Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
50/17.8T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
PERDA DE INTERESSE DO CREDOR
RETROACTIVIDADE
RETROATIVIDADE
CONTRATO DE EXECUÇÃO CONTINUADA OU PERIÓDICA
MORA
MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE INSTÂNCIA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VENDA A PRESTAÇÕES
RESERVA DE PROPRIEDADE
Data do Acordão: 09/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA PRINCIPAL E REVISTA SUBORDINADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / NULIDADE E ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / RESOLUÇÃO DO CONTRATO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO / MORA DO DEVEDOR.
Doutrina:
- Lobo Xavier, RDES, 21.º, p. 244;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2.º, p. 174.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 289.º, 433.º, 434.º, 799.º, N.º 1, 801.º, 802.º, 804.º E 805.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 27-05-2010, PROCESSO N.º 6882/03.7TVLSB.L1.S1;
- DE 14-04-2011, PROCESSO N.º 4074/05.0TBVFR.P1.S1;
- DE 13-09-2012, PROCESSO N.º 4339/07.6TVLSB.L1.S2;
- DE 18-12-2012, PROCESSO N.º 5608/05.5TBVNG.P1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Conquanto não seja uma regra absoluta, a decisão de facto é da competência das instâncias, pelo que, o Supremo Tribunal de Justiça não pode interferir na decisão de facto, somente importando a respectiva intervenção, quando haja erro de direito, isto é, quando o acórdão recorrido viole lei adjectiva, afronte disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena.

II. O direito de resolução de um contrato apenas encontra o seu fundamento legal na impossibilidade culposa da prestação (artºs. 801º e 802º, ambos do Código Civil), sendo certo que a mora culposa do devedor (artºs. 804º, 805º e 799º, n.º 1, todos do Código Civil) é equiparada ao não cumprimento definitivo quando, em resultado do retardamento que a caracteriza, ocorra uma de duas situações: perda do interesse na prestação por parte do credor, ou não realização da prestação no prazo razoável fixado, em termos cominatórios, pelo credor, através da denominada interpelação admonitória, estruturada em três elementos essenciais: intimação ao cumprimento da prestação em falta; num prazo razoável; com a cominação de, não ocorrendo tal, ser havida por definitivamente incumprida a obrigação.

III. No que respeita aos efeitos da resolução, textua o direito substantivo civil – artºs. 433º, 434º e 289º, todos do Código Civil – “Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (…)” e “tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução” “(…) devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”, sendo que no caso dos contratos de execução continuada ou periódica “(…) a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vinculo que legitime a resolução de todas elas”.

IV. Se os efeitos da resolução se equiparam aos da nulidade ou anulabilidade, importando dever ser restituído tudo o que foi prestado, distinguimos, como decorre do direito substantivo civil, impor-se excepção à regra da retroactividade, reconhecida que seja a resolução contratual. Assim, não se impõe a retroactividade, ou seja, não importa a restituição de tudo o que foi prestado, quando a conceder-se a retroactividade, tal procedimento contraria a vontade das partes e a finalidade da resolução, deixando de ir ao encontra de uma justa e equilibrada composição dos direitos e interesses dos litigantes, outrossim, quando a restituição em espécie não é possível atento o valor correspondente do objecto do contrato ajuizado, a par de que, estando em causa um contrato de execução continuada ou periódica, a resolução não poderá abranger as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO


AA - Viagens e Turismo, Lda. instaurou contra BB - Transportes Terrestres de Passageiros, Lda., acção declarativa, de condenação, com processo comum, formulando o seguinte pedido:

- A resolução do contrato de compra e venda referente à viatura pesada de passageiros matricula ...-...-RA, e a favor da A., sendo assim o mesmo considerado totalmente sem qualquer efeito, devendo a Ré ser condenada à entrega da mesma viatura à Autora no estado em que se encontra;

- A condenação da Ré no pagamento da indemnização de €97.369,49 (noventa e sete mil trezentos e sessenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos), por perdas e danos sofridos pela Autora, acrescido de juros legais vencidos contados a partir da citação;

- Condenação da Ré a consentir na venda da viatura matrícula ...-...-RA, para pagamento da referida indemnização, ou outra fixada nos autos, e no mais que for devido, tudo nos termos do art.º 18º n.º 1 do Decreto-Lei 54/75, uma vez que a Autora é a titular do registo de reserva de propriedade;

Subsidiariamente, caso tal não se entenda:

- A condenação da Ré no reconhecimento da resolução do contrato, na entrega do veículo, e no consentimento da venda do mesmo acrescido do pagamento da restante parte do preço em dívida, referente ao preço do contrato no montante total de €27.668,12 (vinte e sete mil seiscentos e sessenta e oito euros e doze cêntimos) sendo €22.134,50 de capital e €5.533,62 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e sessenta e dois cêntimos) de juros vencidos até 05/01/2017, desde Setembro de 2010, acrescido dos vincendos a partir da mesma data, calculados à taxa de juros legais (4%) até integral pagamento.


Articulou, com utilidade:

Em 20-05-2006, vendeu à Ré o veículo automóvel com a matrícula ...-...-RA, pelo preço de €96.800,00, a que acresceu o valor de €10.000,00 a título de encargos, tendo ambas acordado que após a entrada inicial de €35.000,00 e descontado o valor dos serviços de transporte da Requerente para a Requerida, no valor de €2.900,50, o remanescente do preço seria pago em 35 prestações mensais de €2.000,00.

Ambas as partes acordaram a constituição de reserva de propriedade a favor da Requerente, devidamente registada.

Em 24-01-2008, a Requerida devia à Requerente o montante de 48.974,51€, sendo que após essa data apenas pagou à Requerente a importância de 23.000,00€, tendo-lhe igualmente pago em serviços de transporte o valor de €3.840,01.

A Autora interpelou a Ré em 11-10-2011, para que a mesma pagasse o valor do débito atrás referido em oito dias, ou seja até ao dia 19-10-2011, e a mesma apesar do referido prazo nada fez, e nada mais pagou ou quis pagar.

Regularmente citada, contestou a Ré, outrossim deduziu reconvenção.

Pediu a improcedência da acção, e a condenação da Autora no pagamento de €22.533,56 por prejuízo decorrente da apreensão do veículo e como litigante de má-fé em multa e indemnização.

A Autora replicou pedindo a improcedência da reconvenção, formulando pedido de condenação da Ré por má-fé.


Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou: “Julgar a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e em consequência, mais decide:

3.1. Absolver a Ré BB - Transportes Terrestres de Passageiros, Lda, da totalidade dos pedidos formulados pela Autora AA - Viagens e Turismo, Lda.;

3.2. Julgar improcedentes ambos os pedidos de condenação das partes como litigante de má-fé e consequentemente:

3.2.1. Absolver a Autora do pedido de condenação, em multa e indemnização, como litigante de má-fé, a esse título formulado pela Ré; e

3.2.2. Absolver a Ré do pedido de condenação, em multa e indemnização, como litigante de má-fé, a esse título formulado pela Autora.”

Inconformada, a Autora/AA - Viagens e Turismo, Lda. recorreu de apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Termos em que se julga o recurso parcialmente procedente e, consequentemente, se condena a ré a apagar à autora a quantia de 22.134,50€, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, já vencidos, desde 11.10.2011, bem como o valor de €569.49 acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação; e, sobre ambas as quantias, os juros de mora vincendos, até efectivo e integral pagamento.

Custas na proporção da presente sucumbência.”


É contra esta decisão que a Ré/BB - Transportes Terrestres de Passageiros, Lda., se insurge, interpondo recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

“1 - Inconformada com a decisão da primeira Instância que absolveu a Ré dos pedidos, a A. recorreu para a Veneranda Relação de Coimbra, requerendo a alteração da decisão sobre a matéria de facto e a procedência da acção;

2 - Vindo a Veneranda Relação de Coimbra, inverter a decisão da Primeira Instância, e a condenar a ora Recorrente parcialmente no pedido.

3 - Quanto à decisão sobre a matéria de facto, a Recorrida veio invocar existir contradição entre os factos 4 e 7 provados, estando bem a Relação de Coimbra ao confirmar a decisão da Primeira Instância, fundamentando a decisão com o Doc. 3 junto com a Contestação

4 - Atendendo ao ponto 13 dos factos provados a Veneranda Relação de Coimbra substitui “Por algumas vezes” por “ bastas vezes”, não podendo a Relação com esta alteração e atendendo aos documentos juntos - folhas 116 a 145 - alterar totalmente a decisão da Primeira Instância, como constataremos quando tratado o direito á resolução do contrato.

5 - Tendo sido aditado aos factos provados o facto 19, esclarecesse que este sempre foi assumido pela R., e conclui-se dos demais factos provados.

6 - Relativamente ao aditamento do ponto 20 dos factos provados, mal decidiu a Veneranda Relação, pois a providência decretada foi revogada, determinando o levantamento da apreensão do veículo pesado de passageiros - circunstância que deu origem ao valor descrito naquele novo facto aditado - com custas pela Requerente, sendo essa despesa imputada à mesma.

7 - Já no âmbito do direito à resolução a Veneranda Relação de Coimbra afasta o argumento da Primeira Instância que entendeu que a disponibilidade da R. para prestar os serviços anuídos no contrato estaria dependente de “prévio acordo das partes quanto á disponibilidade por parte da R. e quanto ao preço acordado entre ambos...”, e entende existir incumprimento definitivo por parte da Ré.

8 - Ora, contrariamente ao decidido pela Relação de Coimbra, a R. alega e prova exaustivamente o argumento da Primeira Instância, como acontece com os seguintes documentos nunca impugnados:

9 - Cláusula I) do Contrato junto como Doc 1 da PI - “obrigando-se a primeira a fazer um planeamento antecipado de pelo mesmo quinze dias”;

10 - Fax da A. para a R. de 30.01.2008 - junto como Doc 3 da Contestação - “ o restante do montante de €.25.974,51, que será efectivado em serviços, a fornecer da V. empresa á nossa mediante requisição prévia.”;

11 - Solicitação de Serviços por fax de 10.09.2007 e 13.09.2007 para iniciar a realização de serviços 1 dia depois - conforme fls. 4, 5, 8 do requerimento junto com data certificada do citius de 13.03.2018 e a referência 4752229;

12 - Solicitação de Serviços por fax de 09.10.2007 para iniciar a realização de serviço 2 dias depois (para todo o ano lectivo de 2007/2008) - conforme fls. 18 do mesmo requerimento.

13 - A Ré com vista ao cumprimento do contrato e para poder realizar os serviços, exigiu que constasse da Cláusula I) do contrato junto como Doc 1 da PI “obrigando-se a Primeira a fazer um planeamento antecipado de pelo menos quinze dias”, o que a A. Acedeu.

14 - Contrariamente, a atitude da A. sempre foi no sentido de falsear um incumprimento por parte da Ré, e em 12/09/2011, vem requer a Notificação judicial Avulsa da Ré, para esta devolver a viatura e pagar o montante em falta de €.22.134,50.

15 - E, 6 anos depois requer a apreensão do veículo através de procedimento cautelar.

16 - Mas, ignora e omite a carta remetida pela Ré em resposta à Notificação judicial Avulsa - junta como Doc. 7 da PI, onde esta interpela a A. para requisitar serviços nos próximos 6 meses e assim pagar Ré cumprir com o que estava obrigada.

17 - Sendo que, a A. nunca respondeu à mesma nem solicitou serviços.

18 - Assim decidiu bem a primeira Instância concluindo pela inexistência de uma recusa de cumprimento por parte da R., pois as partes contratualmente fizeram depender o cumprimento da prestação pela R. em prestação de serviços de transportes, solicitados pela A., dependendo os mesmos de um prévio acordo das partes, quanto à disponibilidade por parte da R. e quanto ao preço acordado entre ambos, de acordo com os ditames da boa-fé.

19 - A Veneranda Relação de Coimbra ao justificar o direito á resolução face à destruição do vínculo, assenta em erro sobre a prova produzida e a realidade dos factos.

20 - A alegada mora da Recorrente não se traduz em incumprimento definitivo, a mesma não se recusou absoluta, peremptória e definitivamente a cumprir a prestação, e até interpelou a A., fixando-lhe o prazo razoável de 6 meses para a solicitação dos serviços e o cumprimento final do contrato.

21 - A existir perda de interesse na prestação por parte da A., ser-lhe-ia imputável, pois não cumpriu o contrato, não solicitando com a antecedência necessária e acordada, e quando interpelada para o fazer, nada fez.

22 - Contrariamente a A. nunca interpelou admonitoriamente a R. para a cumprimento da prestação de serviços, nem da cominação da mora.

23 - Pois o que fez, foi a Notificação Judicial Avulsa, interpelando a Ré para em 8 dias pagar €22.134,50.

24 - Estando assente (4 e 7 factos provados) que o pagamento seria em prestação de serviços, não era legítimo á A. solicitar o pagamento dessa quantia e ainda menos se poderia considerar razoável esse prazo.

25 - Não colhendo assim o direito á resolução por parte da A. com fundamento no incumprimento definitivo.

