Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
684/14.2TBAMT.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DIREITOS DO CONSUMIDOR
LEI ESPECIAL
GARANTIA DA OBRA
CADUCIDADE
DEFEITO DA OBRA
DIREITO A REPARAÇÃO
DONO DA OBRA
EMPREITEIRO
ACEITAÇÃO DA OBRA
TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 12/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / EMPREITADA / DEFEITOS DA OBRA.
Doutrina:
- Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, 3ª ed., p. 196;
- João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, 3ª ed., p. 195;
- Jorge Morais de Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 5ª ed., p. 270;
- José Manuel Vilalonga, Compra e venda e empreitada, Contributo para a distinção entre os dois contratos, in ROA, Ano 57, n.º1, p. 225;
- Lebre de Freitas , Caso julgado e causa de pedir, O enriquecimento sem causa perante o artigo 1229.º do Código Civil, Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, in ROA, 2006, Ano 66, Vol. III, https://portal.oa.pt./publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-iii-dez-2006, p. 8;
- Marisa Dinis, A Empreitada de Imóveis Decorrente da Compra e Venda de Consumo, p. 9, in http://www.academia.edu/30882686/A;
- Miguel Teixeira de Sousa, Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, in Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, p. 395 e ss., 401-402.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1225.º, N.ºS 1 E 4.
VENDA DE BENS DE CONSUMO E DAS GARANTIAS A ELA RELATIVAS, APROVADO PELO DL N.º 67/2003, DE 08 DE ABRIL, DEVIDAMENTE ALTERADO PELO DL N.º 84/2008, DE 21 DE MAIO: - ARTIGOS 4.º, N.º 1 E 5.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 28-09-2010, PROCESSO N.º 1048/03.9TBVIS.C1.S1;
- DE 14-01-2014, PROCESSO N.º 378/07.5TBLNH.L1.S1;
- DE 20-09-2018, PROCESSO N.º 21852/15.4T8PRT.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
II. Nos casos em que a dona da obra transmite a um terceiro a propriedade do imóvel cuja construção contratou com um empreiteiro e este adquirente/consumidor pretende, ao abrigo do disposto no artigo 1225º, nº4 do Código Civil e no artigo 4º, nº 1, do DL nº 67/2003, de 8 de abril, alterado e republicado pelo DL nº 84/2008, de 21 de maio, exigir do empreiteiro a eliminação dos defeitos da obra por meio de reparação ou de substituição, o prazo de garantia de 5 anos previsto no nº1 do citado artigo 1225º e no art. 5º, nº1 do citado DL nº 67/2003, conta-se desde a data da entrega da obra, pelo empreiteiro, à respetiva dona e não da data de aquisição a esta do imóvel pelo terceiro adquirente/consumidor.

II. É que, tratando-se de um prazo de garantia, relacionado com o momento legal imposto para a verificação da obra, o mesmo não se renova após cada transmissão da propriedade, ficando o terceiro adquirente na mesma posição que o dono da obra tinha perante o construtor.

III. Portanto, se, na data da venda do imóvel, o vendedor/dono da obra já não tiver sobre o empreiteiro nenhum direito à eliminação dos defeitos, à realização de obra nova ou à indemnização correspondente ao custo da reparação destes defeitos, também já não poderá ceder nenhum destes direitos ao terceiro adquirente do imóvel, pois a não ser assim, isso implicava que os terceiros adquirentes de imóveis destinados a longa duração tivessem sobre os empreiteiros mais direitos do que os donos de obra têm sobre estes e, consequentemente, que os deveres do empreiteiro passassem a ser mais do que aqueles que têm perante os donos da obra, o que não resulta da lei.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


I. Relatório


1. AA e BB intentaram a vertente ação contra as rés “CC, Construção, S.A..” e “DD, Sociedade de Construções, S.A.”, pedindo a condenação das rés a:

A) Procederem de imediato à reparação de todos os vícios e defeitos de construção existentes no imóvel, nomeadamente, os referidos no art. 7.º da petição e a pagarem o valor diário de € 150 euros, a título de sanção pecuniária compulsória, pelo atraso no cumprimento da obrigação;

B) Em alternativa, a liquidarem aos autores a soma de € 45.000 euros, acrescida de juros à taxa legal de 4%, a contar da citação e até integral pagamento.

Alegaram, para tanto e em síntese, que, no dia 27 de maio de 2009, o autor adquiriu, por permuta, à sociedade “CC, Construção, S.A.”, um imóvel destinado a habitação, cuja construção esta sociedade, no exercício da sua atividade de construção de prédios e compra e venda e revenda de imóveis, contratou com a sociedade, DD, Sociedade de Construções, S.A., que tem por objeto social a indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas.

Após terem passado a habitar o dito prédio, o autor constatou que o mesmo apresentava infiltrações e humidades e, por carta enviada em 3 de janeiro de 2014 à ré, DD, Sociedade de Construções, S.A., solicitou a esta a respetiva reparação, o que a mesma não fez.

A eliminação e reparação destas infiltrações e humidades orça em € 45.000 euros.


2. Contestaram as rés, impugnado parcialmente os factos alegados pelos autores e excecionando a caducidade do direito de denúncia dos defeitos, com o fundamento de que a obra, totalmente concluída, foi entregue pela DD, Sociedade de Construções, S.A., à CC, Construção, S.A , que a recebeu, sem qualquer reserva, no dia 30 de Janeiro de 2008 e que o autor teve conhecimento das infiltrações antes de 3 de Janeiro de 2013.


3. Com fundamento na declaração de insolvência da CC, Construção, S.A, foi declarada extinta a instância relativamente a esta ré, prosseguindo a ação apenas contra a 2.ª ré “DD, Sociedade de Construções, S.A.”.


4. Realizada audiência prévia, nela foi proferido despacho-saneador, que relegou para sentença o conhecimento da exceção da caducidade, e despacho a enunciar o objeto do litígio e a fixar os temas de prova.


5. No decurso da audiência de discussão e julgamento, os autores apresentaram requerimento de ampliação do pedido, que foi indeferido.


6. Foi, então, proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré DD, Sociedade de Construções, S.A a proceder de imediato à reparação de todos os vícios e defeitos de construção existentes no imóvel, nomeadamente os referidos no art. 7.º da petição, submetendo a reparação a vistoria de técnico designado pelos autores, considerou prejudicado o pedido da alínea b) e absolveu a ré do pedido de condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.


7. Inconformada com esta decisão, dela apelou a ré DD, Sociedade de Construções, S.A., para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 22.05.2019, julgou procedente o recurso de apelação e, revogando a sentença recorrida, julgou procedente a exceção de caducidade do direito dos autores invocada pela recorrente e, consequentemente, improcedentes os pedidos formulados pelos autores.


8. Inconformados com esta decisão, dela interpuseram os autores recurso de revista, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:

«I - Os Recorrentes adquiriram um imóvel em 27 de Maio de 2009.

II - O referido imóvel apresenta diversas patologias e defeitos graves, conforme resulta da matéria dada como provada.

