Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
16407/15.6T9PRT.P1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: BURLA
DUPLA CONFORME
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INDICAÇÃO DOS MEIOS DE PROVA
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Data do Acordão: 11/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO QUANTO À PENA ÚNICA, REJEITADO QUANTO AO DEMAIS
Sumário : I. – Contém-se no suposto normativo estatuído na alínea f) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal – irrecorribilidade dos acórdãos da Relação que confirmem a decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos – as questões (jurídico-penais e jusprocessuais) concernentes com as penas chanceladas pelo tribunal de recurso;

II. – O cotejo do normativizado (artigo 412º do Código de Processo Penal e 640º do Código de Processo Civil) num e noutro ordenamento adjectivo consente a inferência lógico-racional de que o legislador ao consentir a reapreciação da decisão de facto pelo tribunal de recurso não pretendeu cometer à instância o mesmo poder de aquisição e produção de prova que está cometido ao tribunal de julgamento de primeira (1ª) instância. Vale dizer que o legislador não pretendeu que no tribunal de recurso se reeditassem os mesmos meios de prova – testemunhais, documentais, periciais e de inspecção (do tribunal) – que um julgamento em primeira (1ª) instância deve/pode fabricar para obtenção de uma convicção consolidada e consistente sobre o objecto do litigio e, no caso concreto, do processo criminal sobre a materialidade ilícita do ilícito-típico imputado ao arguido e a respectiva culpabilidade, os seja a responsabilidade criminal na produção de um determinado feito antijurídico, ilícito e penalmente punido.

III. – O recorrente não pode querer que o tribunal de recurso refaça e recupere todo o material probatório que serviu para alicerçar a convicção do julgador, sob pena de assim permitido os julgamentos se reproduzissem de forma eterna e constante, originando contradições entre os tribunais e uma perenidade na aplicação da justiça – o que vale dizer na definição dos direitos dos usuários do sistema judiciário.

IV. – Por esta razão – e outras existem que não têm poiso neste espaço – o legislador consente e autoriza uma impugnação concretizada e finita de pontos de factualidade dada como adquirida pelo tribunal no seu julgamento inicial e que o interessado estime e ajuíze terem sido mal percebidos, compreendidos e ajuizados à face da produção de prova que decorreu e desfilou perante o tribunal. Vale dizer, a lei consente que em vista de determinados e concretos pontos de facto o interessado possa impugnar este específico e dado ponto de facto, mediante a indicação dos meios de prova que reputa serem idóneos para permitir uma compreensão e uma inteligibilidade divertida e distinta da realidade plasmada num enunciado de facto e que o tribunal sujeitou a produção de prova.

V. – A forma de concretizar ou efectivar esse desiderato preceptivo impõe o legislador pela regulação detalhada da forma e modo de o interessado impugnar a decisão de facto. Mediante a concreção dos concretos pontos de facto que o interveniente processual estima dever ser revertidos em face da prova que lhe incumbe indicar. A exigência que, tanto o legislador (processual) civil como penal inculca, não pode ser distraída e esvanecida sob pena de se frustrarem os fins que ficaram indicados.

VI. – O despacho de aperfeiçoamento colhe utilidade quando o recorrente formula conclusões que contenham os elementos mínimos exigidos para a estruturação de uma determinada tarefa. Assim se o recorrente pretende impugnar a matéria de facto deve cumprir e construir o corpo impugnatório das conclusões contendo os pontos de facto que estima merecer divertido ajuizamento e consequente formulação rela-factual e quais os meios de prova que em seu juízo justificam a tarefa impugnativa impulsionada. Isto é, para aperfeiçoar é necessário e mister que o labor (em que se traduz a tarefa de modelar e limar os pontos defectivos) incida e acendra sobre um elemento constituído e apreensível, físico-material e/ou intelectual-espiritual. Não existindo esse elemento identificável e organizado não é possível fazer incidir o labor de aperfeiçoamento, porquanto sem o modelo inicial não se pode melhorar para um fim mais perfeito, mas que tem de conservar o imo do elemento que se pretende ver burilado e turiferado, para se poder apresentar e exibir com uma feição mais utilizável e apta ao fim a que se destina.

VII. – (“A contrapartida ao concurso ideal é o concurso real. Concorre quando o autor cometeu vários factos puníveis independentes que são “enjuiciados” no mesmo processo penal. O primeiro pressuposto do concurso real, é pois, a concorrência de uma pluralidade de infracções e o segundo a possibilidade de “enjuiciameinto” conjunto.” – (Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Segundo volumen, Bosch editorial, Barcelona, pág. 1024). “O § 54 – que corresponde, na sua essencialidade, ao artigo 77º do Código Penal - determina o modo como deve obter-se a penalidade global. A formação da dita penalidade atravessa três fases.

a) em primeiro lugar, a sentença há-de atribuir-se (“asignarse”) a cada facto punível uma pena particular, devendo-se operar para isso na determinação da pena em princípio da mesma forma como se cada facto devera “enjuiciarse” isolado. (…)

b) Tendo por base o anterior e com arrimo aos princípios que regem para o concurso ideal, averigua-se se a pena particular de maior gravidade que recebe nome de penalidade disponível, Se se impuseram unicamente penas particulares homogéneas (por exemplo penas privativas de liberdade de 10 e 8 meses, respectivamente) a penalidade disponível será a mais grave das mesmas. Se pelo contrário, se pronunciaram pena particulares heterogéneas (por exemplo um ano de privação de liberdade e uma pena pecuniária de 10 quotas diárias a 100 marcos cada uma), a penalidade disponível terá de ser a privativa de liberdade, enquanto mais grave pela sua natureza;

c) uma vez fixada a penalidade disponível tem lugar, por último, a elevação da dita pena com arrimo a princípio da “asperación”. Para isso deve respeitar-se um duplo limite superior, Por um lado a penalidade global não pode alcançar a soma das penas particulares (limite superior relativo). (…) Por outra parte, a penalidade global não pode ultrapassar a duração de 15 anos (…)” “(…) é preciso valorar a personalidade do autor no seu conjunto, o que torna necessária uma especifica fundamentação da penalidade global (…). Daí que ao valorar –se a personalidade do autor deva atender-se sobretudo à questão de se s factos constituem expressão de uma tendência criminal u pelo contrário delitos ocasionais carentes de conexão. (…) Ainda assim, a repercussão da pena na futura vida do autor tem de ser examinada sob o ponto de vista da concorrência de uma pluralidade de acções puníveis. A valoração conjunta dos factos particulares está chamada em especial a permitir a estimação da gravidade global do conteúdo do injusto e a questão da relação interna existente entre os distintos actos.” – Hans-Heinrich Jescheck, ibidem, págs. 1027-1029

Decisão Texto Integral:

I. – RELATÓRIO.

No processo comum colectivo nº 16407/15.6T9PRT, do tribunal judicial da comarca …, Juízo Central Criminal …, Juiz 1, por acórdão datado de 13/11/2019, depositado na mesma data, e no que ora importa salientar, foi decidido condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e em concurso real, de:

“a) - treze crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. b), do Código Penal (Transportes Roças, Ginkgo, Transportes Centrais, Signicity, Transportes MEG, Transportes Manuel Mendes, PSST, DLB, A.A. Gouveia, Madeisobrosa, Totalplan, Jacunha, Visocarga), na pena de dois anos e quatro meses de prisão, por cada um;

– dez crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217.º. n.º 1. e 218.º. n.º 2, al. b), do Código Penal (Globex, Transjanardo, Kapa, Mar e Ar, Teu Transitário, Transoliveira, Ranatrans, Transneiva, Euro Ariz, Horatotal), na pena de dois anos e oito meses de prisão, por cada um;

– dois crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217.º. n.º 1. e 218.º. n.º 2, al. a) e b), do Código Penal (World Brothers, Abreu Carga), na pena de três anos e quatro meses de prisão, por cada um;

– dois crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217.º. n.º 1. e 218.º. n.º 2, al. a) e b), do Código Penal (J. Morais, SDV), na pena de quatro anos de prisão, por cada um; e,

– um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º. n.º 1. e 218.º. n.º 2, al. a) e b), do Código Penal (Futurcargo), na pena de cinco anos de prisão.

b) – convolar o crime de falsificação de documento que vinha imputado ao referido arguido para um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo art.º 348.º-A, nº 1, do Código Penal, e condená-lo por tal crime na pena de quatro meses de prisão; e

c) – condená-lo, em cúmulo jurídico das sobreditas penas, na pena única de dez (10) anos de prisão.

d) – ao abrigo do disposto no art.º 111º, nºs. 2 e 4 do CPP, declarar a perda das vantagens obtidas pelo mesmo, no valor de € 398.844,00, a favor do Estado, condenando-o a pagar o equivalente a esse valor, por si recebido. (…)

h) – julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por “WORLD BROTHERS – CONSULTADORIA E REPRESENTAÇÕES, LDA”., e, em consequência, condenar o mencionado arguido/demandado a pagar àquela a quantia de vinte e quatro mil setecentos e vinte e cinco euros, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a notificação do pedido até efetivo e integral pagamento;

i) – julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por “PSST – TRANSPORTES UNIPESSOAL, LDA.”, e, em consequência, condená-lo a pagar àquela a quantia de quatro mil oitocentos e cinquenta euros, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a notificação do pedido até efetivo e integral pagamento;

j) – julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por “TRANSOLIVEIRA, TRANSPORTES DE MERCADORIAS, LDA.”, e, em consequência, condená-lo a pagar àquela a quantia de catorze mil e setecentos euros;

k) – julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por “TRANSNEIVA, SOCIEDADE DE TRANSPORTES, LDA.”, e, em consequência, condená-lo a pagar àquela a quantia de dezassete mil e trinta euros, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a notificação do pedido até efetivo e integral pagamento;

l) – julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por “KAPA TRANSITÁRIOS, LDA.”, e, em consequência, condená-lo a pagar àquela a quantia de onze mil oitocentos e sessenta e dois euros, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a notificação do pedido até efetivo e integral pagamento;

m) – julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por “EURO – ARIZ TRANSPORTES UNIPESSOAL, LDA.”, e, em consequência, condená-lo a pagar àquela a quantia de nove mil e cem euros, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a notificação do pedido até efetivo e integral pagamento; e,

n) – julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por “TRANSPORTES J. MORAIS, S.A.” e, em consequência, condená-lo a pagar àquela a quantia de quarenta e nove e quinze cêntimos. (…)”

Em dissensão do julgado, impulsou, o arguido, recurso para o Tribunal da Relação do Porto – cfr. fls. 4404 a 4555 – que, por decisão prolatada a 1 de Abril de 2020 (fls. 4653 a 4705) – foi decidido (sic) “não conhecer de parte do recurso interposto pelo arguido AA por tal não fazer parte do seu delineado objecto inserto nas respectivas conclusões, em rejeitá-lo na parte em que impugnava a matéria de facto, bem como, e por inerência, às questões que a isso vinham associadas, atenta a sua manifesta improcedência e, no mais, em negar-lhe total provimento, em consequência do que decidem confirmar integralmente o acórdão recorrido.”

Ainda desarraigada do julgado, impulsa recurso para este Supremo Tribunal de Justiça (fls. 4720 a 4770), rematando a prolixa argumentação com o epítome conclusivo que a seguir queda transcrito.


§1.(a). – QUADRO CONCLUSIVO.

§1.(a).i). – DO RECORRENTE.

1ª – Por Acórdão datado de 13-11-2019, proferido pelo Tribunal de 1ª Instância, o arguido foi condenado, pela prática de 28 (vinte e oito) crimes de burla qualificada e um crime de falsas declarações, na pena única de 10 anos de prisão, necessariamente efectiva.

2ª – O Acórdão recorrido decidiu não conhecer do Recurso do ora Recorrente, na parte da impugnação da matéria de facto, e todas as questões a esta associadas, rejeitando-o por manifesta improcedência e no mais, negou-lhe provimento, confirmando a Decisão recorrida (da 1ª Instância).

3ª – Com o devido respeito, o Recorrente cumpriu todos os requisitos constantes no artº 412, do C.P.P., pelo que, não se conforma com a rejeição, por manifesta improcedência.

4ª – Ora, no caso concreto, o Recorrente impugnou a decisão sobre a matéria de facto, indicou os pontos de facto concretos que considera incorrectamente julgados, transcreveu os depoimentos testemunhais (transcrição da prova), indicou as passagens e indicou as provas que impunham decisão diversa, tendo solicitado a alteração da matéria de facto.

5ª – Tudo como melhor consta na Motivação e Conclusões do Recurso, interposto para o Tribunal da Relação do Porto, que por razões de economia processual, aqui se dá por inteiramente reproduzido, para todos os efeitos legais.

