Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1333/14.4TTLSB.L2.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
ENFERMEIRA
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PRESUNÇÕES – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
Doutrina:
- Abílio Neto, Contrato de Trabalho, Suplemento do BMJ, 1979, 170.
- JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2011, Coimbra Editora, 79, 80.
- Menezes Cordeiro, Manual do Direito de Trabalho, 535.
- Monteiro Fernandes que com a Lei 9/2006, de 20/3, o art. 12.º CT, “Direito do Trabalho”, 14.ª edição, Almedina, 154.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, 2004, 145.
- Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, 51.
- VAZ SERRA, Provas – Direito Probatório Material, BMJ, 1961, n.º 110, 183.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 11.º E 12.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003: - ARTIGOS 10.º E 12.º.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 49.408, DE 24.11.69 (LCT): - ARTIGO 1.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.ºS 1 E 2, 350.º, N.º 2, 1154.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 15.04.2015, PROCESSO N.º 329/08.0TTCSC.L1.S1;
- DE 15.09.2010, PROCESSO N.º 4119/04.OTTLSB.S1 - 4ª SECÇÃO,
- DE 13-9-06, DOCUMENTO SJ200609130057554, TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I.O artigo 12º do Código do Trabalho de 2009, aplicável às relações constituídas a partir de 17/2/2009, consagra uma presunção de laboralidade baseada na ocorrência de duas das circunstâncias nele elencadas, fazendo a lei decorrer da prova destas duas realidades caracterizadoras da relação entre o prestador e o seu beneficiário a existência duma relação de trabalho subordinado.

II. Tratando-se de uma presunção juris tantum, nada impede a parte contrária de a ilidir, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do CC.

III.Tendo a R celebrado um contrato para a prestação de serviços de enfermeira comunicadora, através do qual lhe incumbia proceder ao atendimento das chamadas telefónicas efectuadas para a Linha ..., à triagem, aconselhamento e encaminhamento dos utentes de acordo com as situações que lhe eram expostas telefonicamente, e que apelidaram de “contrato de prestação de serviço”, temos de conferir especial valor a tal qualificação contratual se se demonstra que isso correspondeu à real vontade das partes.

IV. Podendo os enfermeiros comunicadores da R trocar entre si os turnos que em concreto lhes eram atribuídos de acordo com as disponibilidades por aqueles manifestada, trocas acordadas sem qualquer intervenção da Ré e que não careciam de qualquer autorização desta ou da apresentação de qualquer justificação para o efeito, estamos perante uma forma de organização do trabalho que apresenta um grau de autonomia que é incompatível com a existência dum contrato de trabalho subordinado, atento o seu carácter “intuitu personae” e a natureza infungível da prestação laboral.

V. E demonstrando-se a desnecessidade de apresentar qualquer justificação quando o colaborador faltasse ao serviço, tal evidencia a ausência de poder disciplinar, cuja existência é fundamental no contrato de trabalho por decorrer directamente do poder de direcção do empregador.

Decisão Texto Integral:

                                                          

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1---


O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou a presente acção especial para reconhecimento de contrato de trabalho, contra

 AA– …, SA, pedindo que seja declarada a existência de um contrato de trabalho entre a ré e BB.
Alegou para tanto que a R utilizou indevidamente um “contrato de prestação de serviço” que celebrou com a mencionada trabalhadora, pois a actividade profissional desenvolvida por esta assume todas as características dum contrato de trabalho subordinado. 

A ré foi citada e contestando alegou que:
- São inconstitucionais as normas processuais que atribuem ao Ministério Público legitimidade para a acção independentemente do interesse do titular do direito que a mesma pretende acautelar, por violação dos princípios da autonomia privada e da liberdade contratual;
- O contrato em causa é um contrato de prestação de serviço.

Procedeu-se a julgamento e, a final, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a Ré do pedido contra si formulado.

Inconformado, apelou o Ministério Público, tendo o Tribunal da Relação acordado (com um voto de vencido) em julgar a apelação procedente, pelo que e, revogando a sentença recorrida, declarou a existência, a partir de 28/10/2013, de um contrato de trabalho subordinado, entre BB e a ré AA-…, SA.

