos autos de inquérito e que constam da fundamentação da sentença da 1ª instância) é impossível a conclusão a que a Relação chegou de que o falecido não ocupou mais de 10 cm do espaço aéreo correspondente à faixa de rodagem do SA e que, no momento do embate, o SA circulava a uma distância, do lancil onde se encontra a vítima, não superior a 25 cms.

34 . Dúvidas não restam que o acórdão está ferido de nulidade, nulidade essa que torna nula a decisão, devendo manter-se, assim, a matéria de facto dada como provada na 1ª instância, pelo que só pode concluir que o condutor do veículo SA em nada contribuiu para a produção do acidente, sendo que este só ocorreu por culpa exclusiva do falecido FF.

35 . Mas, ainda que assim não se entenda, e a manter-se a matéria de facto agora dada como provada, entende a recorrente que, por esses factos, nunca poder-se-ia imputar ao condutor do veículo SA um grau de culpa maior do que aquele que se tem de atribuir ao falecido.

36 . Não se pode ignorar os depoimentos prestados por uma testemunha presencial, HH, e que é a única presencial para além do condutor do veículo seguro.

37 . E, essa testemunha presencial, foi peremptória em afirmar que o condutor do veículo SA nada pôde fazer para evitar o acidente, face à imprevisibilidade da actuação do falecido, que, indiferente à proximidade do veículo SA, inclinou-se para a frente e para a direita, projectando a parte superior do tronco, no exacto momento em que o veículo SA por ali passava.

38 . Não consta da matéria de facto provada que o veículo SA tenha invadido ou galgado o lancil onde se encontrava o falecido nem tão pouco que esse veículo tivesse raspado ou embatido no lancil.

39 . Tal como não foi dado como provado que o condutor do veículo SA circulasse fora da sua faixa de rodagem.

40 . Assim, ainda que se admitisse que o falecido FF tivesse ocupado apenas 10 cm do espaço aéreo da faixa de rodagem por onde por onde circulava o veículo SA, teria sido o falecido FF com o parte superior do seu corpo a ocupar a faixa de rodagem por onde circulava o veículo SA e não o contrário, ou seja, o condutor do veículo SA não invadiu o local onde se encontrava o peão nem dele se aproximou.

41 . As lesões sofridas pelo infeliz vítima circunscrevem-se à parte da cabeça e parte superior do tronco, conforme consta do relatório de autópsia, o que por si só evidencia que, não fosse o peão ter-se inclinado para a frente e para a direita, o acidente não teria ocorrido.

42 . A localização dos rastos de travagem do veículo SA, constantes das fotografias juntas nos autos de inquérito e do croqui, não evidenciam que o seu condutor circulasse muito próximo da berma, pelo que o condutor do veículo SA em nada contribuiu para a ocorrência do acidente.

43 . Sendo que esses rastos de travagem, de 22 metros, deixados pelo veículo SA situam-se, praticamente na sua totalidade, após o local onde se deu o embate, que ocorreu junto ao semáforo avisador, à entrada do túnel (cfr. medições constantes do croqui a ffs. 9 e 10 dos autos de inquérito), o que demonstra a imprevisibilidade do movimento efectuado pelo peão.

44 . Por outro lado, ao terem sido dados como provados os factos constantes dos pontos 14, 15, 19, 20, 21 e 37 dos factos provados, dúvidas não restam que o local onde o peão efectuou a travessia não era o adequado para fazer o atravessamento da Rua ….

45 . Aliado a esse facto, o peão debruçou-se para a frente e para a direita, ocupando com a parte superior do seu tronco, o espaço aéreo por onde circulava o veículo SA, indiferente à proximidade deste.

46 . Aliás, dando-se como provado o facto contante do ponto 16, que “A face do lancil, do lado da circulação do SA dista 30 cm do lado nascente da linha branca que delimita a berma" e encontrando-se os rastos de travagem dentro da faixa de rodagem, sensivelmente, a meio da faixa, não se pode responsabilizar o condutor do veículo SA uma vez que, contrariamente ao referido na fundamentação do Acórdão, o condutor do veículo SA não circulava demasiado próximo do lancil, uma vez que circulava dentro da sua faixa de rodagem.

47. Assim, face ao descrito, nenhuma culpa se pode assacar ao condutor do veículo SA, pois, mesmo que se admitisse que o seu condutor imprimia ao veículo uma velocidade de 67 Km/hora, o que não se concebe por ausência de prova, não seria possível evitar o acidente, tendo em consideração a imprevisibilidade da manobra efectuada pelo falecido FF.

48 . Não se podendo admitir a existência de nexo de causalidade entre a velocidade com que o veículo SA circulava e as lesões do peão, tendo em conta que foi o movimento que este efectuou, inopinado e temerário, que provocou o acidente.

49 . O falecido FF actuou de forma imprudente e descuidada, colocando a sua vida em risco, atravessando a via num local onde não lhe é permitido, por não estarem reunidas as condições de segurança para a sua travessia, em vez de percorrer algumas dezenas de metros e efectuar esse atravessamento em segurança pela passagem aérea existente nas proximidades.

50 . Assim, sem prescindir das alegadas nulidades, caso seja outro o entendimento, entende a recorrente que deve, sempre, ser revogado o acórdão recorrido e proferir-se novo acórdão que considere, pelo menos, que a contribuição de vítima FF para a ocorrência do acidente não foi menor do que a do condutor do veículo SA; pelo contrário.

51 . Por fim, entende também a recorrente que a Relação fixou importâncias indemnizatórias exageradas e desproporcionadas e a decisão da sua atribuição não está em conformidade com os factos provados.