6ª – O Recorrente cumpriu o preceituado no artº 412º, nº 3, do C.P.P., pelo que, não se conforma com a Rejeição do Recurso, na parte da impugnação da matéria de facto.

7ª – Assim, é inconstitucional a interpretação acolhida no Tribunal recorrido, da norma do artº 412, nº 3, do C.P.P., por violadora do artº 32, nº 1 e do Direito de Acesso à Justiça e aos Tribunais, artº 20, nº 1, ambos da Constituição da República Portuguesa.

8ª – Na verdade, foram violadas as garantias da sua defesa, não tendo sido assegurado ao Recorrente a análise da matéria de facto por um Tribunal Superior, em Recurso.

9ª – Na nossa modesta opinião, é inconstitucional a interpretação acolhida do artº 420, nº 1, do C.P.P., que permitiu rejeitar o Recurso por manifesta improcedência, porque violou as garantias de defesa do arguido constitucionalmente consagradas (artº 32, da C.R.P.).

10ª – Aqui se vem expressamente arguir a inconstitucionalidade dos artºs 412, nº 3 e 420, do C.P.P., na dimensão interpretativa do Acórdão recorrido, que rejeitou o Recurso da matéria de facto, sem o Recorrente ter sido, previamente convidado a efectuar a correcção ou aperfeiçoamento.

11ª – Assim, impedir, nestas circunstâncias, o direito ao Recurso do arguido é solução manifestamente gravosa, desproporcional e inconstitucional por violação das garantias de defesa e do acesso ao direito, artº 32 e artº 20, ambos da C.R.P., é contrário a um Estado de Direito Democrático e ao próprio artº 2 do Protocolo 7 do CEDH.

12ª – A norma do artº 412, do C.P.P., deve ser interpretada no sentido das especificações das alíneas do nº 3 se mostrarem cumpridas, caso o Recorrente transcreva (como transcreveu) as concretas passagens em que funda a sua impugnação da matéria de facto, como ocorreu no presente caso.

13ª – O Recorrente especifica na sua Motivação e nas Conclusões os concretos pontos de facto e aquelas concretas provas que impõem decisão diversa, por isso, o objeto do Recurso está suficientemente circunscrito e o Tribunal em condições de compreender o exato âmbito e alcance do Recurso.

14ª – Pelo que, inexiste, neste caso, qualquer falta substancial da impugnação da matéria de facto.

15ª – Deve, revogar-se a decisão recorrida, sendo substituída por outra, que imponha o conhecimento do Recurso, na parte em que foi rejeitado, impugnação da matéria de facto e questões a esta atinentes.

16ª - Acresce que, os factos alegados em sede de Contestação, com relevância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa não foram relevados para a decisão, não foram dados como provados, nem como não provados (não obstante as testemunhas arroladas e inquiridas), em prejuízo do recorrente e seus direitos e garantias de defesa constitucionalmente consagradas.

17ª - Quanto aos factos alegados na Contestação, houve omissão de pronúncia o que integra a nulidade consubstanciada no artº 379, nº 1, por referência ao artº 374, nº 2, ambos do C.P.P., o que, implica também a nulidade nos termos dos artºs 374 e 379, nº 1, als. c) e d), todos do C.P.P., devendo implicar o reenvio da decisão recorrida para novo Julgamento.

18ª - A falta de fundamentação e a omissão dos factos alegados na Contestação, leva à conclusão que sobre eles não houve decisão, o que afecta o direito de defesa, e leva à nulidade do Acórdão recorrido, que aqui, tempestivamente se vem arguir e deve ser declarada com todas as legais consequências, artºs 374, nº 1, al. d) e 379, nº 1, als. a) e d), ambos do C.P.P.

19ª - Por falta de fundamentação, ausência dos factos alegados em Contestação, erros e omissões, deve a Sentença recorrida ser declarada nula, por violação, entre outros, dos artºs 32, nºs 1 e 5, e 205, da C.R.P., e artº 97, nº 4, do C.P.P., já que o Tribunal fez errada interpretação das normas constantes do artº 97, nº 4, do C.P.P., interpretação essa violadora dos princípios constitucionais, o que aqui se invoca, também com o objectivo de dar cumprimento ao disposto no artº 72, da Lei do Tribunal Constitucional.

20ª - De referir que o Recorrente, prestou declarações em condições de saúde muito débeis, tendo mesmo durante a Primeira Sessão de Audiência de Discussão e Julgamento, tido necessidade de receber tratamento médico e Hospitalar (citº Ata da 1ª Sessão de Audiência de Discussão e Julgamento).

21ª - Apesar das suas débeis condições de saúde, o arguido prestou declarações, tendo confessado os factos e manifestado um sentimento sincero de arrependimento, que salvo o devido respeito, não foi devidamente valorado no Acórdão Recorrido, mormente na medida da pena, tendo o Tribunal recorrido optado por penas parcelares e única excessivas.

22ª – Os factos alegados pelo arguido na sua Contestação, com relevância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, foram omitidos na Sentença recorrida, não tendo relevado para a decisão, em prejuízo do Recorrente e seus direitos e garantias de defesa, porquanto, são suscetíveis de excluir/diminuir/mitigar a ilicitude da culpa.

23ª – A decisão recorrida padece ainda dos vícios constantes do artº 410 nº 2 do C.P.P., existindo uma clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e ainda erro notório na apreciação da prova, e tais vícios resultam do texto da decisão recorrida, conjugada com as regras da experiência comum, pois era de todo impossível a prática dos crimes, sem a colaboração de terceiros.

24ª – O Acórdão recorrido padece ainda do vício da insuficiência do Inquérito/Investigação. Pois não investigou convenientemente os factos, no que tange à eventual comparticipação dos restantes intervenientes, na constituição e desenvolvimento da actividade das Pessoas Colectivas e bem assim ao dolo específico e ardil necessário para o preenchimento do tipo.

25ª – Acresce que, não foi produzida prova bastante de que o Recorrente tenha agido “ab initio” com a intenção de enganar terceiros, causando prejuízo ilícito, nem prova de qualquer dolo ou “ardil” do arguido.

26ª - Pelo que, não está presente no caso concreto o dolo específico para a prática do crime de burla.

27ª – Assim, existe clara insuficiência na investigação dos factos, o que leva à nulidade da Decisão, que deve ser declarada com todas as legais consequências.

28ª – É de concluir pela existência de erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo Tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulado no artº 127 do C.P.P., este encontra no princípio “In dubio pro reo” o seu limite normativo.

29ª – São vícios que inquinam a decisão recorrida, que deve ser alterada, absolvendo-se o Recorrente, ou ordenando a repetição da Audiência de Discussão e Julgamento, quanto à totalidade do seu objecto (artºs 374; 379; 426 e 426-A, todos do C.P.P. e artº 205, da C.R.P.).

30ª - Com o mui devido respeito, entende o Recorrente, que mesmo a ser dada como assente a matéria fáctica, estamos “in casu” perante a figura do crime continuado e não como consta da decisão recorrida, concurso de crimes (28 crimes de burla qualificada).

31ª – Porquanto, existe uma Unificação Jurídica de um concurso efectivo de crimes que protegem o mesmo bem jurídico, fundada numa culpa diminuída. Estão presentes todos os pressupostos, isto é, a realização plúrima de violações típicas do mesmo bem jurídico; a execução essencialmente homogénea das violações e o quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a sua culpa.

32ª – Ora, no caso dos autos, estamos perante violações reiteradas do mesmo bem jurídico, de forma essencialmente homogénea, isto é, com similitude do “modus operandi”, no quadro da mesma solicitação exterior, espácio – temporalmente delimitadas, com a mesma resolução criminosa.

33ª - Segundo a nossa melhor Doutrina e Jurisprudência, citada na Motivação deste Recurso e aqui dada por integralmente reproduzida, para a distinção utiliza-se o critério de identidade do bem Jurídico protegido pelo tipo, neste caso concreto, os factos subsumem-se no tipo legal (burla qualificada), sendo o bem Jurídico protegido de natureza patrimonial.

34ª - Existindo, muito embora, a violação plúrima e repetida do mesmo tipo legal (artºs 217 e 218, do C.P.), a culpa está acentuadamente diminuída, sendo possível fazer um único juízo de censura.

35ª - A diminuição considerável da culpa do agente deve radicar em solicitações de uma mesma situação exterior que o arrastem para o crime, e não em razões de caráter endógeno.

36ª - Ora, tais circunstâncias exteriores estão presentes, no caso dos autos, desde logo, pela realização dos procedimentos e negociações “on-line”, para a contratação de Transportes, sem necessidade de reuniões presenciais, “rapidez”, “facilitismo” e “baixo custo” para a constituição de Pessoas Colectivas.

37ª - Acrescendo, a circunstância de através da primeira sociedade, se ter criado, uma certa relação de acordo entre os sujeitos intervenientes, pois, todos eles sabiam com quem estavam a contratar.

38ª - O Recorrente, através de uma única resolução criminosa, aproveita, sucessiva e reiteradamente, estas circunstâncias exógenas favoráveis com o objectivo de daí retirar algum proveito económico.

39ª - A circunstância de o agente depois de executar a resolução inicial que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa.

40ª - As resoluções concebidas e concretizadas pelo Recorrente estão entre si UMBILICALMENTE relacionadas, estão numa relação de continuidade e interdependência, inserem-se numa rotina de procedimentos facilitada pelo mesmo circunstancialismo externo.

41ª - Na nossa modesta opinião, podemos concluir que a execução de forma essencialmente homogénea supõe a similitude do mesmo “modus operandi”. Este nos autos, até foi considerado na decisão recorrida, ao entender que o Recorrente, planeou, organizou e executou sozinho a sua resolução criminosa.

42ª - Assim, deve proceder-se à alteração da qualificação jurídica dos factos, sendo o Recorrente condenado por um crime de burla qualificada, na forma continuada, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

DA MEDIDA DA PENA

Por mera cautela e sem prescindir, caso Vossas Excelências Excelentíssimos Senhores Conselheiros, assim não entendam, então impõe-se reduzir as penas concretas aplicadas pois as mesmas pecam por excessivas e ultrapassam a culpa do recorrente evidenciada na prática dos factos.

E, bem assim, reduzir a pena única aplicada, na medida de 10 (dez) anos de prisão, pois a mesma é excessiva e desproporcional à culpa evidenciada na prática dos factos.

43ª – O Recorrente foi condenado:

“(…) a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e em concurso real, de:

» 13 (treze) crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217.º. n.º 1. e

218.º. n.º 2, al. b), do Código Penal (Transportes Roças, Ginkgo, Transportes Centrais, Signicity, Transportes MEG, Transportes Manuel Mendes, PSST, DLB, A.A. Gouveia, Madeisobrosa, Totalplan, Jacunha, Visocarga), na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, por cada um;

» 10 (dez) crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217.º. n.º 1, e  218.º. n.º 2, al. b), do Código Penal (Globex, Transjanardo, Kapa, Mar e Ar, Teu Transitário, Transoliveira, Ranatrans, Transneiva, Euro Ariz, Horatotal), na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, por cada um;

» 2 (dois) crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217.º. n.º 1. e 218.º. n.º 2, al. a) e b), do Código Penal (World Brothers, Abreu Carga), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, por cada um;

» 2 (dois) crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217.º. n.º 1. e 218.º. n.º 2, al. a) e b), do Código Penal (J. Morais, SDV), na pena de 4 (quatro) anos de

prisão, por cada um;

» 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º. n.º 1. e 218.º.

n.º 2, al. a) e b), do Código Penal (Futurcargo), na pena de 5 (cinco) de prisão.

b) Convolar o crime de falsificação de documento que vinha imputado ao arguido AA num crime de falsas declarações, previsto e punido pelo art.º 348.º-A, nº 1, do Código Penal e condená-lo por tal crime na pena de 4 (quatro) meses de prisão.

c) Condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico das sobreditas penas, na pena única de 10 (dez) anos de prisão.

(…)”.

44ª - No modesto entender do recorrente, as penas parcelares aplicadas pecam por excessivas, e ultrapassam a culpa do recorrente evidenciada na prática dos factos, considerando as molduras legais abstractas.

45ª - A medida da pena deve ser fixada em função da culpa e exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor do agente (artºs 40, 71 e 72, todos do C.P.).

46ª - Dando por assente que as penas a aplicar necessariamente se mostram balizadas pela medida da culpa, e as molduras penais abstractas, entende-se, salvo o devido respeito, que as pena aplicadas pecam por excessivas e ultrapassam a medida da culpa.

47ª - O direito penal deve determinar o ponto de equilíbrio entre a medida da pena e a necessidade de prevenir futuros eventos criminosos, tanto pelo agente alvo da sanção, como por potenciais prevaricadores, nesta equação entram assim as considerações de prevenção geral e especial.

