Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
403/09.5TJLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: ACÇÃO INIBITÓRIA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
BOA FÉ
EXCLUSÃO DE CLÁUSULA
INTERESSE EM AGIR
MINISTÉRIO PÚBLICO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 04/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
DIRIETO COMUNITÁRIO / DIREITO DO CONSUMO.
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS (EXCEPÇÕES) / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil – Novo Regime (Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto), 2.ª edição revista e actualizada, 2008, pp. 382, 411.
- Almeida Costa e Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais – Anotação ao DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, 1993, pp. 15-72.
- Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, pp. 593, 597 (nota 11) 599.
- Antunes Varela e outros, Manual do Processo Civil, 1984, p. 170.
- Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, 2000, p. 118.
- João Alves, Algumas notas sobre a tramitação da Acção Inibitória de Cláusulas Contratuais Gerais, “Revista do CEJ”, 2007, n.º 6, pp. 75-92.
- Joaquim Sousa Ribeiro, Cláusulas Contratuais Gerais e Paradigma do Contrato, 1990, p. 46.
- Jorge Pegado Liz, in “As Condições Gerais dos Contratos”, Revista de Direito do Consumo, n.º 13 (Março de 1998), pp. 20-44.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pp. 79/80.
- Miguel Teixeira de Sousa, O Interesse Processual na Acção Declarativa, 1989, pp. 9/11.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 405.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 273.º, N.ºS 1 E 2, 287.º, AL. E), 493.º, N.º2, 494.º, 495.º, 663.º, N.º 1, 722.º, N.º1, AL. B), 729.º, N.º 3.
DL N.º 359/91, DE 21-09.
DL N.º 133/2009, DE 02-06.
DL N.º 220/95, DE 31-08 (CF. A DECLARAÇÃO DE RECTIFICAÇÃO N.º 114-B/95, DE 31-08), COM AS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS INTRODUZIDAS PELOS DL N.ºS 249/99, DE 07-07, E 322/2001, DE 17-12).
DL N.º 240/2006, DE 22-12.
DL N.º 303/2007, DE 24-08: - ARTIGOS 11.º, N.º 1, E 12.º, N.º 1.
REGIME JURÍDICO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS (LCCG), REGULADO PELO DL N.º 446/85, DE 25-10, E SUBSEQUENTES ALTERAÇÕES: - ARTIGOS 1.º, N.º1, 2.º, 16.º, 18.º, 19.º, 21.º, 22.º, 25.º, N.º1.
Legislação Comunitária:
DIRECTIVA 93/13/CEE DO CONSELHO, DE 05-04-1993, RELATIVA ÀS CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS CELEBRADOS COM OS CONSUMIDORES, PUBLICADA NO JORNAL OFICIAL, N.º L 95, DE 21 DE ABRIL DE 1993, P. 29: - ARTIGOS 5.º,6.º, 7.º.
DIRECTIVA N.O 98/27/CE, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 19-05, RELATIVA ÀS ACÇÕES INIBITÓRIAS EM MATÉRIA DE PROTECÇÃO DOS INTERESSES DOS CONSUMIDORES.
- DIRECTIVA 2008/48/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO DE 23-04-2008, RELATIVA A CONTRATOS DE CRÉDITO AOS CONSUMIDORES – QUE REVOGOU A DIRECTIVA 87/102/CEE DO CONSELHO –, PUBLICADA NO JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA DE 22-05-2008, A QUAL FOI TRANSPOSTA PARA A ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA, PELO CITADO DL N.º 133/2009.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 23-04-2002, PROC. N.º 01A3417 (6.ª SECÇÃO);
-DE 17-04-2007, PROC. N.º 07A472;
-DE 12-05-2011,PROC. N.º 1593/08.0TJLSB.L1.S1 (7.ª SECÇÃO);
-DE 05-02-2013, PROC. N.º 684/10.1YXLSB.L1.S1 (1.ª SECÇÃO);
-DE 21-02-2013, PROC. N.º 2839/08.0YXLSB.L1.S1 (2.ª SECÇÃO);
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Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA:
-DE 09-09-2004, PROC. C-73/03 - 1.ª SECÇÃO;
-DE 21-02-2013, PROC. C-472/11 – 1.ª SECÇÃO, PUBLICADOS EM TEXTO INTEGRAL, NOTA 13, NO SÍTIO INFOCURIA. (HTTP://CURIA.EUROPA.EU/JURIS/RECHERCHE).
Sumário :
I - A disciplina da LCCG impõe a observância de determinados requisitos, formais e materiais, concordantes, essencialmente, com os princípios da boa fé, da proibição do abuso do direito e da protecção da parte mais fraca, funcionando o princípio da boa fé como a bússola central de todo o regime legal e surgindo o catálogo das cláusulas proibidas como manifestações ou concretizações exemplificativas da valoração desse princípio.

II - O escopo essencial, intencionalmente pretendido pelo legislador na LCCG, é o de fazer proibir, para o futuro, o uso de cláusulas contratuais gerais que atentem contra a boa-fé – arts. 16.° e 25.º, n.° 1 –, descrevendo e concretizando as cláusulas que são absolutamente proibidas (arts. 18.° e 21.°) e aquelas que se consideram relativamente proibidas (arts. 19.° e 22.º).

III - A questão da utilidade das acções inibitórias não pode ser dissociada, de modo algum, da efectiva utilização dos clausulados contratuais gerais, que eventualmente violem a LCCG, por parte do predisponente, sendo certo que demonstrada a cessação daquela aplicação, e a sua substituição por novos clausulados, poderá ficar comprometida a respectiva apreciação judicial.

IV - Não obstante o CPC não fazer referência expressa ao interesse processual ou interesse em agir, deve incluir-se o mesmo nos pressupostos processuais, referentes às partes. Trata-se de um pressuposto processual, autónomo e inominado. Inexistindo o interesse em agir, vedado está ao juiz o conhecimento do mérito da causa – arts. 493.º, n.º 2, e 495.º, ambos do CPC.

V - Destinando-se a acção inibitória a acautelar a utilização futura de cláusulas contratuais gerais nulas e tendo sido alegado pela Ré/recorrente que deixou de fazer utilização dessas cláusulas em data anterior à da propositura da acção (alegadamente, cerca de um mês antes), ter-se-á de investigar, em concreto, se subsiste o interesse em agir, por parte do MP, para propor a acção inibitória, nos precisos moldes em que a gizou, devendo delimitar-se, com precisão e rigor, a factualidade invocada pelo MP e impugnada pela parte contrária.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Relatório

I – O Ministério Público instaurou, junto dos Juízos Cíveis de Lisboa, a presente acção declarativa inibitória, sob a forma do processo sumário, ao abrigo do disposto nos artigos 25.° e seguintes da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovada pelo DL n.º 446/85, de 25-10, com a redacção conferida pelos DL n.ºs 220/95, de 31-08, e 249/99, de 07-07 (doravante, LCCG), contra AA, S.A., pedindo:

- A declaração de nulidade das cláusulas que identifica, condenando-se a ré a abster-se de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar e especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição (art. 30.°, n.° 1, da LCCG),

- A condenação da ré a dar publicidade a tal proibição e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo-se que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos (art. 30.°, n.° 2, da LCCG), de tamanho não inferior a ¼  (um quarto) da página, e;

- A dar-se cumprimento ao disposto no art. 34.° da LCCG, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça certidão da sentença, para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093/95, de 06-09.

Fundamenta o seu pedido no facto da ré incluir nos contratos que celebra com os seus clientes tais cláusulas gerais, que são proibidas atento o regime previsto na LCCG, e consequentemente deverá ser declarada a sua nulidade.

Em contestação, a ré começou por requerer a suspensão da instância até trânsito da decisão proferida no processo n.° 3082/05 que corre termos no 3.º Juízo Cível, 1.ª Secção, de Lisboa, por as cláusulas que naquela acção são visadas serem as mesmas que aqui se colocam em causa.

Defendeu-se ainda, por impugnação, sustentando que os impressos a que o MP faz referência já não são por ela utilizados desde 01-01-2009 e que, apesar de previsto nos seus contratos, não emite qualquer cartão porque não o pode fazer, além de que a cláusula relativamente à comunicação da perda, furto ou reprodução de cartão está de acordo com as normas do Banco de Portugal.

Relativamente às demais cláusulas defende que dizem respeito apenas à possibilidade de ceder o crédito de que é titular sobre os seus clientes em caso de mora no cumprimento.

Por fim, opõe-se ao pedido de publicidade da eventual sentença condenatória.

Com tais fundamentos, concluiu por pugnar pela suspensão da instância e a improcedência da acção.

O Ministério Público respondeu, opondo-se à pretendida suspensão da instância e mantendo a sua posição inicial quanto ao interesse na declaração de nulidade das cláusulas em questão.  