III – Nos termos do art. 1225º do Código Civil, a Ré/Recorrida é responsável enquanto empreiteira pelo vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ou se a obra apresentar defeitos responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.

IV - O prazo de garantia legal é de cinco anos a contar da entrega do imóvel, consequente à celebração do contrato de compra e venda (art. 1225º n.º 1 do CC).

V – A denúncia dos defeitos deve ser exercitada no prazo de um ano a contar do conhecimento do vício ( art. 1225º nº 2 do CC).

VI - O prazo de caducidade do direito de ação destinada exercer o direito à eliminação dos defeitos é de um ano subsequente à denúncia (art. 1225º n.º 2 e 3 do CC).

VIII - Tendo os Recorrentes adquirido o imóvel em 27 de Maio de 2009 - (ponto F da matéria de facto), o prazo de garantia de 5 anos só terminaria em 27 de Maio de 2014.

VIII - A Recorrida recebeu a comunicação de denúncia de defeitos por parte dos Recorrentes em 06 de Janeiro de 2014 (ponto F da matéria de facto).

IX - A ação foi interposta em 21 de Maio de 2014.

X - O Tribunal Recorrido fez incorreta interpretação e aplicação do artigo 1225º do C.C, o qual, tendo em conta a matéria de facto dada como provada nos pontos E, D, E e F – devia considerar inexistir qualquer caducidade do direito dos Recorrentes.

XI - Se a aquisição do imóvel pelos Recorrentes ocorreu em Maio de 2009, o prazo de garantia não se pode iniciar antes, designadamente com a entrega da obra realizada em 2008.

XII - A jurisprudência e a doutrina são maioritárias definindo que o Terceiro Adquirente, quer quanto ao Vendedor/Dono da Obra, quer quanto ao Construtor do Imóvel beneficia do direito de garantia de 5 anos após a outorga do contrato de aquisição do imóvel, pois só nesta data o imóvel é lhe entregue e não com a conclusão da construção do imóvel ou o seu licenciamento.

XIII - O momento da entrega do bem, a que se reporta o início do prazo de garantia, tanto no que respeita ao regime do Artigo 1225º do Código Civil como ao do nº 1 do Artigo 5º de Decreto-Lei 67/2003 de 08-04, é o da aquisição do imóvel, pois é intuitivo que é a partir desse momento que o adquirente tem efetiva possibilidade de se aperceber da existência dos vícios construtivos, dado o contacto direto com o imóvel.

XIV - Defender que o prazo de garantia de um imóvel se inicia com a entrega do imóvel pelo Construtor ao Dono da Obra implica aceitar que o prazo do terceiro adquirente em relação ao Empreiteiro - não Vendedor - não será de 5 anos, o que constitui uma violação de uma norma imperativa – art. 294º do Código Civil. No caso concreto, a interpretação realizada pelo Venerando Tribunal a quo considerou que, após a aquisição do imóvel, os Recorrentes apenas dispunham de cerca de 3 anos e 8 meses para acionar o Empreiteiro por defeitos do imóvel, o que é inadmissível e se impõe revogar.

XV - SUBSIDIRIAMENTE e apenas se se entender que o supra exposto não merce acolhimento, no que se não confia, sempre que se aplica ao caso em concreto o disposto na Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (atualmente, Lei n.º 10/2013, de 28/01) e no Dec. Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril (que transpôs para o nosso Direito interno a Diretiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a proteção dos interesses dos consumidores), com as alterações introduzidas pelo DL n.º 84/2008, de 21 de Maio.

XVI - Nestes termos, no âmbito de uma relação de consumo como a dos autos, o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade do imóvel que exista no momento em que o bem lhe é entregue, - data da escritura de aquisição – devendo a mesma ser denunciada num ano, e caducando o direito atribuído ao consumidor no prazo de três anos a contar da data da denúncia.

XVII - Como referido supra, até pela aplicação deste regime, entende-se que a data relevante para o início da contagem do prazo de garantia de 5 anos é o dia da entrega do bem ao consumidor, ou seja, o dia da aquisição do imóvel pelos Autores/Recorrentes em 27 de Maio de 2009, e não o da conclusão da construção e sua entrega ao Dono da Obra. Assim sendo, entre essa data e o dia 3 de Janeiro de 2014, em que os Recorrentes realizaram a denúncia dos defeitos, não mediaram cinco anos. E entre 03-01-2014 e 21-05-2014, data da propositura da presente ação judicial, não mediaram 3 anos, dado que 3 anos é o prazo previsto no nº3 do Artigo 5º-A do Decreto-Lei 67/2003 de 08/04 para o exercício, por parte do consumidor, do direito de acionar.

XVIII - SUBSIDIRIAMENTE e apenas se se entender que o supra exposto não merece acolhimento, no que se não confia, sempre será aplica ao caso sub judice o regime da responsabilidade extracontratual do empreiteiro perante o terceiro adquirente do imóvel construído por aquele com defeitos.

XIX - O comprador goza do direito de indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente do cumprimento defeituoso ou inexato da prestação.

XX - A inobservância pelos construtores civis, como no caso da Ré Recorrida, das boas regras de construção civil, impostas por lei - RGEU e demais disposições legais, e que são de conhecimento obrigatório daqueles, importa para aquela responsabilidade civil extracontratual. A mera invocação de um contrato de empreitada eventualmente mal cumprido, não exclui a possibilidade de invocação de responsabilidade civil extracontratual por prejuízos causados pela má execução da obra (No mesmo sentido Ac. STJ, 22-10-1987: BMJ, 370° - 529).

XXI - A qualificação da causa de pedir não depende da mera alusão a um contrato de empreitada mas dos factos concretamente alegados como causa dos prejuízos cujo ressarcimento se pede tal como se passou no caso sub judice.

XXII - De acordo com a matéria de facto dada como provada, os Recorrentes necessitam de quantia não inferior a 45 000 EUR para a reparação dos danos existentes e causados em consequência dos vícios construtivos provados, imputáveis à Recorrente e praticados em violação de lei expressa. A Recorrida está obrigada a indemnizar os Recorrentes pelos danos resultantes da má construção e em consequência do valor necessário com a reparação.

XXIII - É tempestiva a presente ação, não existindo qualquer prescrição do direito dos Recorrentes a serem indemnizados nos termos do Art. 498º n.º 1 do Código Civil, conforme aliás peticionaram alternativamente na alínea B) do petitório da P.I.

XXIV - Por esta via, a entrega da obra ou a sua aceitação não têm significado na responsabilidade civil extracontratual dado que o seu peso e poder se confinam à responsabilidade civil contratual (Neste sentido Ac. STJ, 4-2-1992: BMJ, 414° - 442 na sua motivação a pág. 447).

XXV - Assim, o valor dos danos dado como provado é em quantia ilíquida não inferior a 45 000 Eur da responsabilidade da Recorrida, que deverá ser condenada a pagar em liquidação de sentença pela totalidade do valor que se vier a apurar ser necessário para repor o imóvel no seu estado normal.