48ª - Como é consabido, a pena deve ter uma finalidade ressocializadora, e para a sua determinação, o tribunal deve ponderar a personalidade do agente, as condições da sua vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível, as circunstâncias em que o crime foi praticado, a média gravidade do mesmo; a inserção social e familiar; a natureza distinta dos crimes constantes do C.R.C.; a saúde precária e a sua idade avançada (nasceu em 10-10-1956), 63 anos; a confissão; a colaboração com a Justiça; o arrependimento; a evolução favorável da sua personalidade, que ocorreu durante a privação da sua liberdade e todas as demais atenuantes constantes do Relatório Social junto a fls.

49ª - Deve, especialmente ponderar-se as condições pessoais e familiares do recorrente, a sua integração profissional, a sua inserção social e familiar, as suas dificuldades económicas, o seu bom comportamento posterior aos factos ilícitos, o ter o apoio da família e amigos, para se reinserir com êxito, a Jurisprudência do STJ quanto a este tipo de crime que fixa penas próximas do mínimo da moldura legal, o ter bom comportamento posterior aos factos, o ser a primeira vez que foi privado da liberdade, os seus sérios e graves problemas de saúde, a sua confissão, o seu sincero arrependimento.

50ª - Assim, tudo ponderado, entende-se que pena não superior:

- 13 (treze) crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217.º. n.º 1. e 218.º. n.º 2, al. b), do Código Penal (Transportes Roças, Ginkgo, Transportes Centrais, Signicity, Transportes MEG, Transportes Manuel Mendes, PSST, DLB, A.A. Gouveia, Madeisobrosa, Totalplan, Jacunha, Visocarga), na pena de 2 (dois) anos de prisão, por cada um;

- 10 (dez) crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217.º. n.º 1. e 218.º. n.º 2, al. b), do Código Penal (Globex, Transjanardo, Kapa, Mar e Ar, Teu Transitário, Transoliveira, Ranatrans, Transneiva, Euro Ariz, Horatotal), na pena de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de prisão, por cada um;

- 2 (dois) crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217.º. n.º 1. e 218.º. n.º 2, al. a) e b), do Código Penal (World Brothers, Abreu Carga), na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, por cada um;

- 2 (dois) crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217.º. n.º 1. e 218.º. n.º 2, al. a) e b), do Código Penal (J. Morais, SDV), na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, por cada um;

- 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º. n.º 1. e 218.º. n.º 2, al. a) e b), do Código Penal (Futurcargo), na pena de 3 (três) anos de prisão;

- 1 (um) crime de falsas declarações, previsto e punido pelo art.º 348.º-A, nº 1, do Código Penal e condená-lo por tal crime na pena de 2 (dois) meses de prisão.

51ª – Quanto ao Cúmulo Jurídico e fixação da medida da pena única, o Acórdão recorrido é omisso de fundamentação, pecando esta por excesso.

52ª – O Acórdão recorrido, recorreu ao princípio da exasperação ou agravação, isto é, agravou a pena do concurso em atenção à pluralidade de crimes.

53ª – Para a fixação da pena única, não atendeu o Tribunal “a quo” à personalidade do Recorrente e à sua história pessoal, no momento em que está a ser julgado e condenado, por esses crimes.

54ª – Não atendeu essencialmente, à evolução favorável da sua personalidade que se concretizou na sua confissão, arrependimento que demonstram, que o mesmo já interiorizou o mal cometido (artº 77, nº 1, do C.P.).

55ª – Também não atendeu à sua idade avançada de 63 anos e saúde precária e o facto de ser a primeira vez que foi privado da liberdade.

56ª – É consabido, que a medida da pena do concurso no caso concreto é determinada dentro da moldura penal, de um mínimo de 5 anos de prisão e o máximo de 25 anos (limite máximo legal).

57ª – Não avaliou o Tribunal recorrido, a culpa e prevenção, relacionadas com a gravidade do ilícito global em conjugação com a personalidade unitária revelada pelo agente.

58ª – O Acórdão recorrido viola, salvo o devido respeito, o princípio da proibição da dupla valoração, que veda que sejam de novo apreciadas, em sede de medida concreta da pena, as circunstâncias tidas em conta para a determinação das penas parcelares.

59ª – Pelo que, há que procurar no conjunto dos factos, o esboço da gravidade do ilícito global praticado, para o qual é decisiva a avaliação da conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes.

60ª – Ao contrário do constante do Acórdão recorrido, fundamental na formação da pena única é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade do agente e a sua evolução.

61ª – Deve, ainda, proceder-se à apreciação da personalidade do Recorrente, estando no caso concreto, perante uma mera pluriocasionalidade, que não radica na personalidade do arguido.

62ª – Não atentou o Acórdão recorrido, nas condicionantes económicas e sociais que o arguido viveu à data da prática dos factos e que se encontram afastadas, pois o mesmo tem 63 anos de idade e saúde precária, mas tem o apoio da família e amigos, essencial para a sua socialização.

63ª – A pena única de 10 (dez) anos de prisão é excessiva, desadequada e desproporcional à situação em análise, tanto mais que se trata de um cidadão com 63 anos de idade, que é pela primeira vez privado da liberdade, e o bem jurídico protegido no crime de Burla é de natureza patrimonial.

64ª – Tudo ponderado, em Cúmulo Jurídico, pena única não superior a 7 (sete) anos de prisão, é mais adequada à culpa e às exigências de prevenção, quer geral, quer especial, sendo ainda suficiente para se atingir os fins insertos nas normas incriminadoras, contribuindo para a plena ressocialização do Recorrente.

65ª – A decisão recorrida, para além de outras normas e princípios, violou os artºs 312; 313; 332; 119; 120; 355; 374; 379; 127; 163; 272; 410 nº 2, todos do C.P.P., violou os artºs 14; 40 nº 2; 43; 50; 55; 57; 58; 71; 77; 72, todos do C.P., violou também, os princípios In dubio pro reo, e a presunção de inocência do arguido (artº 32 nº 2 da C.R.P.), com a interpretação dada ao artº 97 nº 4 do C.P.P., violou os princípios consignados no artº 32, nº 1, e 5; artº 20 e artº 205 da C.R.P., violação que aqui se invoca, também com o objetivo de dar cumprimento ao disposto no artº 72 da Lei do Tribunal Constitucional.

(…) julgando o presente Recurso procedente, nos termos em que se defende, e, em consequência, anular-se ou revogar-se ou alterar-se o douto Acórdão recorrido, (…)”.


§1.(a).ii). – DO RECORRIDO (MINISTÉRIO PÚBLICO).

“I. Não podem ser reconduzidos a uma única resolução criminosa os casos de reiteração de actos de burla ditados por razões endógenas à volição do agente, que propositadamente cria as condições para a sua execução nas diversas circunstâncias de tempo e lugar em que os factos ocorreram

II. A gravidade, objectiva e subjectiva, dos ilícitos praticados é elevada, acrescendo a relação de concurso entre eles, pelo que a pena unitária imposta é ajustada à culpa do arguido AA, ora recorrente, e satisfaz as necessidades de prevenção que o caso requer

III. O acórdão recorrido, confirmando a condenação em 1ª Instância, não enferma de qualquer insuficiência, contradição ou erro na apreciação da prova e fez correcta apreciação dos factos e interpretação do direito

IV. Pelo que deve ser mantido.”


§1.(a).iii). - PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Por acórdão da 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, prolatado em … de Abril de 2020, foram confirmadas in tottum as penas que ao arguido AA, haviam sido aplicadas no acórdão de … de Novembro de 2019, proferido pelo Juízo Central Criminal … -J1-Tribunal da comarca …, pela prática, em autoria material e em concurso real, de:

– Treze crimes de burla qualificada, p. p. pelos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. b), do Código Penal (Transportes Roças, Ginkgo, Transportes Centrais, Signicity, Transportes MEG, Transportes Manuel Mendes, PSST, DLB, A.A. Gouveia, Madeisobrosa, Totalplan, Jacunha, Visocarga), na pena de dois anos e quatro meses de prisão, por cada um;

– Dez crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º. n.º 1. e 218.º. n.º 2, al. b), do Código Penal (Globex, Transjanardo, Kapa, Mar e Ar, Teu Transitário, Transoliveira, Ranatrans, Transneiva, Euro Ariz, Horatotal), na pena de dois anos e oito meses de prisão, por cada um;

– Dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º. n.º 1. e 218.º. n.º 2, al. a) e b), do Código Penal (World Brothers, Abreu Carga), na pena de três anos e quatro meses de prisão, por cada um;

– Dois crimes de burla qualificada, p e p. pelos artigos 217.º. n.º 1. e 218.º. n.º 2, al. a) e b), do Código Penal (J. Morais, SDV), na pena de quatro anos de prisão, por cada um; e, – Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º. n.º 1. e 218.º.

n.º 2, al. a) e b), do Código Penal (Futurcargo), na pena de cinco anos de prisão.

- Um crime de falsas declarações, p. e p. pelo art.º 348.º-A, nº 1, do Código Penal na pena de 4 (quatro) meses de prisão.

2. Inconformado, com a improcedência (total do seu recurso) traz o arguido da decisão, recurso ao Supremo Tribunal de Justiça, concluindo nos termos que melhor se colhem da leitura das mesmas.

3. Por seu turno o MP junto da 2ª instância veio responder elencando o conjunto de questões suscitadas na revista, da seguinte forma:

• Inconstitucionalidade da rejeição do recurso quanto à matéria de facto;

• Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia;

• Errada qualificação jurídico-penal dos factos, que entende integrarem crime continuado e deverem ser punidos com pena não superior a 6 anos de prisão

• Ser excessiva a pena unitária imposta, que entende não dever exceder 7 anos de prisão.

Conforme resulta da peça em referência, nela procedeu-se a cabal refutação das mesmas, concluindo-se, em conformidade, nos termos do ponto IV das conclusões formuladas, pela improcedência total do recurso.

4. - 4.1. -Da Inconstitucionalidade da rejeição do recurso sobre a matéria de facto-

Da leitura das conclusões verifica-se que o recorrente começa por afirmar - sob 7 - a inconstitucionalidade da interpretação «acolhida no Tribunal recorrido, da norma do art.º 412º, n º 3, do CPP, por violadora do art.º 32º, n º 1 e do Direito de Acesso à Justiça e aos Tribunais, art.º º 20, n º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa». Subsequentemente, sob 10, exarou:

10ª – Aqui se vem expressamente arguir a inconstitucionalidade dos art.º s 412, nº 3 e 420, do C.P.P., na dimensão interpretativa do Acórdão recorrido, que rejeitou o Recurso da matéria de facto, sem o Recorrente ter sido previamente convidado a efetuar a correção ou aperfeiçoamento.

Reiterando-se sob a conclusão 11, a ocorrência de tal inconstitucionalidade.

4.1.2. - A questão do «convite ao aperfeiçoamento» das conclusões encontra-se, hoje bem sedimentada, quer no plano jurisprudencial (Tribunal Constitucional/Supremo Tribunal de Justiça), quer de iure constituto - cf. n º s 3 e 4 do artigo 417º (Exame preliminar) do CPP-. O limite inultrapassável do âmbito da correcção, complemento ou aperfeiçoamento, admitido, consiste na impossibilidade de alterar os termos da motivação, sendo certo que, não se pode concluir, sobre aquilo que não se motivou. A ratio de tal limite é também, sobejamente conhecida: A inexistência de tal limite poria em causa o carácter peremptório do prazo legalmente previsto para a interposição do recurso.

Aqui chegados e como resulta com meridiana clareza do acórdão sub judicio a razão pela qual o relator não podia formular convite para completar as conclusões, radica no facto de na motivação, o recorrente, ensaiando impugnar a decisão sobre a matéria de facto matéria de facto- ut CPP 413º, n º s 3 e 4 - tê-lo feito com evidente impropriedade processual e terminológica, colocando a impugnação, sob a égide para «além da prova que indica, o princípio “in dubio pro reo”, os três vícios a que aludem as várias alíneas do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal e ainda o por si denominado “vício da insuficiência do inquérito/investigação”, tudo nos moldes que constam da motivação que, no essencial, vem vertida nas correspondentes conclusões» - da fundamentação». Sic, do acórdão.

Ou seja, o recorrente, quer nas conclusões quer na motivação, confundiu a impugnação pela verificação de erros da decisão/erro- vício, que indica, desde logo nesta sede, misturando-a a revista ampliada com mecanismos próprios da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, a qual, visa a alteração da matéria de facto, em caso de existência de erro de julgamento. Nesta base, o convite ao aperfeiçoamento das conclusões, não poderia ter lugar, atento o disposto no n º 4, do artigo 417º do CPP.

Daí que, a pretensa dimensão normativa, que teria sido aplicada, na verdade não o foi, e se o recorrente não demonstrou aperceber-se, adequadamente da diferença entre erro-vício e error in judicandi, amalgamando as duas figuras, sibi imputet!