52 . Resulta dos factos provados que a 2ª e a 3ª autoras implicavam um gasto familiar nunca inferior a € 5.000,00 por ano, para cada uma .

53 . O rendimento bruto do falecido FF era de € 11.379,06, ao qual acresce o rendimento de € 3.600,00 anuais, pelo que, conforme concluiu a Relação, o rendimento do falecido era, por si só, insuficiente para custear as despesas de educação das filhas autoras.

54 . No entanto, a Relação esqueceu-se que, ao rendimento do falecido, há ainda que subtrair, pelo menos, o montante considerado como mínimo de subsistência para o próprio FF e que, à data do sinistro, não deve considerar-se inferior a € 485,00.

55 . Pelo que, ao valor líquido anual apurado pela Relação de € 12.100,00 teríamos sempre de retirar a quantia de € 5.800,00 para os gastos anuais do próprio FF, que não foram levados em conta pela Relação.

56 . Assim, o rendimento anual do FF que ficava disponível para os encargos da vida familiar com as filhas Autoras era de € 6.280,00 e é este o valor que se deverá ter em conta para o cálculo da indemnização e não outro superior, em que se baseou a Relação.

57 . Não obstante, a frequência do ensino superior das 2º e 3º autoras e o desejo de o frequentar da 4ª autora, como o programa de Bolonha que entrou em vigor em 2006/2007, os cursos universitários já não são de 5 anos, mas sim de três anos, pelo que a idade de 25 anos como a idade normal para o termo da formação universitária é exagerada e sem correspondência com a realidade.

58 . Assim, tendo em conta o ora referido, as Autoras acabariam o curso universitário com cerca de 21/22 anos.

59 . Daqui resulta que o valor de € 49.500,00, (1/2 de € 99.000.00) encontrado pela Relação a título de alimentos às 2ª, 3ª e 4ª Autoras é manifestamente desproporcionado face ao rendimento disponível do FF, de € 6.280,00, e face à idade com que as autoras concluiriam a sua formação profissional.

60 . Mostrando-se justa e adequada ao caso concreto a quantia global não superior a €25.000$00, a dividir pelas suas filhas e em função da responsabilidade da ora recorrente.

61 . Além disso, a quantia global atribuída pela Relação de € 22.500,00 (1/2 de € 45.000,00), ficcionando que a 2ª, 3ª e 4ª autoras ficariam a viver em casa dos pais até aos 30 anos, além de não estar de acordo com a matéria de facto provada, não tem qualquer fundamento.

62 . Pois, a decisão da Relação tem por base pura futurologia, não existe qualquer fundamento para se presumir que as filhas do falecido FF vivessem em casa dos pais até aos 30 anos ou que tal tivesse ficado provado.

63 . O mesmo raciocínio é válido para o facto de a Relação ter atribuído a quantia de (25.200,00 (1/2 de €54.200,00) a título de indemnização pela hipotética ajuda dos pais aos filhos a partir dos 30 anos de idade, relativamente aos produtos agrícolas que o FF produzia.

64 . Não resultando igualmente dos factos provados nada de que se possa concluir que as filhas do falecido FF viessem a beneficiar desses produtos agrícolas até que o falecido FF perfizesse 77 anos.

65 . Conclui-se, deste modo, que a Relação, ao atribuir estas indemnização de €22.500,00 (1/2 de €45.000,00) e €25.200,00 (1/2 de €54.200,00) por factos que não ficaram provados, não existindo, portanto, fundamento para a sua atribuição, está a extravasar o poder de decisão, existindo, neste ponto, excesso de pronúncia por parte da Relação.

66. O dano não patrimonial da própria vítima, fixado em € 20.000,00, é inaceitável face ao que resultou provado.

67 . Referindo a Relação que o sofrimento de FF não se prolongou além de uma hora, desconhecendo-se se, durante esta, ele esteve sempre consciente, nunca essa compensação deverá ser fixada em montante superior a € 8.000,00.

68 . Ora, não resulta da matéria de facto provada que o FF, depois do embate, tenha estado sequer consciente, tanto mais que a maior partes das lesões sofridas por este circunscrevem-se à cabeça.

69 . Tal como não se não se provou que o falecido tenha sentido de forma consciente dores físicas, medo, receio da morte, desespero e angústia, e tendo em conta as lesões sofridas na cabeça, não se justifica a elevada quantia atribuída a título de danos não patrimoniais da própria vítima, tanto mais que a importância atribuída de € 20.000,00 está muito acima do que as instâncias superiores fixam em situações semelhantes.

70 . O valor atribuído a título de danos morais das autoras, sendo € 30.000.00 para a 1ª autora e de 20.000,00 a cada uma das filhas do falecido, 2ª, 3ª e 4ª autoras, é manifestamente exagerado.

71 . A recorrente consideraria justo e adequado, a título de danos morais, o valor de € 10.000,00 para o cônjuge e de € 15.000,00 para cada uma das filhas do falecido.

72 . Tendo sido dado como provado no ponto 63 que as Autoras receberam da Companhia de Seguros GG a quantia de €121.S00,00 a título de indemnização pela morte de FF, essa importância terá se ser sempre, obrigatoriamente, deduzida à totalidade da indemnização e não apenas ao dano morte de FF.

73 . Ao decidir como decidiu, o douto acórdão recorrido não teve na devida conta a matéria de facto provada nem o direito aplicável, tendo violado o disposto nos arts. 662º, 663º, 615º do Cod. Processo Civil e 342º, 562º, 563º e 566º n.º2 do Código Civil.