É agora esta que, irresignada, nos traz revista, cuja alegação remata com as seguintes conclusões:
1.ª                                                 
A Recorrente apela do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a fls.   .
2.ª                                                 
A Recorrente entende que o Tribunal a quo aplicou incorrectamente o Direito aos factos provados, ao considerar que a relação contratual mantida entre esta e a Enfermeira BB configura contrato de trabalho.
3.ª                                                 
A sentença ora revogada pelo acórdão recorrido – que havia concluído no sentido da improcedência do pedido formulado nos autos – analisou, de forma detalhada e desenvolvida, a questão em apreço, fazendo uma apreciação cuidada e devidamente fundamentada de todos os indícios provados nos autos e da sua relevância (ou não) para a decisão da causa.
4.ª                                                 
O que, salvo o devido respeito, contrasta, de forma evidente, com a escassa (ou quase inexistente) fundamentação constante do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de que ora se recorre. 
5.ª                                                 
Com efeito, o Tribunal a quo limita-se a fundamentar a decisão por remissão para aresto do mesmo Tribunal, proferido no âmbito de outro processo judicial, que, embora respeitante à Recorrente, apresenta, salvo melhor opinião, diferenças assinaláveis quanto ao núcleo fundamental da factualidade provada.
6.ª                                                 
Acresce que o aresto para o qual remete o acórdão recorrido constitui decisão claramente minoritária na jurisprudência, tendo em conta as diversas decisões jurisprudenciais que, analisando a relação contratual mantida entre a Recorrente e os enfermeiros que lhe prestam serviços, concluíram no sentido da existência de contrato de prestação de serviços.
7.ª                                                 
Decisões essas – incluindo de tribunais superiores – que parecem ter sido ignoradas pelo Tribunal a quo, que nenhuma referência faz na sua fundamentação às mesmas (sendo certo que essa referência também não resulta do acórdão para o qual remete).
8.ª                                                 
De notar ainda que o acórdão recorrido não foi tirado por unanimidade, o que também evidencia a falta de consenso relativamente ao sentido da decisão nele proferida.
9.ª                                                 
Com efeito, a Senhora Desembargadora … votou vencida, por considerar – e bem – que “em face da matéria assente, resta-nos concluir que a execução do contrato, na prática, não se mostra incompatível com a qualificação jurídica que foi feita pelas partes, pelo que, em termos globais, os elementos que também podem ser considerados indícios de subordinação jurídica, não são, em nosso entender, suficientes para qualificar a relação como juslaboral”, entendimento que a Recorrente subscreve na íntegra.
10.ª                                               
Assim, entende a Recorrente que a questão jurídica em causa nos autos – relativa à qualificação da relação contratual mantida entre esta e BB – não foi devidamente apreciada pelo Tribunal a quo em face da factualidade provada. 
Com efeito,
11.ª                                               
Partindo das respectivas definições legais, é possível detectar três diferenças essenciais entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços: (i) quanto ao objecto, (ii) quanto à remuneração e (iii) quanto à existência ou não de subordinação jurídica.
12.ª                                               
O critério do objecto do contrato não permite, muitas vezes, distinguir os dois tipos contratuais, pois existem casos em que é difícil saber o que realmente se prometeu – se a actividade em si ou o seu resultado.
13.ª                                               
Para além de que existem actividades que, pela sua natureza, são susceptíveis de serem levadas a cabo, quer num quadro de subordinação, quer em termos autónomos (como é o caso, precisamente, dos enfermeiros).
14.ª                                               
Atentas as referidas dificuldades, doutrina e jurisprudência encontram na subordinação jurídica o critério decisivo para qualificar determinada relação jurídica como de trabalho subordinado.
15.ª                                               
Para aferir da existência de subordinação jurídica do trabalhador, é necessário atender a factores susceptíveis de revelar aquela situação, i.e., os denominados indícios de subordinação jurídica.
16.ª                                               
No que respeita ao ónus da prova desses indícios, alegando o Ministério Público que a relação contratual mantida entre a Recorrente e BB configura verdadeiro contrato de trabalho, cabia-lhe fazer a prova dos factos constitutivos daquele direito (cfr. artigo 342.º/1 do Código Civil).
17.ª                                               
O que, salvo o devido respeito, não sucedeu.
18.ª                                               
Sem prejuízo do respeito devido por entendimento distinto, entende a Recorrente que não é aplicável ao caso sub judice a presunção de laboralidade, prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho, uma vez que se trata de acção desencadeada e levada a cabo por autoridade administrativa.
19.ª                                               
A aludida presunção de contrato de trabalho tem como destinatários os trabalhadores, visando facilitar-lhes a prova do vínculo laboral, pelo que apenas por estes pode ser invocada.
20.ª                                               
A presente acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho foi proposta pelo Ministério Público, na sequência de participação da ACT, sendo que, in casu, a Enfermeira BB manifestou claramente a sua intenção de estabelecer contrato de prestação de serviços com a Recorrente, por não poder manter relação de trabalho subordinado com a mesma (cfr. acta da audiência de partes realizada em 2 de Julho de 2015).
21.ª                                               
Pelo que, em caso algum, se pode sustentar que a aludida presunção opera em benefício da referida Enfermeira.
22.ª                                               
Conforme tem entendido a jurisprudência, a referida presunção não pode ser utilizada em benefício de autoridade pública, como o Ministério Público ou a ACT.
23.ª                                               
Ainda que se entendesse que a referida presunção é aplicável ao caso concreto, o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, sempre se teria de considerar que, no caso concreto, a Recorrente ilidiu aquela presunção, demonstrando que a relação mantida com a Enfermeira BB configura verdadeiro contrato de prestação de serviço.
24.ª                                               
Entre a Enfermeira BB e a Recorrente foi celebrado contrato escrito de prestação de serviço [cfr. factos provados sob os n.ºs 11) e 12)].
25.ª                                               
A vontade contratual da Enfermeira BB, no momento da celebração do contrato com a Recorrente, foi a de acordar prestação de serviço juridicamente autónoma.
26.ª                                               
BB quis o contrato que celebrou com a Recorrente, com a configuração que lhe foi dada pelas partes no momento da respectiva celebração.
27.ª                                               
Isso mesmo se comprova pelas declarações prestadas pela enfermeira (cfr. acta da audiência de partes realizada em 2 de Julho de 2015) e, bem assim, pela factualidade provada nos autos [cfr., em particular, os factos assentes sob os n.ºs 62), 63) e 65)]. 
28.ª                                               
Também o clausulado do contrato aponta no sentido de a vontade das partes ter sido a de estabelecer relação de trabalho autónomo.
29.ª                                               
Acresce que a Enfermeira BB manteve a mesma vontade durante a vigência de toda a relação contratual com a Recorrente, nunca se tendo arrogado trabalhadora desta nem reclamado quaisquer consequências daí decorrentes [cfr. facto provado sob o n.º 64)].
30.ª                                               
Tendo as partes subscrito um contrato de prestação de serviços e não sendo alegado nem provado qualquer facto susceptível de pôr em causa a sua liberdade contratual, haverá, à partida, que respeitar a sua vontade, conforme tem entendido a doutrina e jurisprudência.
31.ª                                               
Não restam, portanto, dúvidas de que as partes pretenderam celebrar contrato de prestação de serviços, sendo as respectivas vontades reais elemento essencial para efeitos de determinação da natureza do vínculo contratual existente entre a Recorrente e a Enfermeira BB.
32.ª                                               
O modo como a Enfermeira BB prestava, na prática, a sua actividade confirma a existência de contrato de prestação de serviço.
33.ª                                               
Da factualidade provada nos autos, os únicos traços característicos que revelam alguma proximidade com a configuração típica do contrato de trabalho são a prestação em instalações do beneficiário da actividade e a disponibilização por este de equipamentos necessários à mesma.
34.ª                                               
Atenta a natureza e especificidades dos serviços em causa [cfr. factos assentes sob os n.ºs 14) a 26)], não seria viável que os mesmos fossem prestados noutro local, nem com recurso a equipamentos próprios do prestador.
35.ª                                               
Tendo inclusivamente sido dado como provado nos autos que os serviços têm de ser prestados nas instalações da Recorrente e com recurso a equipamentos pertencentes a esta [cfr. facto assente sob o n.º 21)].
36.ª                                               
Por isso, os indícios referidos supra na conclusão 33.ª assumem, no caso em apreço, escasso significado, não podendo relevar para efeitos de qualificação da relação contratual em causa.
37.ª                                               
O valor dos honorários pagos à Enfermeira BB variava em função do número de horas de serviço prestadas, apenas sendo devidos quando aqueles serviços são efectivamente prestados e na medida dessa prestação [cfr. factos provados sob os n.ºs 48), 52) a 54)].
38.ª                                               
A Enfermeira BB não auferia contrapartida certa, nem esta era necessariamente paga com regularidade mensal, sendo os honorários pagos apenas após emissão pelo prestador de recibo electrónico [cfr. factos provados sob os n.ºs 55) a 58)].
39.ª                                               
O valor dos honorários pagos à referida enfermeira não dependia apenas do tempo de serviço prestado mas também do resultado dessa mesma prestação, pois esta poderia auferir valor/hora superior ao contratualizado em virtude da avaliação da qualidade do serviço [cfr. factos provados sob os n.ºs 79) a 81].
40.ª                                               
Assim, a forma de remunerar os serviços prestados pela Enfermeira BB afasta-se do regime da retribuição próprio do contrato de trabalho, apontando para a existência de relação de prestação de serviços.
41.ª                                               
O Recorrido (Ministério Público) não logrou demonstrar que a Enfermeira BB estava sujeita a poderes de direcção e de autoridade por parte da Recorrente, como é típico do contrato de trabalho.
42.ª                                               
No âmbito de contrato de prestação de serviços, o beneficiário pode dar orientações e directrizes ao prestador quanto ao serviço a prestar, ou seja, pode conformar aquele serviço, sem que daí se possa extrair a existência de subordinação jurídica.
43.ª                                               
No caso concreto, a necessidade de observar determinado procedimento por parte dos prestadores de serviços encontra justificação na natureza da actividade desenvolvida pela Recorrente, sem que tal afecte, contudo, a autonomia dos enfermeiros na execução dos serviços contratados, que ficou, desde logo, evidenciado pela factualidade dada como provada sob os n.ºs 67) a 75).
44.ª                                               
Nos autos não se provou que a Enfermeira BB estivesse sujeitas a ordens e instruções da Recorrente, que possam ser entendidas como manifestação do poder de direcção do empregador.
45.ª                                               
O facto de, na prestação do serviço de triagem, os enfermeiros terem de respeitar certos procedimentos de triagem e de utilizar algoritmos não é suficiente para concluir pelo exercício de poder de direcção típico do contrato de trabalho.
46.ª                                               
De igual modo, o facto de existir uma avaliação da qualidade do serviço – que tinha como único efeito o eventual pagamento de prémio ou incentivo [cfr. factos provados sob os n.ºs 76), 77), 79) a 83)] – não pode ser visto como manifestação do poder de fiscalização do empregador.
47.ª                                               
Não resultou igualmente demonstrado nos autos que BB estivesse integrada na estrutura administrativa e organizativa da Recorrente, pois nada se provou quanto à existência de relação de reporte funcional ou hierárquico daquela enfermeira relativamente a outros trabalhadores da Recorrente.
48.ª                                               
Acresce que a Enfermeira BB não estava obrigada a cumprir determinado período de trabalho diário ou semanal, mínimo ou máximo, assim como não se encontrava sujeita a horário de trabalho determinado pela Recorrente.
49.ª                                               
Esta circunstância afigura-se fundamental, na economia dos autos, pois evidencia que a prestação do serviço contratado ocorre nos momentos determinados pelos prestadores.
50.ª                                               
Com efeito, a Enfermeira BB dispunha da faculdade de indicar os períodos em que não pretendia prestar serviços à Recorrente e, bem assim, de se fazer substituir por colegas na prestação daqueles serviços [cfr. factos provados sob os n.ºs 31) a 33), 38) a 45)].
51.ª                                               
Podendo ainda não comparecer aos turnos atribuídos sem ter de justificar a ausência [cfr. facto provado sob o n.º 47)].
52.ª                                               
Acresce que, no caso da enfermeira BB, a mesma não só realizava – por sua iniciativa e conveniência pessoal e em virtude das trocas que entendia fazer com os colegas – turnos distintos daqueles que lhe haviam sido “adjudicados” pela Recorrente, como realizava número de turnos, em regra, significativamente superior ao que lhe havia sido atribuído pela Recorrente [cfr., em particular, facto provado sob o n.º 45)]. 
53.ª                                               
Donde resulta que a escala gera informaticamente era meramente indicativa, não reflectindo os concretos serviços a ser prestados pelos enfermeiros.
54.ª                                               
Em suma, quem determinava os momentos concretos da prestação do serviço era a enfermeira e não a Recorrente.
55.ª                                               
Acresce que na relação contratual entre a Recorrente e a Enfermeira BB não foi estabelecido período normal de trabalho, pois aquela não se obrigou a atribuir a esta determinado número de turnos/horas, nem esta se comprometeu a realizar determinado número de turnos/horas.
56.ª                                               
Assim, o quando e o quantum da prestação eram definidos, em cada momento, pela Enfermeira BB, de acordo com a sua vontade e disponibilidade, e não pela Recorrente.
57.ª                                               
Trata-se de realidade pouco compatível com a hetero-determinação que caracteriza o contrato de trabalho e, bem assim, com carácter intuito personae e a natureza infungível da prestação laboral, que aponta decisivamente no sentido da existência de contrato de prestação de serviços.
58.ª                                               
Além disso, a Enfermeira BB não estava sujeita a controlo de assiduidade ou absentismo, nem estava obrigada a justificar as suas ausências [cfr. factos provados sob os n.ºs 85) e 86)].
59.ª                                               
A Enfermeira BB não prestava serviços à Recorrente em regime de exclusividade, cumulando aqueles serviços com trabalho subordinado prestado em instituição hospitalar [cfr. factos provados sob os n.ºs 61) a 65)].
60.ª                                               
Nada resultou provado nos autos quanto ao exercício de poder disciplinar pela Recorrente em relação à Enfermeira BB ou a qualquer outro enfermeiro que lhe prestasse serviços.
61.ª                                               
Além disso, provaram-se outros factos que afastam a qualificação da relação em causa como contrato de trabalho, designadamente, o não pagamento de subsídios de férias e de Natal, a não inscrição no regime de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, a emissão de recibos electrónicos e a não inclusão no seguro de acidentes de trabalho [cfr. factos provados sob os n.ºs 55), 59), 60) e 66)]. 
62.ª                                               
Pelo exposto conclui-se que não se verificam, em si mesmas ou sob a forma indiciária, as características do contrato de trabalho.
63.ª                                               
Na verdade, a ponderação global de todos os indícios levaria à conclusão de que a relação contratual mantida entre a Recorrente e a Enfermeira BB era de prestação de serviços.
64.ª                                               
Isso mesmo tem entendido a jurisprudência, em casos idênticos ao dos presentes autos.
65.ª                                               
Assim, ao revogar a sentença de fls.   e ao declarar a existência de contrato de trabalho entre a Recorrente e a Enfermeira BB, o acórdão recorrido infringiu o disposto nos artigos 11.º e 12.º do Código do Trabalho, bem como os artigos 342.º e 1154.º do Código Civil.