26 - Já a R. provou que o incumprimento se ficou a dever aos pedidos de serviços na véspera e não com a antecedência acordada, tendo a Primeira Instância decidido em conformidade.

27 - Assim, mantendo-se a decisão da Relação contraria aquilo que foi a vontade das partes, ou seja, efectuar a prestação em serviços, com um planeamento antecipado de quinze dias.

28 - Pelo que a decisão da Veneranda Relação de Coimbra deve ser revogada e repristinada a decisão proferida pela Primeira Instância, mantendo-se a absolvição da ora Recorrente, como ali bem decidido.

Assim decidindo é nossa humilde convicção que se fará a desejada e costumada JUSTITIA!”


A Recorrida/Autora/AA - Viagens e Turismo, Lda. apresentou contra alegações e deduziu recurso subordinado, aduzindo as seguintes conclusões:

“7ª - A A. recorrente, deduziu pedido de declaração de resolução do contrato de compra e venda identificado nos autos, com efeitos de retroatividade plena, e assim na condenação da Ré no pagamento da indemnização global de €97.369,49 e legais acréscimos, conforme consta da petição inicial.

8ª - E condenada na entrega da viatura automóvel matrícula ...-...-RA à ora recorrente.

9ª - Tudo nos precisos termos do disposto no art.º 934 do C.C. Ora,

10ª - Apesar do Venerando Tribunal ter entendido, que, nos termos do artº 434 nº 2 que “ nos contratos de execução continuada, ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectivadas, excepto se entre estes e a causa de resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas “

11ª - E tal ser este o caso dos autos, entendemos a contrário que tal não se aplica ao caso, uma vez que a presente acção não pode deixar de ser julgada, como vem pedido, nos termos e no âmbito do disposto no Dec. Lei 54/75, pois que a mesma foi deduzida nos termos do disposto no art.º 18º daquele mesmo diploma legal. E,

12ª - No caso a prestação em falta, tratando-se de um contrato de venda de bens a prestações, é superior à oitava parte do preço. O que,

13ª - Impõe, contrariamente ao decidido, que os efeitos da resolução declarada, equiparados às prerrogativas da nulidade ou anulabilidade, produzem operância da total retroactividade devendo ser restituído tudo o que foi prestado. E,

14ª - Assim não pode aplicar-se ao caso a excepção a esta regra decorrente do disposto no artº 434 nº 2 do C.C. É que a resolução do contrato,

15ª - Deve traduzir-se numa indemnização de montante suficiente para que tudo se passasse se tivesse recebido a contado o preço na data da venda (Ac. S.T.J - Proc . Nº 839/97 - 2º - 4-12- 1997. Ou,

16º - “ I - O contrato de compra e venda a prestações com reserva de propriedade, como contrato de execução continuada ou periódico, não lhe é aplicável o disposto no artº 434 nº 2 do C.C.

17º - E assim, contrariamente ao decidido no aliás douto acórdão, deve confirmar-se a declaração da resolução do contrato de compra e venda, com efeito pleno, condenando-se a recorrida na entrega da viatura à A. recorrente, e ainda no pagamento da indemnização global de €97.369,49 (noventa e sete mil trezentos e sessenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos), acrescido de juros legais vencidos e vincendos. E que,

18º - A manter-se, nos termos decidido o aliás douto acórdão, o mesmo viola o disposto nos artº 289, 434 nº 1 e 2 e 934 do C.C.

Termos em que deve ser negado total provimento ao recurso deduzido pela Ré recorrente, e por consequência, deferir-se o recurso subordinado, e manter-se a declarada resolução do contrato de compra e venda, com efeitos de retroactividade plena e assim a Ré recorrida, condenada, na entrega à A. do veículo automóvel, e no pagamento do montante €97.369,49 (noventa e sete mil trezentos e sessenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos) a título de indemnização, tudo nos termos legais, e com os legais acréscimos, ou seja, nos juros vencidos e vincendos, ou quando assim se não entenda, sempre, manter-se a decisão constante do Acórdão, e a Ré condenada no pagamento da indemnização de € 22.134,50 à A. acrescida dos juros legais vencidos e vincendos contados desde 11/10/2011, pois se mostra ser de JUSTIÇA e de DIREITO”


A Ré/BB - Transportes Terrestres de Passageiros, Lda., apresentou contra alegações ao interposto recurso de revista subordinado, formulando as seguintes conclusões:

“1 - A Autora/Recorrente apresenta Recurso Subordinado de Revista, pretendendo que se declare: A resolução do contrato de compra e venda da viatura ...-...-RA celebrado entre a A. e R.; a condenação da R. no pagamento de uma indemnização no montante de €97.369,49; e a condenação da R. em consentir na venda da referida viatura.

2 - Quanto à resolução do referido contrato, invocamos, novamente, a posição da Recorrida amplamente exposta no recurso de Revista Independente.

3 - Contrariamente ao decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, não existe incumprimento definitivo por parte da Ré, e, consequentemente, não pode ser declarado resolvido o referido contrato.

4 - Uma vez que, não existe recusa de cumprimento por parte da R., pois as partes contratualmente fizeram depender o cumprimento da prestação pela R. em prestação de serviços de transportes, solicitados pela A., dependendo os mesmos de um prévio acordo das partes, quanto à disponibilidade por parte da R. e quanto ao preço acordado entre ambos.

5 - Provando a Ré, que os serviços eram pedidos pela Autora na véspera, quando o acordado seria com 15 dias antecedência.

6 - A alegada mora da R. não se traduz em incumprimento definitivo, a mesma não se recusou absoluta, peremptória e definitivamente a cumprir a prestação,

7 - Tendo mesmo a R. interpelado a A., fixando-lhe o prazo razoável de 6 meses para a solicitação dos serviços e o cumprimento final do contrato (Doc. 7 junto com a contestação).

8 - A existir perda de interesse na prestação por parte da A., ser-lhe-ia imputável, pois não solicitou os serviços com a antecedência acordada, e quando interpelada para o fazer, nada fez.

9 - E nunca interpelou admonitoriamente a R. para a cumprimento da prestação de serviços, nem da cominação da mora.

10 - Fez antes a Notificação Judicial Avulsa, interpelando a R. para em 8 dias pagar € 22.134,50.

11 - Estando assente (4 e 7 factos provados) que o pagamento seria em prestação de serviços, não podia a A. solicitar o pagamento dessa quantia e ainda menos se poderia considerar razoável esse prazo.

12 - Não colhendo também aqui, o direito á resolução por parte da A. com fundamento no incumprimento definitivo.

13 - Apenas se podendo concluir que, não existindo incumprimento definitivo e culposo por parte da ora Recorrida, não estão preenchidos os pressupostos para o nascimento da obrigação de indemnizar, por parte da mesma.