E concluem as autoras as alegações como segue:


a) - O Tribunal a quo não fundamenta devidamente quer a exigência de dedução ao valor da indemnização por danos patrimoniais, quer o respectivo quantitativo.

b) - Não é líquido que as 2ª, 3ª e 4ª AA. sejam beneficiadas recebendo tudo antecipadamente.

c) - A percentagem de 25% sobre a totalidade da indemnização afigura-se exagerada.

d) - Os encargos suportados com as 2ª, 3ª e 4ª AA. serão superiores no curto prazo, ou seja, no período em que as mesmas se encontram a estudar, pelo que o benefício resultante do pagamento antecipado não se afigura tão evidente.

e) - O valor devido a título de indemnização por danos patrimoniais deveria ascender a 97.200 euros, quantia que reduzida a dois terços perfaz o montante de 64.800 euros.

f) - Todavia, e sem conceder, caso se considere justificada a dedução de uma percentagem, o que não se concebe, a mesma deverá ser manifestamente inferior aos 25% fixados pelo Tribunal a quo.

g) - As indemnizações atribuídas a título de danos morais sofridos pelas AA. não foram objecto de um juízo equitativo.

h) - Há que ter em conta que o Supremo Tribunal de Justiça vem reconhecendo que se toma necessário elevar o nível dos montantes dos danos morais, perante o condicionalismo económico do momento e o maior valor sentimental que se atribui à vida humana e, sobretudo, que actualmente se assiste a uma corrente jurisprudencial que visa afastar critérios miserabilistas de fixação desta espécie de danos, pautando-se por uma justa, naturalmente mais elevada, fixação dos montantes indemnizatórios.

i) - Face à evolução verificada na nossa jurisprudência, as indemnizações fixadas pelo Tribunal a quo para os danos morais sofridos pelas AA. não se afiguram ajustadas para compensar o mal sofrido pelas mesmas.

j) - Justificar-se-ia a fixação de uma indemnização no montante de 50.000 euros para a 1.ª A. e 40.000 euros para cada uma das restantes AA., valores que reduzidos a dois terços perfazem 33.333,33 euros e 26.666,66 euros, respectivamente.

k) - A decisão do Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 496°, n.º1 e 566°, n.° 3 do Código Civil.


As autoras contra-alegaram relativamente ao recurso da contraparte, rebatendo, ponto por ponto, os argumentos carreados por esta.



5 . Ante as conclusões das alegações da seguradora, as questões que se nos deparam consistem em saber se:


O acórdão recorrido é nulo por:

Os Senhores Desembargadores se terem socorrido do site da Prevenção Rodoviária Portuguesa que anteriormente não tinha sido abordado;

De tal site resulta uma presunção que não pode determinar alteração do que fora fixado em 1.ª instância;

O decidido quanto ao ponto 27.º dos factos provados não corresponde ao resultante da fotografia de folhas 38 dos autos de inquérito;

O decidido no que respeita aos pontos 28.º e 34.º, além de ininteligível, está em contradição com o constante do ponto 16.º;

A Relação ter ignorado as medições apuradas nos referidos autos de inquérito e o resultado da inspeção ao local;

Estando também por isso inquinada a alteração relativa ao ponto 34.º;

Mesmo que se mantivessem os factos, nunca poderia imputar-se ao condutor do veículo SA um grau de culpa maior do que à vítima;

Não se pode estabelecer uma relação de causalidade entre a velocidade do SA e as lesões sofridas por esta;

As indemnizações fixadas são exageradas nos termos precisados nas alegações da seguradora;

Tendo as autoras recebido da Companhia de Seguros GG €121.500,00, em virtude da existência de outro seguro, esta importância terá de ser descontada no montante indemnizatório;



E perante as conclusões das alegações das autoras:


Os montante relativo as danos patrimoniais deve ser majorado para € 64.800,00;

A dedução da percentagem deve ser inferior a 25%;

As compensações pelos danos não patrimoniais das autoras devem ser majoradas para os montantes que referem.



6 . Vem provada a seguinte matéria de facto:


1. FF nasceu no dia 3.04.1961, conforme documento de fls. 34 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. E faleceu no dia 6 de Julho de 2011, no estado de casado com a 1.ª autora, AA, conforme documento de fls. 79 e 80 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. E, sem testamento.

4. Deixando como descendentes as autoras BB, CC e DD, conforme documentos de fls. 81 a 89 e cujo teor se dá por reproduzido.

5. A autora BB nasceu no dia 20.03.1991, conforme documento de fls. 81 a 83 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

6. A autora CC nasceu no dia 15.07.1992, conforme documento de fls. 84 a 86 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

7. A autora DD nasceu no dia 1.09.1999, conforme documento de fls. 87 a 89 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8. No dia 6 de Julho de 2011, pelas 16.45 horas, ocorreu um embate na Rua …, em frente ao n.º …, na freguesia de …, concelho de Braga, em que intervieram o veículo ligeiro misto, de matrícula SA-…-…, marca Bedford, pertencente e conduzido por II, e o falecido FF, que seguia como peão.

9. A Rua … configura um arruamento, com passeios e piso betuminoso em bom estado.

10 . A referida Rua …, desde a estação da CP até às proximidades do Túnel de …, é constituída por duas faixas de rodagem (dois sentidos de trânsito) devidamente delimitadas por um separador central materializado por lancis de betão e arbustos no meio.

11. Havendo em cada uma das faixas de rodagem duas vias, de sentido único em cada uma das faixas.

12. No local onde ocorreu o embate, a Rua … é já constituída por quatro faixas de rodagem, havendo duas que atravessam o túnel e as outras duas destinadas ao trânsito que circula pela rotunda.