O MP também alegou, dizendo que:

1- Afigura-se nada obstar ao conhecimento do recurso de revista interposto por "AA-…, SA" do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), registado em 20.06.2017.
2. O referido acórdão do TRL julgou procedente o recurso interposto pelo M°P°, considerando que a relação contratual controvertida configura um contrato de trabalho e, em consequência, "revogou a sentença proferida pelo tribunal de Ia instância, declarando a existência, a partir de 28.10.2013, de um contrato de trabalho subordinado entre BB e a Ré "AA-…, SA".
3. O objecto do presente recurso de revista circunscreve-se à questão da qualificação da relação contratual estabelecida entre a ora recorrente e a Enfermeira BB, alegando a ora recorrente "AA-…, SA" que o Tribunal da Relação aplicou incorrectamente o direito aos factos provados, pugnando pela revogação do citado acórdão e por prolação de "decisão de absolvição do pedido formulado nos autos".
4. Ressalvado o respeito por opinião diversa, louvamo-nos na fundamentação do acórdão proferido neste Tribunal da Relação que considerou a existência de um contrato de trabalho subordinado entre BB e AA.-…, SA", pronunciando-nos pela improcedência do recurso de revista ora interposto.

Subidos os autos, cumpre decidir.

2----
        
Para tanto, as instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:
        