XXVI - Donde, se nos afigurar ter o Douto Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, interpretado erradamente os comandos legais aplicáveis ao caso em apreço ao considerar caducado o direito dos Autores/Recorrentes, violando as disposições dos art. 294º, 483º, 498º, 1208º, 1219º, 1225º do Código Civil, bem como o regime previsto nos arts 3º a 5º- A do Decreto Lei n.º 67/2003 de 08/04, impondo-se decisão diversa da proferida, reconhecendo-se o direito dos Autores/Recorrentes».


Termos em que requer seja revogado o acórdão recorrido, mantendo-se a decisão do Tribunal de 1ª Instância.


9. A ré DD - Sociedade de Construções, S.A. respondeu, terminando a suas contra alegações, com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

« 1 - Para uma correta análise das questões colocadas pelos recorrentes em sede de recurso, impõe-se ter em linha de conta o enquadramento fáctico que enforma os presentes autos, mormente que “Da factualidade apurada resulta que a Ré, entretanto declarada insolvente e relativamente à qual, a instância foi declarada extinta, contratou à empreiteira, a construção de um imóvel, o qual, a vendeu posteriormente aos autores-recorridos [aqui Recorrentes]. Estes surgem aqui na qualidade de terceiros adquirentes de um imóvel construído por um empreiteiro”, conforme fundamentado no douto Acórdão Recorrido. Por outras palavras, a Recorrida (primitiva 2.ª Ré) assume a veste de empreiteira, a insolvente CC, Construção, S.A.. (primitiva 1.ª Ré) a de dona da obra e os Recorrentes, a de terceiros adquirentes (cfr. factos provados C, D e E).

2 - Também é preciso ter em linha de conta os seguintes factos que foram dados como provados:

A entrega da moradia pela empreiteira, ora recorrida, à dona da obra, que na pendência desta ação foi declarada insolvente, ocorreu no dia 30-01-2008 (item 5 dos factos provados e a obra, totalmente concluída, foi entregue pela à Ré, que a recebeu, sem qualquer reserva, no dia 30 de Janeiro de 2008, conforme auto de receção da obra de fls. 192).

Tal facto era do conhecimento do Autor.

O autor conhecia os defeitos em 3 de Janeiro de 2014.

A denúncia dos defeitos foi feita por carta enviada a 03.01.2014 e recebida pela recorrente empreiteira a 06.01.2014.

A presente ação foi instaurada a 21.05.2014.

Os Recorrentes adquiriram o imóvel em causa nos autos em 27 de Maio de 2009, (factos provados C e E).

3 - Os Recorrentes, nos pontos I a XIV das suas conclusões, alegam que o seu direito não caducou, porquanto entendem que “o prazo de garantia legal é de cinco anos a contar da entrega do imóvel, consequente à celebração do contrato de compra e venda (art.º 1225.º, n.º 1 do C.C.)”.

4 - Na hipótese defendida pelos Recorrentes, o prazo para a instauração da presente ação judicial relativamente à vendedora do imóvel, então 1.ª Ré, quer quanto à empreiteira, ora Recorrida, só terminaria em 26 de Maio de 2014, isto é, decorridos 5 anos da compra do imóvel, pelo que a ação foi proposta dentro do prazo legal.

5 - A Recorrente não concorda com este entendimento, desde logo, porque tal entendimento consagra uma responsabilidade ad eternum do empreiteiro da obra, que estaria sempre vinculado ao momento em que o Dono de Obra procedesse à venda daquele imóvel. Com efeito, colocando a hipótese de a então 1.ª Ré – CC, Construção, S.A., apenas ter procedido à venda do imóvel no presente ano de 2019, significaria que a Recorrida seria responsável por eventuais defeitos de construção até ao ano de 2024, ou seja, 16 anos depois da entrega e aceitação da obra por parte da respetiva dona.

6 - Por outro lado, ao caso dos autos aplica-se o regime legal da empreitada consagrado no art.º 1225.º, n.º 1 do C.C, o qual dispõe que: “(…) se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação, ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega (…), a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente”.

7 - Ora, da interpretação do referido normativo, decorre que o prazo de garantia de cinco anos, entendido este como o prazo para o exercício dos direitos do dono da obra e não ao conhecimento dos defeitos, começa a contar da entrega da obra, como aliás defende a jurisprudência e doutrina maioritária que supra se referiu e transcreveu da qual recorre o entendimento unânime de que:

“O prazo de caducidade de cinco anos previsto no citado artigo 1225.º, n.º 1 conta-se desde o momento em que a obra foi entregue pela Ré ao respetivo dono. (…).

É que, o empreiteiro entrega a obra ao dono da mesma, não a entrega a quem, porventura vier adquirir posteriormente o imóvel ou partes do mesmo, em resultado do negócio que vier a ser celebrado com o dono da obra (…).

8 - Pelo que, atenta a matéria de facto dada como provada, o prazo para a propositura da presente ação judicial esgotou-se no dia 29 de Janeiro de 2013, pelo que, é manifesto que o direito dos Recorridos já havia caducado quando a ação foi proposta.

9 - A título subsidiário, e que espelham nos pontos XV a XVII das respetivas conclusões, vêm os Recorrentes defender que “ao caso «sub judice» aplica-se ainda o regime especial previsto na Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (atualmente, Lei n.º 10/2013, de 28/01) e no Dec. Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril (que transpôs para o nosso Direito interno a Diretiva n.º 1994/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a proteção dos interesses dos consumidores), com as alterações introduzidas pelo DL n.º 84/2008, de 21 de Maio”.

10 - Não obstante, compulsada a Petição Inicial dos Recorrentes, depreende-se, sem margem para dúvidas, que estes alicerçam o seu pedido no instituto jurídico da empreitada consagrado nos artigos 1207.º e seguintes do C.C. Porquanto, alegam expressamente no art.º 22.º daquele articulado que “A presente ação tem por fundamento, entre outros, o disposto nos art.ºs 559.º, 562.º, 566.º, 916.º, n.º 3, 1222.º e 1225.º do Cód. Civil”. Em momento algum do processo, os Recorrentes invocaram factos que permitissem enquadrar a questão dos autos no invocado regime legal.

11 - Ora, a Recorrida acompanha, pela sua pertinência, o que vem sendo defendido pela jurisprudência, transcrevendo-se, pela sua relevância, parte do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães 08-11-2018, proferido no âmbito do proc. n.º 212/16.5T8PTL.G1, relatado por Afonso Cabral de Andrade e acessível em www.dgsi.pt, no qual se sumaria: “Quando um recorrente vem colocar perante um Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluídas nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma chamar de questão nova”. (…) “Não sendo uma situação de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal superior apreciar uma questão nova, por pura ausência de objeto: em bom rigor, não existe decisão de que recorrer. É um caso de extinção do recurso por inexistência de objeto”. (…) Explicando melhor, essa questão não faz parte do objeto do processo, pois não foi incluída na petição inicial / contestação / réplica, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida. É uma questão nova que o recorrente se lembrou de trazer agora em sede de recurso. Ora, por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido. se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido”.

12 - Não olvida a Recorrida que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art.º 5.º, n.º 3 do C.P.C.), porém, como infra melhor se exporá, os Recorrentes não lograram trazer aos autos os factos necessários para que o Tribunal ad quem venha qualificar a empreitada em causa como de consumo e, consequentemente, conferir-lhe guarida no Decreto Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na versão atualmente em vigor.