13. Por sua vez, nas duas faixas que atravessam o túnel são permitidas três filas de trânsito, sendo duas para o trânsito que circula no sentido Sul-Norte e uma para o trânsito que circula no sentido Norte-Sul.

14. Na zona onde ocorreu o sinistro a separação dos sentidos de trânsito é feita por linha contínua adjacente com pilaretes reflectores, numa recta em patamar com visibilidade em mais de 50 metros em extensão e largura.

15. A separação das vias de trânsito é feita por pilaretes no seguimento dos quais se inicia um lancil com 0,12 metros de altura por 10,8 metros de comprimento e 0,60 metros de largura, seguindo-se a entrada para o túnel.

16. A face do lancil, do lado da via de circulação do SA dista 30 cm do lado nascente da linha branca que delimita a berma.

17. No local do embate, a via apresenta uma ligeira inclinação descendente no sentido Norte/Sul, sendo que antes da entrada para o túnel, atento o mesmo sentido, a via de trânsito apresenta uma largura de 2,80 metros.

18. O limite legal de velocidade no local é de 50 Km/hora.

19. É uma rua com trânsito de veículos automóveis muito intenso, havendo períodos do dia em que o trânsito de veículos automóveis, em duas vias em cada faixa se processa em fila contínua.

20. Para permitir a travessia da Rua … aos peões em condições de segurança foi montada uma ponte com uma estrutura metálica a ligar os dois passeios existentes em cada um dos lados da via.

21. A partir dessa ponte metálica até próximo do túnel o separador central é constituído por duas linhas longitudinais contínuas entre as quais estão assentes pilares reflectores, de cor vermelha, com duas listas brancas paralelas em cada um, continuando depois com um lancil e parede de betão.  

22. Tal passagem área situa-se a 75 metros antes do local do embate.

23. Existe ainda, 77 metros após o local do embate, uma passagem de peões devidamente sinalizada e demarcada no solo. (depois de alteração pela Relação)

24. No dia e hora supra, o veículo SA-…-…, que tem 1.70 metros de largura, circulava pela Rua …, no sentido Norte-Sul, pela via mais à esquerda da sua faixa de rodagem, em direcção ao túnel ali existente.

25. A uma velocidade de cerca de 67 Kms/hora (depois de alteração pela Relação).

26. Por sua vez, o sinistrado FF atravessava a faixa de rodagem do lado direito para o esquerdo, atento o sentido de marcha do veículo SA.

27. Quando o veículo SA estava a cerca de 32,40 metros do semáforo avisador do túnel, o sinistrado, FF, após concluir a travessia da hemifaixa mais direita e da hemifaixa central que dão acesso à rotunda de Maximinos, parou sobre o lancil e a cerca de 2,40 metros desse semáforo (depois de alteração pela Relação).

28. E de seguida, sem que nada o fizesse prever, debruçou-se para a frente e para a direita, ocupando em não mais do que 10 cm, o espaço aéreo correspondente à faixa de rodagem do SA (depois de alteração por parte da Relação).

29. Sendo embatido, na parte superior do seu corpo, pela parte lateral direita do veículo SA. (depois de alteração por parte da Relação).

29 . A - O condutor do SA, ao avistar a vítima, no lancil, assustou-se.

29 . B - O condutor do SA podia ter avistado o sinistrado a, pelo menos, 70 metros do local onde aquele se encontrava (estes dois acrescentados pela Relação)

30. O condutor do veículo SA, tendo-se apercebido da presença do peão, ainda tentou evitar o acidente, accionado de imediato o sistema de travagem.

31. Os pneus do lado direito do SA deixaram um rasto de borracha no alcatrão numa distância de 22 metros. e do lado esquerdo deixaram um rasto de borracha no alcatrão numa distância de 11 metros.

32. Na sequência do embate, o corpo do sinistrado foi projectado para o solo, ficando a uma distância do local do embate em cerca de 5,5 metros. acabando por ficar caído na faixa de rodagem, do outro lado do lancil, situada à direita daquela em que seguia o SA.

33. Ainda em resultado do embate o sinistrado ficou estendido no solo em agonia e sofrimento e com várias convulsões.

34. No momento do embate, o SA circulava a uma distância do lancil onde se encontrava a vítima, não superior a 25 cm (Depois de alteração pela Relação).

35. Não existe qualquer sinal vertical que proíba o atravessamento da via no local do sinistro.

36. Nas imediações do local do sinistro, a via é atravessada por imensos peões fora dos locais assinalados para o efeito.

37. O condutor do SA passa no local do sinistro todas as semanas.

38. Em Setembro de 2011, o veículo SA foi examinado e reprovado em inspecção técnica apresentando eficiência superior ou igual a 25% e inferior a 50% do travão de serviço e força de travagem inadequada no 2° eixo.

39. Na data do sinistro, o sistema de travagem do veículo SA já se encontrava em deficientes condições.

40. Após o acidente, o FF foi transportado de ambulância para o Hospital de Braga, ainda com vida.

41. Deu entrada no serviço de urgência ainda com vida, vindo a falecer na unidade hospitalar cerca de uma hora após o embate.

42. Do sinistro resultaram lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e torácicas e traumatismos que originaram a morte do aludido FF.

43. À data do embate, o sinistrado era um homem saudável, trabalhador e dinâmico, com uma energia admirável e uma capacidade de trabalho invulgar e amado por todos.

44. As autoras viviam em economia comum com FF.

45. Os salários auferidos pelo FF eram uma fonte de rendimento essencial do agregado familiar.

46. As 2°, 3° e 4° autoras eram, à data do sinistro, e são estudantes, não auferindo qualquer rendimento e estavam totalmente dependentes do rendimento do falecido FF.