1- A Ré/Empregadora assegura o funcionamento do Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde, através da linha de ...,
2- A qual presta cuidados aos respectivos utentes, em situação de doença, mediante triagem, aconselhamento e encaminhamento para assistência e tratamento nas unidades do Serviço Nacional de Saúde.
3- A Ré/Empregadora é uma sociedade comercial anónima cujo objecto consiste na concepção, projecto, instalação, financiamento, exploração e transferência para o Estado Português do Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde, nos termos previstos no Contrato de Prestação de Serviços aprovado por Despacho de 27 de Fevereiro de 2006, do Ministro da Saúde.
4- Em 25 de Maio de 2006, a Ré/Empregadora celebrou com o Estado Português, através do Ministério da Saúde, um contrato de prestação de serviços, em regime de parceria público-privada,
5- Com vista à concepção, projecto, instalação, financiamento e exploração do Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde (Linha ...),
6- E, ao abrigo do referido contrato, a Ré/Empregadora passou a explorar o Centro de Atendimento referido em 1),
7- No qual são prestados os serviços referido em 2) e serviços de informação geral de saúde.
8- O referido Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde foi instalado com o objectivo de ampliar e melhorar a acessibilidade dos cidadãos aos serviços de saúde, racionalizar a utilização dos recursos do serviço nacional de saúde, encaminhando os utentes para as instituições mais adequadas e esclarecendo-os em questões de saúde por via telefónica.
9- O referido Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde funciona 24 horas por dia, 365 dias por ano, destinando-se a todos os utentes do serviço nacional de saúde, e presta um serviço de interesse público.
10- Para assegurar a exploração do referido Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde, a Ré/Empregadora contrata serviços de enfermeiros.
11- Na data de 28 de Outubro de 2013, a Ré/Empregadora, na qualidade de «primeiro contraente», e a “Trabalhadora” BB, na qualidade de «segundo contraente», subscreveram o escrito particular denominado «CONTRATO DE PRESTAÇÃO SERVIÇOS», cuja cópia consta de fls. 6 a 7v dos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido,
12- No qual está consignado: «… Considerando que:
1. A Primeira Contraente assegura o funcionamento do Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde, através da Linha de ....
2. A Linha de ... presta cuidados aos respectivos utentes em situações de doença, mediante triagem, aconselhamento e encaminhamento para assistência e tratamento nas unidades do Serviço Nacional de Saúde, estando, portanto, sujeita aos normativos que regem a prestação de cuidados de saúde e tecnicamente organizada em função das exigências técnico-científicas e deontológicas do exercício das profissões de saúde.
3. O Segundo Contraente é enfermeiro e pretende prestar serviço na Linha de ... sem sujeição à autoridade e à específica organização da Primeira Contraente, enquanto pessoa colectiva, mas tendo exclusivamente, em conta o fim essencial da protecção dos valores da saúde e da vida dos utentes da Linha de ..., o Direito da Saúde e as regras técnicas, científicas e deontológicas da enfermagem.
4. O exercício, em regime liberal da actividade do Segundo Contraente, nas referidas condições, é adequado ao exercício da enfermagem e à satisfação das necessidades da Linha de ....
Entre os referidos contraentes é convencionado e reciprocamente aceite o presente contrato de prestação de serviço, que se rege pelo disposto na lei e segundo as condições dos precedentes considerandos e das cláusulas seguintes:
Cláusula Primeira 1. O Segundo Contraente compromete-se a prestar a sua actividade profissional de enfermagem, na Linha de ..., praticando actos de triagem, aconselhamento e encaminhamento dos utentes. 2. O Segundo Contraente prestará o serviço no local de funcionamento da Linha de ..., na …, nº .., .., em Lisboa.
Cláusula Segunda. 1. O Segundo Contraente compromete-se a cooperar com a Primeira Contraente, no sentido de, durante os primeiros 30 dias de vigência deste contrato, adquirir o cabal conhecimento dos equipamentos informáticos da Linha de ..., com os quais terá de operar para os fins da prestação de serviço. 2. A Primeira Contraente obriga-se a assegurar a adequada transmissão ao Segundo Contraente do conhecimento referido no número 1 desta cláusula. 3. Durante o período de transmissão de conhecimento previso nesta cláusula, a Primeira Contraente pagará ao Segundo Contraente o valor/hora de 5 (cinco) euros, crédito que, na sua totalidade, se vencerá no final do primeiro ano de duração contratual.      
Cláusula Terceira 1. O Segundo Contraente deverá, de seis em seis meses, informar o responsável da Linha de ... da sua possibilidade de prestar serviço por referência aos concretos modelos temporais de funcionamento da Linha de ..., e compromete-se à prestação de serviço nos tempos do modelo da sua opção que aquele responsável, em cada semestre, lhe adjudicar.
Cláusula Quarta. Cabe à Primeira Contraente assegurar as condições, designadamente, técnicas, organizativas e humanas, necessárias à boa prática dos actos profissionais do Segundo Contraente.
Cláusula Quinta. O Segundo Contraente manterá em vigor o seguro de Responsabilidade Civil Profissional adequado à actividade que desenvolva, bem como um seguro de Acidentes de Trabalho para trabalhadores independentes, de que dará conhecimento à Primeira Contraente.
Cláusula Sexta. Pela execução dos actos profissionais a que o Segundo Contraente se obriga a Primeira Contraente pagar-lhe-á o valor de 8,75 (oito euros e setenta e cinco cêntimos) por cada hora de serviço efectivamente prestado.
Cláusula Sétima. O presente contrato tem a duração de um ano, com início no dia 28 de Outubro de 2013 e termo no dia 27 de Outubro de 2014, sem prejuízo da sua eventual renovação, nos termos que as partes vierem a acordar, por escrito, entre si.
Cláusula Oitava. Qualquer das partes poderá pôr termo ao presente contrato, sem justa causa, devendo para tanto avisar a outra parte com uma antecedência mínima de 30 dias…».
13- Na sequência da subscrição do escrito particular referido em 11), a “Trabalhadora” passou a prestar actividade para a Ré/Empregadora como enfermeira comunicadora, incumbindo-lhe proceder ao atendimento das chamadas telefónicas efectuadas para a Linha ..., procedendo à triagem, aconselhamento e encaminhamento dos utentes de acordo com as situações que lhe eram expostas telefonicamente.
14- A actividade da “Trabalhadora” era prestada no centro de atendimento telefónico da Linha de ... situado na …, … – …, em Lisboa, pertencente à Ré/Empregadora,
15- Utilizando equipamentos da Ré/Empregadora, nomeadamente, computador, software específico, e sistema de auricular e microfone.
16- O centro de atendimento telefónico referido em 14) está dotado da logística necessária para a prestação dos respectivos serviço, nomeadamente de plataforma de atendimento multicanal e de computador central.
17- Esse computador central guarda informação confidencial e sensível, nomeadamente dados pessoais e de saúde dos utentes do Serviço Nacional de Saúde.
18- Estes equipamentos possuem as características técnicas necessárias para garantir a uniformidade e qualidade do serviço aos utilizadores da Linha ...: integração num sistema informático de armazenamento de dados, com especificações e programas de elevada dimensão, performance e complexidade: e integração funcional de sistemas de comunicação (telefone, Thin Clients e headsets).
19- Por razões ligadas à complexidade do sistema informático utilizado e à necessidade de garantia de segurança e confidencialidade dos dados, não é possível a utilização pelos enfermeiros comunicadores de equipamentos próprios, designadamente informáticos, para a prestação da actividade à Ré/Empregadora,
20- Nem é viável o fornecimento disperso ou individual, por parte da Ré/Empregadora a cada enfermeiro comunicador, do equipamento necessário para a execução dos serviços em causa, atenta a sua complexidade, dimensão, elevado custo e, bem assim, a necessidade de garantir a segurança e confidencialidade dos dados guardados,
21- Pelo que os serviços têm que ser prestados nas instalações da Ré/Empregadora referidas em 14), e com recurso a equipamentos pertencentes a esta.
22- Para execução dos referidos serviços, os equipamentos referidos em 15) não são atribuídos pela Ré/Empregadora à “Trabalhadora” para uso exclusivo desta.         
23- As secretárias aí existentes são utilizadas por quem, a cada momento, se encontre a executar os serviços em causa,                                                             
24- Pelo que nenhum dos prestadores dispõe de lugar pré-definido para a prestação daqueles serviços.    
25- Em cada secretária encontra-se instalado computador, teclado e rato, ligados ao computador central por um Thin Client,
26- Os quais são utilizados indistintamente pelos prestadores que, em cada momento, se encontrem a prestar serviços nas instalações da Ré/Empregadora.
27- Apenas o auricular é atribuído especificamente a cada enfermeiro comunicador,
28- O que sucede por razões de higiene e saúde.
29- Por forma a assegurar o funcionamento adequado do Centro de Atendimento, a Ré/Empregadora estima mensalmente as suas necessidades,
30- Definindo o nível de serviço que deve ser assegurado em cada período (diário, semanal e mensal), através da presença de determinado número de enfermeiros comunicadores, independentemente das respectivas identidades.
31- A “Trabalhadora”, assim como os restantes enfermeiros comunicadores, informa antecipadamente a Ré/Empregadora dos períodos temporais em que está indisponível para prestar a sua actividade para aquela, de acordo com a sua conveniência pessoal e profissional.
32- Tendo em conta o referido em 29) a 31), são elaboradas escalas mensais de organização interna para a execução dos serviços.
33- Estas escalas são geradas automaticamente pelo sistema informático, o qual conjuga as indisponibilidades manifestadas pelos enfermeiros comunicadores para determinado período com as necessidades de serviço da Ré/Empregadora definidas para o mesmo período,
34- E são disponibilizadas pela Ré/Empregadora na intranet em meados do mês anterior àquele a que respeitam, de forma que os enfermeiros conheçam, com pelo menos 15 dias de antecedência, os períodos/turnos para que estão “escalados”,
35- Sendo que existem períodos/turnos de 6/8 ou 9 horas e são das 7H00 às 15H00, das 8H00 às 16H00, das 9H00 às 15H00, das 16H00 às 22H00, das 18H00 às 24H00, das 20H00 às 2H00 ou das 23H00 às 8H00.