4.2. -DA NULIDADE DO ACÓRDÃO POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA-

4.2.1. - O recorrente, vem arguir, de novo, a nulidade da sentença, conquanto na peça não se teriam considerado os factos por si alegados na contestação, implicando, ao que diz, falta de fundamentação e omissão de pronúncia, o que configuraria a verificação das causas de nulidade previstas no artigo 379º, nº 1, alíneas a) e c), por referência ao artigo 374º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal. Ora, como se sabe, a obrigação do tribunal emitir pronúncia (efectuando uma indicação sumária sobre os factos alegados na contestação), expressamente consagrada na alínea d), do n º 1, do artigo 374º (requisitos da sentença) do CPP, está concatenada, em primeira linha, com o artigo 378º do CPP (Questão da culpabilidade), e implica que o tribunal tenha que ter em conta, maxime os factos alegados na contestação, mas tão só e apenas, quando relevantes para a decisão de meritis.

Por outro lado, assaca-se á decisão um deficiente cumprimento do requisito plasmado no n º 2, alínea b), do artigo 374º do CPP (originando a invocada nulidade da sentença, prevista no art.º 379º, n º 1, a), aplicável ex vi artigo 425º, n º 4, ambos do CPP).

Cabe aqui, sob a temática das exigências de fundamentação de acórdão dos tribunais superiores, chamar à colação inter alia na jurisprudência deste Tribunal, o acórdão de 21.02.2007, proc. 06P3932, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes, de que se passam a transcrever os pontos II e III do respectivo sumário: “II - Contudo, as exigências de fundamentação da sentença, prescritas no art.º 374, n º 2, do CPP, não são directamente aplicáveis aos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, por via de recurso, mas tão só por via de aplicação correspondente do art.º 379º, ex vi 425º, n º 4, do mesmo diploma legal, razão pela qual aquelas decisões não são elaboradas nos precisos termos previstos para as sentenças proferidas em 1ª instância (o que bem se percebe, visto que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação do objecto do processo. III - Com efeito, os recursos não têm por finalidade a prolação de uma segunda ou nova decisão. Antes e só a sindicação da já proferida. Por isso, o tribunal de recurso está apenas obrigado a sindicar a decisão recorrida, verificando, grosso modo, se a prova foi legal e correctamente valorada e apreciada, (caso lhe tenha sido pedido e caiba nos seus poderes de cognição o reexame da matéria de facto) e se o direito foi bem aplicado; e caso entenda que a valoração e apreciação da prova se mostram correctas e que o direito foi bem aplicado, pode limitar-se a explicitar as razões pelas quais adere aos juízos de facto e de direito formulados pelo tribunal recorrido, ou seja, à decisão sob recurso”.

A simples leitura do que no acórdão em análise se consignou sobre esta matéria, autoriza a conclusão de que a Relação explicitou por forma clara, inteligível e até para além da suficiência, as razões pelas quais, seja no atinente à consideração dos factos relevantes da contestação seja quanto à fundamentação e exame crítico das provas que serviram de alicerce à condenação, se mostrou em concordância com o decidido na 1ª instância, pelo que nenhum juízo crítico se justifica.

4.3. -DO CRIME CONTINUADO-

4.3.1. - O recorrente continua “`a outrance” a insistir na peregrina tese de que os factos provados integram um crime de burla qualificada, praticado sob a forma continuada. Depois do que bem se fundamentou, desde logo na motivação de direito, no acórdão do Juízo Central Criminal …/J1, no acórdão recorrido, do Tribunal da Relação do Porto e bem assim em sede de parecer e resposta do MP na 2ª instância, pouco haverá a dizer sobre a questão.

Ainda assim, logo se alcança da matéria de facto assente que inexiste qualquer factualidade nela vertida, que permita considerar, que não estamos, como vem decidido pelas instâncias, perante a prática de vinte e oito (28) crimes de burla qualificada (só estes, naturalmente, estão aqui em causa), praticados em concurso real e como tal devendo ser, como foram sancionados. Nenhum dos critérios, doutrinais e jurisprudenciais, que densificando o n º 2 do artigo 30º do Código Penal, se têm considerado como, uma vez verificados, indicativos, de se poder considerar estarmos perante a ficção legal que é o crime continuado, permitem concluir, in casu que as condutas do recorrente qualificadas como crimes de burla agravada, se podem ter como praticadas sob a forma continuada. Como é consabido, o n º 2 do artigo 30º, do Código Penal dá-nos o conceito de crime continuado:

“2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crimes ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma solicitação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente”.

No caso vertente é patente que o recorrente, ao longo de um período de cerca de oito anos, foi reiterando as condutas típicas pelas quais vem condenado, ainda que o tenha feito de forma essencialmente homogénea e contra o mesmo bem jurídico, prosseguindo na sua senda criminosa, procurando activamente novas oportunidades, que não se lhe depararam antes criou, renovando os seus procedimentos dirigidos ao convencimento das empresas ofendidas, traduz, ao invés da ratio essendi da continuação criminosa um progressivo agravamento da sua responsabilidade criminal. Estamos assim e sem necessidade de mais considerações das que se mostram tecidas nas peças suprarreferidas, perante um claro exemplo de crimes de burla qualificados, que se mostram em concurso efectivo, real heterogéneo, implicando um plúrimo juízo de censura a título de dolo.

5. - DA MEDIDA DAS PENAS PARCELARES E ÚNICA-

5.1. - Como bem refere o MP na 2ª instância, na sua resposta, é claro que a pretensão de inscrever no objecto do recurso, o reexame do quantum das penas parcelares confirmadas pelo Tribunal da Relação do Porto - dupla conforme perfeita - não é consentida pela alínea d), do n º 1 do artigo 400º, (sendo que a maior é de cinco anos de prisão) como resulta do inciso citado e vem sendo reafirmado una vox pela jurisprudência deste Tribunal. Daí que, tal segmento do recurso haverá que ser rejeitado - ut CPP 420º, n º1, alínea b).

5.2. - A moldura penal abstracta do concurso, vai de cinco a 25 anos de prisão, por aplicação ao limite máximo do preceituado no artigo 77º, n º 2, do Código Penal. Tendo a pena única aplicada, 10 anos de prisão, sido já objecto de análise no acórdão recorrido, o que estará em causa será a verificação da conformidade das operações para a sua determinação, com o critério geral de determinação da medida da pena e o com o critério especial, inerente à pena conjunta, considerando-se, ao demais, a imagem global do facto e a personalidade do agente.

Não vemos que tais critérios legais não tenham sido seguidos nas operações de determinação da pena única, a qual, considerando desde logo o longo período em que a actividade do recorrente se espraiou e os proventos muito avultados com que se locupletou, não se nos afigura, por qualquer forma ofensiva dos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação.

Somos assim de parecer que o recurso no segmento atinente à determinação das penas parcelares, deve nos termos dos artigos 400º, n º1, alínea d) e 420º, n º 1, alínea b), do Código do Processo Penal ser rejeitado, confirmando-se o acórdão recorrido.”


§1.(b). - QUESTÕES PERTINENTES PARA A SOLUÇÃO DA PRETENSÃO RECURSIVA.

Cotejando os temas aportados para as conclusões de recurso (para este Supremo Tribunal de Justiça) com aqueloutras que sustentaram o recurso para o Tribunal da Relação, apenas o tema da rejeição do recurso, por uma pretensa tolhiça organização da estrutura conclusiva para o fim pretendido – impugnação de concretos pontos da matéria de facto que indicou (cfr. conclusões 16ª a 21ª) – não figura no acervo conclusivo alinhado daquele recurso. Na verdade, o recorrente tinha suscitado as homólogas e simétricas questões nas conclusões que alinhou no recurso para a Relação e obtiveram a sequente enunciação (sic): “1 – se o inquérito está ferido de nulidade por não ter sido interrogado sobre todos os crimes imputados;

2 – se o acórdão padece de nulidade por omissão de pronúncia relativamente a factos invocados na contestação;

3 – se “in casu” estamos perante a figura do crime continuado e não, como consta da decisão recorrida, mediante o concurso de vinte e oito crimes de burla qualificada;

4 – se as penas aplicadas, parcelares e única, são excessivas e ultrapassam a culpa do recorrente evidenciada na prática dos factos, impondo-se a sua redução.”

O tribunal recorrido devassou, pronunciando-se, de forma a posta e detalhada, sobre as questões com que o recorrente pretendia entrevecer a compostura da decisão recorrida. Estas questões, obtida que foi a sua apreciação (confirmatória e complana com a decisão recorrida) devem (deveriam) estar cobertas pela dupla conforme – cfr. artigo 671º, nº 3 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4º do Código de Processo Penal – pelas razões que infra serão mais estendidas.

Até lá deixam-se enunciadas as questões que se mostram solventes para solução da pretensão recursiva empreitada pelo recorrente.     

Assim, são questões pertinentes para a solução do recurso e entretecidas nas conclusões, as que a seguir se fixam:

1). – Rejeição do recurso na parte em que o recorrente se propôs impugnar a factualidade adquirida pelo tribunal de primeira (1ª) instância;

 2) – Inconstitucionalidade das normas que o consentem – artigos 412º, nº 3 e 420º, ambos do Código de Processo Penal;

3) – Insuficiência do inquérito;

4). – Vícios da decisão recorrida: insuficiência da matéria de facto para a decisão; contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão; e erro notório na apreciação da prova – artigo 410º, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal;

5). – Nulidade do acórdão – por referência à decisão de primeira (1ª) instância, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação – não inclusão da matéria oposta na contestação, apesar de sobre a mesma ter sido produzida prova (artigos 379º, nº 1, als. c) e d) ex vi do artigo 374º, nº 2 ambos do C.P.P.;


6). – Verificação dos pressupostos/requisitos jurídico-materiais supostos na figura consagrada no artigo 30º do Código Penal (Crime continuado);

7). – Exasperada e errónea aquilatação dos parâmetros de atribuição das penas parcelares e da pena única.      


§2. – FUNDAMENTAÇÃO.

§2.(a). DE FACTO.

Impugnada a decisão de facto para o tribunal de segunda (2ª) instância, capitulou, pelo que não se antolhando (nesta decisão) nenhum dos vícios elencados nas alíneas do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, a factualidade subsistente para a decisão a proferir é aquela que o tribunal recorrido deixou fixada. 

A. Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir:

1.º O arguido AA, desde pelo menos o ano de 1996, atuou como intermediário em serviços de transportes, contratando diretamente sociedades de transitários/transportes portuguesas para realizarem tais serviços, maioritariamente com deslocações entre Portugal, Espanha e França, a solicitação dos seus clientes, as sociedades exportadoras beneficiárias dos mesmos.

2º O arguido AA foi julgado e condenado, em abril de 2015, no âmbito do processo n.º 7/98.6…, ao qual foram apensados os processos números 6/98.8…, 5/98.0…, 8/98.4…, 9/98.2…, pela prática de quatro crimes de emissão de cheque sem provisão, cometidos no ano de 1996, cheques aqueles que o arguido entregou a uma empresa de transportes de carga para pagamento de serviços que aquela lhe prestou a si ou a pessoa por si representada.

3º Nos autos referidos em 2º, atuou como mandatário do arguido AA, o arguido BB.

4º O arguido AA foi declarado contumaz nos autos n.º 7/98.6… em 15.01.1999, e nos demais autos àquele apensados, descritos em 2º, em 21.12.1998. Em todos aqueles processos foi declarada cessada a contumácia em 08.07.2013.

5º O arguido AA foi acusado no processo comum singular n.º 545/11.7… por factos semelhantes aos descritos nestes autos, onde atuou alegadamente dissimulado sob a denominação das sociedades Prismamix -Organização de Transportes Unipessoal, Símbolo Latino, Lda., e Verticessoma, Lda.

6º O arguido AA, pelo menos desde 1996, conhecia o mercado de transportes internacionais e nacionais, designadamente as características das sociedades de transportes/transitários portuguesas, o seu número, o modo de contratação e a inexistência de contacto entre o prestador do serviço e a sociedade exportadora beneficiária do mesmo, o preço médio dos serviços e bem assim o modo de pagamento.

7º O arguido AA tinha conhecimento que as sociedades de transportes/transitários atuavam mediante contratação telefónica ou por correio eletrónico, desconhecendo cabalmente quer as sociedades que as contratam quer as pessoas físicas que as encabeçam.

8º O arguido AA tinha também conhecimento que o pagamento dos serviços de transporte se executa habitualmente de modo diferido no tempo.