47. As 2° e 3° autoras frequentavam, à data do sinistro, o ensino superior, em cursos de engenharia e enfermagem, respectivamente, e com gastos anuais, em propinas, estadia, material escolar, transportes e demais despesas inerentes à frequência do curso nunca inferiores a € 5.000 para cada uma.

48. A 4° autora frequentava o 6° ano de escolaridade.

49. O falecido FF era funcionário público, trabalhava na Polícia Judiciária, e auferia um rendimento anual bruto de € 11.379,06.

50. O FF ainda fabricava terrenos agrícolas, donde retirava todo o tipo de alimentos para a família - fruta e legumes -, actividade que representava um rendimento de € 300 euros mensais e que deixou de existir com o seu falecimento.

51. A totalidade dos rendimentos do falecido FF destinavam-se a satisfazer os encargos do agregado, designadamente as contas da casa, alimentação, vestuário e demais despesas, bem como das despesas com o sustento e educação das suas filhas.

52. Sempre foi intenção das 2°, 3° e 4°s autoras completarem o ensino superior e realizarem cursos de pós-graduação, sendo esse também o objectivo do falecido FF.

53. Na ocasião do embate, ficaram impróprias para serem utilizadas várias peças de vestuário do falecido, de valor não concretamente apurado.

54. Com o funeral e transporte do corpo, gastaram as autoras quantia não concretamente apurada.

55. E em deslocações e transportes que tiveram de fazer por causa do sinistro gastaram quantia não apurada.

56. O sinistrado FF era o polo aglutinador de todas as filhas e demais família, sendo o confidente da mulher e de todas as filhas, e a quem estas recorriam sempre que alguma dificuldade lhes surgia.

57. Sendo o próprio FF quem organizava os jantares de aniversário dos filhos, a festa da Páscoa e os jantares de consoada do Natal, altura em que juntava a mulher e as filhas à sua volta e todos gozavam de momentos de grande felicidade e alegria.

58. Além disso, o entendimento entre as autoras e o FF era perfeito e unia-os um forte sentimento de amor e carinho.

59. Em virtude da perda do marido e pai, as autoras sentem dor, tristeza e angústia, tendo sobretudo em conta a forma repentina como o FF faleceu.

60. A 1 ° autora revela falta de orientação, de assistência, de apoio e de companhia.

61. E as 2°. 3° e 4° autoras viram-se, de repente, sem a sua referência de vida que as acompanhava em todas as decisões e as protegia.

62. Por virtude do contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, foi transferida para a ré EE - Companhia de Seguros S.A., a responsabilidade civil pelos danos causados pela circulação do veículo SA-…-….

63. Em 6.08.2012, a Companhia de Seguros GG, SA procedeu ao pagamento às autoras, na qualidade de herdeiras do sinistrado FF, da quantia de € 121.250,00, a título de indemnização por morte daquele, conforme documentos de fls. 160 a 162 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.



7 . A fixação da matéria de facto encerra, por via de regra, produção de prova. Se se tratar de prova plena o tribunal está vinculado ao que resulta da sua produção.

Se, porém, se tratar de prova livre, o tribunal tem pela frente uma valoração. Para a qual concorre, em primeira linha, o conteúdo da prova produzida, que, todavia, o deixa com uma margem de liberdade e de responsabilidade sobre se deve aceitar que esta corresponda ou não corresponda à realidade.

Nesta etapa, não pode deixar de fazer intervir “a sua consciência…, as regras da experiência, os outros meios de prova trazidos para o processo, etc.” (Rita Gouveia, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 894).

Se, em opção consciente, preencher as regras da experiência com dados recolhidos em elementos dignos de credibilidade, não só não está a ir para além do que a lei lhe permite, como a enriquecer a sua consciência em ordem a tomar uma boa decisão.

Já vem de muito longe, aliás, o recurso a tabelas – então constantes de Códigos da Estrada Anotados – relativas à relação entre o comprimento dos rastos de travagem e a velocidade a que circulava um veículo.

Estas tabelas, cada vez mais atualizadas e precisas, não são elementos de prova, mas antes de raciocínio para valoração desta. Por isso, não constitui surpresa o seu recurso em tal valoração, não carecendo, até pelo seu grau científico, que sejam previamente submetidas a contraditório.

De louvar e não de censurar, pois, que a Relação tenha lançado mão do constante do site da Prevenção Rodoviária Portuguesa para melhor aferir da velocidade a que circulava o veículo.

Sendo certo que, conforme expressamente fundamenta, a velocidade encontrada “ se conjuga” com o teor do depoimento da testemunha João Pereira.



8 . As fotografias são elementos de prova de livre apreciação, enquanto documentos particulares, nos termos do artigo 356.º, n.º1 do Código Civil.

Se se trata de prova de livre apreciação, a sua valoração – para além da envolvência jurídica a ela atinente – situa-se fora dos limites do recurso de revista, traçados, no essencial, pelo n.º3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil.

O mesmo se podendo dizer quanto às medições apuradas no inquérito e ao resultado da inspeção ao local. Quanto àquele, há a considerar que se trata dum elemento doutro processo e que neste tipo de processos só a sentença projeta os seus efeitos em processo civil do modo, aliás, muito limitado constante dos artigos 623.º e 624.º do Código de Processo Civil. Quanto ao resultado da inspeção existe mesmo a disposição do artigo 391.º do Código Civil no sentido de o resultado ser livremente apreciado pelo tribunal.



9 . Seguindo a enumeração feita em 5 temos agora a questão da ininteligibilidade dos pontos 28.º e 34.º e a sua contradição com o constante do ponto 16.º. Esta argumentação encerra, ela mesma, uma contradição porquanto não se pode concluir pela contradição quando um dos elementos que estão nessa relação não são inteligíveis.