Indeferido o pedido de suspensão da instância e considerado que o processo permitia o conhecimento imediato do pedido, foi proferido despacho saneador-sentença, com o seguinte dispositivo. “Destarte, o tribunal decide julgar a presente acção procedente, por provada, e consequentemente:

a) Julgar proibidas as cláusulas:

- 14.ª do contrato “Conta certa”;

- 14ª do contrato “Maxicrédito”;

- 16.ª do contrato “Dinheiro já” e “vida livre”;

- 14.ª do contrato “Vida livre”;

- 8.ª do contrato “Crédito pessoal e conta corrente”;

- 8.ª do contrato “Crédito clássico e conta corrente”;

- 4.ª, n.° 3, 13.ª e 14.ª do contrato “Valor top”;

- 5.ª, 8.ª e 15.ª, n.° 3 do contrato “Crédito consolidado e conta corrente”,

- 5.ª, 8.ª e 14.ª, n.° 3 do contrato “Crédito pessoal automóvel e conta corrente”;

- 5.ª, 8.ª e 15.ª, n.° 3 do contrato “Crédito em estabelecimento e conta corrente”.

b)Condenar a ré abster-se de utilizar estas cláusulas, na redacção que consta destes autos, nas Condições Gerais dos contratos que de futuro venha a celebrar com os seus clientes;

c)Condenar a ré a dar publicidade a esta proibição e a comprová-la nos autos no prazo de 30 dias, através de anúncios em dois jornais diários de maior tiragem nacional, durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ da página.

Dê cumprimento ao disposto no art. 34.º do RCCG, remetendo ao Gabinete de Direito Europeu certidão desta sentença.

Discordando dessa decisão, dela apelou a ré, sem êxito, uma vez que a Relação de Lisboa confirmou, por unanimidade, o sentenciado em 1ªinstância.

De novo inconformada, interpôs a ré revista excepcional, ao abrigo do disposto nos arts. 721.º, n.ºs 1 e 3, e 721.º-A, n.ºs 1, als. a) e c), e 2, do Código de Processo Civil (CPC), que veio a ser admitida pela formação a que se refere o n.º 3 do art. 721.º–A.

A recorrente concluiu, assim, a sua alegação recursiva[1]:
1.  Sendo admitida a revista - como a Recorrente confia em que será - não está esse Tribunal impedido de sindicar outras partes do Acórdão recorrido, nomeadamente as que violem a lei processual, nos termos da alínea a) do n° 1 do art. 722 do C.P.C. Ora, a Recorrente não pode conformar-se com a decisão recorrida na parte em que julgou irrelevante a impugnação (na contestação apresentada em 1.ª Instância) dos factos nela reproduzidos sob as alíneas d), i) e j) a ee).
2. A Recorrente alegou nos arts. 15.° e 16.° da sua contestação que os impressos que colocava junto dos consumidores não eram os indicados na petição inicial - para os quais remete a citada alínea d) do ponto II – Fundamentação de facto do Acórdão recorrido – mas outros impressos diferentes que juntou a esse articulado. E, em consequência de não serem esses os impressos utilizados à data de interposição da acção, impugnou igualmente toda a matéria de facto das demais alíneas i) e j) a ee) que respeitam ao conteúdo das cláusulas contratuais gerais que estavam em uso nessa data.
3. A decisão do Tribunal recorrido sobre este ponto foi a seguinte: “o facto de a Apelante dizer que já não utiliza os impressos não significa dizer que não os tenha utilizado ou que não os venha a utilizar, pelo que não configura uma impugnação para efeito do art. 490.°, n.ºs 1 e 2 do CPC”.
4. Para a boa decisão da causa, seria indispensável apurar e comprovar quais eram os impressos e cláusulas contratuais gerais apresentadas usualmente aos consumidores na data em que foi interposta a acção e não outros que, porventura, a Recorrente tivesse usado em tempos idos. Não era irrelevante para a decisão da causa saber em concreto o teor dos impressos e cláusulas apresentadas pela Recorrente, pelo menos em data próxima à interposição desta acção inibitória. A decisão recorrida veio assim a recair sobre impressos e cláusulas que a Recorrente já não tinha em uso. A admitir-se o raciocínio do Acórdão sob revista, a decisão proferida manteria actualidade e sentido útil, ainda que recaísse sobre impressos e cláusulas dispostas pela Recorrente há 15 ou 16 anos atrás.
5. Dispõe o art. 490.°, n.º 2, que só se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados. O Ministério Público alegou que a Recorrente usava determinados impressos e cláusulas. A Recorrente contestou que usasse tais impressos e cláusulas e apresentou os impressos e cláusulas que tinha efectivamente em uso à data da acção. Tais factos deveriam ter integrado a base instrutória porque eram relevantes para a decisão da causa nos termos do art. 511.°, n.° 1 do CPC, que o Acórdão recorrido (e a decisão de 1.ª Instância) violaram,  bem como violaram o disposto no art. 490.°, n.° 2 do CPC.
6. Como já se referiu, o Acórdão recorrido considerou nulo e proibiu o uso futuro de cláusula inserta em contratos de crédito ao consumo que a Recorrente apresentava aos consumidores, com a seguinte redacção: “(...) Correm por conta do mutuário apenas os prejuízos resultantes da utilização abusiva dos instrumentos de movimentação da conta verificados até à comunicação, excepto se tiver agido com negligência ou dolo”.
7. O Tribunal da Relação considerou este segmento da cláusula nulo por entender que dele resultaria “a responsabilização total do titular do cartão independentemente de culpa deste, na situação de utilização abusiva do cartão e até a recepção da comunicação, sem qualquer limite”.
8. Em primeiro lugar, o Acórdão recorrido fez interpretação errada do segmento final da cláusula sub judice porque nela não se estabelece um princípio absoluto de responsabilidade total pelo risco, ou seja: não se estabelece que o titular não possa demonstrar que não teve culpa nas utilizações abusivas do cartão, hipóteses em que haveria uma partilha de responsabilidades (obviamente até à comunicação). O que se estabelece é que, salvo quando o titular tenha agido com negligência ou dolo, suportará apenas os prejuízos da utilização abusiva verificados até à comunicação, o que implica que não os tenha de suportar quando comprove que agiu sem culpa, como ocorrerá tipicamente nos casos de furto, roubo ou clonagem.
9. Embora o princípio seja o da responsabilidade do mutuário até à comunicação em nenhum momento se exclui a possibilidade de afastamento dessa responsabilidade (ao menos parcialmente) se o titular vier a provar que não infringiu o seu dever de cuidado – o que se encontra em perfeita consonância com o princípio ínsito no art. 799.º, n°1 do Código Civil (presunção elidível de culpa sobre a pessoa sobre quem recai o dever de guarda e de cuidado).

E é este entendimento que se encontra sufragado pela jurisprudência, designadamente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.02.2002 (publicado CJSTJ, Ano 2002, Tomo I, pág. 98) e o Acórdão do S.T.J. (Ac. STJ de 02/03/10, Proc. 29371/03 in www.dgsi.pt), ambos no sentido de que a responsabilização do titular do cartão até à comunicação à entidade emitente representa a concretização prática da exigência de um dever geral de diligência.
10. Em segundo lugar, o Acórdão recorrido não levou em consideração outras cláusulas dos impressos em que se baseou e que estabelecem que o crédito concedido é transferido para a conta bancária indicada pelo mutuário no contrato (a Recorrente não é banco e por isso não recebe depósitos) - o que constitui segurança reforçada contra a utilização abusiva do cartão - e que o limite de crédito só pode ser aumentado por pedido expresso do cliente que terá de ser previamente aceite pela emitente - o que limita por natureza os prejuízos que possam ocorrer antes da comunicação.
11. Em terceiro lugar, as cláusulas em questão estão em perfeita sintonia com o Aviso 11/2001 do Banco de Portugal - o qual tem força normativa para as entidades sujeitas à sua supervisão, como é o caso da Recorrente - e que estabelece, no artigo 8.º, as obrigações de guarda, cuidado e segurança do titular e o dever de comunicação à emitente da perda, furto, roubo ou falsificação do cartão, sendo apenas excluída a sua responsabilidade após tal comunicação.

Por isso, é perfeitamente lícito e válido estipular que correm por conta do titular do cartão de crédito os prejuízos resultantes de perda, furto ou reprodução do cartão até que o titular comunique à entidade emissora a ocorrência de tais factos. E isto porque o titular do cartão de crédito tem o dever de comunicar à entidade emitente do cartão o extravio do mesmo logo que dele tome conhecimento.
12. Por fim, toda a jurisprudência acima citada a propósito da admissibilidade da presente revista entende que as cláusulas contratuais gerais não têm obrigatoriamente de fixar um limite valorimétrico para a responsabilidade do titular antes da comunicação da perda, extravio, roubo ou reprodução do cartão, antes inculcando que essa responsabilidade será apreciada casuisticamente, quer quanto à sua existência ou inexistência, quer quanto ao valor (ver por todos Acórdão da Relação de Coimbra de 15-05-2012, Proc. 285/09.7TBAVR.C1, relatado pelo Sr. Desembargador Francisco Caetano - in www.dgsi.pt e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-11-2002, Proc. 02A3269, relatado pelo Sr. Conselheiro Azevedo Ramos in www.dgsi.pt).
13. A decisão recorrida ao decidir pela invalidade de tais cláusulas (ou cláusula), fez errada interpretação e aplicação do princípio da boa fé e do art. 21.°, al. f) do DL 446/85, quando conjugado com o previsto no Aviso 11/2001 do Banco de Portugal e no n.° 1 do art. 799.° do Código Civil, na medida em que este estatuí que aquele sobre quem recai o dever de diligência (guarda e vigilância do cartão emitido) terá de provar que a utilização abusiva do cartão não procedeu de culpa sua (até à comunicação à entidade emitente). E essa cláusula não exclui tal possibilidade, nem viola as regras de distribuição do risco, nem tem obrigatoriamente de fixar um limite valorimétrico para a responsabilidade do titular, que em caso algum poderá exceder o montante do crédito atribuído (como decorre de outras cláusulas dos contratos a que se refere a mesma decisão).
14. O Acórdão recorrido considerou nulo e proibiu o uso futuro de uma outra cláusula inserta nos impressos que a Recorrente apresentava aos consumidores, com a seguinte redacção: “O Mutuário autoriza a AA a ceder a terceiros a sua posição no presente contrato, produzindo a mesma efeitos a partir da data em que lhe for notificada (através de mera comunicação escrita) ou da data referida na notificação”.
15. Apesar de o Acórdão recorrido citar vários pontos do regime legal específico do crédito ao consumo (Dec-Lei n° 359/91 de 21/09, Dec-Lei 133/2009 de 02/06 que o revogou e substituiu a partir de 01/10/2009 e a Directiva da UE 2008/48/CE de 23/04/2008 publicada no JOUE de 22/05/08), não reconhece que esse regime versa sobre as cláusulas contratuais gerais obrigatórias a que devem obedecer os contratos de crédito ao consumo (para o constatar, bastaria ter em consideração o que dispõe o art. 12.°, n.° 3 do Dec-Lei 133/2009 –conteúdo obrigatório do contrato escrito).
16. Em vez de procurar identificar se existia colisão entre essas normas e a al. l) do art. 18.° do D.L. 446/85 e de as procurar conciliar e interpretar de acordo com a Diretiva 2008/48/CE, a Relação concluiu, sem qualquer explicação ou fundamento lógico: “está aqui em causa (a) apreciação de cláusulas ínsitas em contratos de adesão pelo que é indubitavelmente aplicável o citado Dec-Lei 446/85 de 25/10”.
17. A colisão de normas dá-se porque a citada alínea l) do art. 18.° do Dec-Lei 446/85 estipula ser proibida a cláusula que consagre, a favor de quem a predisponha, “a possibilidade de cessão da posição contratual, de transmissão de dívidas ou de subcontratar, sem o acordo da contraparte, salvo se a identidade do terceiro constar do contrato inicial”.