9º Valendo-se de toda esta experiência, o arguido AA engendrou um plano para, como único modo de seu sustento, dissimulado por detrás de diferentes denominações de sociedades comerciais que constituiu para o efeito, ludibriar inúmeras sociedades de transportes/transitários, levando-as a prestar serviços que não teve qualquer intenção de pagar, apropriando-se do dinheiro a ele entregue como pagamento do serviço executado e gastando-o a seu belo prazer.

10º Na execução de tal plano, o arguido AA, desde data não concretamente apurada do ano de 2011, atuando sob diferentes identidades, constituiu e encerrou inúmeras sociedades comerciais, todas com o objeto social de “organização de transportes de mercadorias” e/ou “prestação de serviços de logística e de transporte”, usando como sede daquelas endereços de correio através da contratação de prestação de serviços de domiciliação empresarial, despindo-as de qualquer constituição material, deixando as suas vítimas desprovidas de qualquer meio de lhe seguirem o rasto.

11º Entre o ano de 2009 e o ano de 2018, o arguido AA constituiu e exerceu a gerência das sociedades Carfecardo, Lda., Comfort Express, Lda., Mundo Submerso Organização de Transportes Unipessoal, Lda., Prismanix Unipessoal, Lda., Verticessoma Unipessoal Lda., Carlotir, Lda., Adiciona Léguas Unipessoal, Lda., Augusta Coelho Ferreira & Ferreira Lda., Augusta Coelho – Logística Unipessoal, Lda., Ramada Tir, Lda., Divitir - Logística, Lda., Léguas Instantâneas, Lda., Manobras Espontâneas, Lda., Cedilha Matinal, Lda., Hábil Cedilha Unipessoal, Lda., Jumporplex Unipessoal, Lda., e Caudal Semanal Unipessoal, Lda.

12º Por forma a disfarçar a sua atuação o arguido AA angariou mulheres através de anúncios de cariz amoroso, como o fez com CC, DD, EE, FF, GG, HH e II, que usou ficticiamente como sócias das aludidas sociedades.

13º Outrossim, socorreu-se do auxílio do arguido BB que, para além de redigir e preparar documentação de pactos sociais e procurações para cedência de plenos poderes de gerência e transmissão de quotas ao arguido AA e registo de tais atos, angariou terceiros, de entre o seu rol de amigos, para o mesmo efeito referido em 12º, ou seja, para figurarem, juntamente com o arguido AA, como sócios de empresas geridas por este.

14º ::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

15º Sob a aparência de tais sociedades de intermediação de transportes, e para tornar as suas propostas apelativas junto dos que se identificarão infra, o arguido AA, por um lado negociou e combinou com as sociedades de transportes/transitários preços que sabia serem superiores aos da média no mercado, tornando assim as suas propostas competitivas e irrecusáveis e, por outro, aceitou receber dos seus clientes, as sociedades exportadoras e beneficiadoras do serviço de transporte, preço inferior à média do mercado.

16º Desta forma, certo que inexistia qualquer contacto entre as empresas transportadoras e os clientes finais, contacto esse que foi assegurado, in casu, somente através do arguido AA, ou por funcionários deste, garantiu que o transporte fosse efetuado e que recebia o seu preço, não entregando qualquer valor à empresa de transportes/transitários prestadora do efetivo serviço.

17º Por vezes, quando pretendia relações comerciais mais duradouras, o arguido AA liquidava os primeiros serviços que solicitava às sociedades transportadoras/transitárias, criando nestas a confiança necessária para continuarem a prestar serviços de transporte a solicitação daquele.

18º Após, e usufruindo de tal clima de segurança contratual, solicitou outros serviços que invariavelmente não liquidou, justificando o não pagamento com declarações falsas sobre o seu estado físico, inventando doenças, operações ou internamentos, para deste modo assegurar a continuação da prestação de serviços, protelar o seu pagamento e aumentar o seu enriquecimento, bem como o correspondente prejuízo dos transportadores/transitários.

19º Finda a realização dos serviços de transporte, o arguido AA desativava os contactos telefónicos, fechava, dissolvia ou requeria a insolvência das sociedades, não deixando qualquer rasto da sua existência.

20º Ficaram assim as sociedades de transportes/transitários prejudicadas pelo valor do transporte que efetuaram e que não receberam, enriquecendo o arguido ilicitamente à custa do prejuízo destes.

21º Através da execução do esquema criminoso supra exposto, desde 2011 a 2018, ludibriou as sociedades de transportes/transitárias WORLDBROTHERS, Representações, Consultadoria e Trânsitos, Lda., J. MORAIS, Lda., KAPA – Transitários, Lda., PSST - Transportes Unipessoal, Lda., EURO-ARIZ, Transportes Unipessoal, Lda., GLOBEX - Transportes e Trânsitos, Lda., Transportes Roças, Lda., FUTURCARGO Transitários, Lda., SDV Portugal Transitários, Lda., Mar e Ar Transitários, Lda., TRANSJANARDO Transporte, Lda., GINKGO Unipessoal, Lda., Transportes Centrais, Lda., Abreu Carga e Trânsitos, Lda., TEU Transitário, Lda., SIGNICITY Transportes Unipessoal. Lda., Transportes MEG, Lda., TRANSOLIVEIRA, Lda., RANATRANS, S.A., Transportes Manuel Mendes, Lda., TRANSNEIVA Sociedade de Transportes, Lda., DLB Transportes, Lda., MADEISOBROSA, Lda., A. A. Gouveia Unipessoal, Lda., HORATOTAL Transportes, Lda., TOTALPLAN, Lda., JACUNHA Equipamentos e Logística, Lda., e VISOCARGA, Lda.

22º Assim o fez o arguido AA, dissimulado pelas sociedades Mundo Submerso Organização de Transportes Unipessoal, Lda., Léguas Convergentes, Unipessoal, Lda., Carlotir, Lda., Ramada Tir, Lda., Augusta Coelho – Logística Unipessoal, Lda., Augusta Coelho Ferreira & Ferreira, Lda., Divitir – Logística, Lda., Léguas Instantâneas, Lda., Manobras Espontâneas, Lda., e Caudal Semanal Unipessoal, Lda., estabelecendo relações comerciais onde jamais se identificou como “AA”, usando, ao invés, nomes falsos ou outros seus nomes e obrigando os seus funcionários a fazerem o mesmo, beneficiando de um mercado com enorme número de operadores, onde os contratantes não têm rosto visível, deixando várias sociedades comerciais em dificuldades económicas.

CONCRETIZAÇÃO DO PLANO DELINEADO

I - Atuando através da sociedade Mundo Submerso – Organização de Transportes Unipessoal, Lda.

23º O arguido AA, após ter exercido a sua atividade profissional através das sociedades “Carfecargo”, “Prismamix” e “Comfort Express”, convenceu a sua então companheira, CC, e o seu então vizinho, JJ, a figurarem como sócios numa nova empresa que o mesmo iria constituir, prometendo a este último uma contrapartida não concretamente apurada por tal “favor”.

24º Foi deste modo que o arguido AA constituiu a sociedade Mundo Submerso – Organização de Transportes Unipessoal, Lda., com o NIPC 50….77, com sede fictícia na Avenida …, nº 71, 4º, sala …, …, e declarou o início da sua atividade em 29.12.2009, tendo ficado a constar do seu pacto social como sócios CC e JJ, sem que estes alguma vez tivessem tido qualquer intervenção no rumo da aludida sociedade.

25º Assim o fez, determinado a levar o seu plano criminoso a bom porto, usando o seu conhecimento do modo de contratação do mercado de transportes, confundindo e dissimulando o seu modo de atuação a coberto da “nova sociedade”, omitindo a sua identidade e qualidade de gerente.

26º A) J. Morais, Lda.

Na execução do seu plano, o arguido AA, apresentando-se como JJ, gerente da sociedade Mundo Submerso, no período compreendido entre 20.09.2011 e 27.12.2011, contratou, através de contacto telefónico e por correio eletrónico, com a sociedade J. Morais vários serviços de transporte internacional entre Itália e Portugal, que propôs pagar a preço dentro do habitual no mercado, serviços estes que esta realizou.

27º Tal sociedade, que já tinha sido vítima de igual esquema criminoso perpetrado pelo arguido AA através da atuação da sociedade

“Comfort Express”, aceitou prestar os serviços de transporte para a sociedade Mundo Submerso.

28º :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

29º A sociedade J. Morais prestou os serviços de transporte solicitados pelo arguido AA sem deste receber qualquer importância como contrapartida, apropriando-se o arguido de todos os montantes que lhe foram pagos pela execução de tais serviços pelos seus clientes exportadores.

30º O arguido AA nunca teve qualquer intenção de pagar tais serviços à sociedade J. Morais, já que aceitou receber um preço dos seus clientes inferior àquele que aceitou pagar à sociedade J. Morais.

31º Estão assim por liquidar pela sociedade Mundo Submerso, até à presente data, os serviços de transportes descriminados nas faturas:

» 22…83/2011, datada de 20.09.2011, relativa ao transporte de uma mercadoria de Arzano para …, no montante de €3.321,00;

» 22…29/2011, datada de 26.09.2011, relativa ao transporte de uma mercadoria de Arzano para …, no montante de €3.321,00;

» 22…36/2011, datada de 26.09.2011, relativa ao transporte de uma mercadoria de Potenza para …, no montante de €3.321,00;

» 22…38/2011, datada de 26.09.2011, relativa ao transporte de uma mercadoria de Desselgem para …, no montante de €2.521,50;

» 22…57/2011, datada de 07.10.2011, relativa ao transporte de uma mercadoria de Arzano para …, no montante de €3.321,00;

» 222272/2011, datada de 11.10.2011, relativa ao transporte de uma mercadoria de Arzano para Lousã, no montante de €3.321,00;

» 22…73/2011, datada de 11.10.2011, relativa ao transporte de uma mercadoria de Arzano para …, no montante de €3.321,00;

» 22…04/2011, datada de 17.10.2011, relativa ao transporte de uma mercadoria de Arzano para …, no montante de €3.321,00;

» 22…05/2011, datada de 17.10.2011, relativa ao transporte de uma mercadoria de Arzano para …, no montante de €3.321,00;

» 222322/2011, datada de 18.10.2011, relativa ao transporte de uma mercadoria de Arzano para Lousã, no montante de €3.321,00;

» 22…57/2011, datada de 21.10.2011, relativa ao transporte de uma mercadoria de Arzano para …, no montante de €3.321,00;

» 22…59/2011, datada de 24.10.2011, relativa ao transporte de uma mercadoria de Arzano para …, no montante de €3.321,00;

» 22…60/2011, datada de 24.10.2011, relativa ao transporte de uma mercadoria de Arzano para …, no montante de €3.321,00;

» 22…17/2011, datada de 31.10.2011, relativa ao transporte de uma mercadoria de Arzano para …, no montante de €3.321,00;

» 22…18/2011, datada de 31.10.2011, relativa ao transporte de uma mercadoria de Collodi para …, no montante de €3.321,00.

32º A sociedade J. Morais apenas efetuou aqueles transportes porque estava convencida de que a sociedade Mundo Submerso era uma sociedade nova no mercado, com objetivos de nele se posicionar e angariar uma carteira de clientes, nunca desconfiando que tal sociedade fazia parte de um vasto conjunto de sociedades geridas pela mesma pessoa e integrada num esquema criminoso complexo, ficando assim prejudicada no montante global dos serviços prestado no valor de €49.015,00.

33º B) GLOBEX - Transportes e Trânsitos, Lda.

Na sequência do plano engendrado pelo arguido AA, este, apresentando-se como JJ, atuando através de meios telefónicos ou por correio eletrónico por forma a não revelar a sua verdadeira identidade e a sua relação com outras sociedades por si anteriormente geridas, em data não concretamente apurada, mas situada entre os meses de setembro e outubro de 2011, contratou com a sociedade GLOBEX - Transportes e Trânsitos, Lda., a prestação de serviços de transportes nacionais e internacionais.

34º Mais contratou com tal sociedade que o pagamento dos serviços prestados seria pago a 30 dias, ou seja, no prazo de 30 dias após a sua concretização.

35º A sociedade Globex - Transportes e Trânsitos, Lda., atentos os preços propostos como pagamento dos serviços, os quais se revelavam acima dos habituais no mercado, iniciou a prestação dos serviços, tendo efetuando quatro transportes entre os dias 29 de setembro e 9 de outubro de 2011, conforme faturas que infra se descriminam:

» fatura n.º 2011.1.27…24, no montante de €1.291,50, vencida em 29.09.2011; » fatura n.º 2011.1.27…2, no montante de €1.291,50, vencida em 01.10.2011; » fatura n.º 2011.1.27…2, no montante de €3.690,00, vencida em 08.10.2011; » fatura n.º 2011.1.27…6, no montante de €2.398,50, vencida em 09.10.2011.