A nosso ver, não há qualquer ininteligibilidade.

Num lado considerou-se provado que o sinistrado se debruçou para a frente e para a direita, ocupando em não mais de 10 cm o espaço aéreo correspondente à faixa de rodagem do SA e no outro considerou-se provado que o SA circulava a uma distância do lancil onde se encontrava a vítima, não superior a 25 cm.

Como o embate teve lugar, houve um momento – pelo menos um momento – em que o veículo se aproximou em ordem a ficar a 10 cm ou menos de distância do lancil onde se encontrava o Adelino.

Mas como no ponto 34.º se refere que a distância de circulação era “não superior a 25 cm” não há contradição. O que tem antes lugar é uma obnubilação desta distância perante a outra mais precisa e causal, de 10 cm.



10 . No ponto 16.º considerou-se provado que a face do lancil, do lado da via de circulação do SA dista 30 cm do lado nascente da linha branca da linha branca que delimita a berma. O SA circulava no sentido norte-sul e o FF pretendia atravessar a via de trânsito da direita para a esquerda atento o sentido de marcha daquele. Concluiu a travessia da “hemifaixa” mais à direita, depois da “hemifaixa” central ambas dando acesso (pelo lado direito) à rotunda de Maximinos e parou sobre o lancil em ordem a atravessar a parte da via de trânsito que conduz ao túnel e se, situa, depois do lancil, à esquerda das que ele tinha já atravessado.

Para quem segue no sentido norte-sul, o nascente fica à esquerda.

Temos, pois, no sentido pretendido pela vítima, o lancil, com o seu limite e, depois, uma linha branca (aludida no facto n.º 16.º).

Neste ponto 16.º só se alude ao limite nascente cuja distância ao lancil incluía, assim, a largura da própria linha branca. Nada ficou ali apurado sobre a distância entre o limite da linha virado para o lancil e o começo deste.


Decerto que, mesmo assim, se o veículo circulasse para além dela, não se teria dado o embate, mas nada foi apurado que afastasse a ideia que ele a pisava aquando do embate.

Não colhe também a pretensa nulidade por contradição.



11 . De acordo com os factos provados, a vítima fez uma travessia arriscada ainda que não ilícita em abstrato. A ilicitude surgiu quando se inclinou para a faixa de rodagem quando o não devia fazer sem particular cuidado.

Mas o condutor do SA circulava a velocidade excessiva e a velocidade excessiva é decisiva em acidentes como este em que se tem ou não tem tempo de fazer o desvio salvador ou, concomitantemente ou não, a travagem atempada.

Outrossim, circulava demasiado junto do lancil, quando podia e devia ter avistado a vítima a uma distância que lhe permitia tomar os cuidados necessários para evitar qualquer hipótese de acidente.

Não se vê, pois, que seja de censurar a maior percentagem de culpa atribuída ao condutor do veículo.



12 . Já flui do número anterior que consideramos o excesso de velocidade como concausal relativamente ao acidente. Na verdade, segundo as regras da experiência, a diferença que vai do limite absoluto no local de 50 km/h, para os 67 Km/h, determina uma muito menor possibilidade de reação eficaz, incluindo a travagem, por parte do condutor.

Tenhamos até presente que no local a travessia, ainda que manifestamente desaconselhável, era legalmente possível e isso determinava no condutor avisado uma particular cautela, com incidência primordial precisamente na velocidade.



13 . No que respeita ao montante fixado a título de danos patrimoniais relativos à perda do benefício emergente dos proventos que a vítima auferiria, subscrevemos todas as considerações feitas pela Relação. De acordo com a parte final do n.º1 do artigo 9.º do Código Civil, na interpretação da lei, o intérprete deve ter em conta as “condições específicas do tempo em que é aplicada”. E essas condições, com o advento da crise económica, têm sido terríveis para a grande maioria dos jovens. O desemprego, incluindo o de licenciados, assume valores chocantes, aqueles que a ele conseguem escapar, têm empregos ou proventos precários e tudo gera situações de dependência dos pais até muito mais tarde do que antes.

No seu cálculo, a Relação já considerou só o contributo previsível da vítima em 50% para as filhas, pelo que está aqui, implicitamente, a atenção às despesas que aquela teria consigo própria. Aliás, integradas totalmente nos encargos do agregado familiar, como resulta do constante do ponto 51.º do elenco factual.   

Também têm os tribunais afastado a rigidez que resultaria de se considerar como limite laboral a idade de 70 anos. Pode esta constituir um referencial, mas sempre encarado de modo elástico (cfr-se, exemplificativamente, em www.dgsi.pt, o Ac. deste Tribunal de 7.5.2014, processo n.º 436/11.1TBRGR.L1.S1).

Esta falta de rigidez é particularmente relevante no caso de pequenos trabalhos agrícolas, pois estes constituem, por regra, para quem a eles se costuma dedicar, um elemento integrante do envelhecimento ativo que agora é tão defendido.

Nada a censurar, pois, também quando a Relação considerou a duração previsível deste tipo de trabalhos e subsequentes proventos.

Outrossim, não nos parece ter justificação a majoração pretendida pelas autoras.

Ao contrário do que sustentam, a Relação fundamentou devidamente os montantes a que chegou. E não nos parece exagerada a dedução que fez, de 25%, por causa do recebimento antecipado de todo o capital. Está em consonância com o período de tempo, algo dilatado, em que os rendimentos proporcionados pela vítima seriam facultados às filhas.