13 - Ora, como defende João Cura Mariano, na obra supra aludida, pág. 232, que “A relação de empreitada de consumo é aquela que é estabelecida entre alguém que destina a obra encomendada a um uso não profissional e outro que exerce com caráter profissional uma determinada atividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração (art.º 2.º, n.º 1, da L.D.C. e art.º 1.º-B, a) do D.L. n.º 67/2003)”.

14 - Na ótica dos Recorrentes, “(…) dúvidas não poderão existir que, no caso em apreço, é certo que as Rés construíram e venderam o prédio no exercício da atividade comercial que elas, enquanto sociedades comerciais, desenvolvem, tendo em vista, naturalmente, a obtenção de lucros ou benefícios (art.º 980.º do CC e art.º 6.º do CSC). Por outro lado também os Autores/Recorrentes na aquisição do imóvel aturaram como consumidores destinando o imóvel à sua habitação pessoal, e utilização não profissional, sendo totalmente aplicável o regime supra exposto, por se tratar de uma relação de consumo”.

15 - Uma vez mais, a Recorrida não concorda com tal entendimento dos Recorrentes, porquanto da factualidade tida como provada não se podem inferir tais conclusões. Com efeito, resulta do ponto A dos factos provados que “A 1.ª ré, sociedade «CC, Construção, S.A.» dedicava-se, antes da sua insolvência à atividade de construção de prédios e compra e venda de imóveis e revenda dos mesmos”. Já do ponto B daqueles factos extrai-se que “A 2.ª ré, sociedade «DD, Sociedade de Construções, S.A.» tem por objeto social a industrial de construção civil e empreitadas de obras públicas”.

16 - Por sua vez, o art.º 1.º-A do Decreto Lei da Venda de Bens de Consumo e das Garantias a ela Relativas delimita o âmbito da sua aplicação às relações estabelecidas entre profissionais e consumidores.

17 - Ora, atenta a factualidade supra transcrita, a Recorrida e a então 1.ª Ré, aturaram no exercício da sua atividade profissional: a primeira na veste de empreiteira e a última na veste de dona de obra e posterior vendedora. Motivo pelo qual este diploma legal não é aplicável ao contrato de empreitada que então celebraram. Pois, e como defende João Cura Mariano (obra já citada, pág. 233) “De fora do campo de aplicação do regime da empreitada de consumo ficam os contratos celebrados entre o empreiteiro profissional e o dono de obra profissional (…)”.

18 - Por outro lado, a definição de consumir é-nos dada pela al. a) do art.º 1.º-B do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redação atualmente vigente, que o define como “aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho”.

19 - Aqui chegados, e tendo em linha de conta que o aludido diploma legal confina a sua aplicação às relações estabelecidas entre um profissional e um consumidor, depreende-se a contrario do art.º 4.º, n.º 6 daquele diploma legal, que enuncia que “os direitos atribuídos pelo presente artigo transmitem-se a terceiro adquirente do bem”, que a empreitada de consumo não pode aqui ser-se aplicada.

20 - Tanto que seria desprovido de qualquer sentido que os Recorrentes, aqui terceiros adquirentes, conhecedores de toda esta relação contratual tripartida (cfr. ponto 8 dos factos provados) vissem nascer nas suas esferas jurídicas mais direitos do que aqueles que existiriam entre empreiteiro e dono da obra no exercício das respetivas atividades profissionais.

21 - Acresce ainda que, os Recorrentes não alegaram – nem disso fez menção a factualidade provada / não provada –, como lhes competia, qual o destino que deram ao imóvel. E, partindo do pressuposto que a aplicação do Decreto Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redação atualmente em vigor, lhes confere uma vantagem, sempre lhes cabia fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito, nos termos do art.º 342.º, n.º 1 do C.C, como, aliás, é defendido pela jurisprudência que supra se citou a título de exemplo.

22 - Aqui chegados e atento todo o exposto, por constituir uma questão nova, não deve o Tribunal ad quem pronunciar-se quanto à aplicação, ou não aplicação, do Decreto Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redação atualmente em vigor.

23 - Por fim, mas não menos importante, vêm os Recorrentes, a título também ele subsidiário, defender uma alegada responsabilidade extracontratual do construtor perante o terceiro adquirente (cfr. itens XVIII a XXVI das conclusões das alegações).

24 - Os Recorrentes em sede de Petição Inicial formularam um pedido alternativo à reparação dos defeitos, no qual peticionaram a liquidação em quantia não inferior a 45.000,00, acrescida de juros à taxa legal de 4%, a contar da citação e até integral e efetivo pagamento (cfr. al. B) do petitório).

25 - Quanto a este, sentenciou o Tribunal de 1.ª Instância, com o qual a Recorrida concorda, pelo que se transcreve: “O direito de indemnização, ao abrigo do artigo 1223.º do Código Civil, tem em vista apenas os danos que não podem ser ressarcidos através da eliminação dos defeitos, ou da construção de novo da obra, ou da redução do preço, pois que, tratando-se de danos compensáveis por estes meios, é deles que se deve lançar mão e não do pedido de indemnização nos termos gerais; este direito à indemnização nos termos gerais do art.º 1223.º respeitaria àqueles danos que não estão numa conexão «imediata» com o cumprimento defeituoso mas que são causados por um outro novo acontecimento que está com o cumprimento defeituoso numa conexão «mediata». (…) A indemnização a que alude o art.º 1223.º do C. Civil é, portante, apenas a que decorre do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada realizado pelo empreiteiro, destinando-se a compensar danos que tenham um nexo de causalidade com os vícios ou defeitos da obra e não sejam suscetíveis de ressarcimento através do mecanismo, neste caso, da erradicação dos defeitos. Visa portanto esta indemnização, ainda que a título subsidiário, a realização do «status ad quem», ou seja, a indemnização pelo interesse contratual positivo, colocando o dono da obra na situação em que estaria se a contraparte tivesse cumprido bem. Assim, tendo em conta que vão ser repetidas as tarefas que foram executadas defeituosamente pelo empreiteiro e «emendada a mão», não se encontram preenchidos os requisitos legais para o respetivo ressarcimento, uma vez que, para do pedido ser alternativo, o seu ressarcimento pode ser obtido com a erradicação dos defeitos, solução preferencial legal”.

26 - Acresce ainda que, e conforme dispõe o art.º 1208.º do C.C., “o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”.

27 - Ora, “O cumprimento defeituoso da obrigação de realizar a obra pretendida pelo empreiteiro, bem como umas das formas de incumprimento do contrato fá-lo incorrer em responsabilidade civil contratual, isto é, na obrigação de reparar os danos causados ao dono de obra com a sua conduta inadimplente” (João Cura Mariano, obra citada, pág. 68).