Já o art. 21.° do Dec-Lei 133/2009 (na esteira do anterior art. 10.° do D.L. 359/91) estabelece: “À cessão do crédito ou da posição contratual do credor aplica-se o regime constante do Código Civil, podendo o consumidor opor ao cessionário todos os meios de defesa que lhe seria licito invocar contra o cedente incluindo o direito à compensação”.

Por sua vez, o art. 17° da Directiva prevê a possibilidade de cessão da posição contratual a um terceiro desde que a mesma seja informada ao mutuário.

O regime acolhido pela Directiva corresponde ao do art. 424 do C. Civil, que permite a cessão da posição contratual “desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão”, dispondo o n° 2 que a cessão só produzirá efeitos a partir da sua notificação à outra parte, se o consentimento desta for anterior à cessão.
18. Da conjugação destas normas, resulta que, para as cláusulas contratuais gerais dos contratos de crédito ao consumo, quer a legislação nacional, quer a Directiva de que emana o actual Dec-Lei 133/2009, se bastam com o regime civil e geral da cessão da posição contratual: havendo, no contrato, consentimento genérico do mutuante, a cessão produzirá efeitos a partir do momento em que seja informada ao mutuário, podendo este opor-lhe todos os meios de defesa e invocar compensação.
19. O regime das cláusulas gerais dos contratos de crédito ao consumo é especial em relação ao regime das cláusulas contratuais gerais do D.L. 446/85, na medida em que faz expressa remissão para o Código Civil e particularmente não lhe é aplicável a condicionante da alínea l) do art. 18.° do Dec-Lei 446/85, ou seja no crédito ao consumo não é exigida a identificação nas cláusulas gerais do possível cessionário do mutuante.
20. É assim na legislação nacional citada, e é assim em decorrência do preceito da Directiva e do escopo subjacente à lei expressa, porque é indefensável que os contratos de mútuo uma vez concluídos e assinados, tenham um intuitu personae, visto que o seu objecto é o dinheiro, a mais fungível de todas as prestações. No momento da escolha da taxa de juro ou de outras condições contratuais, os consumidores diferenciarão, entre os vários bancos ou instituições, qual será aquela que lhes oferece melhores condições - é para isso que serve a divulgação da TAEG e da informação pré-contratual. Mas, a partir do momento da celebração do contrato, em que tais condições ficam fixadas por escrito, é completamente indiferente a pessoa do credor. Já a norma geral - para todo o tipo de contratos de adesão - que estabelece a condição de a posição contratual só poder ser cedida a quem seja identificado no contrato inicial, tem um sentido claramente justificado em muitas outras situações, por exemplo, a de quem contrata com uma agência de viagens, ou com um instituto de línguas, e, em geral, a aquisição de outros bens que não o dinheiro, visto que, nesses outros casos, a substituição do prestador do serviço ou do fornecedor do bem já não será indiferente para o consumidor.
21. A decisão recorrida aplicou erradamente a al. l) do art. 18.° do D.L. 446/85 às cláusulas sub judice e não aplicou, como deveria ter aplicado, os citados arts. 10.° e 21.° dos Decretos-Lei n.ºs. 359/91 e 133/2009 que, tendo a natureza de normas especiais para as cláusulas contratuais gerais do crédito ao consumo, eram as aplicáveis por força do princípio generalibus specialia derogat e das regras gerais de interpretação da lei, o que é tanto mais relevante quanto resultam (todas as citadas normas) de directivas comunitárias.
22. Tais normas especiais impõem que a cessão da posição contratual seja regulada, nas cláusulas gerais do crédito ao consumo, pelo regime do art. 424.° do Código Civil que permite a cessão da posição contratual pela instituição mutuante, com consentimento da outra parte expresso no próprio contrato e sem necessidade de identificação prévia dos cessionários, o que inteiramente se justifica nas cláusulas do crédito ao consumo, em virtude dos créditos objecto de cessão terem por objecto prestações fungíveis em dinheiro.
23. Deve portanto admitir-se a cláusula contratual geral em contratos de crédito ao consumo, na qual o consumidor genericamente autorize a cessão da posição contratual, sem identificar a pessoa do cessionário, sendo a cessão válida após notificação do mutuário.

Pede em consequência a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por decisão que declare que as cláusulas sub judice são válidas e conformes ao direito ou, então, subsidiariamente, que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 722.° do CPC sejam anulados todos os  termos do processo posteriores aos articulados de 1.ª instância por não ter sido organizada base instrutória com os factos da petição inicial que foram impugnados, com violação do disposto nos arts. 490.°, n.º 2 e 511.°, n.º 1 do CPC.
O MP contra-alegou a pugnar pelo total insucesso da revista e, uma vez colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II – Fundamentação de facto

A factualidade dada como assente pelas instâncias é a seguinte:

1. A ré é uma sociedade anónima matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, 4.ª Secção, sob o número 000000000.

2. A ré tem por objecto social, “por um lado todas as operações de financiamento por conta de terceiros com excepção das operações de carácter puramente bancário e por outro lado a corretagem de seguros (...)”.

3. No exercício de tal actividade, a ré celebra contratos de concessão de crédito.

4. Para o efeito, a ré entrega aos interessados que pretendem celebrar contratos:

- de crédito “Conta certa”, um impresso análogo ao que se junta como doc. n.° 2;

 - de crédito “Maxicrédito”, um impresso análogo ao que se junta como doc. n.° 3;

- de crédito “Dinheiro já e vida livre”, um impresso análogo ao que se junta como doc. n.° 4;

- de crédito “Vida livre”, um impresso análogo ao que se junta como doc. n.° 5;

- de “Crédito pessoal e conta corrente”, um impresso análogo ao que se junta como doc. n.° 6;

- de "Crédito clássico e conta corrente", um impresso análogo ao que se junta como doc. n.° 7;

- de crédito “Valor top”, um impresso análogo ao que se junta como doc. n.° 8;

- de “Crédito consolidado e conta corrente”, um impresso análogo ao que se junta como doc. n.° 9;

- de “Crédito pessoal automóvel e conta corrente”, um impresso análogo ao que se junta como doc. n° 10;

 - de “Crédito em estabelecimentos e conta corrente”, um impresso análogo ao que se junta como doc. n.° 11;

Cujos respectivos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.

5. Na posse dos mencionados impressos, os interessados/aderentes limitam-se a preencher os espaços em branco neles existentes relativos à identificação, situação familiar e habitacional, rendimentos e despesas mensais, autorização de débito em conta e assinam.

6. Junto com os contratos encontram-se impressas as cláusulas a eles respeitantes, as condições gerais de utilização.

7. As cláusulas insertas nos impressos que titulam os contratos foram previamente elaboradas pela ré e são apresentadas, já impressas, aos interessados na celebração do contrato.

8. Aos interessados apenas é concedida a hipótese de aceitar, ou não, esses clausulados, estando-lhes vedada a possibilidade de, no essencial, mediante negociação, os alterarem.

9. Tais contratos-tipo destinam-se, ainda, a ser utilizados pela ré, para contratação com quaisquer interessados na celebração de contratos de crédito.

10. Da cláusula 4.ª, n.° 2 do contrato “Valor top”, sob a epígrafe “Titularidade, perda, furto ou roubo dos instrumentos de movimentação da conta” consta:

O Mutuário é responsável pela conservação e correcta utilização dos Instrumentos de movimentação da conta comprometendo-se a tomar medidas necessárias a garantir a sua segurança e a comunicar imediatamente à AA a perda, furto, roubo ou reprodução. O Mutuário deve confirmar esta comunicação, por carta registada com a.r. enviada à AA nas 48 horas seguintes, indicando a data da última utilização, a hora e local prováveis da perda, furto ou roubo e, se for o caso, a identificação do cartão.”.