14 - Pedido de indemnização igualmente declinado pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

15 - Vem ainda a Autora reclamar a aplicação do DL. 54/75 - apreensão do veículo para venda - devendo tal pretensão ser, novamente indeferida, face ao transito e julgado da sentença no âmbito do procedimento cautelar.

16 - Sentença que a Autora não acata, mantendo-se na posse do autocarro, incumprindo a decisão judicial.

17 - Face ao exposto, deve o Recurso Subordinado ora apresentado pela Autora/Recorrente ser julgado improcedente,

18 - Devendo ser dado provimento ao Recurso de Revista Independente apresentado pela Ré/Recorrida, mantendo-se a absolvição da Ré de todos os pedidos formulados pela Autora, conforme ali explanado.

Assim decidindo é nossa humilde convicção que se fará a desejada e costumada IUSTITIA!”


Foram colhidos os vistos.

Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO


II.1. As questões a resolver, recortadas das alegações de revista interposta pela Ré/BB - Transportes Terrestres de Passageiros, Lda., outrossim das alegações de recurso subordinado interposto pela Autora/Autora/AA - Viagens e Turismo, Lda., consistem em saber se:


II.1.1 Recorrente/Ré/BB - Transportes Terrestres de Passageiros, Lda.

(1) Impõe-se alterar a decisão da matéria de facto, na medida em que o Tribunal a quo atendendo aos documentos juntos - folhas 116 a 145 – não pode alterar o ponto 13 dos factos provados onde substitui “Por algumas vezes” por “ bastas vezes”; outrossim, o Tribunal recorrido não poderia aditar o ponto 20 dos factos provados, em face da prova produzida, fazendo uma interpretação errónea da prova existente nos autos?

(2) O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, não devendo ser reconhecido o direito á resolução por parte da Autora, impondo-se a revogação do acórdão recorrido que contraria aquilo que foi a vontade das partes, importando ser repristinada a sentença proferida pela 1ª Instância, absolvendo-se a Ré nos termos aí consignados?


II.1.2 Recorrente/Autora/AA - Viagens e Turismo, Lda.

(1) O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito porquanto deve manter-se a declarada resolução do contrato de compra e venda, com efeitos de retroactividade plena e, assim, a Ré condenada na entrega à Autora do veículo automóvel, e no pagamento do montante €97.369,49 (noventa e sete mil trezentos e sessenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos) a título de indemnização, acrescido dos juros vencidos e vincendos, ou quando assim se não entenda, sempre deverá manter-se a decisão constante do Tribunal recorrido, e a Ré condenada no pagamento da indemnização de €22.134,50 à Autora, acrescida dos juros legais vencidos e vincendos contados desde 11 de Outubro de 2011?


II. 2. Da Matéria de Facto

Factos Provados.

“1. Em 20 de maio de 2006, a Autora declarou vender e a Ré declarou comprar a viatura pesada de passageiros, com matrícula ...-...-RA, de marca IVECO, pelo preço de 96.800,00€.

2. A esse preço acresceu o montante de 10.000,00€, a título de encargos e despesas de execução, pelo que o valor total que a requerida se obrigou a pagar à requerente era de 106.800,00€.

3. A autora e a ré declararam ainda acordar que o pagamento do preço, após a entrada inicial de 35.000,00€, seria em prestações mensais de 2.000,00€.

4. Ambas declararam ainda acordar que tal pagamento se faria em 35 prestações mensais, com início em julho de 2006, obrigando-se a autora a contratar serviços à ré naquele montante e a ré a prestá-los, autorizando-se mutuamente ambas as partes a descontarem o valor dos serviços de transporte de passageiros, que a ré realizasse após requisição.

5. Na data do contrato, para além do valor da entrada inicial de 35.000,00€, declararam e acordaram ambas as partes proceder ao desconto ao valor total do valor dos serviços de transporte já prestados pela requerida à requerente no montante de 2.900,50€.

6. No contrato, as partes declararam e acordaram que o valor de 68.899,50€ seria pago em trinta e cinco prestações mensais, a partir de julho de 2006, sendo as primeiras trinta e quatro de 2.000,00€ e a trigésima quinta de 899,50€.

7. Ainda declararam e acordaram que, como garantia do pagamento dessa importância, a autora se obrigava a contratar serviços da ré naquele montante e a ré se obrigava a prestá-los, obrigando-se a autora a fazer um planeamento antecipado de, pelo menos, quinze dias, autorizando a ré a compensar o valor daqueles serviços no pagamento daquelas prestações.

8. Autora e ré declararam ainda acordar na constituição de reserva de propriedade do veículo de matrícula ...-...-RA, a favor da autora, tendo declarado acordar que a referida reserva se extinguiria no final do pagamento do preço.

9. Desde o dia 21 de maio de 2007 que se encontra registada na Conservatória do Registo Automóvel de …, a favor da Autora, reserva de propriedade sobre o veículo com a matrícula ...-...-RA.

10. Em fevereiro de 2008, a requerida procedeu ao pagamento à requerente, por conta do preço, da importância de 23.000,00€.

11. A partir dessa data e até à presente, a ré pagou à autora, através da prestação de serviços de transporte de passageiros realizados a pedido da autora, a importância global de 3.840,01€.

12. Em 11 de outubro de 2011, a autora enviou à ré uma notificação judicial avulsa, nos termos da qual lhe solicitou o pagamento do montante de 22.134,50€, no prazo de 8 dias a contar da data da notificação, sob pena de o contrato celebrado entre ambas se ter por resolvido.

13. Bastas vezes, e com uma periodicidade sensivelmente mensal, a autora, pelo menos nos anos de 2007 a 2009, solicitava à Ré a prestação de serviços de transporte de passageiros a descontar no preço mensal do contrato, mostrando-se quase sempre a Ré indisponível para os realizar.

14. Desde, pelo menos, 30-06-2010, a ré não procedeu ao pagamento de qualquer outra quantia, nem à prestação de qualquer outro serviço.

15. No procedimento cautelar apenso aos presentes autos (apenso A), em que era requerente a Autora, e requerida a Ré, por despacho proferido, em ata de 11-10-2016, foi julgado procedente o procedimento cautelar, e ordenada a apreensão da viatura referida no ponto 1 “supra”.

16. A viatura foi apreendida em 19-12-2016.

17. Após dedução de oposição pela aí requerida, foi proferido despacho final, a 10-02-2017, onde se julgou improcedente o procedimento cautelar, revogando-se a providência anteriormente decretada, determinando o levantamento da apreensão da referida viatura e do respetivo certificado.

18. despacho que foi confirmado por decisão sumária proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 27-06-2017.