28 - Só aos danos que extravasem o âmbito contratual, mormente os resultantes da violação de deveres acessórios (danos “extra rem”) é que se lhes deve reservar a aplicação da responsabilidade civil extracontratual, segundo as regras gerais e já não as do regime especial da empreitada. Quanto aos demais, os chamados “circa rem” – e são apenas estes os presentes nos autos – porque se encontram no âmbito no âmbito da obrigação e estão com ele conexionados, ser-lhe-á de aplicar o regime da responsabilidade civil contratual.


Termos em que pugna pela manutenção do acórdão recorrido.


10. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



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II. Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].

Assim, a esta luz, as questões a decidir traduz-se em saber se:

1ª- se verifica, ou não, a exceção de caducidade por decurso do prazo de garantia de 5 anos previsto no art. 1225º do C. Civil e no art. 5º, nº1 do DL nº 67/2003, de 8 de abril,  alterado e republicado pelo DL nº 84/2008, de 21 de maio;

2ª- assiste aos autores o direito de exigir da empreiteira, DD, Sociedade de Construções, S.A., indemnização, nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual,  pelos prejuízos para eles decorrentes do cumprimento defeituoso  ou inexato da prestação.



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III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto


Foram considerados provados os seguintes factos:


A - A 1.ª ré, sociedade “CC, Construção, S.A..” dedicava-se, antes da sua insolvência, à actividade de construção de prédios e compra e venda de imóveis e revenda dos mesmos


B - A 2.ª ré, sociedade “DD, Sociedade de Construções, S.A..” tem por objecto social a indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas.


C - A 1ª ré “CC, Construção, S.A..” declarou ceder por permuta efectuada, em 27 de Maio de 2009, outorgada por escritura pública, lavrada no Cartório Notarial da Dra. EE, a fls. 110 a 114 do Livro 240, ao autor AA, que aceitou, o edifício com a seguinte descrição: prédio em propriedade total, sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, destinado a habitação, composto de 3 pisos e com a tipologia de T4, sito na Rua …, nº .., freguesia de … (…), descrito na Conservatória do Registo Predial da … sob o nº 1106, inscrito na competente matriz pelo artº 1419, pelo valor de € 256.000,00.


D- A 2ª ré “DD, Sociedade de Construções, S.A..” construiu o prédio referido em A.


E - O autor AA é dono do prédio referido em C, por permuta efectuada, em 27 de Maio de 2009, outorgada por escritura pública, lavrada no Cartório Notarial da Dra. EE, a fls. 110 a 114 do Livro 240.


F - Por carta registada, com aviso de recepção, enviada pelo autor em 3 de Janeiro de 2014 recebida pela 2ª R. em 06.01.2014, foi solicitado que se procedesse às necessárias reparações remetendo-se o relatório de fls. 40.

1 - Depois da escritura referida em E e habitado o imóvel, o autor constatou que o mesmo apresentava:

a) Infiltrações de humidade para a entrada da moradia, com degradação das madeiras das ombreiras e da parede sobre o rodapé- com painéis fixos de madeira e ombreira com absorção de humidade, entrada de humidade no apainelado e para as paredes;

b) Infiltração de humidade para as escadas de acesso ao 1º andar da moradia, com degradação da placa de escada e da parede- com painel fixo de madeira, tectos das escadas com absorção de humidade e entrada de humidade para apainelado;

c) Entrada de humidade para a laje de piso da casa de banho do 1º andar, com humedecimento de alvenaria de tijolo, das betonilhas do pavimento e gotejar sob a curete do WC- com entrada de humidade para tecto e parede por trás do azulejo, entrada de humidade pela fachada, pela janela e paredes manchadas;

d) Infiltrações para o piso do R/C, nas ombreiras da porta de entrada, por paredes exteriores com reflexo no interior, por contacto com pavimentos exteriores e pelo topo de murete exterior a formar pala visual:

e) Infiltrações para o piso do 1º andar para os paramentos interiores estucados, em tectos, paredes e escadas:

f) Descolamento e manchas das pinturas das divisões.


2 - As infiltrações tinham origem na empena da moradia.


3 - À data da instauração da acção, a 21-05-2014, bem como à data de 24-01-2018, o custo da eliminação e reparação das infiltrações correspondia, pelo menos, a valor não inferior a € 45.000. (redação dada pelo Tribunal da Relação)

 

4 - A execução das dez moradias teve início no ano de 2005 e terminou em Dezembro de 2007, conforme facturas de fls. 123.


5 - E a obra, totalmente concluída, foi entregue pela 2ª Ré à 1ª Ré, que a recebeu, sem qualquer reserva, no dia 30 de Janeiro de 2008, conforme auto de recepção de obra de fls. 192.


6 - E, no dia 2 de Dezembro de 2008, a FF – Associação Certificadora de Instalações Eléctricas emitiu o certificado de exploração de fls. 193.


7 - Tendo a 1ª Ré apresentado em 30 de Março de 2009, na Câmara Municipal da …, a ficha técnica de habitação do prédio de fls. 194.


8 - O referido de 4 a 7 foi do conhecimento do autor.


Factos Não Provados: Tema 4, ou seja, “que o autor teve conhecimento das infiltrações antes de 3 de Janeiro de 2014”.



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3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se, essencialmente, com a questão de saber se se verifica, ou não, a exceção de caducidade invocada pela ré por decurso do prazo de garantia de 5 anos previsto no art. 1225º do C. Civil e no art. 5º, nº1 do DL nº 67/2003, de 8 de abril, alterado e republicado pelo DL nº 84/2008, de 21 de maio, para o que importa determinar o momento a partir do qual se conta o início deste prazo.


Desenrolando-se o presente litígio no âmbito da responsabilidade contratual emergente de cumprimento defeituoso do contrato de empreitada e resultando claro, da matéria de facto dada como provada sob a alínea F) e nos nºs 1 e 2, que os defeitos existentes e denunciados pelo autor verificam-se num imóvel destinado a longa duração, construído pela ré, “DD, Sociedade de Construções, S.A..”, por força de um contrato de empreitada outorgado com a “CC, Construção, S.A” (entretanto declarada insolvente e relativamente à qual a instância foi declarada extinta) e que foi vendido por esta aos autores, não podemos deixar de ter em conta o regime previsto no art. 1225º do C. Civil, que, nos seus nºs 1 e 4, permite ao terceiro adquirente do imóvel exercer os direitos emergentes de defeitos nas construções diretamente sobre o empreiteiro e/ou vendedor do imóvel.

E, por outro lado, estabelece três prazos de caducidade:

i) o prazo de garantia (supletivo) de 5 anos, contados a partir da entrega do imóvel ao adquirente ( nº1);

ii) o prazo de 1 ano, a contar do conhecimento do defeito, para exercer o direito de denúncia [2] ( nº 2 );

iii) o prazo de 1 ano, subsequente à denúncia, dentro do qual terá que ser instaurada a ação destinada a exercitar o direito à eliminação dos defeitos ou à indemnização ( nºs 2 e 3).

Todavia e porque estamos perante prazos que são independentes entre si, impõe-se esclarecer de que forma é que os mesmos se articulam e funcionam.