11. Da cláusula 4.ª, n.º 3 do mesmo contrato consta:

Correm por conta do Mutuário apenas os prejuízos resultantes da utilização abusiva dos instrumentos de movimentação da conta verificados até à comunicação, excepto se tiver agido com negligência ou dolo”.

12. Estipula a cláusula 15.ª n.º 2 do contrato “Crédito consolidado e conta corrente”, sob a epígrafe “Titularídade, perda, furto ou roubo dos instrumentos de movimentação da conta”: “O(s) Mutuário(s) é(são) responsável(eis) pela conservação e correcta utilização dos instrumentos de movimentação da conta comprometendo-se a tomar medidas necessárias a  garantir a sua segurança e a  comunicar imediatamente à AA a perda, furto, roubo ou reprodução. OM Mutuário(s) deve(m) confirmar esta comunicação, por carta registada com a.r. enviada à AA nas 48 horas seguintes, indicando a data da última utilização, a hora e local prováveis da perda, furto ou roubo e, se for o caso, a identificação do cartão.”.

13. A cláusula 15.ª, n.º 3, do mesmo contrato tem a seguinte redacção: “Correm por conta do(s) Mutuário(s) apenas os prejuízos resultantes da utilização abusiva dos instrumentos de movimentação da conta verificados até à comunicação, excepto se tiver)(em) agido com dolo ou negligência”.

14. Estabelece a cláusula 14.ª, n.º 2, do contrato “Crédito pessoal automóvel e conta corrente”, sob a epígrafe “Titularidade, perda, furto ou roubo dos instrumentos de movimentação da conta”: “O(s) Mutuário(s) é(sâo) responsável(eis) pela conservação e correcta utilização dos instrumentos de movimentação da conta comprometendo-se a tomar medidas necessárias a garantir a sua segurança e a comunicar imediatamente à AA a perda, furto, roubo ou reprodução. O(s) Mutuário(s) deve(m) confirmar esta comunicação, por carta registada com a.r. enviada à AA nas 48 horas seguintes, indicando a data da última utilização, a hora e local prováveis da perda, furto ou roubo e, se for o caso, a identificação do cartão.”.

15. Dispõe a cláusula 14.ª,n.° 3, do mesmo contrato: “Correm por conta do(s) Mutuário(s) apenas os prejuízos resultantes da utilização abusiva dos instrumentos de movimentação da conta verificados até à comunicação, excepto se tiver)(em) agido com dolo ou negligência.”.

16. A cláusula 15.ª, n.° 2 do contrato “Crédito em estabelecimentos e conta corrente”, sob a epígrafe “Titularidade, perda, furto ou roubo dos instrumentos de movimentação da conta” tem a seguinte redacção: “O Mutuário é responsável pela conservação e correcta utilização dos instrumentos de movimentação da conta comprometendo-se a tomar medidas necessárias a garantir a sua segurança e a comunicar imediatamente à AA a perda, furto, roubo ou reprodução. O Mutuário deve confirmar esta comunicação, por carta registada com a.r. enviada à AA nas 48 horas seguintes, indicando a data da última utilização, a hora e local prováveis da perda, furto ou roubo e, se for o caso, a identificação do cartão.”.

17. Consta da respectiva cláusula 15.ª, n.º 3: “Correm por conta do Mutuário apenas os prejuízos resultantes da utilização abusiva dos instrumentos de movimentação da conta verificados até à comunicação, excepto se tiver agido com dolo ou negligência.”.

18. Da cláusula 13.ª do contrato “Valor top”, sob a epígrafe “Cessão da posição contratual” consta: “O Mutuário autoriza a AA a ceder a terceiros a sua posição no presente contrato, produzindo a mesma efeitos a partir da data em que lhe for notificada (através de mera comunicação escrita) ou da data referida na notificação.”.

19. Estipula a cláusula 5.ª do contrato “Crédito consolidado e conta corrente”, sob a epígrafe “Cessão da posição contratual”: “O(s) Mutuário(s) autoriza(m) a AA a ceder a terceiros a sua posição no presente contrato, produzindo a mesma efeitos a partir da data em que lhe(s) for notificada (através de mera comunicação escrita) ou da data referida na notificação”.

20. De acordo com a cláusula 5.ª do contrato “Crédito pessoal automóvel e conta corrente”, sob a epígrafe “Cessão da posição contratual”: “O(s) Mutuário(s) autoriza(m) a AA a ceder a terceiros a sua posição no presente contrato, produzindo a mesma efeitos a partir da data em que lhe(s) for notificada (através de mera comunicação escrita) ou da data referida na notificação”.

21. Estabelece a cláusula 5.ª do contrato “Crédito em estabelecimentos e conta corrente”, sob a epígrafe “Cessão da posição contratual”: “O Mutuário autoriza a AA a ceder a terceiros a sua posição no presente contrato, produzindo a mesma efeitos a partir da data em que lhe for notificada (através de mera comunicação escrito) ou da data referida na notificação”.

22. Na cláusula 14.ª do contrato “Conta certa”, sob a epígrafe “Impostos, encargos e despesas” consta: “Correm por conta do Mutuário os impostos e demais encargos relacionados com a conclusão do contrato e pagamento de prestações, designadamente as referentes a transferências bancárias e despesas judiciais ou extrajudiciais em que a AA incorra para assegurar o cumprimento do contrato”.

23. Dispõe a cláusula 14.ª do contrato “Maxicrédito”, sob a epígrafe “Impostos, encargos e despesas”: “Correm por conta do Mutuário os impostos e demais encargos relacionados com a conclusão do contrato e pagamento de prestações, designadamente as referentes a transferências bancárias e despesas judiciais ou extrajudiciais em que a AA incorra para assegurar o cumprimento do contrato”.

24. A cláusula 16.ª do contrato “Dinheiro já e vida livre”, sob a epígrafe “Impostos, encargos e despesas” tem a seguinte redacção: “Correm por conta do Mutuário os impostos e demais encargos relacionados com a conclusão do contrato e pagamento de prestações, designadamente as referentes a transferências bancárias e despesas judiciais ou extrajudiciais em que a AA incorra para assegurar o cumprimento do contrato”.

25. Consta da cláusula 14.ª do contrato "Vida livre", sob a epígrafe “Impostos, encargos e despesas”: “Correm por conta do Mutuário os impostos e demais encargos relacionados com a conclusão do contrato e pagamento de prestações, designadamente as referentes a transferências bancárias e despesas judiciais ou extrajudiciais em que a AA incorra para assegurar o cumprimento do contrato”.

26. Estipula a cláusula 8.ª do contrato “Crédito pessoal e conta corrente”, sob a epígrafe “Impostos, encargos e despesas”: “Correm por conta do Mutuário os impostos e demais encargos relacionados com a conclusão do contrato e pagamento de prestações, designadamente as referentes a transferências bancárias e despesas judiciais ou extrajudiciais em que a AA incorra para assegurar o cumprimento do contrato”.

27. Da cláusula 8.ª do contrato “Crédito clássico e conta corrente”, sob a epígrafe “Impostos, encargos e despesas” consta: “Correm por conta do Mutuário os impostos e demais encargos relacionados com a conclusão do contrato e pagamento de prestações, designadamente as referentes a transferências bancárias e despesas judiciais ou extrajudiciais em que a AA incorra para assegurar o cumprimento do contrato”.

28. Estabelece a cláusula 14.ª do contrato “Valor top”, sob a epígrafe “Impostos encargos e despesas”: “Correm por conta do Mutuário os impostos e demais encargos relacionados com a conclusão do contrato e pagamento de prestações, designadamente as referentes a transferências bancárias e despesas judiciais ou extrajudiciais em que a AA incorra para assegurar o cumprimento do contrato".

29. E a cláusula 8.ª do contrato “Crédito consolidado e conta corrente"”, sob a epígrafe “Impostos, encargos e despesas” dispõe: “Correm por conta do(s) Mutuário(s) os impostos e demais encargos relacionados com a conclusão do contrato e pagamento de prestações, designadamente as referentes a transferências bancárias e despesas judiciais ou extrajudiciais em que a AA incorra para assegurar o cumprimento do contrato”.

30. Dispondo a cláusula 8.ª do contrato “Crédito pessoal automóvel e conta corrente", sob a epígrafe “Impostos, encargos e despesas”: “Correm por conta do(s) Mutuário(s) os impostos e demais encargos relacionados com a conclusão do contrato e pagamento de prestações, designadamente as referentes a transferências bancárias e despesas judiciais ou extrajudiciais em que a AA incorra para assegurar o cumprimento do contrato”.

31. E consagra a cláusula 8.ª do contrato “Crédito em estabelecimentos e conta corrente”, sob a epígrafe “Impostos, encargos e despesas”: “Correm por conta do Mutuário os impostos e demais encargos relacionados com a conclusão do contrato e pagamento de prestações, designadamente as referentes a transferências bancárias e despegas judiciais ou extrajudiciais em que a AA incorra para assegurar o cumprimento do contrato”.