36º Findos os serviços contratados, o arguido não os liquidou, como era sua intenção desde o momento da sua contratação, ficando a sociedade Globex -Transportes e Trânsitos, Lda. prejudicada num montante global de €8.671,50 (cfr. fls. 2794 a 2802 e fls. 7 a 10 do Apenso E).

37º Após a execução de tais transportes, os contactos da sociedade Mundo Submerso foram desativados e na morada correspondente à sua alegada sede não existia qualquer escritório, resquício de atividade ou aviso.

38º A sociedade Mundo Submerso foi declarada insolvente em 29.10.2012, no … Juízo de …, no âmbito do Processo n.º 277/12.9….

39º Entretanto, em 20 de novembro de 2012, o arguido AA constituiu a sociedade VERTICESSOMA – Unipessoal, Lda., para tanto usando o nome de DD, cidadã brasileira com quem residiu naquela altura, a qual passou a figurar como sócia gerente, sem que, no entanto, alguma vez tivesse tomado qualquer decisão na vida comercial de tal sociedade.

40º Em 6 de dezembro de 2013, o arguido AA dissolveu a sociedade VERTICESSOMA, sendo que, por deliberação de 31 de outubro de 2013, já havia constituído a sociedade Léguas Convergentes Unipessoal, Lda.

*

II - Atuando através da sociedade Léguas Convergentes Unipessoal, Lda. 41º

O arguido AA constituiu a sociedade Léguas Convergentes Unipessoal, Lda., em 31.10.2013, sociedade que operou com o NIPC 51…05, com sede fictícia na Praça …, 2º andar, salas 5 e 6, …, tendo ficado a constar do pacto social o próprio arguido AA como gerente.

42º A) Transportes Roças, Lda.

Na execução do plano supra melhor descrito, o arguido AA, omitindo a sua identidade como legal representante e gerente da sociedade Léguas Convergentes Unipessoal, Lda., em data não concretamente apurada, mas próxima de janeiro de 2014, contratou com a sociedade Transportes Roças, Lda., através de contacto que impossibilitou esta de a relacionar com as anteriores sociedades.

43º Nesta sequência, pela sociedade Transportes Roças, Lda., foram efetuados e faturados os seguintes serviços de transporte:

» fatura n.º 1 1400/0000…3, datada de 12.02.2014, correspondente ao transporte efetuado em 12.02.2014 de … para Itália, no valor de €3.690,00;

» fatura n.º 1 1400/0000…7, datada de 17.01.2014, correspondente ao transporte efetuado em 13.02.2014, de … para Espanha, no valor de €1.414,50.

Num montante global de €5.104,50 (cfr. fls. 1168 e 1669).

44º Após a realização de tais serviços, a sociedade Léguas Convergentes Unipessoal, Lda., desativou todos os seus contactos.

45º Os supra descriminados serviços de transporte, efetuados pela sociedade Transportes Roças, Lda., pagos ao arguido AA pelas sociedades que os requisitaram, não foram pagos por este a quem efetivamente prestou o serviço.

46º O arguido AA nunca teve intenção de pagar tais serviços à sociedade Transportes Roças, Lda., e aceitou artificialmente pagar a esta preço superior àquele que a sociedade exportadora acordou em pagar por cada um dos serviços ao mesmo arguido.

*

III- Atuando através da sociedade CARLOTIR - Agente de Transportes Unipessoal, Lda.

47º O arguido AA, em data não concretamente apurada, mas que situará no final do ano de 2013, decidiu alterar o nome da sociedade Léguas Convergentes Unipessoal, Lda., na conservatória do registo comercial a fim de continuar a execução do seu plano criminoso sem que os prestadores de serviços se apercebessem de que a nova sociedade, que atuava sob o nome de CARLOTIR, era afinal a Léguas Convergentes Unipessoal, Lda.

48º Assim, em 06.11.2013, o arguido AA alterou o nome da sociedade Léguas Convergentes Unipessoal, Lda., para CARLOTIR - Agente de Transportes Unipessoal, Lda., e, sob a aparência de uma nova sociedade, continuou a atuar segundo o seu plano criminoso, contratando transportes internacionais de mercadorias que sabia que nunca iria pagar.

49º A) FUTURCARGO Transitários, Lda.

Desta feita, na continuação da execução do seu plano criminoso, o arguido AA, como legal representante e gerente da sociedade CARLOTIR - Agente de Transportes Unipessoal, Lda., em data não concretamente apurada, mas próxima de dezembro de 2014, contratou com a sociedade FUTURCARGO Transitários, Lda., a prestação de serviços de transporte nacionais e internacionais, que vendeu a terceiros.

50º Os serviços de transporte foram efetuados pela sociedade FUTURCARGO Transitários, Lda., porquanto esta sociedade nunca desconfiou que tal sociedade fazia parte de um vasto conjunto de sociedades geridas pela mesma pessoa e integrada num esquema criminoso complexo.

51º Os serviços prestados pela FUTURCARGO foram pagos ao arguido pelos clientes/compradores dos mesmos, sem que o arguido AA tenha pago qualquer quantia à transportadora/transitária FUTURCARGO, que efetivamente os realizou.

52º Em consequência, os serviços prestados pela sociedade FUTURCARGO, correspondentes às faturas abaixo discriminadas, no montante global de €80.224,75, não lhe foram pagos pelo arguido AA (cfr. fls. 2369 e apenso M):

» fatura F1FAC 1/14…54, de 09.12.2014, correspondente ao transporte de mercadorias de Sanfins de Ferreira para Saint Andeol le Chateau, no montante de €2.050,00;

» fatura F1FAC 1/14…56, de 11.12.2014, correspondente ao transporte de mercadorias de Zalla/Espanha para Lousã-Portugal, no montante de €1.137,75;

» fatura F1FAC 1/14…64, de 16.12.2014, correspondente ao transporte de mercadorias de Zalla/Espanha para Palmela, no montante de €1.137,75;

» fatura F1FAC 1/14…74, de 22.12.2014, correspondente ao transporte de mercadorias de Zalla/Espanha para Lousã-Portugal, no montante de €1.137,75;

» fatura F1FAC 4/15…05 de 02.01.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Sanfins de Ferreira para Chaponost, em França, no montante de €2.050,00;

» fatura F1FAC 4/15…11, de 12.01.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Sanfins de Ferreira para Chaponost, em França, no montante de €2.050,00;

- fatura F1FAC 4/15…15, de 19.01.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Arzano-Itália para Lousã, no montante de €3.567,00;

» fatura F1FAC 4/1540020, de 26.01.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Arzano-Itália para Lousã, no montante de €3.567,00;

» fatura F1FAC 4/15…24, de 29.01.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Padova/Itália para Guimarães, no montante de €645,75;

- fatura F1FAC 4/1540027, de 02.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Arzano-Itália para Lousã, no montante de €3.567,00;

» fatura F1FAC 4/15…28, de 02.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Zalla/Espanha para Viseu e Palmela, no montante de €1.353,00;

- fatura F1FAC 4/15…33, de 06.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Padova/Itália para Guimarães, no montante de 3.259,50;

» fatura F1FAC 4/15…34, de 09.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Sanfins de Ferreira para Burgueas/França, no montante de €2.200,00;

- fatura F1FAC 4/15…35, de 09.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Arzano-Itália para Lousã, no montante de €3.567,00;

- fatura F1FAC 4/15…36, de 18.03.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Arzano-Itália para Lousã, no montante de €3.567,00;

- fatura F1FAC 4/15…38, de 12.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para La Grigonnais/França, no montante de €2.000,00;

» fatura F1FAC 4/15…39, de 13.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para Longvic/França, no montante de €2.150,00;

» fatura F1FAC 4/15…40, de 16.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para Agneaux/França, no montante de €2.050,00;

- fatura F1FAC 4/15…44, de 18.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Arzano-Itália para Lousã, no montante de €430,50;

» fatura F1FAC 4/15…45, de 18.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para Longvic/França, no montante de €2.150,00;

» fatura F1FAC 4/15…46, de 19.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para Limoges/França, no montante de €1.950,00;

» fatura F1FAC 4/15…47, de 19.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para Fougere/França, no montante de €1.950,00;

» fatura F1FAC 4/1540048, de 20.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para Agneaux/França, no montante de €2.050,00;

» fatura F1FAC 4/15…49, de 20.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para Limoges e Civray/França, no montante de €2.000,00;

» fatura F1FAC 4/15…50, de 20.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz e Rio Meão para Charlolles e Chalmox/França, no montante de €2.100,00;

» fatura F1FAC 4/1540051, de 23.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Sanfins de Ferreira para La Tour du Pin, em França, no montante de €2.050,00;

» fatura F1FAC 4/15…52, de 23.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para Grinzano di Cervere/Itália, no montante de €2.200,00;

» fatura F1FAC 4/15…53, de 23.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para Casalpusterlengo/Itália, no montante de €2.300,00;

» fatura F1FAC 4/1540054, de 23.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz Casalpusterlengo/Itália, no montante de €2.300,00;

» fatura F1FAC 4/1540055, de 23.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Zalla/Espanha para água Longa/Portugal, no montante de €1.137,75;

» fatura F1FAC 4/15…56, de 24.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para Grinzano di Cervere/Itália, no montante de €2.200,00;

» fatura F1FAC 4/15…57, de 24.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Vila Verde/Portugal para Pegomas/França, no montante de €2.150,00;

» fatura F1FAC 4/15…58, de 26.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para Vieux Manoir/França, no montante de €2.050,00;

» fatura F1FAC 4/15…59, de 27.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para Came, Riscle e Mielan/França, no montante de €1.900,00;

» fatura F1FAC 4/15…60, de 27.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para Cisse e Civray/França, no montante de €2.000,00;

» fatura F1FAC 4/15…61, de 27.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para Glomel/França, no montante de €2.200,00;

» fatura F1FAC 4/15…62, de 27.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para Feurs e Beleville sur Saone/França, no montante de €2.100,00;

» fatura F1FAC 4/15…63, de 27.02.2015, correspondente ao transporte de mercadorias de Esmoriz para Fougere/França, no montante de €1.950,00.

53º :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

 54:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 55º Em 20.10.2015, o arguido BB deu entrada de petição inicial no Juízo de Comércio de …, requerendo a insolvência da sociedade CARLOTIR - Agente de Transportes Unipessoal, Lda., processo que correu termos com o n.º 8954/15.6…, ciente de que o arguido AA já havia

constituído a sociedade “Ramada TIR”, que o próprio arguido BB ajudara a constituir.

*

IV - Atuando através da sociedade RAMADA TIR, Lda.

56º O arguido AA, para continuar a garantir o sucesso do seu plano criminoso, constituiu a sociedade RAMADA TIR - Agente de Transportes e de Compras, Lda., com o NIPC 51…87 170, com sede fictícia na rua …, …, …, ap. 4, …, e declarou o seu início de atividade em 18.07.2014 (cfr. doc. De fls. 82/83).

57º Para tanto, convenceu EE, mulher que à data mantinha com ele uma relação amorosa, a figurar como sócia da aludida sociedade, ao que aquela acedeu.

58º Desta feita, em 18 de julho de 2014, o arguido AA e a EE deslocaram-se ao escritório do arguido BB, sito na Rua …, …, onde a EE assinou vários documentos que o arguido BB lhe apresentou para o efeito.

59º Em 21 de julho de 2014, a constituição da sociedade RAMADA TIR foi registada no registo comercial e, em 28 de julho de 2014, o arguido BB requereu o registo da transmissão da quota da EE para o arguido AA.

60º Apesar de ter ficado a figurar como sócia da sociedade RAMADA TIR, a EE nunca teve qualquer intervenção no rumo da mesma e, a partir de setembro de 2014, não mais se relacionou com o arguido AA.

61º A) SDV Portugal Transitários, Lda.

Na execução do seu plano, o arguido AA, apresentando-se como KK, para não ser confundido com “AA”, nome que habitualmente usava, e como gerente da RAMADA TIR - Agente de Transportes e de Compras, Lda., adiante designada por RAMADA TIR, em data não concretamente apurada, mas próxima de fevereiro e março de 2015, contratou com a sociedade SDV Portugal Transitários, Lda., a prestação de serviços de transporte nacionais e internacionais.

62º O arguido AA contratou com a sociedade SDV Portugal Transitários, Lda., que o pagamento dos serviços prestados seria efetuado após 30 dias da sua execução.

63º A sociedade SDV Portugal Transitários, Lda., iniciou a prestação dos serviços de transporte, tendo efetuado, entre os dias 26 de março a 30 de abril de 2015, vinte e quatro serviços a solicitação do arguido.