Assim, fixando o aludido prazo de garantia o lapso de tempo durante o qual a manifestação duma falta de conformidade faz surgir na esfera jurídica do dono da obra os respetivos direitos, fundamental é que, tal como se refere no citado Acórdão do STJ, de 14.01.2014, o defeito se revele no dito prazo de 5 anos, pois se o vício apenas surge ou é conhecido pelo adquirente do prédio após o decurso deste prazo de garantia, já não poderá ser exercido o direito de denúncia da ação.

Diferentemente, se o defeito apenas se torna conhecido do adquirente no período final de prazo de garantia de 5 anos, mas antes de este se esgotar, então o adquirente dispõe do prazo de um ano, a partir do conhecimento, para exercer o direito de denúncia e de outro ano, subsequente à denúncia, para exercer o direito de ação[3].

Porém, não é isenta de controvérsia a determinação do momento em que deve ter-se a obra por entregue para efeito de se iniciar a contagem deste prazo de 5 anos de garantia quando estamos em presença, como é o caso, de um prédio adquirido ao vendedor/dono da obra e o terceiro adquirente se propõe reagir contra os defeitos do imóvel e exercer os seus direitos diretamente contra o construtor e o vendedor.

Com efeito, enquanto o acórdão recorrido, a este propósito, entendeu que o prazo de caducidade de 5 anos conta-se a partir da entrega do imóvel ao dono da obra, no caso, a então CC, Construção, S.A. (30.01.2008), os autores recorrentes dissentem deste entendimento, sustentando que o referido prazo inicia-se na data em que adquiriram o imóvel em causa (27.05.2009).


Vejamos.  


Não há dúvida que o art. 1225º do C. Civil, tem como objetivo ver satisfeito o interesse contratual e social de que os imóveis destinados por sua natureza a longa duração reúnam as qualidades indispensáveis para tal efeito, sendo que a nova redação dada a este artigo pelo DL nº 267/94, de 25.10, veio por fim à discussão que existia sobre se os terceiros adquirentes podiam, ou não, exercer os direitos emergentes de defeitos nas construções diretamente sobre os empreiteiros.

Como se observa nos Acórdãos do STJ, de 05.03.2013 (processo nº 085875) e de 14.01.2014 (processo nº 378/07.5TBLNH.L1.S1) [4], o conceito de construtor que é utilizado no nº4 do citado art. 1225º « é um conceito lato que tanto abrange o construtor direto com aquele que profissionalmente constrói mediante contrato com terceiros para vender a adquirentes/consumidores ».    

Decorre, assim, deste artigo que, quando o dono da obra, igualmente seu proprietário, vende a propriedade da coisa, transmite para o comprador o direito a efetivar a responsabilidade pelo cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, que o empreiteiro assumiu para com o dono da obra em consequência da outorga deste contrato, estendendo-se, por isso, essa responsabilidade do empreiteiro a quem adquirir do dono original da obra o imóvel.

Segundo João Cura Mariano[5], estamos «perante uma cessão de créditos resultante da responsabilidade contratual imposta por lei» e porque o terceiro adquirente não interveio no contrato de empreitada não poderá « utilizar todos os direitos conferidos ao dono da obra. O direito de redução do preço e de resolução só podem ser exercidos pelo dono da obra, uma vez que esse exercício tem repercussões no contrato de empreitada (modificação e extinção), pelo que só os seus intervenientes podem utilizá-los. Ao terceiro adquirente ficam reservados os direitos de eliminação dos defeitos, realização de obra nova e indemnização ».

Dito de outra forma, o terceiro adquirente fica colocado na mesma posição que o dono da obra tinha perante o construtor, ficando-lhe reservados os direitos de eliminação dos defeitos, realização de obra nova e indemnização.

Mas se é certo que essa responsabilidade do empreiteiro existe independentemente do número de alienações do imóvel, continuando o empreiteiro a responder sempre perante o último adquirente, dentro do prazo de garantia de 5 anos após a entrega da obra ao seu primitivo dono, certo é também que este prazo não se renova após cada transmissão da propriedade [6].  

Desde logo porque se assim não fosse, o empreiteiro ficaria indefinidamente sujeito à obrigação de reparar o vício, quando é certo que foi, exatamente, essa vinculação indefinida que o legislador também pretendeu evitar com a fixação do prazo de garantia previsto no citado art. 1225º. 

Acresce que este prazo está relacionado com o momento legal imposto para a verificação da obra, ou seja, com o momento a partir do qual existe a real possibilidade de perceção da existência dos vícios construtivos, dado o contacto direto com o imóvel, pelo que facilmente se conclui que o prazo de caducidade de cinco anos previsto no nº1 deste artigo conta-se desde o momento em que o empreiteiro entregou a obra ao respetivo dona da obra e não da data de aquisição do imóvel por um terceiro.

É que o empreiteiro entrega a obra ao dono da mesma e não a quem adquire posteriormente o imóvel em resultado de negócio que vier a celebrar com o dono da obra.

Portanto, se, na data da venda do imóvel, o vendedor/dono da obra já não tiver sobre o empreiteiro nenhum direito à eliminação dos defeitos, à realização de obra nova ou à indemnização correspondente ao custo da reparação destes defeitos, também já não poderá ceder nenhum destes direitos ao terceiro adquirente do imóvel, pois a não ser assim, isso implicava que os terceiros adquirentes de imóveis destinados a longa duração tivessem sobre os empreiteiros mais direitos do que os donos de obra têm sobre estes e, consequentemente, que os deveres do empreiteiro passassem a ser mais do que aqueles que têm perante os donos da obra, o que não resulta da lei.

Vale tudo por dizer que, no caso dos autos, o referido prazo de 5 anos iniciou-se em 30 de janeiro de 2008 (data da entrega da obra à respetiva dona) pelo que, à data em que o autor denunciou à ré “DD, Sociedade de Construções, S.A.” os defeitos (03.01. 2014), tal prazo já tinha decorrido, pois terminou em 30 de janeiro de 2013.

E quando os autores instauraram, em 21.05.2014, a presente ação, este mesmo prazo já se mostrava esgotado há mais de um ano.

Daí, não restar qualquer dúvida quanto à caducidade do direito dos autores de exigirem da ré “DD, Sociedade de Construções, S.A.” quer a eliminação dos defeitos e anomalias detetados no imóvel, quer a indemnização em dinheiro, correspondente ao custo dessas reparações, ao abrigo do disposto no nº4 do citado art. 1225º.


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Todavia e porque no caso em apreço, estamos perante a venda de um bem de consumo, não podemos deixar de equacionar a questão da caducidade dos referidos direitos dos autores à luz do regime especial decorrente da Lei de Defesa do Consumidor ( Lei nº 24/96, de 31 de julho), alterada pelo DL nº 67/2003, de 8 de abril, que procedeu à transposição  para a ordem jurídica nacional a Diretiva 1999/44/CE,  do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas e que foi alterado e republicado pelo DL nº 84/2008, de 21 de maio[7].

É que, por ser imperativo, este regime prevalece sobre o regime do Código Civil desde que este não seja mais favorável para o consumidor.