III – Fundamentação de direito

A apreciação e decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões da recorrente (cf. arts. 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, do CPC[2]), concitam a análise, apreciação e resolução das seguintes questões jurídicas:
· Violação da lei processual, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 722.º do CPC;
· Nulidade (ou não) das cláusulas insertas nos contratos de crédito ao consumo da recorrente que fazem (faziam) correr “por conta do mutuário (…) os prejuízos decorrentes da utilização abusiva dos instrumentos de movimentação da conta verificados até à comunicação, excepto se tiver agido com negligência ou dolo”;
· Nulidade (ou não) das cláusulas insertas nos impressos que a recorrente apresenta(va) aos consumidores, com a seguinte redacção: “O mutuário autoriza a AA a ceder a terceiros a sua posição no presente contrato, produzindo a mesma efeitos a partir da data em que lhe for notificada (através de mera comunicação escrita) ou da data referida na notificação”.

Passemos, então, à apreciação, por ordem lógica, das questões enumeradas, sendo certo que, a proceder a primeira questão, fica irremediavelmente postergada a análise das restantes.

Sustenta a recorrente, a propósito deste tema recursório – contido nas conclusões 1.ª a 5.ª da revista –, que o STJ não está impedido de sindicar as partes do acórdão recorrido que violem a lei processual, nos termos do art. 772.º, n.º 1, al. b), do CPC, não se conformando com a decisão recorrida na parte em que julgou irrelevante a impugnação (na contestação) dos factos reproduzidos na sentença e no acórdão sob as alíneas d), i) e j) a ee). Mais aduz que alegou, nos arts. 15.° e 16.° da contestação, que os impressos que colocava junto dos consumidores não eram os indicados na petição inicial (para os quais remete o ponto II, al. d), da fundamentação de facto do acórdão recorrido) mas outros impressos diferentes que juntou a esse articulado. E, em consequência de não serem esses os impressos utilizados à data de interposição da acção, impugnou igualmente toda a matéria de facto das demais alíneas i) e j) a ee) que respeitam ao conteúdo das cláusulas contratuais gerais que estavam em uso nessa data.

Considera, também, que para a boa decisão da causa, seria indispensável apurar e comprovar quais eram os impressos e cláusulas contratuais gerais apresentadas usualmente aos consumidores na data em que foi interposta a acção e não outros que, porventura, a recorrente tivesse usado em tempos idos. Adianta não ser irrelevante para a decisão da causa saber em concreto o teor dos impressos e cláusulas apresentadas pela recorrente, pelo menos em data próxima à interposição desta acção inibitória, e acrescenta que a decisão recorrida veio a recair sobre impressos e cláusulas que a recorrente já não tinha em uso.

Além disso, frisa que, a admitir-se o raciocínio do acórdão sob revista, a decisão proferida manteria actualidade e sentido útil, ainda que recaísse sobre impressos e cláusulas dispostas pela recorrente há 15 ou 16 anos atrás.

A decisão do tribunal recorrido sobre este ponto foi a seguinte: “[O] facto de a Apelante dizer que já não utiliza os impressos não significa dizer que não os tenha utilizado ou que não os venha a utilizar, pelo que não configura uma impugnação para efeito do art. 490.°, n.ºs 1 e 2 do CPC” (sic).

A análise desta questão, passa pela verificação do pressuposto contido na al.) b, do n.º 1 do art. 722.º, do CPC[3], segundo a qual a revista pode ter por fundamento ”a violação ou errada aplicação a lei de processo”.

A respeito deste normativo específico, anota Abrantes Geraldes[4] que: “Em tema de leis de processo importa considerar tudo quanto tenha ligação com os trâmites processuais, com a verificação dos pressupostos processuais ou todos os demais factores que implicam com a regularidade da instância e uma boa margem para o que decorra do direito probatório formal, isto é, para as normas processuais que, em vez de regularem o valor probatório atribuído a determinado meio de prova ou de se reportarem à proibição de certos meios de prova para a demonstração de factos, regulam a sua admissibilidade formal ou o modo como são prestados. Neste plano, verifica-se, aliás, que foi ampliado o âmbito da revista. Na verdade, enquanto no sistema anterior a invocação da violação da lei de processo apenas era viável nos casos em que fosse admissível recurso de agravo, condicionado pelo disposto no art. 754.º, n.º 2, a abolição do agravo em 2.ª instância e a sua absorção pelo recurso de revista determinam a exclusão de tal condicionalismo. Ponto é que as questões respeitem a acórdãos da Relação de que seja susceptível interposição de recurso de revista”.

Nesta consonância, importa verificar se há motivo para, como pretende a recorrente a final, “anular todos os termos do processo posteriores aos articulados de 1.ª instância, por não ter sido organizada base instrutória com os factos da petição inicial que foram impugnados, com violação do disposto nos arts. 490.º, n.º 2 e 551.º, n.º 1, do CPC” (sic).

A causa de pedir da acção foi desenhada pelo MP, situando-a, por um lado, no âmbito do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais – regulado pelo DL n.º 446/85, de 25-10, e subsequentes alterações – e por outro lado, no campo dos contratos de crédito aos consumidores – cf. DL n.º 359/91, de 21-09, e DL n.º 133/2009, de 02-06, que revogou aquele primeiro diploma e o substituiu a partir de 01-10-2009.[5]

Em Portugal, o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais nasceu, de facto, com o DL n.º 446/85, de 25-10, o qual, volvidos cerca de 10 anos, viria a receber algumas alterações, por força da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 05-04-1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, através do DL n.º 220/95, de 31-08 (cf. a Declaração de Rectificação n.º 114-B/95, de 31-08)[6], sendo ainda alvo de duas novas alterações legislativas introduzidas pelos DL n.ºs 249/99, de 07-07, e 322/2001, de 17-12.

Focando a nossa atenção na LCCG, emerge do art. 1.º, n.º 1, que o regime aí contemplado se aplica às cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar; por seu turno, aquele regimento abarca, tal dispõe o art. 2.º, e salvo disposição em contrário, “todas as cláusulas contratuais gerais, independentemente da forma da sua comunicação ao público, da extensão que assumam ou que venham a apresentar nos contratos a que se destinem, do conteúdo que as informe ou de terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros”.

A contratação com recurso a cláusulas contratuais gerais é uma decorrência da produção e consumo em massa, que propiciaram a mudança funcional do contrato, levando ao surgimento da estandardização contratual: a existência de uma pluralidade de potenciais contratantes para uma situação comparável, promoveu o advento de um fenómeno vulgarizado em que as pessoas (singulares e/ou colectivas) realizam negócios jurídicos, em rigor, não antecedidos de qualquer etapa negocial, assim se vinculando juridicamente. Este estilo de contratação, particular das sociedades de mercado contemporâneas, respondeu, no fundo, a necessidades de racionalização, planeamento, celeridade e eficácia que conduziram as empresas a eliminar e/ou esvaziar consideravelmente as negociações prévias entre as partes[7].

Do mesmo passo, a preocupação com a criação de instrumentos que viabilizem o controlo, prevenção e repressão das situações de abuso, por banda do predisponente das cláusulas contratuais gerais, é uma questão candente em todos os sistemas jurídicos modernos, nos quais se assiste ao esboroamento e/ou compressão do paradigma da teoria da liberdade contratual, nas suas vertentes de liberdade de fixação, de celebração e de modulação do programa do contrato – cf. art. 405.º, n.º 1, do Código Civil (CC). As cláusulas contratuais gerais surgem, pois, como “proposições destinadas à inserção numa multiplicidade de contratos, na totalidade dos quais se prevê a participação como contraente da entidade que, para esse efeito, as pré-elaborou ou adoptou”[8], caracterizando-se, especialmente, por um lado, pela sua generalidade – uma vez que se destinam a ser propostas a destinatários indeterminados ou a ser subscritas por proponentes indeterminados –, por outro lado, pela sua rigidez – são elaboradas sem prévia negociação individual, de tal modo que sejam recebidas em bloco por quem as subscreva ou aceite, não tendo os intervenientes possibilidade de modelar o seu conteúdo, introduzindo nelas alterações[9].

A disciplina das LCCG impõe a observância de determinados requisitos formais e materiais, concordantes com os princípios da boa-fé, da proibição do abuso do direito e da protecção da parte mais fraca, funcionando o princípio da boa fé como a bússola central de todo o regime legal e surgindo o catálogo das cláusulas proibidas – de forma absoluta (cf. arts. 18.º e 21.º) ou de forma relativa (cf. arts. 19.º e 22.º) – como manifestações ou concretizações exemplificativas da valoração desse princípio.

Recentrando o nosso foco no pleito, recorda-se que estamos perante uma acção inibitória, estatuindo o art. 25.º da LCCG, com a redacção conferida pelo DL n.º 220/95, de 31-08, que “[a]s cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 21.º e 22.º podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares”. Por seu turno, o art. 26.º, n.º 1, confere ao MP (a par de outras entidades) legitimidade adjectiva para esse fim, definindo que a acção inibitória consiste numa acção (declarativa) “destinada a obter a condenação na abstenção do uso ou da recomendação de cláusulas contratuais gerais”. A lei portuguesa optou, sem quaisquer dúvidas, “por uma fiscalização judicial que ultrapassa as limitações ou deficiências do controlo a posteriori, dependente da iniciativa do aderente e circunscrito, quanto aos efeitos, ao concreto litígio”[10].

Relembre-se que o art. 5.º da Directiva 93/13/CEE, de 05-04, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores[11], estipula: “No caso dos contratos em que as cláusulas propostas ao consumidor estejam, na totalidade ou em parte, consignadas por escrito, essas cláusulas deverão ser sempre redigidas de forma clara e compreensível. Em caso de dúvida sobre o significado de uma cláusula, prevalecerá a interpretação mais favorável ao consumidor. Esta regra de interpretação não é aplicável no âmbito dos processos previstos no n.º 2 do artigo 7.º”.