36- Aquando da subscrição do escrito particular referido em 11), a Ré/Empregadora comunicou à “Trabalhadora”, tal como comunicava a todos os enfermeiros comunicadores, que podem trocar entre si os períodos/turnos que em concreto lhe haviam sido atribuídos pela Ré/Empregadora,
37- Mas que essas trocas não podem conduzir à realização pelo mesmo enfermeiro de dois períodos/turnos consecutivos.
38- As referidas trocas podem consistir em trocas directas de períodos/turnos atribuídos nas escalas mensais, como podiam consistir em substituições com a entrega de um período/turno atribuído sem dar ou receber qualquer período/turno em troca.
39- As trocas/substituições são acordadas entre os enfermeiros comunicadores sem qualquer intervenção da Ré/Empregadora, não carecendo de autorização desta ou da apresentação de qualquer justificação para o efeito,
40- Sucedendo frequentemente que o enfermeiro comunicador que comparece nas instalações da Ré/Empregadora para assegurar determinado serviço é distinto daquele a quem o mesmo estava atribuído e sem que a Ré/Empregadora tenha sido previamente informada,
41- Situação a que a Ré/Empregadora não se opõe porque lhe interessa garantir o normal funcionamento da Linha ..., assegurando o nível de serviço a que se encontra obrigada por força do contrato referido em 4).
42- O referido em 37) ocorre porque a Ré/Empregadora entende que o desgaste decorrente da realização de dois períodos/turnos seguidos poderia colocar em causa a qualidade do serviço prestado ao utente.
43- No decurso da sua relação contratual com a Ré/Empregadora, a “Trabalhadora” efectuou de trocas com outros enfermeiros comunicadores e substituiu-os, ou fez-se substituir por estes, na actividade que presta à Ré/Empregadora,
44- Sendo que, noutros casos, não compareceu para prestar a sua actividade, nem se fez substituir.
45- A Ré/Empregadora atribuiu à “Trabalhadora” inicialmente os seguintes turnos e, em consequência das trocas referidas em 35) a 37), esta realizou os seguintes períodos/turnos:
- em Janeiro de 2014, 11 atribuídos, 22 realizados, sendo que, dos realizados, apenas 4 coincidem com os inicialmente atribuídos;
- em Fevereiro de 2014, 12 atribuídos, 18 realizados, sendo que, dos realizados, apenas 4 coincidem com os inicialmente atribuídos;
- em Março de 2014, 11 atribuídos, 21 realizados, sendo que, dos realizados, apenas 4 coincidem com os inicialmente atribuídos e sendo que um dos realizados ocorreu em dia que, previamente, comunicara à Ré/Empregadora não poder prestar-lhe a actividade;          
- e em Abril de 2014, 12 atribuídos, 20 realizados, sendo que, dos realizados, apenas 4 coincidem com os inicialmente atribuídos.
46- Os turnos a que não compareceu referidos em 41) foram 1 em Janeiro de 2014 e 1 em Fevereiro de 2014.
47- A “Trabalhadora”, bem como os outros enfermeiros comunicadores, não se encontram obrigados a justificar as suas ausências relativamente aos turnos que lhe estavam atribuídos e que não realizam, nem a apresentar documento comprovativo do motivo das mesmas.
48- A “Trabalhador” recebia o valor de € 7,00 € por cada hora de serviço efectivamente prestado.
49- O valor hora era acrescido de 25% relativamente a horas de serviço prestadas entre as 20 e as 24 horas e de 50% entre as 24 e as 8 horas, sendo denominadas “horas de qualidade”,
50- E em de fim-de-semana ou feriado acresciam 25% para serviço prestado entre as 8H00 e as 20H00, 50% entre as 20H00 e as 24H00 e 100% entre as 24H00 e as 8H00, sendo denominadas “horas de qualidade”.
51- Desde Janeiro de 2014, os acréscimos referidos em 49) e 50) são apenas de 25%.
52- A Ré/Empregadora pagava à “Trabalhadora” por cada hora de serviço que esta prestava,
53- Variando o valor do pagamento em função do número de horas/turnos que aquela realizava.
54- A “Trabalhadora” auferiu da Ré/Empregadora, que lhos pagou após aquele lhe ter emitido os respectivos recibos, os seguintes valores no ano de 2014: em Janeiro, € 977,41; em Fevereiro, € 1.351,49; e em Março, € € 1.064,04.
55- A “Trabalhadora” emitia e entregava à Ré/Empregadora recibo titulando as importâncias recebidas, do tipo fiscalmente definido para o rendimento de trabalho independente (vulgarmente designado “recibo electrónico”).
56- A Ré/Empregadora processa o pagamento devido aos enfermeiros em duas datas distintas, consoante o momento em que estes emitam o correspondente recibo electrónico.
57- Se a emissão do recibo electrónico for efectuada até ao dia 13 do mês seguinte ao da prestação do serviço, o pagamento é processado até ao dia 18 do mesmo mês.
58- Se a emissão do recibo electrónico for efectuada após o referido dia 13, o pagamento devido é processado apenas no dia 5 do mês seguinte.
59- A Ré/Empregadora nunca inscreveu a “Trabalhadora” na Segurança Social como trabalhador da Ré/Empregadora,
60- E nunca lhe pagou subsídio de férias nem subsídio de Natal.
61- Entre a “Trabalhadora” e Ré/Empregadora não foi acordada que aquela prestava serviços a esta em regime de exclusividade, nem essa exclusividade foi condição essencial para a contratação.
62- Quando subscreveu o escrito particular referido em 11), a “Trabalhadora” já prestava a sua actividade de enfermeira no Hospital da ... em Lisboa, em regime de contrato de trabalho, onde cumpria 36 horas semanais, auferindo o vencimento mensal no valor bruto de € 1.170,00,
63- Actividade que a “Trabalhadora” manteve e mantém actualmente,
64- Nunca se tendo a “Trabalhadora” arrogado a ser trabalhadora da Ré/Empregadora, nem reclamado a existência de vínculo de trabalho subordinado ou as consequências daí decorrentes.
65- Ao subscrever o escrito particular referido em 11), a “Trabalhadora” quis prestar a sua actividade num regime distinto daquele que detinha no Hospital da ..., porque só assim conseguia compatibilizar a actividade profissional referida em 62) com a actividade que iria prestar à Ré/Empregadora.
66- A “Trabalhadora” não estava abrangida pela apólice de seguro de acidentes de trabalho contratada pela Ré/Empregadora.
67- No atendimento das chamadas telefónicas que são efectuadas pelos utentes, os enfermeiros comunicadores utilizam para o efeito uma ferramenta informática, que é o designado “algoritmo clínico”, ferramenta esta que, mediante a introdução da indicação dos vários sintomas que o utente informa, fornece uma disposição final.
68- Esses algoritmos clínicos, com origem no sistema de saúde britânico, constituem ferramenta informática que harmoniza e uniformiza um conjunto de regras, protocolos e procedimentos, instituídos por entidades nacionais e estrangeiras, para a actividade de enfermagem,
69- E são previamente aprovados pela Direcção Geral de Saúde.
70- O manuseamento do algoritmo implica conhecimentos específicos de profissional de saúde, nomeadamente de enfermeiro.
71- Compete ao enfermeiro comunicador escolher o algoritmo – de entre cerca de 200 algoritmos existentes – adequado a cada situação concreta, tendo em conta os sintomas relatados pelo utente.
72- Cada algoritmo contempla diversas questões que auxiliam o enfermeiro na triagem telefónica.
73- Os enfermeiros comunicadores podem alterar a disposição final fornecida pelo algoritmo, subindo ou descendo os cuidados de saúde sugeridos pelo mesmo, tendo em conta a sua avaliação da situação do utente.
74- Nos casos em que se apercebam logo de início que se tratam de “urgência INEM”, os enfermeiros comunicadores não percorrerem algoritmos clínicos, encaminhando directa e imediatamente o utente para o INEM.
75- Na execução da sua actividade, o enfermeiro comunicador, caso tenha dúvidas, pode, se assim o entender, trocar impressões técnicas e tirar dúvidas com outros enfermeiros presentes, cabendo-lhe sempre a última decisão relativamente ao encaminhamento do utente.
76- A Ré/Empregadora instituiu um sistema de avaliação do serviço por si prestado pelos enfermeiros que monitorizava o desempenho de cada um deles no que se refere à qualidade do atendimento prestado aos utentes e tempo médio em que o atendimento era efectuado.
77- Na avaliação, a Ré/Empregadora analisava um conjunto de 3 chamadas por mês atendidas pela “Trabalhador” seleccionadas aleatoriamente de entre todas as chamadas do período a que respeitava.
78- A avaliação trimestral incidia sobre a qualidade do atendimento, bem como sobre o tempo médio de atendimento por chamada, sendo atribuída pela Ré/Empregadora uma avaliação que variava entre 0% e 100%.
79- O sistema de avaliação referido em 76) a 79) pode determinar o valor hora pago aos enfermeiros comunicadores, de acordo com 6 escalões, sendo o valor hora vai subindo em cada escalão,
80- Traduzindo-se num sistema incentivo/prémio em função da avaliação, aplicável no trimestre seguinte ao da avaliação em causa,
81- Sendo que, em caso algum, o enfermeiro comunicador pode auferir valor inferior ao do 1º escalão e que corresponde ao valor inicialmente acordado com todos os enfermeiros comunicadores.
82- Por força do contrato referido em 4), a Ré/Empregadora obrigou-se a estabelecer um sistema de monotorização e de avaliação de desempenho dos níveis e qualidade do serviço por si prestado.
83- Para acompanhar o cumprimento destas obrigações, a Ré/Empregadora avalia regularmente os níveis e qualidade do serviço prestado ao utente e instituiu o sistema de avaliação referido em 77),
84- Sendo a avaliação era efectuada por um enfermeiro supervisor e incide sobre critérios pré-definidos pela Ré/Empregadora.
85- O sistema informático (CAS) regista as entradas e saídas do serviço do enfermeiro comunicador, e todas as pausas por ele realizadas,
86- E é a partir deste registo que a Ré/Empregadora apura o número de horas de serviço prestadas por cada enfermeiro comunicador para efeitos de determinação do valor devido ao mesmo.
87- Nos períodos/turnos com a duração de 8 horas e 9 horas, a “Trabalhadora” tinha direito a intervalo de 1 hora que poderia gozar numa única pausa ou em duas pausas de 30 minutos cada uma, e nos períodos/turnos de 6 horas, tinha direito a pausa de 30 minutos.
88- As pausas referidas em 87) eram consideradas períodos de trabalho para efeitos de pagamento.
89- Dependendo da quantidade de chamadas recebidas, cada enfermeiro comunicador poderia ainda ser autorizado a gozar de pausa adicional de 10 minutos, o que era decidido pelo enfermeiro supervisor.
90- O momento concreto de realização da pausa por cada enfermeiro comunicador era indicado pelo enfermeiro supervisor.
91- Se os enfermeiros comunicadores realizarem pausas de períodos superiores aos referidos em 87) e 88) esse tempo não é contabilizado para efeitos de pagamento.