64º :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 65º ::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 66º Ficaram por pagar os serviços de transporte infra descriminados, num montante global de €49.490,00 (cfr. fls. 793 a 817):

» fatura n.º 2015/50…77, emitida a 26.03.2015, correspondente ao transporte de Esmoriz a Fontaine Macon, em França, no montante de €1.985,00;

» fatura n.º 2015/50…78, emitida a 26.03.2015, correspondente ao transporte de Esmoriz a St. Quentin Fall/Amancy, em França, no montante de €2.200,00;

» fatura n.º 2015/50…79, emitida a 26.03.2015, correspondente ao transporte de Esmoriz a Cuneo, em Itália, no montante de €2.150,00;

» fatura n.º 2015/50…80, emitida a 26.03.2015, correspondente ao transporte de Esmoriz a Cuneo, em Itália, no montante de €2.150,00;

» fatura n.º 2015/50…83, emitida a 26.03.2015, correspondente ao transporte de Esmoriz a Bologne, em França, no montante de €2.100,00;

» fatura n.º 2015/50…84, emitida a 26.03.2015, correspondente ao transporte de Esmoriz a Foulain, em França, no montante de €2.100,00;

» fatura n.º 2015/50…02, emitida a 30.03.2015, correspondente ao transporte de Esmoriz a Mesanger, em França, no montante de €1.925,00;

» fatura n.º 2015/50…58, emitida a 02.04.2015, correspondente ao transporte de Esmoriz a Brecey, em França, no montante de €2.150,00;

» fatura n.º 2015/503659, emitida a 02.04.2015, correspondente ao transporte de Sanfins-Marco de Canavezes a Argentan, em França, no montante de €2.150,00;

» fatura n.º 2015/50…98, emitida a 08.04.2015, correspondente ao transporte de Esmoriz a Casalpusterleng, em Itália, no montante de €2.100,00;

» fatura n.º 2015/503799, emitida a 08.04.2015, correspondente ao transporte de Esmoriz a Agneaux, em França, no montante de €2.150,00;

» fatura n.º 2015/50…12, emitida a 08.04.2015, correspondente ao transporte de Sanfins-Marco de Canavezes a Moulin de Redon, em França, no montante de €2.180,00;

» fatura n.º 2015/50…16, emitida a 08.04.2015, correspondente ao transporte de Alcanede a Les Arcs, em França, no montante de €2.050,00;

» fatura n.º 2015/50…61, emitida a 14.04.2015, correspondente ao transporte de Esmoriz a Cuneo, em Itália, no montante de €2.150,00;

» fatura n.º 2015/50…62, emitida a 14.04.2015, correspondente ao transporte de Esmoriz a Cuneo, em Itália, no montante de €2.150,00;

» fatura nº 2015/50…67 emitida a 20-04-2015 correspondente ao transporte de Sanfins- Marco de Canavezes a Beauvoir, em França no montante de 1.775,00€;

» fatura nº 2015/50…68 emitida a 20-04-2015 correspondente ao transporte de Sanfins- Marco de Canavezes a Beauvoir, em França no montante de 1.825,00€;

» fatura nº 2015/50…69 emitida a 20-04-2015 correspondente ao transporte de Sanfins- Marco de Canavezes a Groslay / Grand Quevilly, em França no montante de 2.225,00€;

» fatura nº 2015/50…70 emitida a 20-04-2015 correspondente ao transporte de Esmoriz a Cuneo, em Itália no montante de 2.150,00€;

» fatura nº 2015/50…73 emitida a 20-04-2015 correspondente ao transporte de Esmoriz a Blois, em França no montante de 2.050,00€;

» fatura nº 2015/50…78 emitida a 20-04-2015 correspondente ao transporte de Esmoriz a Casalpusterleng, em Itália, no montante de 2.100,00€;

» fatura nº 2015/50…81 emitida a 20-04-2015 correspondente ao transporte de Esmoriz a Cuneo, em Itália no montante de 2.150,00€;

» fatura nº 2015/504794 emitida a 30-04-2015 correspondente ao transporte de Esmoriz a Vieux Manoir, em França no montante de 1.775,00€;

» fatura nº 2015/50…95 emitida a 30-04-2015 correspondente ao transporte de Esmoriz a Fougeres, em França no montante de 1.750,00€;

67º Após tais serviços terem sido realizados, o correio eletrónico e o serviço de telefone da “Ramada TIR” ficaram inativos, sendo que a sede da sociedade era apenas um endereço para recebimento de correspondência.

68º....................................................................................................;

69º A sociedade “SDV Transitários Lda.” deixou de receber a quantia de 49.490,00€, apesar de ter efetuado os serviços de transporte supra descriminados e, por sua vez, o arguido recebeu o preço de tais serviços do beneficiário dos mesmos, arrecadando para si o preço do serviço prestado por outro.

70º...................................................................................................;

71º A 29 de junho de 2015, o arguido AA, através de declaração que remeteu ao registo comercial, encerrou e liquidou a sociedade RAMADA TIR, declarando que a sociedade não tinha qualquer passivo, bem sabendo que afirmava facto falso. Fê-lo com o objetivo de tornar impossível a demanda judicial de tal sociedade (cfr. fls. 45 a 48 do Apenso E).

72º B) Woldbrothers representação e consultadoria e Trânsitos, Lda.

Ainda na sequência do mesmo plano, o arguido AA, como legal representante e gerente da Ramada TIR- Agente de Transportes e de Compras Lda., em data não concretamente apurada, mas situada próxima do mês de maio de 2015, contratou com a sociedade “Woldbrothers representação e consultadoria e Trânsitos, Lda.” a prestação de serviços de transporte nacionais e internacionais.

73º Mais contratou com tal empresa que o pagamento dos serviços prestados seria a 30 dias, ou seja, no prazo de 30 dias após a sua concretização.

74º O arguido AA, de modo a criar confiança no seu cliente e assim alcançar maior longevidade no seu objetivo criminoso, solicitou e pagou os quatro primeiros serviços de transporte que celebrou com a sociedade WOLDBROTHERS (cfr. fls. 129 a 132).

75º Após, e seguindo o seu prévio esquema criminoso, o arguido AA, usufruindo e gozando da confiança que os quatro primeiros pagamentos incutiram no seu cliente, solicitou à sociedade WOLDBROTHERS que realizasse outros serviços, já em julho de 2015, que sabia, e queria, de antemão não pagar, bem sabendo que a sociedade Ramada Tir tinha sido dissolvida em data anterior, ou seja, desde 29-06-2015.

76º Durante tal período, o arguido AA, para não levantar qualquer desconfiança no seu cliente e determiná-lo a continuar com a prestação de serviços sem qualquer pagamento, determinou a sua funcionária LL a informar os representantes da WORDBROTHERS, primeiramente, que se “havia sentido mal, tendo sido internado no Hospital de …”, em seguida, que “havia sido operado à vesícula e que lhe tinha sido colocado um pacemaker” e, por fim, que “estava num período de convalescença e a recuperar gradualmente, mas que o seu filho estaria ao corrente da situação e que em breve procederia aos pagamentos”, bem sabendo que tal não correspondia à verdade e que desta feita enganava os sócios gerentes da WORDBROTHERS e que os levaria a continuar a prestação dos seus serviços na convicção de que o não pagamento destes se devia a problemas de saúde temporários do arguido AA.

77º O certo é que, após os infra descritos serviços de transporte terem sido efetuados, os telefones da sociedade RAMADA Tir e todos os contactos disponíveis foram desligados, tendo as instalações existentes na Rua das Musas sido abandonadas.

78º Em consequência do exposto, ficaram assim por pagar os serviços de transporte prestados pela sociedade WORDBROTHERS, infra descriminados (cfr. fls. 12 a 64):

» fatura 1…0 em 6-7-2015, no valor de 1650,00€, transporte efetuado com partida de Sanfins de Ferreira, Marco de Canavezes para Brugueas e Vinzelles em França.

» fatura 1…1 em 6-7-2015, no valor de 1775,00e, transporte efetuado com partida de Sanfins de Ferreira, Marco de Canavezes para Les Arcs em França;

» fatura 1…2 em 6-7-2015, no valor de 2050,00€, transporte efetuado com partida de Sanfins de Ferreira, Marco de Canavezes para Goesdorf Luxemburgo;

» fatura 1…3 em 6-7-2015, no valor de 1300,00€, transporte efetuado com partida de Sanfins de Ferreira, Marco de Canavezes para Chirac em França

» fatura 1…2 em 13-07-2015, no valor de 1800,00€, transporte efetuado com partida de Sanfins de Ferreira para Puyricard, em França

» fatura 1…1 em 10-7-2015, no valor de 1800,00€, transporte efetuado com partida de Pedras Salgadas, Marco de Canavezes para Pierreclos em França;

» fatura 1…7 em 17-7-2015, no valor de 1900,00€, transporte efetuado com partida de Marco de Canavezes e Pedras Salgadas para Nancy em França;

» fatura 1…4 em 20-7-2015, no valor de 1550,00€, transporte efetuado com partida de Sanfins de Ferreira para Beaumont, em França;

» fatura 1…9 em 22-7-2015, no valor de 1800,00€, transporte efetuado com partida de Sanfins de Ferreira para Perthes em França;

» fatura 2…8 em 28-7-2015, no valor de 1850,00€, transporte efetuado com partida de Sanfins de Ferreira para Perthes em França;

» fatura 2…9 em 28-7-2015, no valor de 1800,00€, transporte efetuado com partida de Sanfins de Ferreira, Marco de Canavezes para Nevez em França;

» fatura 2…6 em 31-7-2015, no valor de 1350,00€, transporte efetuado com partida de Vila Pouca de Aguiar para Cahors em França;

» fatura 2…2 em 29-7-2015, no valor de 2750,00€, transporte efetuado com partida de Braga para Ljubljana em Eslovénia;

» fatura 2…6 em 10-8-2015, no valor de 1300,00€, transporte efetuado com partida de Sanfins de Ferreira para Coux et Bigarote em França.

79º A sociedade WORDBROTHERS deixou de receber a quantia de 24.725,00€, apesar de ter efetuado tais serviços de transporte e, por sua vez, o arguido recebeu o pagamento pela execução dos mesmos da sociedade que os solicitou.

80º O arguido contratou com a sociedade WORDBROTHERS bem sabendo que não iria pagar tais serviços, pelo que aceitou como pagamento dos mesmos um preço mais baixo do que aquele que prometeu pagar àquela sociedade.

81º Com efeito, pelo serviço descrito no ponto 13, o arguido recebeu, como legal representante da sociedade Ramada TIR, a quantia de 2.200,00€, quando prometeu pagar à WORDBROTHERS pelo mesmo serviço a quantia de 2.750,00€.

82º A sociedade WORDBROTHERS efetuou os supra descritos serviços de transporte, desconhecendo por completo que a mesma fazia parte de um esquema criminoso.

83º A sociedade WORDBROTHERS continuou a prestar os serviços de transporte solicitados pelo arguido, apesar de ter faturas vencidas e não pagas, apenas porque acreditou que o arguido se encontrava doente e impossibilitado temporariamente de cumprir com os seus compromissos.

84º O arguido, enquanto entidade empregadora de LL, obrigou tal funcionária a declarar falsamente que o mesmo se encontrava doente, bem sabendo que tal não correspondia à verdade e que com tal inverdade determinava a sociedade WORDBROTHERS a continuar com os serviços solicitados, aumentando o seu prejuízo e o correspetivo lucro do arguido.

V - Atuando através da sociedade Augusta Coelho Logística Unipessoal, Lda.

85º O arguido AA, que já havia constituído outra sociedade em 27-05-2015, com o nome Augusta Coelho Logística Unipessoal, Lda., em setembro de 2015 começou a laborar através desta.

86º O arguido AA conheceu a FF em dezembro de 2014, através de um anúncio de uma agência matrimonial publicado na revista … .

87º Entre fevereiro e maio de 2015 o arguido AA convenceu a FF a figurar como sócia de duas empresas que o mesmo iria constituir, ao que esta acedeu.

88º Desta feita, em maio de 2015, o arguido AA constituiu a sociedade Augusta Coelho Logística Unipessoal, Lda., e, em junho, a sociedade Augusta Coelho Ferreira & Ferreira, Lda., figurando como gerente de ambas a FF, sem que esta alguma vez tenha tomado qualquer decisão sobre a vida societária de qualquer uma.

89º ..................................................................................................;

90º A sociedade “Augusta Coelho Logística Unipessoal, Lda.” foi constituída em 27-05-2015, operou com o NIPC 51…69 529 e teve sede na Rua …, nº 82, …, … .

91º ..................................................................................................;

92º A) Transjanardo Transporte, Lda.

Na execução do seu plano, o arguido AA, através da sociedade “Augusta Coelho Logística Unipessoal, Lda.”, em data não concretamente apurada, mas próxima de setembro de 2015, contratou com a sociedade “TRANSJANARDO Transporte, Lda.” a prestação de serviços de transporte nacionais e internacionais.