Por seu turno, no art. 7.º daquela Directiva ficou estabelecido: “1. Os Estados-membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.

2. Os meios a que se refere o n.º 1 incluirão disposições que habilitem as pessoas ou organizações que, segundo a legislação nacional, têm um interesse legítimo na defesa do consumidor, a recorrer, segundo o direito nacional, aos tribunais ou aos órgãos administrativos competentes para decidir se determinadas cláusulas contratuais, redigidas com vista a uma utilização generalizada, têm ou não um carácter abusivo, e para aplicar os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização dessas cláusulas.

3. Respeitando a legislação nacional, os recursos previstos no n.º 2 podem ser interpostos, individualmente ou em conjunto, contra vários profissionais do mesmo sector económico ou respectivas associações que utilizem ou recomendem a utilização das mesmas cláusulas contratuais gerais ou de cláusulas semelhantes”.

Pronunciando-se sobre concatenação destes preceitos da Directiva 93/13/CEE, o Tribunal de Justiça da União Europeia (1.ª Secção) consignou, no Acórdão de 09-09-2004 (Proc. C-73/03)[12]: “(…) A distinção efectuada no art. 5.° da Directiva, quanto à regra de interpretação aplicável, entre as acções envolvendo um consumidor individual e as acções inibitórias, relativas a pessoas ou a organizações representativas do interesse colectivo dos consumidores, explica-se pela diferente finalidade destas acções. No primeiro caso, os tribunais ou os órgãos competentes são chamados a apreciar in concreto o carácter abusivo de uma cláusula incluída num contrato já celebrado, ao passo que, no segundo caso, compete-lhes efectuar uma apreciação in abstracto sobre o carácter abusivo de uma cláusula susceptível de ser incorporada em contratos que ainda não foram celebrados. No primeiro caso, uma interpretação favorável ao consumidor individual beneficia-o de imediato. Em contrapartida, no segundo caso, para obter, a título preventivo, o resultado mais favorável a todos os consumidores, não há, em caso de dúvida, que interpretar a cláusula como se tivesse efeitos favoráveis a seu respeito. Uma interpretação objectiva permite assim proibir mais vezes a utilização de uma cláusula obscura ou ambígua, o que tem como consequência uma protecção mais ampla dos consumidores”.

            Ou seja, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, expressa no citado acórdão, as acções inibitórias, ex vi da Directiva 93/13/CEE, declaradamente, apenas visam a “apreciação in abstracto sobre o carácter abusivo de uma cláusula susceptível de ser incorporada em contratos que ainda não foram celebrados” (sic), não abrangendo, expressi verbis, os contratos já celebrados e em execução.

Já no recentíssimo Acórdão do Tribunal de Justiça (1.ª Secção), de 21-02-2013, (Proc. C-472/11), decidiu-se:“[O] sistema de protecção instituído pela directiva assenta, com efeito, na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, no que respeita tanto ao poder de negociação como ao nível de informação, situação esta que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o seu conteúdo (v., nomeadamente, acórdãos de 6 de Outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones, C-40/08, Colet., p. I-9579, n.º 29, e de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C-618/10, ainda não publicado na Colectânea, n.º 39). Esse acórdão, proferido em sede de reenvio prejudicial, firmou, por fim, a seguinte e importante jurisprudência: “1) Os artigos 6.º, n.º 1[13], e 7.º, n.º 1, da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, devem ser interpretados no sentido de que o juiz nacional que reconheceu oficiosamente o carácter abusivo de uma cláusula contratual não é obrigado, para poder tirar as consequências desse reconhecimento, a esperar que o consumidor, informado dos seus direitos, emita uma declaração no sentido de que a referida cláusula seja anulada. Todavia, o princípio do contraditório impõe, regra geral, ao juiz nacional que reconheceu oficiosamente o carácter abusivo de uma cláusula contratual que informe disso as partes no litígio e lhes dê a possibilidade de debater esse aspecto, com observância do contraditório, segundo as formas previstas a esse respeito pelas normas processuais nacionais. 2) O juiz nacional, para fazer uma apreciação sobre o carácter eventualmente abusivo da cláusula contratual que serve de base ao pedido que lhe foi submetido, deve ter em conta todas as outras cláusulas do contrato”[14].

Fechado este breve parêntesis quanto ao entendimento das cláusulas abusivas, perante o direito comunitário, tem-se considerado, em face do direito interno português, que o regime de acção inibitória, vertido na LCCG, pode revestir duas finalidades: a) repressiva, pretendendo fazer cessar a violação de um interesse difuso e a abstenção da continuação dessa violação (a conduta já é efectiva); b) preventiva, pretendendo prevenir a violação de interesse difuso[15].

Como aduz Ana Prata, “[a] coordenação das normas deste capítulo (refere-se ao Cap. VI da LCCG) com o regime da Lei n.º 25/2004, de 08-07[16], teria sido porventura aconselhável, pois, por um lado, alguns dos problemas que o regime contido neste DL n.º 446/85 suscita encontram solução naquele outro diploma e, por outro lado, o regime deste último aplica-se, nos termos do n.º 2 do art. 2.º da Lei, às acções que visem impedir ou cessar a utilização de cláusulas contratuais gerais ou decretar a nulidade daquelas que estejam em utilização”[17].

Já se salientou que o escopo, essencial, intencionalmente pretendido pelo legislador na LCCG é o de fazer proibir, para o futuro, o uso de cláusulas contratuais gerais que atentem contra a boa-fé – arts 16.° e 25.º, n.° 1 –, descrevendo e concretizando as cláusulas que são absolutamente proibidas (arts. 18.° e 21.°) e aquelas que se consideram relativamente proibidas (arts. 19.° e 22.º).

In casu, em contestação, ao(s) pedido(s) formulados pelo MP, foi argumentado pela ré/recorrente – e após impugnar (especificadamente) o teor da matéria vertida nos arts. 2.º, 7.º 10.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 37.º, 38.º, 49.º, 50.º, 51.º, 53.º e 54.º da petição inicial (cfr. art. 13.º da contestação) –, concretamente no art. 15.º daquela peça processual, que deixou de utilizar os impressos de contrato de crédito, continentes das cláusulas contratuais gerais cuja (in)validade o MP pretende ver apreciada nesta acção, tendo-os substituído, em 1 de Janeiro de 2009, por novos impressos contratuais (cf. fls. 63).

Por seu turno, a acção deu entrada em juízo a 28 de Janeiro de 2009, com distribuição ao 4.º Juízo Cível de Lisboa, 1.ª Secção (cf. fls. 2).

Sucede até que a ré/recorrente teve o cuidado de discriminar os impressos apresentados juntos da p.i. (cf. fls. 24 a 54), que referiu já não utilizar desde momento anterior ao da propositura da acção, dos novos impressos que alega começou a empregar nas suas relações contratuais, a partir de 1 de Janeiro de 2009 (cf. fls. 106 a 141).

No acórdão recorrido, aliás na senda do que decidiu a 1.ª instância[18], mas de modo absolutamente lacónico, apenas se escreveu, como antes reproduzimos, que “[O] facto de a Apelante dizer que já não utiliza os impressos não significa dizer que não os tenha utilizado ou que não os venha a utilizar, pelo que não configura uma impugnação para efeito do art. 490.°, n.ºs 1 e 2 do CPC”.

Salvo o devido respeito, o assunto em tema não se pode equacionar com tamanha singeleza, e é prematuro extrair do processo as conclusões que as instâncias dele retiraram, impondo-se, como se irá demonstrar, determinar o regresso dos autos ao tribunal recorrido, para proceder à ampliação da decisão de facto – cf. arts. 722.º, n.º 1, al. b) e 729.º, n.º 3, do CPC.

Abordando uma situação em que a mudança do clausulado apodado de nulo foi efectuada no decurso da própria acção, considerou-se no Acórdão do STJ, de 23-04-2002, que a acção inibitória “visa proibir cláusulas contratuais gerais elaboradas para utilização, e não impedir, antes da verificação da situação concreta nelas prevista, que alguém as possa imaginar ou perspectivar”. Por conseguinte, “verifica-se a inutilidade superveniente da lide, numa acção inibitória, quando a ré, no decurso da acção, retire dos contratos a celebrar e dos já celebrados as referidas cláusulas”. Desenvolveu-se nesse aresto que: “O objecto da presente acção inibitória consistia na proibição de utilização futura de cláusulas proibidas. A ré retirou essas cláusulas dos contratos a celebrar, bem como dos contratos celebrados. A ré antecipadamente, cumpriu aquilo que a acção se destinava. Isto é, o objecto da acção desapareceu quer no sentido material (existência de cláusulas), quer no sentido intencional (propósito ou predisposição do uso. O desparecimento do objecto da acção traduz-se em inutilidade da lide (Alberto dos Reis, Comentário, 3.º, págs. 368 e seguintes)”[19]-

Já mais recentemente, abordando litígios em que se debatia o carácter abusivo das cláusulas contratuais gerais de arredondamento em alta das taxas de juro, repetidas em inúmeros contratos de concessão de crédito à habitação, até que o DL n.º 240/2006, de 22-12, acabou por regular esses arredondamentos[20], foram proferidos vários arestos, neste STJ. Debateu-se nesses processos, além do mais, o problema da “retirada” voluntária das cláusulas contratuais gerais violadoras daquele diploma, ainda antes de proposta(s) a(s) acção(ões) inibitória(s), propendendo-se, num dos casos, para a solução da falta de legitimidade processual do MP, e em outros dois, para a falta de interesse processual do MP.