Condição essencial da aplicação deste regime de proteção ao autor, é que este se enquadre no conceito de consumidor, que o art. 2º, nº 1 da citada Lei nº 24/96 e o art. 1º-B, al. a) do DL nº 67/2003, de 8 de abril, alterado e republicado pelo DL nº 84/2008, de 21 de maio (aplicável ao caso por a transmissão do imóvel para o autor ter ocorrido em 27 de maio de 2009), definem como sendo « aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios ».

Ora, a este respeito o que os factos provados e supra descritos sob as alíneas A), B), C) e D) revelam, com bastante clareza, é que a CC, Construção, S.A, no âmbito da atividade económica que exercia, solicitou à “DD, Sociedade de Construções, S.A.” a construção do imóvel e que, uma vez concluída a obra e efetuada, em 30 de janeiro de 2008, a sua entrega à respetiva dona, a CC, Construção, S.A, esta, em 27 de maio de 2009, cedeu ao autor, por permuta, o referido imóvel, destinado a habitação, pelo que, neste contexto, dúvidas não restam que o autor, na qualidade de terceiro adquirente do referido imóvel, deve ser considerado consumidor, gozando, por isso, da proteção do regime legal de defesa do consumidor.

E se é certo que o autor não teve qualquer intervenção no contrato de empreitada celebrado entre a sociedade construtora (a ré DD, Sociedade de Construções, S.A.) e a dona da obra (a CC, Construção, S.A) e que entre estas duas sociedades não se estabeleceu uma empreitada de consumo[8], na medida em que esta última não destinou o imóvel, cuja construção contratou com a ré DD, Sociedade de Construções, S.A., a um uso não profissional, não revestindo, por isso, a qualidade de consumidor, a verdade é que os factos provados também não deixam de evidenciar que a CC, Construção, S.A promoveu a construção do referido imóvel com o objetivo de proceder à sua venda no âmbito da sua atividade lucrativa e profissional de “ construção de prédios e compra e venda de imóveis e revenda dos mesmos”, pelo que a sua relação profissional com o prédio dos autos não pode ser reduzida à de mero vendedor do mesmo, estranho à respetiva construção.

Quer tudo isto dizer que, nas circunstâncias dos autos, a CC, Construção, S.A, apresenta-se perante o autor/consumidor como se do construtor se tratasse, pois, tal como já se deixou dito, para efeitos do nº4 do citado art. 1225º, considera-se construtor, tanto o construtor direto com aquele que profissionalmente constrói mediante contrato com terceiros para vender a adquirentes/consumidores.    

E porque assim é, podemos afirmar que estamos perante uma relação de consumo entre a CC, Construção, S.A e o autor, adquirente/consumidor, que, de harmonia com o disposto, quer no nº4 do art. 1225º, do C. Civil, quer nos arts. 1º-A, nº 2 e 4º, nº 6, do DL nº 67/2003, de 8 de abril, alterado e republicado pelo DL nº 84/2008, de 21 de maio, dita a extensão da responsabilidade da ré empreiteira perante o autor, terceiro adquirente do imóvel e justifica a aplicação ao caso dos autos do regime especial de defesa dos Consumidores a que se referem a Lei nº 24/96 e os citados decretos-lei, que, como é consabido visa a proteção da parte considerada mais débil – o adquirente/consumidor.

Ou seja, tal como já se afirmou, transmite-se para o comprador do bem o direito a efetivar a responsabilidade pelo cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, que o empreiteiro assumiu para com o dono original da obra, tudo se passando, no fundo, como se o autor tivesse sido parte no contrato de empreitada.

Assente a qualidade de consumidor por parte do autor, terceiro adquirente do imóvel, importa, agora, no que concerne ao âmbito de aplicação da garantia contratual, indagar qual o alcance dos direitos que o mesmo tem sobre o empreiteiro que construiu o imóvel em causa e qual o prazo dentro do qual esses direitos podem ser exercidos.

E a este respeito diremos, não se vislumbrar que, nas circunstâncias dos presentes autos, resulte, para os autores, quaisquer diferenças de tratamento consoante lhes seja aplicável o regime geral prescrito no Código Civil ou o regime especial de defesa do consumidor, pois, não só o art. 1225º, nº4 do C. Civil e o art. 4, nº 1 do citado DL nº 67/2003, alterado e republicado pelo Dl nº 84/2008, reconhecem ao autor/adquirente do imóvel o direito a exigir do empreiteiro a eliminação dos defeitos da obra por meio de reparação ou de substituição, como também o nº1 do citado art. 1225º e o art. 5º, nº1 do citado DL nº 67/2003, na redação dada pelo Dl nº 84/2008, estabelecem prazos de garantia de igual duração, ou seja, o prazo de 5 anos « a contar da entrega da obra».  

A verdade, porém, é que neste contexto, não deixa de assumir especial relevo a questão de determinar o momento em que deve ter-se a obra por entregue para efeito de se fixar o “dies a quo” para a contagem do referido prazo de 5 anos de garantia, pois são bem distintas as consequências consoante seja de sufragar o entendimento seguido no acórdão recorrido ou a tese sustentada pelos recorrentes.

Com efeito, enquanto o acórdão recorrido reportou o termo inicial da contagem do referido prazo de garantia de 5 anos a 30 de janeiro de 2008, data da entrega da obra pela ré DD, Sociedade de Construções, S.A. à respetiva dona, a CC, Construção, S.A, defendem os autores que a data a considerar será a de 27 de maio de 2009, momento em que o autor adquiriu, por permuta, o referido imóvel, pelo que o prazo de garantia de 5 anos só terminou em 27 de Maio de 2014, ou seja, já depois de instaurada a presente ação (21.05.2014).

Mas, a nosso ver, não lhes assiste razão.

É que, conforme já se salientou, a garantia concedida ao autor, na qualidade de terceiro adquirente do imóvel, tem, nas concretas circunstâncias dos autos, como pressuposto a relação anteriormente estabelecida entre as sociedades empreiteira e a dona da obra, não sendo criada, pela subsequente transmissão do imóvel ao autor, uma nova relação garantística entre o empreiteiro e o terceiro adquirente do imóvel que permita a este dispor de um novo prazo para o exercício, contra ele, dos direitos conferidos [9], pelos arts. 1225º, nº4 do C. Civil e 4º, nº1 do citado DL nº 67/2003, alterado e republicado pelo Dl nº 84/2008.  

Ou seja, o autor limitou-se a suceder na garantia prestada pelo empreiteiro à dona da obra, com os seus originários âmbito e amplitude, continuando, por isso, o empreiteiro a responder apenas dentro do prazo de garantia de 5 anos após a entrega da obra ao seu primitivo dono, não se renovando este prazo após a transmissão da propriedade.

Na verdade, como salienta Marisa Dinis[10], «não se poderá atribuir ao adquirente subsequente aquilo que não lhe era devido se se tratasse de um adquirente originário».

De resto, se assim não fosse, isso implicava que os terceiros adquirentes de imóveis destinados a longa duração tivessem sobre os empreiteiros mais direitos do que os originários donos da obra sobre estes e que os deveres do empreiteiro para com os terceiros adquirentes passassem a ser mais do que aqueles que têm perante os donos da obra, o que implicaria que o empreiteiro ficasse indefinidamente sujeito à obrigação de reparar o vício, quando é certo que foi precisamente para evitar esta vinculação indefinida que o legislador fixou o aludido prazo de garantia.