19. A ré tem em dívida para com a autora, pelo menos desde Setembro de 2010, a quantia de 22.134,50 euros.

20. A A. despendeu no transporte do autocarro referenciado nos autos o montante de €569.49.”

II. 3. Do Direito


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º, n.º 4, e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código Processo Civil.


Recorrente/Ré/BB - Transportes Terrestres de Passageiros, Lda.

II. 3.1. Impõe-se alterar a decisão da matéria de facto, na medida em que o Tribunal a quo atendendo aos documentos juntos - folhas 116 a 145 - não pode alterar o ponto 13 dos factos provados onde substitui “Por algumas vezes” por “ bastas vezes”; outrossim, o Tribunal recorrido não poderia aditar o ponto 20 dos factos provados, em face da prova produzida, fazendo uma interpretação errónea da prova existente nos autos? (1)

Os poderes do Tribunal da Relação quanto à modificabilidade da decisão de facto estão enunciados no art.º 662º do Código de Processo Civil, sendo que este Tribunal não está dispensado do ónus de fundamentação da matéria de facto, mormente a aditada ou a modificada, tal como imposto pelo n.º 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil, na medida em que, a fundamentação da decisão, maxime, a de facto, para além de ser decorrência do art.º 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, consubstancia causa de legitimidade e legitimação das decisões dos Tribunais, porquanto permite ao destinatário da decisão compreender os fundamentos da decisão e os meios de prova em que eles se alicerçam.

A Recorrente/Ré/BB - Transportes Terrestres de Passageiros, Lda. insurge-se contra o aresto recorrido, sustentando, que deve ser alterada a decisão recorrida, na medida em que o Tribunal a quo, atendendo aos documentos juntos - folhas 116 a 145 - não pode alterar o ponto 13 dos factos provados onde substitui “Por algumas vezes” por “ bastas vezes”; outrossim, em face da prova produzida nos autos, não poderia aditar o ponto 20 dos factos provados.

O Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita às decisões da Relação sobre a matéria de facto, não pode, alterar tais decisões, sendo estas decisões de facto, em regra, irrecorríveis.

A este propósito, estatui o art.º 662º n.º 4 do Código de Processo Civil que “das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” estabelecendo, por seu turno, o art.º 674º n.º 3 do Código Processo Civil “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, outrossim, prescreve o art.º 682º n.º 2 do Código Processo Civil que a “decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674º”, donde se colhe, com clareza, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocado, e reconhecido, erro de direito, por violação de lei adjectiva civil ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, ou que fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena.

A decisão de facto é, pois, da competência das instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta (tenha-se em atenção a previsão do art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil), pelo que, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respectiva intervenção, quando haja erro de direito.

Revertendo ao caso sub iudice, e uma vez cotejadas as conclusões apresentadas pela Recorrente/Ré/BB - Transportes Terrestres de Passageiros, Lda., reconhecemos, com facilidade, que a impugnação da decisão de facto, contende, com a circunstância de, em sua opinião, o Tribunal recorrido ao valorar, interpretar, erroneamente, os meios de prova produzidos, conduziu-o a alterar a facticidade constante do item 13. dos Factos Provados, a par de ter acrescentado aos factos provados o constante do item 20. dos Factos Provados.


Sublinhando que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando sustentada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, dir-se-á que a decisão do Tribunal recorrido que o levou a alterar a facticidade constante do item 13. dos Factos Provados, outrossim, a acrescentar aos factos provados o constante do item 20. dos Factos Provado, apreciada que foi a impugnação da decisão de facto deduzida, reconhecemos, sem reserva, que a aludida alteração está fundamentada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, pelo que, está a mesma arredada de qualquer reapreciação por parte deste Tribunal ad quem, uma vez que não tendo sido invocado qualquer erro de direito, não é a mesma sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Tudo visto, concluímos pela improcedência da reclamada reapreciação da decisão de facto, mantendo-se toda a facticidade adquirida processualmente, conforme enunciada no aresto recorrido.


II. 3.2. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito, não devendo ser reconhecido o direito á resolução por parte da Autora, impondo-se a revogação do acórdão recorrido que contraria aquilo que foi a vontade das partes, importando ser repristinada a sentença proferida pela 1ª Instância, absolvendo-se a Ré nos termos aí consignados? (2)

Cotejado o acórdão recorrido, anotamos que o Tribunal a quo perante a facticidade demonstrada nos autos (reapreciada que foi a decisão de facto proferida em 1ª Instância que, alias, mereceu censura, tendo sido modificada, com aditamentos de factos dados como provados, não considerados em 1ª Instância), concluiu no segmento decisório pela revogação da decisão proferida em 1ª Instância, substituindo-a por outra em que julgou parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, condenou a Ré/BB - Transportes Terrestres de Passageiros, Lda., a pagar à Autora/AA - Viagens e Turismo, Lda. a quantia de €22.134,50, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, já vencidos, desde 11.10.2011, bem como, o valor de €569.49 acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação, e, sobre ambas as quantias, os juros de mora vincendos, até efectivo e integral pagamento.

O aresto escrutinado apreendeu a real conflitualidade subjacente ao pleito chegado a Juízo.

Assim, acompanhando o objecto da apelação interposta pela Autora/AA - Viagens e Turismo, Lda., apreciando os actos ou factos jurídicos donde emerge o direito que se arroga e pretende fazer valer, actos ou factos concretos e regularmente traçados nos articulados apresentados em Juízo, o acórdão recorrido condensou o objecto do recurso, enunciando as questões que importava apreciar, com prévia apreciação da impugnação de facto, e, uma vez fixada a facticidade adquirida processualmente, debruçou-se sobre o direito à resolução do ajuizado contrato, enquanto meio de extinção do vínculo contratual, quando não convencionado pelas partes, tendos em atenção que o caso sub iudice respeita a um contrato de compra e venda a prestações, com reserva de propriedade, outrossim, ateve-se aos efeitos da resolução, com especial enfoque nos contratos de execução continuada ou periódica.

O Tribunal recorrido elaborou um aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico, onde enunciou os institutos e conceitos de direito aplicáveis, invocando Doutrina e Jurisprudência aplicáveis à questão sub iudice, que citou com parcimónia.

Como sabemos, o direito de resolução de um contrato apenas encontra o seu fundamento legal na impossibilidade culposa da prestação (artºs. 801º e 802º, ambos do Código Civil), sendo certo que a mora culposa do devedor (artºs. 804º, 805º e 799º, n.º 1, todos do Código Civil) é equiparada ao não cumprimento definitivo quando, em resultado do retardamento que a caracteriza, ocorra uma de duas situações: perda do interesse na prestação por parte do credor, ou não realização da prestação no prazo razoável fixado, em termos cominatórios, pelo credor, através da denominada interpelação admonitória, estruturada em três elementos essenciais: intimação ao cumprimento da prestação em falta; num prazo razoável; com a cominação de, não ocorrendo tal, ser havida por definitivamente incumprida a obrigação.