Assim, no acórdão do STJ, de 12-05-2011, escreveu-se, na parte conclusiva: “1) O escopo, essencial e exclusivo, intencionalmente querido pelo legislador no Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10, é o de fazer proibir - para o futuro - o uso de cláusulas contratuais gerais que atentem contra a boa-fé (artigos 16.º e n.º 1 do art. 25.º). 2) É neste contexto jurídico-processual que assiste ao Ministério Público legitimidade para a acção inibitória, destinada a obter a condenação na abstenção do uso ou da recomendação de cláusulas contratuais gerais (art. 25.º, n.º 1, al. c), nesta se avaliando a natureza proibitiva de cláusulas gerais integrantes de individualizado contrato. 3) Temos, porém, como certo que a medida de proibição de uso de uma evocada cláusula geral contrária à boa-fé deixa de ter sentido se, muito embora seja passível de exame de objectiva suspeição, ela não está efectivamente a ser praticada nem há motivo para recear que seja posta em execução. 4) Tendo na devida conta o real interesse que a acção inibitória demarca – fazer proibir para o futuro o uso de cláusulas contratuais gerais que atentem contra a boa-fé – havemos de concluir que, porque o Banco demandado não pratica agora essa apregoada infracção, se não justifica que seja condenado a omitir a prática de uma acção que ele efectivamente não está a executar. 5) Vale isto por dizer que ao Ministério público deixou de assistir legitimidade para insistir que o Banco/recorrente seja condenado a preterir um acto que, realmente, já não comete e, em consequência deve o Banco demandado ser absolvido da instância - art. 287.º, n.º 1, al. d), do CPC”[21].

Mais recentemente, no acórdão do STJ, de 05-02-2013, desta secção, relatado pelo Excelentíssimo Juiz Conselheiro Moreira Alves, também subscritor deste acórdão, considerou-se que a “acção inibitória instaurada pelo MP ao abrigo dos arts. 25.º e segs. da LCCG, carece absolutamente de interesse prático, objectivo e sério, porquanto não tem sentido condenar a ré a abster-se de se prevalecer ou utilizar as cláusulas em lide, quando está demonstrado que delas não se prevalece nem as utiliza há mais de três anos”.

Desenvolve-se no citado aresto: “(…) Assim, e como aliás resulta do art. 32.º, n.º 1, da LCCG, a finalidade da acção inibitória é a de fazer proibir para o futuro o uso de cláusulas gerais violadoras do princípio da boa fé ou que ponham em causa o equilíbrio das prestações, mas já não é o meio idóneo para decidir da nulidade de cláusulas insertas em contratos celebrados antes da decisão inibitória. As cláusulas em vigor, incluídas em contratos singulares já concretizadas antes da decisão inibitória não são afectadas directamente por esta decisão, nem o MP teria, para tal, legitimidade. A influência da procedência da acção inibitória nos contratos concretos, concluídos entre o utilizador das cláusulas viciadas e o seu destinatário, faz-se através de um controlo incidental, no âmbito de um processo individual (acção comum) accionado pelo 2.º contra o 1.º, nos termos do n.º 2 do art. 32.º da LCCG. Portanto, sendo o escopo da acção inibitória conseguir a proibição, para o futuro, do uso de cláusulas contratuais gerais violadoras da boa fé e não eliminar dos contratos já celebrados e em vigor tal tipo de cláusulas, uma vez que, como se disse, está plenamente provado que a ré já não utiliza, há mais de três anos, as cláusulas alegadamente abusivas, nem existe o menor indício de que tenha qualquer intenção de as vir a usar nos futuros contratos, antes pelo contrário, atenta a regulamentação vinculativa da matéria de arredondamento das taxas de juro, estabelecida pelo DL n.º 240/2006, afigura-se-nos, no caso concreto, de todo inútil decretar a proibição do uso de cláusulas que, de facto, já não estão em uso, nem existe menor receio que venham, futuramente, a ser utilizadas.

Quer dizer, em termos de normalidade e razoabilidade, de acordo com as regras da experiência comum e a realidade das coisas, não existe qualquer necessidade séria de tutela jurisdicional a exercitar no quadro lógico da acção inibitória. Não há fundamento relevante para eliminar do tráfico jurídico cláusulas que a ré já há muito eliminou por força de uma nova lei (DL n.º 240/2006). Daí que, apesar da legitimidade processual que, sem dúvida, o M.P. detém para a acção inibitória, no caso concreto, falta-lhe o interesse processual ou interesse em agir, tal como atrás o concretizámos”[22].

Por fim, solução similar, ainda que com pequenas nuances, foi perfilhada no acórdão do STJ, de 21-02-2013, proferido no proc. n.º 2839/08.0YXLSB.L1.S1 (2.ª Secção) [23].

Da leitura destes vários arestos e das respectivas fundamentações, alcança-se, tal como é o nosso entendimento, que a questão da utilidade das acções inibitórias não pode ser dissociada, de modo algum, da efectiva utilização dos clausulados contratuais gerais, que eventualmente violem a LCCG, por parte do predisponente, sendo certo que demonstrada a cessação daquela aplicação, e a sua substituição por novos clausulados, poderá ficar comprometida a apreciação judicial da acção inibitória, seja por se entender verificar uma situação de inutilidade superveniente da lide, caso as cláusulas sejam alteradas já no decurso da acção (287.º, al. e), do CPC), seja por se entender que ocorre ilegitimidade processual ou falta de interesse em agir (do MP), se o clausulado tiver sido modificado/alterado ainda antes da instauração da acção inibitória (arts. 493.º, n.º 2, 494.º e 495.º, do CPC).

Temos para nós que o mais correcto será apelar ao pressuposto processual inominado da falta de interesse em agir (do MP). Embora a lei lhe não faça referência expressa, deve incluir-se nos pressupostos processuais, referentes às partes, o interesse processual que “consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer seguir a acção”[24]

Pode-se definir este pressuposto processual como o interesse do autor em obter a tutela judicial de uma situação subjectiva através de um determinado meio processual (e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a concessão daquela tutela): “O autor tem interesse processual se, da situação descrita, resulta que essa parte necessita da tutela judicial para realizar ou impor o seu direito”. Por outro lado, “[a]lém da necessidade de tutela judicial, o interesse processual também exige que a acção instaurada seja o meio processual mais rápido, económico e adequado para obter essa tutela”[25].

O interesse processual ou interesse em agir não se destina a assegurar a eficácia da sentença, o que está em jogo é a sua utilidade. Trata-se de um pressuposto processual, autónomo e inominado. Inexistindo o interesse em agir, vedado está ao juiz o conhecimento do mérito – arts. 493.º, n.º 2, e 495.º, ambos do CPC.

Deste modo, destinando-se a acção inibitória a acautelar a utilização futura de cláusulas contratuais gerais nulas e tendo sido alegado pela ré/recorrente que deixou de fazer utilização dessas cláusulas em data anterior à da propositura da acção (alegadamente, cerca de um mês antes), ter-se-á de investigar, em concreto, se subsiste o interesse em agir, por parte do MP, para propor a acção inibitória, nos precisos moldes em que a gizou. Deve assim delimitar-se, com precisão e rigor, a factualidade invocada pelo MP e impugnada pela ré.

Com efeito, se os impressos contratuais contendo as cláusulas cuja nulidade é pedida em concreto, foram substituídos por outros impressos, contendo, agora, as novas condições contratuais gerais apresentadas aos clientes, facto esse alegadamente registado antes da prolação da sentença da 1.ª instância (e do acórdão recorrido), e, inclusive, ainda antes da propositura da acção, consubstanciando os novos impressos (e já não os antigos), a fls. 106 e segs., documentos portadores de novos factos relevantes trazidos ao processo (relativamente aos inicialmente alegados pelo MP), podia e devia o MP ter ampliado a causa de pedir e o pedido respectivos, dentro das balizas do art. 273.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Não o tendo feito, nos moldes possibilitados por aquele preceito legal, nem tão pouco no circunstancialismo previsto no art. 663.º, n.º 1 (atendibilidade de factos jurídicos supervenientes), a hipotética nulidade das cláusulas contratuais gerais contidas naqueles novos impressos constituirá uma nova causa de pedir, estranha a esta lide, estando o clausulado agora praticado pela ré/recorrente – mesmo que substantivamente idêntico ao antigo (o que se desconhece) –, excluído da atendibilidade a que alude aquele normativo, porquanto a alteração visada na exegese deste inciso há-de conter-se na causa de pedir alegada pelo autor e produzir-se até ao momento do encerramento da discussão. Não pode é, seguramente, essa factualidade ser agora atendida nesta sede recursiva.

Torna-se assim necessário, como já se mencionou anteriormente, dilucidar o alegado pela ré/recorrente, na sua contestação, no indicado art. 15.º, devendo ponderar-se, outrossim, o teor da impugnação especificada contida no art. 13.º da contestação, relativamente aos factos carreados pelo MP, na medida em que se esclareça, por essa via, quais os contratos que efectivamente vigoram, para, então, retirar as pertinentes consequências jurídicas.

Verifica-se, pois, a imperiosidade de ser ampliada a matéria de facto, a fim de permitir a correcta aplicação do direito, face às várias soluções jurídicas plausíveis, razão pela qual, ao abrigo do estatuído no art. 729.º, n.º 3, do CPC, se determina a remessa e baixa dos autos à Relação para que nesta (ou, por determinação desta, na 1.ª instância) se aprecie a factualidade que, tendo sido oportunamente alegada, não foi objecto de decisão (positiva ou negativa)[26], elaborando-se a pertinente base instrutória.