14 . No que diz respeito à compensação pelos danos não patrimoniais consistentes no sofrimento havido pelo FF entre o acidente e a morte, há logo a ter em conta o constante do ponto 33.º do mesmo elenco, ou seja, que ficou estendido no solo em agonia e sofrimento e com várias convulsões. Viveu ainda uma hora, durante a qual foi transportado ao Hospital (pontos 40.º e 41.º).

O sofrimento deveria ter sido atroz perante as lesões havidas e a situação de agonia.

Está em causa o esvair-se duma vida humana na perspectiva do próprio. Um valor necessariamente muito elevado. Os vinte mil euros fixados pela Relação (depois diminuídos de acordo com a percentagem de culpa) não merecem censura.



15 . Assim como a não merecem os valores compensatórios fixados relativamente a cada uma das autoras pelos danos próprios havidos. Grosso modo, estão em consonância com o que se tem fixado – cfr-se, no referido sítio, os Ac.s deste Tribunal de 12.10.2006, processo n.º 06B2520, 5.2.2009, processo n.º 08B4093, 7.1.2010, processo n.º 1975/04.6TBSXL.S1, 31.1.2012, processo n.º 875/05.7TBILH.C1.S1 e 31.5.2012, processo n.º 14143/07.6TBVNG.P1.S1 – e a fixação, que vem de longe, deve constituir ele mesma um valor a ter em conta atento o disposto na parte final do artigo 8.º do Código Civil.

A intensidade da relação familiar é hoje muito variável, mas a relação que elas tinham com o marido e pai e vice-versa era exemplar.

Apesar disso e apesar de este Tribunal acentuar repetidamente que os valores indemnizatórios relativos a danos não patrimoniais não devem ser miserabilistas, não cremos que haja justificação para a majoração, atenta sempre a parte final daquele mesmo artigo.



16 . De acordo com o documento de folhas 161 e 162, para que remete o ponto 63 do elenco factual, as autoras receberam a quantia ali referida como beneficiárias dum seguro de grupo de acidentes pessoais de que a vítima era titular.

No acórdão recorrido subtraiu-se à indemnização global a parcela respeitante à perda do direito à vida, por se entender estar compreendida neste montante recebido.

Nesta parte a decisão transitou em julgado e não temos que sobre ela nos pronunciar.


A seguradora, contudo, impugna a condenação relativa às demais parcelas, com base na existência do mencionado seguro.



17 . A figura do “segundo seguro” está prevista no artigo 434.º do Código Comercial.

Levantou muitas discussões, importando-nos aqui apenas a vertente da cumulação ou não cumulação entre as quantias a receber em virtude da existência dum seguro de acidentes pessoais e em virtude da existência de seguro obrigatório automóvel.

Vaz Serra (RLJ, n.º 3539, página 31, continuado no n.º 3540, página 36 e seguintes) escreveu, a dado passo:

“Pelo contrário, no caso de o lesado ter contratado um seguro de acidentes pessoais, tem direito ao montante desse seguro e à indemnização contra o responsável pelo acidente. Como diz Larenz, “não são de imputar [na indemnização] prestações que o lesado obtém com base num por ele concluído contrato de seguro. Elas representam a contraprestação dos prémios por ele pagos e contraria o sentido do contrato de seguro que pudessem aproveitar ao obrigado a indemnização.”

E, mais adiante:

“Se o contrato de seguro tivesse sido concluído pelo lesado, teria este direito àquela cumulação, pois, como se referiu já, não só o montante do seguro seria a contra prestação dos prémios por ele pagos, como seria contrário à finalidade do contrato de seguro que o montante deste aproveitasse ao terceiro responsável, excluindo ou reduzindo a indemnização a que é obrigado.”

Esta ideia de relevar, para estes efeitos, a pessoa do tomador do seguro foi recebida pelo Acórdão deste Tribunal, cujo texto se pode ver no referido sítio, de 4.10.2001, processo n.º 01B2309.


Entretanto, veio a lume, com o Decreto-lei n.º 72/2008,de 16.4, o Regime Jurídico do Contrato de Seguro.


Dispõe sobre o que chama “Pluralidade de seguros” no artigo 180.º, integrado no Título III, relativo ao “Seguro de Pessoas” e, até por remissão do n.º2 deste, no artigo 133.º, integrado no Título II, reportado ao “Seguro de Danos”.


Estatui sobre a hipótese do mesmo risco relativo ao mesmo interesse e por idêntico período estar seguro por vários seguradores, ou seja, sobre os casos que a doutrina vinha designando de “seguros múltiplos”.

De fora ficaram os casos em que os seguros, ainda que reportados às consequências do mesmo evento, não obedecem aos mencionados requisitos.


Em ambos, sempre quanto ao mesmo evento, levanta-se a questão da cumulação ou não dos montantes a pagar pelas seguradoras.


A cumulação pode resultar, em primeira linha, do acordo das partes, as quais, no domínio da liberdade contratual prevista no artigo 405.º, n.º1 do Código Civil, podem convencionar que as quantias a receber, na hipótese de verificação do sinistro, se cumulam com quaisquer outras ou não.


Nada sendo estipulado, a falência dos mencionados requisitos, determina, a nosso ver, a cumulação das prestações. Se o risco ou o interesse ou até o período de tempo forem diversos, não há qualquer razão para as restrições, baseadas, como são, no repúdio do enriquecimento do sinistrado. 


Ainda dentro do quadro de verificação de tais requisitos, há que distinguir:

Ou as prestações são de valor predeterminado;

Ou não são.


Se são, também se impõe a cumulação com quaisquer outras, seja de que natureza forem – n.º1 daquele artigo 180.º.

Se não são, vale o regime que resulta dos n.ºs 1 e 2 deste e, bem assim, do mencionado artigo 133.º.