Assim, respigamos do acórdão recorrido, a merecer a nossa aprovação que “a simples emergência ou verificação dos fundamentos resolutivos do contrato não opera automaticamente no sentido de atribuir imediatamente jus ao direito à resolução.

Pois que esta: «além de pressupor o incumprimento definitivo de uma prestação contratual, exige a gravidade da violação, não sendo esta apreciada em função da culpa do devedor mas das consequências desse incumprimento para o credor. Não é, portanto, qualquer incumprimento, ainda que definitivo, que viabiliza a resolução” - Ac do STJ de 18.12.2012, p. 5608/05.5TBVNG.P1.S1.

Assim, e desde logo no que concerne à impossibilidade de cumprimento, importa ter presente que a lei não se contenta apenas com uma mera dificuldade em se efetivar a prestação, exigindo uma efetiva, real e total não consecução da prestação.

No que tange à perda do interesse convém não descurar que ela não pode ser relevada apenas pela convicção ou perspetiva do credor, tendo antes de ser apreciada objetivamente, ie., em função da análise do homem médio, do homo prudens, sopesando-se v.g., a duração da mora e as suas consequências nocivas, o comportamento do devedor e o propósito do credor – nº2 do artº 808 – cfr. Acs. do STJ de 27.05.2010, p. 6882/03.7TVLSB.L1.S1, de 14.04.2011, p. 4074/05.0TBVFR.P1.S1. e de 13.09.2012, p. 4339/07.6TVLSB.L1.S2, todos in dgsi.pt.

Pois que: “Não basta que o credor afirme, mesmo convictamente, que a prestação já não lhe interessa para se considere que perdeu o interesse na prestação: há que ver, em face das circunstâncias, concretas e objectivas, se a perda de interesse corresponde à realidade das coisas” - Ac. do STJ de 05.05.2005, p. 05B724.

No atinente ao cumprimento em prazo razoável, urge interiorizar que este prazo tem de ser fixado mediante uma interpelação admonitória.

Ou seja, o accipiens deve notificar o solvens concedendo-lhe um prazo razoável - ie. adequado, porque ponderado à luz da natureza, circunstancialismo e à função do contrato, aos usos correntes e aos ditames da boa fé -, porém final e preclusivo, para o cumprimento.

Na verdade a interpelação admonitória a que se refere a segunda parte do n.º 1 do artigo 808º, contém e implica (i) a intimação para cumprimento, (ii) a fixação de um termo peremptório para esse cumprimento e (iii) a admonição ou a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo – cfr. Ac. do STJ de 22.11.2012, p. 98/11.6TVPRT.P1.S1.”

(…) No casso vertente, e porque nos encontramos perante uma venda a prestações com reserva de propriedade, urge ainda chamar à colação, tal como clama a recorrente, o disposto no artº 934º do CC. A saber: “ (Falta de pagamento de uma prestação)

Vendida a coisa a prestações, com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao comprador, a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá lugar à resolução do contrato, nem sequer, haja ou não reserva de propriedade, importa a perda do benefício do prazo relativamente às prestações seguintes, sem embargo de convenção em contrário.”.

Este preceito é imperativo, não sendo admissível a resolução, mesmo que tal tenha sido convencionado, se o pagamento de uma prestação não ultrapassar a oitava parte da totalidade do preço.

Já se existir falta de pagamento de mais do que uma prestação, a resolução é possível, mesmo que o valor das mesmas não ultrapasse aquele limite – Cfr. P. Lima e A. Varela, CC Anotado, 2º, 174 e Lobo Xavier, RDES, 21º- 244.

Ou seja, se existir a falta de pagamento de uma prestação que ultrapasse a oitava parte do preço ou a falta de pagamento de duas ou mais prestações, e independentemente do valor das mesmas, o direito à resolução surge imperativamente na esfera jurídica do vendedor.

Mas este direito não opera automaticamente pela verificação da previsão legal, antes o vendedor o devendo invocar e provar em função das regras gerais supra aludidas.”

Relembrando a facticidade, adquirida processualmente, não temos como não aderir à subsunção jurídica dos mesmos ao enquadramento jurídico enunciado e consignado no aresto recorrido.

Assim:

“Provou-se que a autora, no largo lapso de tempo que medeou entre os anos de 2007 e 2009, interpelou muitas vezes, com periodicidade sensivelmente mensal, ou seja, dezenas de vezes, a ré para prestar os serviços no sentido de pagar o preço conforme anuído. E que a ré, quase sempre, se mostrou indisponível para tal.

Provada esta indisponibilidade, competia à ré provar a razão justificativa da mesma.

Na verdade, sobre a autora não impende o ónus de provar sub causas, ou causas de um facto da ré tendencialmente ilícito na economia da relação contratual pelas partes gizada.

(…) verifica-se que se provou ter a ré para com a autora, pelo menos desde Setembro de 2010 - mas que se indicia suficientemente que já vinha desde  2008, ano em que a ré a assumiu e pagou parcialmente -  uma dívida que ascendia a 22.134,50€.

Perante este débito a autora interpelou admonitoriamente a ré para a solver.

(…) esta interpretação assume-se - quer perante os termos do contrato quer perante a atuação com lealdade, lisura e boa fé que é exigível aos outorgantes de um negócio jurídico -, como demasiado «pesada» e onerosa para a demandante.

Efetivamente, atento e sagazmente interpretado todo o circunstancialismo envolvente do caso, tem de concluir-se que, perante tais termos e princípios, quem menos bem andou foi a demandada, a qual se indicia que, de um modo ou outro, se quis escapulir ao, ou protelar o, pagamento. Depois (…) a interpelação é atinente e releva apenas em relação à dívida, que não ao seu modo de pagamento. Se a dívida existe, é exigível e não é paga, o credor tem, por via de regra, e independentemente do seu modo de pagamento, o direito de interpelar admonitória e perentóriamente o devedor para o seu pagamento. (…) Se assim é e se a dívida existia, como se provou, a interpelação admonitória efectivada, porque cumpridora dos legais requisitos, é válida e relevante.

Nesta conformidade e porque o valor da prestação em falta é superior à oitava parte do preço, à autora assiste jus à resolução do contrato.”

Validamente reconhecida a operada resolução do ajuizado contrato, há que apurar os efeitos que da mesma resulta, e também aqui comprovamos a orientação seguida pelo Tribunal a quo.