3---

E decidindo:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da alegação, constatamos, face ao seu teor, que a questão que se coloca na revista é a da qualificação do contrato existente entre BB e a ré, ou seja, se estamos perante um contrato de prestação de serviço, como pretende a recorrente, ou perante um contrato de trabalho, conforme decidiu a Relação.
É jurisprudência pacífica que a caracterização da relação jurídica estabelecida entre as partes contratantes tem de ser efectuada tendo em conta a lei em vigor à data da sua constituição, vendo-se neste sentido, nomeadamente, o acórdão deste Supremo Tribunal de 15 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 329/08.0TTCSC.L1.S1.

Assim sendo, e estando em causa uma relação contratual que se iniciou em Outubro de 2013, temos de aplicar o regime do Código do Trabalho de 2009 (a seguir designado por CT/2009), por ser o vigente naquela altura.  

Ora, o seu artigo 11º definia o contrato de trabalho como aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.

Este conceito apresenta pequenas diferenças em relação ao que dispunha o artigo 1º da LCT, que definia o contrato de trabalho como sendo aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta, doutrina também seguida no artigo 10º do Código do Trabalho de 2003.

Por seu turno, o contrato de prestação de serviço encontra-se definido no artigo 1154º do Código Civil como sendo aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

Das definições legais apontadas resulta que a distinção entre contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço assenta em dois elementos essenciais: no objecto do contrato (prestação de actividade no primeiro; obtenção dum resultado no segundo); e no tipo de relacionamento entre as partes (subordinação jurídica no primeiro; autonomia no segundo)[1].

Donde resulta que o principal elemento diferenciador do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviço assenta na sujeição da pessoa contratada à autoridade e direcção do contratante (subordinação jurídica no contrato de trabalho), enquanto no contrato de prestação de serviço a pessoa contratada não está sujeita às ordens do contratante, agindo com autonomia na prossecução do resultado a que se comprometeu.

A subordinação jurídica traduz-se assim, na prerrogativa dum dos contraentes de poder dar ordens e instruções quanto ao modo, tempo e lugar da actividade, e na obrigação por parte do trabalhador de as ter de cumprir, o que implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.