18 . As prestações predeterminadas são fáceis de definir fazendo com que o regime emirja com clareza, não sendo úteis sequer as discussões sobre a verificação dos mencionados requisitos.

No mais a verificação ou não destes pode levantar dúvidas.



19 . Para os casos em que o acidente é simultaneamente de viação e de trabalho o próprio legislador veio a terreiro. Optou pela consunção da indemnização menor pela mais elevada, pelo que não há lugar a cumulação (cfr-se, ainda no referido sítio, os Ac.s deste Tribunal de 29.4.2010, processo n.º 102/2001.L1.S1 e de 14.4.2011, processo n.º 3075/05.2TBPBL.C1.S1).


Mas não obstante esta opção legislativa, no caso de concorrer com o seguro de acidentes de trabalho um de acidentes pessoais, entende-se que há duas coberturas que caminham paralelamente, com inerente acumulação das indemnizações.

Conforme afirma Romano Martinez (Direito do Trabalho, 3ª ed., Coimbra, 2006, nota 1 da pág. 858) em face de acidente de trabalho se o trabalhador havia celebrado um seguro próprio de acidentes, “a indemnização que receber da sua seguradora pode cumular-se com a devida pelo empregador”.

Podendo ver-se, neste sentido, sempre no referido sítio, a fundamentação do Acórdão deste Tribunal de 22.2.2011, processo n.º 667/06.8 TBOHP.C2.5.



20 . No caso de a relação não ser entre seguro de acidentes pessoais e seguro de acidente de trabalho, mas entre seguro de acidentes pessoais e seguro obrigatório automóvel, cremos também que o caminho correto é o da cumulação.

Como refere Arnaldo Oliveira (Lei do Contrato de Seguro, anotada por vários Autores, 379, em anotação ao artigo 133.º)

 “O presente artigo regula a pluralidade de seguros da perspectiva da garantia do princípio indemnizatório, não da perspectiva da garantia de outros valores, como p.e. o artigo 23.º do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto…É, pois, um corolário do princípio indemnizatório.”

Na verdade, o seguro obrigatório automóvel emergente das sucessivas diretivas comunitárias e do seu recebimento pelo Decreto-Lei n.º 522/85, de 31.12 e agora pelo vigente Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.8, prossegue um interesse que transcende, em muito, o seguro de acidentes pessoais.

Tem como referência base o veículo de circulação terrestre, com a constatação expressa e intensa de que se trata duma realidade de alcance social (cfr-se o início do preâmbulo daquele Decreto-Lei n.º 522/85) que foi assumindo uma dimensão que justifica completa e pormenorizada autonomização.


Ao ter como referência base o veículo na sua circulação, determina uma vivência indemnizatória muito diferente da relativa ao seguro de acidentes pessoais. Enquanto neste é, por regra, o segurado que toma o seguro pensando na hipótese de sofrer um acidente, no caso de seguro obrigatório automóvel é o responsável por este que é obrigado a ir junto da seguradora cuidar da cobertura dos danos que a circulação do veículo possa provocar. Esta distinção é marcante se relembrarmos a velha posição de Vaz Serra, referida em 17.

Uma das vertentes em que se manifesta a preocupação de efetiva indemnização ao lesado situa-se no artigo 47.º, n.º1 daquele Decreto - Lei n.º 291/2007, que, continuando o que já vinha do anterior, assegura a “reparação dos danos” “causados por responsável desconhecido, incumpridor da obrigação de segurar ou desta isento”.

Tendo sido mesmo já antes criado um organismo próprio, cujas atribuições consistem precisamente em assegurar o ressarcimento nos casos de ausência de seguro.

Concomitantemente, em nada se preocupou o legislador nos casos em que o lesado tivesse outro seguro que, em termos práticos, já cobrisse alguns dos danos também cobertos pelo seguro obrigatório automóvel. Só se refere à “pluralidade de seguros” no artigo 23.º, com referência aos efetuados ao abrigo do artigo 6.º “relativamente ao mesmo veículo”, o que até legitima interpretação “a contrario sensu”, no sentido de que não quis a relevância da figura nos casos, como o nosso, em que pluralidade não respeitasse a tais seguros, nomeadamente em que derivasse de seguro tomado pelo próprio lesado ou que a pessoa visada fosse ele próprio (integrado ou não num grupo). 

Esta ideia de que a indemnização relativa ao seguro obrigatório automóvel não é afetada pela existência de seguro de danos pessoais de que o lesado seja titular está em consonância com a preocupação do legislador, quanto aos interesses do “lesado” como elemento finalista primordial daquele tipo de seguros (veja-se, nomeadamente, o preâmbulo daquele Decreto-Lei n.º291/2007).


Tem, deste modo, atualidade reforçada o que se escreveu no Acórdão deste Tribunal de 14.10.1987 (BMJ 370.º, 513):

“No seguro de vida convenciona-se o pagamento de certa quantia a terceiro por morte do segurado, tendo o beneficiário um direito seu, firme com a morte do segurado, embora não fundada nesta mas no contrato.

Não tendo o seguro de vida natureza indemnizatória, não pode deixar de se reconhecer ao titular do direito à indemnização pelo acidente de que resultou a morte do segurado o direito de cumular a quantia recebida com base naquele contrato com a indemnização de responsabilidade de terceiro a quem o acidente seja imputável.”



21 . Face a todo o exposto, negam-se as revistas.

Custas de cada um dos recursos por cada parte recorrente.


Lisboa, 9.7.2015


João Bernardo (Relator)

Oliveira Vasconcelos

Fernando Bento

_____________________

[1] Há duas conclusões com este número.