No que respeita aos efeitos da resolução, textua o direito substantivo civil – artºs. 433º, 434º e 289º, todos do Código Civil – “Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (…)” e “tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução” “(…) devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”, sendo que no caso dos contratos de execução continuada ou periódica “(…) a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vinculo que legitime a resolução de todas elas”.

Se os efeitos da resolução se equiparam aos da nulidade ou anulabilidade, importando dever ser restituído tudo o que foi prestado, distinguimos, como decorre do direito substantivo civil consignado, impor-se excepção à regra da enunciada retroactividade, reconhecida que seja a resolução contratual.

Revertendo ao caso sub iudice, concluímos, acompanhando o iter intelectivo consignado no acórdão recorrido, estarmos perante uma situação em que, reconhecida a resolução, não se impõe a retroactividade, ou seja, o caso em apreço não importa a restituição de tudo o que foi prestado, pois, não só, a conceder-se a aludida retroactividade, tal procedimento contraria a vontade das partes e a finalidade da resolução, deixando de ir ao encontro de uma justa e equilibrada composição dos direitos e interesses dos litigantes, outrossim, a restituição em espécie não é possível atento o valor correspondente do objecto do contrato ajuizado, a par de que, como estamos perante um contrato de execução continuada ou periódica, pacificamente aceite pelos litigantes, a resolução que ora se reconhece não poderá abranger as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas, o que não é seguramente o caso dos autos.

A este propósito o acórdão recorrido é linear no discurso argumentativo consignado “Por um lado, o contrato está parcialmente cumprido: a ré compradora tem fruído das utilidades do veículo e a autora vendedora já recebeu parte do preço.

Dado o natural desgaste, idade acrescida, e consequente desvalorização do autocarro, o seu valor actual é desconhecido.

Destarte, fazer retornar as partes ao statu quo inicial seria um tiro no escuro no sentido de se consecutir a justiça material do caso, o que, naturalmente, e como se aludiu, passaria por se atingir uma composição equilibrada dos interesses em causa, o que não se perspectivaria atentas as vicissitudes e complexidade da pretérita situação factual.

Por este motivo o caso cairia na previsão do artº 434º nº1 in fine.

Depois ele subsume-se outrossim na previsão do nº2.

Efetivamente, estamos perante um contrato de execução continuada ou periódica, pelo que a resolução – e sendo certo que não vislumbramos lastro factual que possa acolher a exceção prevista na segunda parte deste segmento normativo - não abrange as prestações já efectuadas.

Ademais, porque a pretensão da autora deduzida ao abrigo do DL 54/75 – apreensão do veículo para venda –, foi indeferida por sentença transitada em julgado, a sua presente pretensão não tem, pelo menos necessariamente, de ser perspectivada ao abrigo de tal compêndio legislativo e com as possíveis consequências daí advenientes e substanciadas no pedido de entrega a si do veículo para venda.

Nesta conformidade, resta o remanescente do seu pedido: condenação na parte do preço em falta e nas despesas de transporte provados e respectivos juros de mora.”

Importa, assim, conceder a pretensão jurídica reconhecida pelo Tribunal a quo, ou seja, a condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de €22.134,50, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, já vencidos, desde 11 de Outubro de 2011, bem como, o valor de €569.49, acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação, e, sobre ambas as quantias, os juros de mora vincendos, até efectivo e integral pagamento.

Na verdade, apurada a divida da Ré para com a Autora, pelo menos desde Setembro de 2010, da quantia de €22.134,50 (item 19. dos Factos Provados), a par de que também está apurado que a Autora despendeu no transporte do autocarro referenciado nos autos o montante de €569.49 (item 20. dos Factos Provados), temos de convir que a Ré não respeitou a obrigação de pagar parte do preço à Autora, preço este ajustado em razão do ajuizado contrato de compra e venda a prestações, estando, assim, em causa determinar da responsabilidade civil contratual da Ré.

A responsabilidade contratual, resulta da violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico.

O direito substantivo civil sistematiza a responsabilidade civil contratual nos artºs. 798º e seguintes do Código Civil, a que interessa ainda os artºs. 562º e seguintes do Código Civil, respeitantes à obrigação de indemnização em si mesma, independentemente da fonte de onde procede.

Concretizando e tendo por base os factos demonstrados nos autos, temos que enunciar que a Autora cumpriu a obrigação assumida de vender à Ré o veículo identificado nos autos, ao invés, ficou demonstrado que parte do preço não foi pago.

A obrigação de pagar o preço constitui um dos efeitos essenciais do contrato de compra e venda - art.º 879º al. c) do Código Civil - .

Tendo a Autora e a Ré celebrado o contrato dos autos, vincularam-se a cumpri-lo ponto por ponto, nos termos do disposto no art.º 406º do Código Civil, devendo pois as obrigações assumidas ser realizadas de acordo com o estipulado, conforme prescreve o art.º 762º do Código Civil, acrescentando-se que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação - art.º 562º do Código Civil - .

O princípio básico, é o de que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação, se torna responsável pelos prejuízos ocasionados ao credor.

Assim recai sobre a Ré, a obrigação de pagar o preço em falta a par das despesas apuradas e suportadas pela Autora no transporte do veículo ajuizado no montante de €569.49 (item 20. dos Factos Provados), condizente à diligência realizada com vista ao cumprimento do contrato articulado.

Verificando-se um retardamento da prestação, por causa imputável à devedora, ora Ré, constitui-se esta em mora, e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados à credora, ora Autora - art.º 804º do Código Civil - .

Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar do dia da constituição em mora.

Nos termos do art.º 805º nºs 1 e 2 a) do Código Civil, o devedor fica constituído em mora, nomeadamente, depois de ter sido interpelado judicialmente para cumprir, sendo que há mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo.

Assim, como se refere no acórdão recorrido, a sufragar, é de conceder o pedido nos termos enunciados no respectivo dispositivo, “desde logo pela aplicação das regras gerais atinentes ao pontual cumprimento dos contratos, vg. ao pagamento pelo comprador  do preço anuído – vg. artº 406º, 762º e 879º do CC. Relativamente aos juros de mora, eles, no que tange à quantia em dívida do preço, são devidos desde 11.10.2011, data da interpelação – artº 805º nº1 do CC. E no concernente às despesas se transporte, desde a citação na presente acção.”

Pelo exposto, não reconhecemos às conclusões trazidas à discussão pela Recorrente/Ré/BB - Transportes Terrestres de Passageiros, Lda., virtualidade bastante no sentido de alterar o destino traçado no Tribunal da Relação, merecendo a decisão recorrida a aprovação deste Tribunal ad quem.