Em face disso, fica naturalmente prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas na revista, podendo concluir-se, em termos sintéticos, o seguinte:

– A disciplina da LCCG impõe a observância de determinados requisitos, formais e materiais, concordantes, essencialmente, com os princípios da boa fé, da proibição do abuso do direito e da protecção da parte mais fraca, funcionando o princípio da boa fé como a bússola central de todo o regime legal e surgindo o catálogo das cláusulas proibidas como manifestações ou concretizações exemplificativas da valoração desse princípio.

– O escopo essencial, intencionalmente pretendido pelo legislador na LCCG, é o de fazer proibir, para o futuro, o uso de cláusulas contratuais gerais que atentem contra a boa-fé – arts. 16.° e 25.º, n.° 1 –, descrevendo e concretizando as cláusulas que são absolutamente proibidas (arts. 18.° e 21.°) e aquelas que se consideram relativamente proibidas (arts. 19.° e 22.º).

– A questão da utilidade das acções inibitórias não pode ser dissociada, de modo algum, da efectiva utilização dos clausulados contratuais gerais, que eventualmente violem a LCCG, por parte do predisponente, sendo certo que demonstrada a cessação daquela aplicação, e a sua substituição por novos clausulados, poderá ficar comprometida a respectiva apreciação judicial.

– Não obstante o CPC não fazer referência expressa ao interesse processual ou interesse em agir, deve incluir-se o mesmo nos pressupostos processuais, referentes às partes. Trata-se de um pressuposto processual, autónomo e inominado. Inexistindo o interesse em agir, vedado está ao juiz o conhecimento do mérito da causa – arts. 493.º, n.º 2, e 495.º, ambos do CPC.

– Destinando-se a acção inibitória a acautelar a utilização futura de cláusulas contratuais gerais nulas e tendo sido alegado pela Ré/recorrente que deixou de fazer utilização dessas cláusulas em data anterior à da propositura da acção (alegadamente, cerca de um mês antes), ter-se-á de investigar, em concreto, se subsiste o interesse em agir, por parte do MP, para propor a acção inibitória, nos precisos moldes em que a gizou, devendo delimitar-se, com precisão e rigor, a factualidade invocada pelo MP e impugnada pela ré.

IV – Decisão

Por tudo o exposto, concede-se a revista, anulando-se o acórdão recorrido e determina-se que os autos baixem à Relação de Lisboa, para que aí, ou por determinação desta, na 1.ª instância, se possível pelos mesmos Juízes, se proceda à ampliação da matéria de facto, nos termos acima indicados e se profira nova decisão.

Custas pela parte vencida a final.




Lisboa, 11 de Abril de 2013



António Joaquim Piçarra (Relator)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves

_________________________________________

Sumário elaborado pelo relator – art. 713.º, n.º 7, ex vi do art. 726.º, ambos do CPC:


[1] Omitem-se as que visavam demonstrar a admissibilidade da revista excepcional.
[2] Na versão introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24-08, porquanto o processo deu entrada em juízo em 28-01-2009 (cf. fls. 2), ou seja, já na vigência daquele diploma legal, reportada a 01-10-2008, tal como deflui dos respectivos arts. 11.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1.
[3] Na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, que já vimos ser a aplicável a este processo.
[4] Recursos em Processo Civil – Novo Regime (Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto), 2.ª edição revista e actualizada, 2008, pág. 382.
[5] Atente-se, igualmente, na Directiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 23-04-2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores – que revogou a Directiva 87/102/CEE do Conselho –, publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 22-05-2008, a qual foi transposta para a ordem jurídica portuguesa, pelo citado DL n.º 133/2009.
[6] Jorge Pegado Liz, in As Condições Gerais dos Contratos, Revista de Direito do Consumo, n.º 13 (Março de 1998), pp. 20-44, explica, detalhadamente, o contexto histórico do nascimento da LCCG, bem como o processo de gestação da Directiva n.º 93/13/CE.
[7] Joaquim Sousa Ribeiro, Cláusulas Contratuais Gerais e Paradigma do Contrato, 1990, pág. 46.
[8] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, 2000, pág. 118.
[9] Para uma análise detalhada do regime da LCCG, na sua versão original, cf. Almeida Costa e Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais – Anotação ao DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, 1993, págs. 15-72.
[10] Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, pág. 593. Socorrendo-se das palavras de Jorge Ribeiro Faria, diz a autora que “a acção aqui prevista é uma acção condenatória numa prestação de facto negativo, em suma, na não utilização de cláusulas contratuais gerais proibidas” (idem, pág. 597).
[11] Jornal Oficial, n.º L 95, de 21 de Abril de 1993, p. 29.
[12] Relativo a uma acção por incumprimento proposta pela Comissão das Comunidades Europeias pedindo Àquele Tribunal que declarasse que, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições do Tratado CE e da referida Directiva, ao não ter transposto correctamente para o seu direito interno os artigos 5.° e 6.°, n.º 2, da Directiva 93/13/CEE do Conselho. Recorda-se que a acção por incumprimento é um processo judicial exercido perante o Tribunal de Justiça da União Europeia. Esta acção pode ser intentada pela Comissão ou por um Estado-membro contra um Estado-membro que não tenha respeitado o direito da União Europeia, baseada nos arts. 258.º a 260.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
[13] O art. 6.º, n.º 1, da Directiva, preceitua que: “Os Estados-membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respectivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas”.
[14] Este acórdão está publicado em texto integral, tal como o anteriormente referido, na nota 13, no sítio InfoCuria. (http://curia.europa.eu/juris/recherche).
[15] João Alves, Algumas notas sobre a tramitação da Acção Inibitória de Cláusulas Contratuais Gerais, “Revista do CEJ”, 2007, n.º 6, págs. 75-92.
[16] Que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.o 98/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19-05, relativa às acções inibitórias em matéria de protecção dos interesses dos consumidores.
[17] Op. cit. (cf. nota 11), p. 599.
[18] Escreveu a senhora juíza, naquela sentença, a fls. 184, após se referir à questão da hipotética inutilidade da lide: “Não há, pois, qualquer utilidade na apreciação dos autos, não sendo relevante para a decisão da causa o facto de a Ré não emitir nem colocar à disposição dos mutuários qualquer cartão de crédito. Relevante é, e basta, que preveja essa possibilidade. O efeito útil da presente acção só será obtido quando seja produzida decisão transitada em julgado, sobre os autos formando-se, desse modo, caso julgado, quer no sentido de não considerar nula, quer no sentido de declarar a nulidade de determinada cláusula do contrato dos autos”.
[19] Proc. n.º 01A3417 (6.ª Secção), acessível em texto integral em http://www.dgsi.pt, tal como os que se mencionarem seguidamente neste acórdão.
[20] Segundo o art. 1.º daquele diploma: “O presente decreto-lei estabelece as regras a que deve obedecer o arredondamento da taxa de juro quando aplicado aos contratos de crédito para aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento e para aquisição de terrenos para construção de habitação própria celebrados entre as instituições de crédito e os seus clientes”. Posteriormente, o DL n.º 171/2007 de 08-05, estendeu esse regime aos demais contratos de crédito e financiamento celebrados por instituições de crédito e sociedades financeiras.
[21] Proc. n.º 1593/08.0TJLSB.L1.S1 (7.ª Secção).

[22] Proc. n.º 684/10.1YXLSB.L1.S1 (1.ª Secção).
[23] Onde se sumariou: “1) A inutilidade superveniente da lide é uma realidade absoluta, não se podendo extinguir a instância nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável. 2) Já o interesse em agir não deve ser encarado em termos absolutos, antes pressupondo uma apreciação por parte do juiz, em ordem a ter como existente interesse do autor idóneo para justificar o recurso à tutela judiciária. 3) Visando a acção inibitória a proibição de cláusulas contratuais gerais relativas a arredondamento dos juros que uma entidade bancária inseriu em contratos, o disposto nos artigos 32.º e 33.º da LCCG determina a existência sempre de alguma utilidade, pelo que fica afastada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. 4) Mas, tendo vindo a lume disposições legais que proíbem tal arredondamento, sancionando-o mesmo contra-ordenacionalmente, tendo-se provado que a entidade bancária abandonou tais cláusulas nos contratos a celebrar e considerando-se, em interpretação daquele artigo 32.º, que eventual decisão de proibição não alcançava os contratos já findos, deve-se considerar que não existe interesse em agir por parte do autor, com a consequente absolvição do réu da instância”.
[24] Antunes Varela e outros, Manual do Processo Civil, 1984, pág. 170: “Chamam-lhe os autores italianos interesse em agir e dá-lhe a doutrina germânica, com maior propriedade o nome de necessidade de tutela judiciária (Rechtsschutzbedürfnis)”e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, págs. 79/80.
[25] Miguel Teixeira de Sousa, O Interesse Processual na Acção Declarativa, 1989, págs. 9/11.
[26] Neste sentido, Abrantes Geraldes, op. cit, p. 411. Cf., entre outros, Acórdão do STJ, de 17-04-2007, em cujo sumário (I), se verteu: “O Supremo Tribunal de Justiça pode/deve ordenar oficiosamente a baixa do processo, quando, ao julgar do fundo ou mérito da causa, chegar à conclusão de que há matéria de facto articulada, controvertida e de grande relevância, carecida de investigação em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito” (Proc. n.º 07A472).