Nesta linha, Abílio Neto define a subordinação jurídica como a relação de dependência em que o trabalhador se coloca por força da celebração do contrato, ficando sujeito, na prestação da sua actividade, às ordens, direcção e fiscalização do dador do trabalho, acrescentando este autor que basta que o trabalhador se integre, de algum modo, em maior ou menor escala, no círculo de esfera de domínio ou autoridade de uma entidade patronal, sendo suficiente que esta possa dar-lhe ordens, dirigir ou fiscalizar o seu serviço, não se exigindo que de facto e permanentemente o faça[2].

E também Menezes Cordeiro a caracteriza como uma situação de sujeição em que se encontra o trabalhador de ver concretizado, por simples vontade do empregador, numa ou outra direcção, o dever de prestar em que está incurso[3].

Apesar da linearidade do apontado critério de distinção entre estes dois contratos, a questão da qualificação contratual assume, em certas situações da vida real, uma grande complexidade, dado que as formas de subordinação jurídica são cada vez mais diversificadas e nem sempre aparecem de forma evidente. E por outro lado, existem diferentes graus de subordinação, pois há formas de trabalho subordinado em que a actividade é prestada com grande autonomia, não existindo ordens concretas e específicas, mas um mero quadro potencial da sua existência.

Por isso, e quando não se consegue uma conclusão decisiva pela análise e interpretação da vontade das partes, é usual aferir-se a caracterização do contrato pela interpretação dos elementos disponíveis resultantes do modo como as partes se relacionavam no desenvolvimento e na execução do contrato, com recurso ao chamado método indiciário ou de aproximação tipológica.

No elenco dos indícios de subordinação era conferido ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa - tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem.

Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, ou fixa), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação.

São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por contra de outrem.

No entanto, cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade[4], impondo-se fazer um juízo de globalidade com vista à caracterização do contrato, não existindo nenhuma fórmula que pré-‑determine o doseamento necessário dos vários índices, desde logo porque cada um deles pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso.

Também a jurisprudência deste Supremo Tribunal[5] seguiu esta doutrina ao decidir que a subordinação jurídica se pode determinar através de um conjunto de indícios – assumindo cada um deles um valor relativo, pelo que o juízo a fazer deve ser de globalidade face à situação concreta apurada - como sejam a vinculação a horário de trabalho, a prestação da actividade em local definido pelo empregador, a actividade exercida sob as ordens deste, a sujeição do trabalhador à disciplina da empresa, a modalidade de retribuição, a propriedade dos instrumentos de trabalho e a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios dos trabalhadores por conta de outrem.

No domínio da vigência da LCT, sobre o A (trabalhador) impendia o ónus de alegar e provar os factos reveladores da existência dum vínculo contratual de natureza subordinada, conforme impunha o nº 1 do artigo 342º do Código Civil, pelo que, em caso de dúvida, o resultado da acção lhe era desfavorável.

Para ultrapassar esta situação, o artigo 12.º do Código do Trabalho do 2003 consagrou a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de cinco requisitos, regime aplicável às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência que ocorreu em 1/12/2003.

No entanto, as dificuldades de operacionalidade suscitadas pela norma levaram o legislador a alterar a sua redacção originária, o que foi levado a cabo pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, que veio dispor que:

 «Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição».

Mas a solução da nova lei também não foi igualmente feliz, pois se o prestador está na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade, realizando a sua prestação “sob as ordens, direcção e fiscalização daquele beneficiário” e “mediante retribuição”, nada havia a presumir, pois estamos na presença de todos os elementos caracterizadores do contrato de trabalho subordinado.

Na verdade, e como salientava Maria do Rosário Palma Ramalho, “(..) embora se tenha limitado os indícios de laboralidade (..) fez-se coincidir a maior parte desses indícios com os próprios elementos essenciais do contrato de trabalho, o que lhe retirou qualquer valor indiciário, para além de os continuar a conceber como indícios cumulativos, o que diminuía a sua operacionalidade” [Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, pp. 51].

No mesmo sentido observava Monteiro Fernandes que com a Lei 9/2006, de 20/3, o art. 12.º CT foi modificado, mas, na realidade, pouco melhorado. Passou a constituir base da “presunção” a verificação de que “o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição”. Não se estava aqui perante elementos concretos de facto susceptíveis de prova, mas de conceitos normativos e abstractos; e, no fim de contas, não se oferecia uma presunção, mas uma definição (uma segunda definição) do contrato de trabalho. Continuava, pois, a não existir no CT uma verdadeira presunção da existência do contrato de trabalho” [Direito do Trabalho, 14.ª ed., Almedina, p. 154]”.

Tratando-se dum regime legal insatisfatório para o trabalhador, o Código do Trabalho de 2009, em vigor desde 17/2/2009, veio alterá-lo de forma substancial, conforme se colhe do seu artigo 12.º, que sob a epígrafe “Presunção de contrato de trabalho”, estabelece que:

1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;

c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

Assim, a lei não exige agora a verificação de todos estes factos para que a presunção funcione, limitando-se a exigir a ocorrência de alguns deles, referência que tem sido entendida como exigindo a ocorrência mínima de duas destas circunstâncias.

E da prova destas duas realidades caracterizadoras da relação entre o prestador e o seu beneficiário, a lei faz decorrer um efeito jurídico específico - a existência dum contrato de trabalho, ou seja, de uma relação de trabalho subordinado entre as partes envolvidas naquela prestação de actividade.

Por isso, e tratando-se de uma presunção legal, tal como refere VAZ SERRA, “se tal inferência é feita pela própria lei (presunção legal), constitui um elemento desta, e o juiz não tem senão que a aplicar, uma vez verificada a existência da base da presunção, isto é, do facto conhecido; de sorte que a presunção legal não é propriamente um meio de prova, mas a atribuição legal de certa relevância a um facto” [6].

De qualquer maneira, tratando-se de uma presunção juris tantum, nada impede a parte contrária de a ilidir, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do CC.

Assim, cabendo-lhe este onus probandi, não sendo a presunção ilidida, o tribunal qualificará aquele contrato como um contrato de trabalho, gerador de uma relação de trabalho subordinado.

Podemos assim concluir que o actual regime do artigo 12º do CT/2009, representa uma verdadeira vantagem para o trabalhador, pois e conforme refere JOÃO LEAL AMADO, esta presunção representa uma simplificação do método indiciário tradicional, visto que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de todas as características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a subordinação»[7].  

Postas estas considerações genéricas, vejamos então o caso presente.

3.1---

A decisão recorrida apelou à presunção de laboralidade ínsita no artigo 12º do CT/2009, para concluir que entre a R e a enfermeira BB existiu um contrato de trabalho.   

Por isso, a questão que se discute agora consiste em determinar se a R ilidiu a presunção advinda daquele dispositivo legal.