Recorrente/Autora/AA - Viagens e Turismo, Lda.

II. 3.3. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito porquanto deve manter-se a declarada resolução do contrato de compra e venda, com efeitos de retroactividade plena e, assim, a Ré condenada, na entrega à Autora do veículo automóvel e no pagamento do montante €97.369,49 (noventa e sete mil trezentos e sessenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos) a título de indemnização, acrescido dos juros vencidos e vincendos, ou quando assim se não entenda, sempre deverá manter-se a decisão constante do Tribunal recorrido, e a Ré condenada no pagamento da indemnização de €22.134,50 à Autora, acrescida dos juros legais vencidos e vincendos contados desde 11 de Outubro de 2011? (1)

O conhecimento da presente questão enunciada no recurso subordinado interposto pela Recorrente/Autora/AA - Viagens e Turismo, Lda., importa que repristinemos aquilo que acabamos de enunciar no precedente segmento quanto ao enquadramento normativo, doutrinal e jurisprudencial acerca do direito à resolução do ajuizado contrato, enquanto meio de extinção do vínculo contratual, quando não convencionado pelas partes, tendo em atenção que o caso sub iudice respeita a um contrato de compra e venda a prestações com reserva de propriedade, outrossim, aos efeitos da resolução, com especial enfoque nos contratos de execução continuada ou periódica, sublinhando, o reconhecimento feito no precedente segmento quanto ao direito de resolução contratual e respectivos efeitos aí declarados, o que bastará para julgar improcedente o recurso subordinado da Recorrente/Autora/AA - Viagens e Turismo, Lda. ao pretender alargar os efeitos da resolução contratual, que de resto não se concede, reconhecendo-se, assim, que os efeitos da resolução contratual estão limitados aos valores acabados de consignar e enunciados no dispositivo do acórdão recorrido, daí estar prejudicada a enunciação de quaisquer outros considerandos além daqueles vertidos no precedente segmento que versaram, justamente, sobre o direito de resolução da Autora e respectivos efeitos.

E não se diga, como a Recorrente/Autora/AA - Viagens e Turismo, Lda., que ao contrato de compra e venda a prestações com reserva de propriedade, como contrato de execução continuada ou periódico, não lhe é aplicável o disposto no art.º 434º n.º 2 do Código Civil.

Na verdade, o direito substantivo civil - art.º 409º n.º 1 do Código Civil - institui a possibilidade do alienante reservar, para si, a propriedade da coisa, até que o devedor cumpra, total ou parcialmente, as suas obrigações, importando dizer que a respectiva cláusula de reserva de propriedade e a correspondente condição suspensiva, não atinge a essência do contrato de compra e venda, mas tão só, incide sobre o efeito real do contrato, isto é, sobre a transferência da propriedade da coisa.

Confrontado o texto do aludido normativo substantivo civil, sustentado numa argumentação consubstanciada numa interpretação literal e actualista, reconhecemos que o enunciado preceito legal, apenas confere ao alienante a possibilidade de reservar para si a propriedade da coisa.

É sempre o efeito de uma aquisição derivada, de quem é dono e aliena, que permite ao vendedor subordinar a transferência do direito de propriedade do bem, que, por regra, se opera por efeito do contrato, conforme prevenido no art.º 408º do Código Civil, à verificação da condição suspensiva do pagamento integral do preço, pela inserção da cláusula da reserva de propriedade que representa para si, vendedor, uma garantia de cumprimento.

A este propósito a Jurisprudência tem sustentado que “O art.º 409.º, n.º 1, do CC, estabelece a possibilidade do alienante reservar para si a propriedade da coisa, até que o devedor cumpra, total ou parcialmente, as suas obrigações, configurando uma excepção ao princípio geral, segundo o qual, a propriedade da coisa vendida se transfere por mero efeito do contrato (art. 879.º, al. a), do CC). (…) Por força da cláusula de reserva de propriedade, a propriedade da coisa alienada só se transfere no momento em que o comprador cumpra todas as suas obrigações, operando essa cláusula como garantia do adquirente cumprir essas obrigações (normalmente o pagamento do preço). (…) A cláusula de reserva de propriedade e a correspondente condição suspensiva, não incide propriamente sobre a essência do contrato de compra e venda, mas tão só sobre o efeito real do contrato, ou seja sobre a transferência da propriedade da coisa”, neste sentido, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Julho de 2011 (Processo nº. 403/07.0TVLSB.L1.S1), in, www.dgsi.pt.

Reconhecemos, assim, que ao instituir-se a possibilidade do alienante reservar, para si, a propriedade da coisa, tal não incide propriamente sobre a essência do contrato de compra e venda, mas tão só sobre o efeito real do contrato, ou seja sobre a transferência da propriedade da coisa, donde, em nada contende com o contrato de compra e venda, quer seja de execução continuada, cujo cumprimento se prolonga ininterruptamente no tempo, ou com o contrato de compra e venda com prestações periódicas, ou seja, um contrato em que as prestações se renovam, em prestações singulares sucessivas, ao fim de períodos consecutivos, como se verifica no caso sub iudice.

Ao não distinguirmos lastro factual que acolha a excepção prevista na segunda parte do n.º 2 do art.º 434º do Código Civil (a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vinculo que legitime a resolução de todas elas), impõe-se, necessariamente, concluir que a reconhecida resolução do ajuizado contrato não abrange as prestações já efectuadas.

Tudo visto, torna-se apodíctico concluir que a argumentação aduzida nas doutas alegações do recurso subordinado pela Recorrente/Autora/AA - Viagens e Turismo, Lda. não encerra virtualidade no sentido de alterar o destino da demanda, traçado no acórdão recorrido, cujo enquadramento, normativo, doutrinal e jurisprudencial, reiteramos, merece aprovação.




III. DECISÃO


Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam improcedente o recurso principal, interposto pela Recorrente/Ré/BB - Transportes Terrestres de Passageiros, Lda., e improcedente o recurso subordinado da Recorrente/Autora/AA - Viagens e Turismo, Lda..

Assim, acordam os Juízes que constituem este Tribunal:

a) Em julgar improcedente o recurso da Recorrente/Ré/BB - Transportes Terrestres de Passageiros, Lda., negando-se a revista.

b) Em julgar improcedente o recurso subordinado da Recorrente/Autora/AA - Viagens e Turismo, Lda., negando-se o recurso.

c) Custas do recurso principal de revista, pela Recorrente/Ré/BB - Transportes Terrestres de Passageiros, Lda., e as custas do recurso subordinado pela Recorrente/Autora/AA - Viagens e Turismo, Lda..

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Setembro de 2019


Oliveira Abreu (Relator)

Sacarrão Martins

Nuno Pinto Oliveira