Temos, assim, por certo que, no caso dos autos, o referido prazo de 5 anos iniciou-se em 30 de janeiro de 2008, pelo que, à data em que o autor denunciou à ré “DD, Sociedade de Construções, S.A.” os defeitos (03.01. 2014), aquele prazo já se mostrava esgotado, tendo terminado em 30 de janeiro de 2013.

E quando os autores instauraram, em 21.05.2014, a presente ação, este mesmo prazo já se mostrava esgotado há mais de um ano.

Daí, não restar qualquer dúvida quanto à caducidade do direito dos autores de exigirem da ré “DD, Sociedade de Construções, S.A.” quer a eliminação dos defeitos e anomalias detetados no imóvel, quer, em alternativa, a indemnização em dinheiro, correspondente ao custo dessas reparações, ao abrigo do disposto no nº4 do citado art. 1225º.


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3.2.2. Mas sustentam ainda os recorrentes que, mesmo no caso de estar ultrapassado o referido prazo de 5 anos, sempre teriam o direito de exigir da empreiteira, DD, Sociedade de Construções, S.A.”, nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual, indemnização pelos prejuízos para eles decorrentes do cumprimento defeituoso ou inexato da prestação e pela inobservância das boas regras de construção civil, impostas pelo RGEU e demais disposições legais, posto que tal não se mostra prescrito atento o disposto no art. 498º n.º 1 do Código Civil, conforme, aliás, peticionaram alternativamente na alínea B) do petitório da P.I.

Que dizer ?


Desde logo, que, contrariamente ao afirmado pelos recorrentes, não foi esta a pretensão que os mesmos formularam no pedido alternativo constante da alínea B) da petição inicial.

Com efeito, basta atentar nos dois pedidos formulados pelos autores na petição inicial para facilmente se concluir que os mesmos deduziram como pedido alternativo à condenação da ré na reparação dos vícios e defeitos de construção existentes no imóvel por eles adquirido, a condenação das rés no pagamento de indemnização, em dinheiro, da quantia correspondente ao custo dessa reparação.

Por outro lado, analisando todo o texto da petição inicial, dele ressalta, com bastante clareza e evidência, terem os autores invocado, como causa de pedir destes pedidos, ou seja, comos factos essenciais geradores do efeito de direito material que pretendem alcançar com a procedência da presente ação, a qualidade do autor como terceiro adquirente do imóvel construído pela ré, “DD, Sociedade de Construções, S.A.”, por força de um contrato de empreitada outorgado com a “CC, Construção, S.A” , e que lhe foi cedido por esta, a título de permuta, e o direito que lhe assiste, no âmbito do regime de proteção do consumidor e da responsabilidade contratual emergente de cumprimento defeituoso do contrato e « nos termos do disposto no arts. 559º, 562º a 566º, 916º, nº 3, 1222º e 1225º do Cód. Civil», de exigir das rés a reparação dos defeitos ou, em alternativa, «indemnização que lhe permita proceder por si próprio à reparação dos mesmos defeitos». 

Sendo a causa de pedir, na expressão legal do art. 581º, nº4 do CPC, o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, e constituindo entendimento pacífico, quer na doutrina[11], quer na jurisprudência[12], que embora a causa de pedir seja integrada por factos concretos, o critério para delimitar a causa de pedir é necessariamente jurídico, não sofre dúvida, ante o quadro factual supra traçado, terem os autores invocado, como facto essencial gerador do efeito de direito material que pretendem alcançar com a procedência da presente ação, o regime previsto no art. 1225º do C. Civil, que, nos seus nºs 1 e 4, permite ao terceiro adquirente do imóvel exercer os direitos emergentes de defeitos nas construções diretamente sobre o empreiteiro e/ou vendedor do imóvel.

Ora, enquadrando-se os pedidos e a causa de pedir que os autores, respetivamente, deduziram e invocaram na petição inicial no âmbito da responsabilidade contratual emergente de cumprimento defeituoso do contrato, dúvidas também não restam que a pretensão, agora, formulada pelos autores, em sede de alegações de recurso, de exigir da ré indemnização com fundamento na responsabilidade civil extracontratual por danos causados a terceiros, consubstancia, simultaneamente, uma alteração do pedido e da causa de pedir não consentida pelo art. 265º do CPCivil e que, por isso, não pode ser atendida.     

Termos em que improcedem todas as razões dos recorrentes.


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IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar provimento à revista e, consequentemente, em confirmar o acórdão recorrido.

As custas do recurso ficam a cargo dos autores.  



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Supremo Tribunal de Justiça, 5 de dezembro de 2019

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

Catarina Serra

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] Pode, no entanto, a denúncia ser dispensada se o adquirente detetar o defeito dentro do prazo de garantia e intentar a ação no prazo de 1 ano a partir desse conhecimento, caso em que a citação para a ação funciona como denúncia.
[3] Pode também ocorrer a caducidade do direito à eliminação do defeito sem que se tenha esgotado o prazo de garantia, bastando, para tanto, que o adquirente, tendo conhecimento do vício não o denuncie no prazo de 1 ano a partir desse conhecimento, ou, tendo-o denunciado, não intente a ação no ano subsequente à denúncia. 
[4] Acessíveis in www.dgsi.pt/stj.
[5] In “ Responsabilidade Contratual do Empreiteiro”, 3ª ed., pág. 195.
[6] Neste sentido, cfr. Cura Mariano, in  “ Responsabilidade Contratual do Empreiteiro”, 3ª ed., pág. 196 e José Manuel Vilalonga,  “ Compra e venda e empreitada …”, in R.O.A., Ano 57, nº1, pág. 225.
[7] Que, de harmonia com o disposto no seu art. 14º, nº 1, entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, em 21.06.2008.
[8] Que ocorre sempre que o empreiteiro seja um profissional e o dono da obra um consumidor, visando a obra para fins não profissionais.
[9] Neste sentido, cfr. Acórdão do STJ, de 28.09.2010 (processo nº 1048/03.9TBVIS.C1.S1), acessível in wwwdgsi.pt/stj.
[10] “ A Empreitada de Imóveis Decorrente da Compra e Venda de Consumo”, pág. 9, acessível in http://www.academia.edu/30882686/A . No mesmo sentido cfr. Jorge Morais de Carvalho, in “ Manual de Direito do Consumo”, 5ª ed., pág. 270. 
[11] Cfr. Lebre de Freitas , in “ Caso julgado e causa de pedir, O enriquecimento sem causa perante o artigo 1229.º do Código Civil” Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, in ROA 2006, Ano 66, Vol. III, acessível na Internet https://portal.oa.pt./publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-iii-dez-2006, p. 8;  Miguel Teixeira de Sousa,   Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, in Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, pp. 395 e ss. (395, 401-402).
[12] Cfr, entre outros, Acórdão do STJ, de 20.09.2018 (processo nº 21852/15.4T8PRT.S1), acessível in wwwdgsi.pt/stj.