Entendemos que a factualidade provada vai neste sentido, conforme decidiu a 1ª instância se pronunciou o voto de vencido dum dos elementos do colectivo da Relação. 
Efectivamente, a R, em 25 de Maio de 2006, celebrou com o Estado Português um contrato de prestação de serviço através do qual se obrigou a assegurar o funcionamento do Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde, através da linha de ..., que presta serviços de informação geral de saúde.
Este Centro que funciona 24 horas por dia, e 365 dias por ano, foi instalado com o objectivo de ampliar e melhorar a acessibilidade dos cidadãos aos serviços de saúde, racionalizar a utilização dos recursos do serviço nacional de saúde, encaminhando os utentes para as instituições mais adequadas e esclarecendo-os em questões de saúde por via telefónica.
Para assegurar o funcionamento deste Centro, a Ré contrata os serviços de enfermeiros, tendo em 28 de Outubro de 2013, celebrado um contrato com a BB que as partes outorgantes apelidaram de “contrato de prestação de serviço”, com a duração de um ano, e recebendo esta, como contrapartida, oito euros e setenta e cinco cêntimos por cada hora de serviço efectivamente prestado.
E na sequência da subscrição deste contrato, a BB passou a prestar actividade à Ré como enfermeira comunicadora, incumbindo-lhe proceder ao atendimento das chamadas telefónicas efectuadas para a Linha ..., procedendo à triagem, aconselhamento e encaminhamento dos utentes de acordo com as situações que lhe eram expostas telefonicamente, actividade prestada no centro de atendimento telefónico da Linha de ... situado na …, … – …, em Lisboa, pertencente à Ré, e utilizando equipamentos desta, nomeadamente, computador, software específico, e sistema de auricular e microfone.
           

Foi com base neste circunstancialismo que a Relação considerou preenchidas as características enunciadas nas alíneas a) e b) do artigo 12º do CT, assim fazendo funcionar a presunção de laboralidade constante deste preceito.

No entanto, a forma como o contrato era executado aponta claramente para a existência dum contrato de prestação de serviço, tal como as partes assim o designaram no documento que assinaram.

Na verdade, para assegurar o funcionamento adequado do Centro de Atendimento, a Ré estima mensalmente as suas necessidades, definindo o nível de serviço que deve ser assegurado em cada período (diário, semanal e mensal) através da presença de determinado número de enfermeiros comunicadores, independentemente das respectivas identidades.
Para tanto, são elaboradas escalas mensais de organização interna para a execução dos serviços, que são geradas automaticamente pelo sistema informático, o qual conjuga as indisponibilidades manifestadas pelos enfermeiros comunicadores para determinado período com as necessidades de serviço da R definidas para esse mesmo período.

Para isso, os enfermeiros comunicadores informam antecipadamente a Ré dos períodos temporais em que estão indisponíveis para prestar a sua actividade, de acordo com a sua conveniência pessoal e profissional, sendo as escalas disponibilizadas na intranet, em meados do mês anterior àquele a que respeitam, por forma a que os enfermeiros conheçam, com pelo menos 15 dias de antecedência, os períodos/turnos para que estão escalados.
No entanto, todos os enfermeiros comunicadores podem trocar entre si os períodos/turnos que em concreto lhe são atribuídos pela Ré, tendo apenas a limitação dessas trocas não poderem conduzir à realização pelo mesmo enfermeiro de dois períodos/turnos consecutivos, pois o desgaste decorrente da realização de turnos seguidos pode colocar em causa a qualidade do serviço prestado ao utente e a saúde da própria colaboradora.
Por outro lado, tanto as trocas podem consistir em trocas directas de períodos/turnos atribuídos nas escalas mensais, como podem consistir em substituições com a entrega de um período/turno atribuído sem dar ou receber qualquer período/turno em troca, as quais são acordadas entre os enfermeiros comunicadores sem qualquer intervenção da Ré, e não carecendo de qualquer autorização desta ou da apresentação de qualquer justificação para o efeito.

No decurso da sua relação contratual com a Ré a enfermeira BB efectuou trocas com outros enfermeiros comunicadores, substituiu-os e fez-se substituir na actividade prestada à Ré.        E em certos casos, nem sequer compareceu para prestar a sua actividade nem se fez substituir, sem ser necessário apresentar qualquer justificação.

Ora, esta forma de organização do trabalho apresenta um tal grau de autonomia que é de todo incompatível com a existência dum contrato de trabalho subordinado, pois a organização heterodeterminada do serviço não consente a autonomia de actuação que a R permite aos seus colaboradores, atento o carácter “intuitu personae” do contrato de trabalho.

Além disso, se a subordinação jurídica consiste na possibilidade do beneficiário da actividade devida dar ordens sobre o modo como a prestação é realizada, a possibilidade da enfermeira comunicadora se substituir com a amplitude demonstrada nos autos, põe em causa o princípio da pessoalidade da prestação e do seu carácter infungível.

Assim, podendo a colaboradora substituir-se da forma que lhe conviesse, sem necessidade da intervenção da R, tal evidencia que as partes contrataram a produção dum resultado e não a sua actividade em si mesma.  

Além disso, a desnecessidade de apresentar qualquer justificação quando faltasse ao serviço demonstra a ausência de poder disciplinar, cuja existência é fundamental no contrato de trabalho por decorrer directamente do poder de direcção do empregador.

  
Acresce ainda que ao subscrever o contrato que celebrou com a R a colaboradora BB já prestava a sua actividade de enfermeira no Hospital … em Lisboa, em regime de contrato de trabalho, onde cumpria 36 horas semanais, auferindo o vencimento mensal no valor bruto de € 1.170.

E tendo querido prestar a sua actividade num regime distinto daquele que detinha no mencionado Hospital, porque só assim conseguiria compatibilizar a actividade profissional prestada a esta com a que iria prestar à R, temos de conferir um especial valor ao contrato celebrado e à qualificação que as partes lhe conferiram, por isso corresponder à sua real vontade.

O que explica que a enfermeira BB jamais se tenha arrogado a qualidade de “trabalhadora subordinada”, nem reclamado a existência dum contrato de trabalho com as consequências daí decorrentes, conforme se retira do nº 64 do acervo factual apurado.

           

Ademais, e considerando que:

Foi adoptado o regime fiscal definido para o trabalhador independente, vulgarmente designado recibo electrónico;

A R nunca inscreveu a BB na Segurança Social;

Nunca lhe pagou subsídio de férias nem subsídio de Natal;

Nunca exigiu que lhe prestasse serviços em regime de exclusividade, nem essa exclusividade foi condição essencial para a sua contratação;

A colaboradora se obrigou a manter em vigor o seguro de Responsabilidade Civil Profissional adequado à actividade que ia desenvolver, bem como um seguro de Acidentes de Trabalho para trabalhadores independentes, nunca tendo por isso estado abrangida pela apólice de seguro de acidentes de trabalho contratada pela Ré, temos de concluir que a colaboração que lhe prestou foi ao abrigo dum contrato de prestação de serviço e não ao abrigo dum contrato de trabalho como decidiu a Relação.

Impõe-se por isso, revogar o acórdão recorrido e repristinar a decisão da 1ª instância.

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Termos em que se acorda em conceder a revista, pelo que, e revogando o acórdão recorrido, se repristina a decisão proferida na 1ª instância que absolveu a R do pedido.

Sem custas.

           

Anexa-se sumário do acórdão

Lisboa, 12 de Outubro de 2017.

Gonçalves Rocha (Relator)

Leones Dantas

Ana Luísa Geraldes

                               

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[1] Neste sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de 15/9/2010, recurso nº 4119/04.OTTLSB.S1-4ª secção, disponível em www,dgsi.pt.

[2] Contrato de Trabalho, Suplemento do BMJ, 1979, pag. 170.

[3] Manual do Direito de Trabalho, pag. 535.

[4] Neste sentido Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª edição, Almedina, 2004, pgª 145.

[5] Acórdão de 13-9-06, disponível em www.dgsi.pt, documento SJ200609130057554.

[6] “Provas – Direito Probatório Material”, Boletim do Ministério da Justiça, 1961, n.º 110, p. 183.

[7] Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2011, Coimbra Editora, pp. 79, 80.