93º Seguindo o seu plano, o arguido AA, aproveitando-se do facto do representante legal da sociedade TRANSJANARDO, não ter desconfiado da relação da empresa “Augusta Coelho Logística Unipessoal, Lda.” com as já supra descritas sociedades por si geridas, contratou com aquela sociedade a prestação de serviços de transporte internacional, efetuando o pagamento dos primeiros transportes por forma a ganhar a confiança do gerente daquela sociedade.

94º Após, e usufruindo da confiança que os primeiros pagamentos lhe concederam, solicitou à sociedade TRANSJANARDO a realização de outros serviços que, de antemão, não fazia qualquer intenção de liquidar.

95º A sociedade TRANSJANARDO confiante na seriedade da sociedade “Augusta Coelho Logística Unipessoal, Lda.”, alicerçada nos primeiros pagamentos, e bem assim atenta a proposta de preço contratada com o arguido AA, efetuou os transportes de mercadorias infra descriminados, sem que os mesmos tenham obtido qualquer pagamento.

96º Desta feita, os serviços prestados pela sociedade TRANSJANARDO, correspondentes às faturas (cfr. fls. 819/820 e 1793 a 1838):

» 1500/000…4, do transporte efetuado de Sanfins de Ferreira para Morsang sur seine /França, no dia 28-09-2015, no montante de 1.900,00€;

» 1500/000…01, do transporte efetuado de Sanfins de Ferreira para França, no dia 5-10-2015, no montante de 1.850,00€;

» 1500/000…6, do transporte efetuado de Sanfins de Ferreira para França, no dia 15-10-2015, no montante de 1.850,00€;

» 1500/000…5, do transporte efetuado de Sanfins de Ferreira para França, no dia 22-10-2015, no montante de 1.850,00€;

» 1500/000…4, do transporte efetuado de Sanfins de Ferreira para França, no dia 19-10-2015, no montante de 1.600,00€;

» 1500/000…5, do transporte efetuado de Sanfins de Ferreira para França, no dia 9-11-2015, no montante de 1.900,00€;

» 1500/000…3, do transporte efetuado de Espanha para Portugal, no dia 9-11-2015, no montante de 1.143,90€;

» 1500/000…7, do transporte efetuado de Sanfins de Ferreira para França, no dia 18-11-2015, no montante de 600,00€;

No montante global de 12.693,90€, não obtiveram qualquer pagamento.

97º O arguido AA, conforme tinha previamente engendrado, ludibriou os legais representantes da sociedade TRANSJANARDO, efetuando os primeiros pagamentos dos serviços solicitados apenas com o objetivo de ganhar a confiança destes e solicitar os restantes serviços, determinando-os a efetuá-los, na convicção de que seriam pagos conforme os primeiros, bem sabendo que não os iria pagar.

98º Desta feita, os serviços prestados pela sociedade TRANSJANARDO, correspondentes às faturas descriminadas supra, não foram liquidados, apesar de o arguido ter recebido o respetivo pagamento pela prestação de tais serviços do seu cliente.


*


VI - Atuando através da sociedade Augusta Coelho Ferreira & Ferreira, Lda.

99º O arguido AA, em 23-06-2015, constituiu a sociedade Augusta Coelho Ferreira & Ferreira, com o NIPC 51…55 e sede fictícia na Rua …, nº …, 3º Hab. … .

100º Em 13 de janeiro de 2016, o arguido AA, para tanto determinando a FF a comparecer no 1º Cartório de Competência Especializada e aí assinar a declaração por ele previamente elaborada, requereu a imediata dissolução da sociedade “Augusta Coelho Ferreira & Ferreira, Lda.”, declarando que a mesma não tinha qualquer passivo, bem sabendo que desta feita impossibilitava os credores de a demandarem judicialmente, o que representou e quis.

101º A) KAPA Transitários, Lda.

Na execução do seu plano, o arguido AA, após dissolver a sociedade “Augusta Coelho Ferreira & Ferreira, Lda.”, obrigando a sua funcionária LL a identificar-se como “MM”, em data não concretamente apurada, mas próxima de 15 de fevereiro de 2016, contratou com à sociedade “KAPA Transitários, Lda.” a prestação de serviços de transporte nacionais e internacionais, usando a sociedade “Augusta Coelho Ferreira & Ferreira, Lda.”.

102º Com vista a ganhar a confiança dos legais representantes da sociedade KAPA, o arguido AA liquidou os quatro primeiros serviços efetuados por aquela.

103º Após, solicitou à sociedade KAPA outros serviços, no montante global de 11.862,00€, os quais, conforme sua prévia determinação, não obtiveram qualquer pagamento.

104º O arguido ludibriou os legais representantes da sociedade KAPA, efetuando os quatro primeiros pagamentos apenas com o objetivo de ganhar a confiança destes e solicitar os restantes serviços, determinando-os a efetuá-los na convicção de que seriam pagos, à semelhança dos quatro primeiros.

105º Desta feita, os serviços prestados pela sociedade KAPA Transitários, Lda., correspondentes às faturas n.º:

» 16….4. do transporte efetuado de Marco de Canavezes para França, no dia 12-04-2016, no montante de 1.900,00€;

» 16….7, do transporte efetuado de Avelar para Almancil, no dia 12-04-2016, no montante de 738,00€;

» 16….9, do transporte efetuado de Cucujães para Albufeira, no dia 21-04-2016, no montante de 824,10€;

» 16….1, do transporte efetuado de Cortegaça para Madrid, no dia 25-04-2016, no montante de 600,00€;

» 16…12, do transporte efetuado de Marco Canavezes- Sanfins para França, no dia 25-04-2016, no montante de 1.775,00€;

» 16….21, do transporte efetuado de Vila Pouca de Aguiar para Conjins, em França, no dia 26-05-2016, no montante de 1.700,00€;

» 16….57, do transporte efetuado de Cortegaça para Córdoba, no dia 4-05-2016, no montante de 775,00€;

» 16….84, do transporte efetuado de Marco de Canavezes para Argentan, em França, no dia 16-05-2016, no montante de 1.750,00€;

» 16….22, do transporte efetuado de Sanfins- Marco de Canavezes para França, no dia 23-05-2016, no montante de 1.800,00€;

Não obtiveram qualquer pagamento (v. doc. fls. 536 a 581)

106º A sociedade KAPA deixou de receber a quantia de 11.862,00€, apesar de ter efetuado tais serviços de transporte e, por sua vez, o arguido AA recebeu o pagamento da realização dos mesmos serviços da sociedade que deles beneficiou.

107º A sociedade KAPA apenas acedeu a prestar os respetivos serviços, porquanto nunca desconfiou que a sociedade “Augusta Coelho Ferreira & Ferreira, Lda.” era a continuação da atividade criminosa das anteriores sociedades supra melhor identificadas e muito menos que tal sociedade já estivesse dissolvida desde janeiro de 2016.


*


VII – Atuando através da sociedade DIVITIR, Lda.

108º O arguido BB, por alturas de julho de 2015, colaborou com o arguido AA na constituição de outras sociedades, com o mesmo objeto social.

109º Para o efeito, o arguido BB contactou o seu amigo NN e solicitou-lhe que figurasse como sócio de uma sociedade por quotas com o arguido AA, garantindo-lhe que a sua quota iria ser transmitida àquele passados alguns dias, ao que o mesmo acedeu.

110º Nesta sequência, NN, no dia 23 de julho de 2015, deslocou-se ao escritório do arguido BB, na Rua …, …, onde assinou o pacto social e o documento de transmissão de quotas da sociedade DIVITIR, Lda., que o arguido BB preparou e lhe apresentou para assinatura.

111º Alguns meses após, o arguido BB voltou a solicitar ao seu amigo NN que figurasse como sócio de uma outra sociedade por quotas com o arguido AA, tendo constituído desta feita a sociedade “Léguas Instantâneas Lda.”.

112º A 20 de outubro de 2015 o arguido BB requereu no Tribunal de Comércio de … a insolvência da sociedade “CARLOTIR – Logística de Transportes Lda.”, apresentando como os cinco maiores credores as sociedades “Trans7- Transportes de Mercadorias Lda.”, “Transportes Roças, Lda.”, a Autoridade Tributária, a “Oficina de Comércio e Transportes, Lda.”, a S. Social e a sociedade “Astropoint, Lda.”. A CARLOTIR veio a ser declarada insolvente por sentença proferida em 02-12-2015.

113º A sociedade DIVITIR, Lda., operou com o NIPC 51…8, com sede formal na Rua …, 104, … andar, hab. …, …, e iniciou atividade em 18-10-2016, tendo como gerente o arguido AA.

114º A) Mar e Ar Transitários, Lda.

Na execução do seu plano, o arguido AA, através da sociedade DIVITIR, Lda., em data não concretamente apurada, mas próxima de julho de 2016, contratou com a sociedade Mar e Ar Transitários, Lda. a prestação de serviços de transporte internacionais.

115º A sociedade Mar e Ar Transitários, Lda. realizou os primeiros dois transportes, que foram liquidados, na absoluta ignorância de que a sociedade DIVITIR mais não era do que a continuação da atuação das sociedades acima referidas.

116º O arguido AA, conforme tinha previamente engendrado, nunca dando a conhecer a sua verdadeira identidade aos legais representantes da sociedade Mar e Ar Transitários, Lda., efetuou os dois primeiros pagamentos apenas com o objetivo de ganhar a confiança daqueles e solicitar os restantes serviços, determinando-os a efetuá-los na convicção de que seriam pagos conforme os dois primeiros.

117º Desta feita os serviços prestados pela Mar e Ar Transitários, Lda., correspondentes às faturas n.º:

» 5…9, do transporte efetuado em 11-07-2016, no montante de 2.090,00€; » 520, do transporte efetuado em 12-07-2016, no montante de 1.240,00€; » 518, do transporte efetuado em 11-07-2016, no montante de 2.165,00€; » 5…5, do transporte efetuado em 20-07-2016, no montante de 1.240,00€; » 5…0, do transporte efetuado em 25-07-2016, no montante de 1.240,00€; » 5…1, do transporte efetuado em 25-07-2016, no montante de 950,00€; » 5….6, do transporte efetuado em 27-07-2016, no montante de 1.380,00€; » 5…2, do transporte efetuado em 25-07-2016, no montante de 2.130,00€; » 571, do transporte efetuado em 01-08-2016, no montante de 2.230,00€; » 5…2, do transporte efetuado em 02-08-2016, no montante de 950,00€; no montante global de 15.615,00€, foram prestados, mas não foram pagos pelo arguido AA, apesar deste ter recebido o preço pela realização dos mesmos da sociedade beneficiária (cfr. fls. 100 a 113 do Apenso A).

118º B) Ginkgo Unipessoal, Lda.:

Da mesma forma, na execução do seu plano, o arguido AA, através da sociedade DIVITIR, Lda., em data não concretamente apurada, mas próxima de julho de 2016, contratou com a sociedade Ginkgo Unipessoal, Lda., a prestação de serviços de transporte internacionais, mais concretamente de Espanha para Palmela, sem nunca revelar a relação com as sociedades anteriores.

119º A sociedade GINKGO porque nunca desconfiou da relação desta sociedade com as sociedades “Mundo Submerso, Léguas Convergentes, Carlotir, Ramada Tir, Augusta Coelho Ferreira & Ferreira Lda., Augusta Coelho Logística Unipessoal Lda., efetuou e faturou os serviços de transporte contratados pelo arguido, conforme se identifica infra (cfr. fls. 136 e 137 do Apenso A):

» fatura 2016/1, emitida a 21-09-2016, pelo transporte de Alicante, em Espanha, para Palmela, no montante de 953,25€;

» fatura 2016/4, emitida a 29-09-2016, pelo transporte de Sanfins de Ferreira-Marco de Canavezes para Orgerus, em França, no montante de 1.750,00€;

120º Tais serviços foram efetuados pela sociedade GINKGO, que não recebeu a correspondente contraprestação do arguido, no montante global de 2.703,00€, apesar deste ter recebido o preço pela realização de tais serviços da sociedade beneficiária dos mesmos.

121º O arguido nunca teve intenção de pagar os serviços de transporte à sociedade GINKGO, tendo acedido efetuar a intermediação de tal transporte por preço inferior àquele que prometeu pagar àquela.

122º C) Transportes Centrais, Lda.

Seguindo o mesmo plano, o arguido AA, no período compreendido entre 12-10-2016 a 15-11-2016, através da sociedade DIVITIR, Lda., contratou com a sociedade Transportes Centrais, Lda. a prestação de serviços de transporte internacionais.

123º A sociedade Transportes Centrais, Lda. efetuou e faturou os transportes a seguir indicados, mediante a contratação do arguido AA, através da DIVITIR, Lda. (cfr. fls. 2232 a 2243):

» fatura nº FA2016/2…23, emitida a 12-10-2016, do transporte de S. Vicente de Pereira para Sevilha, Espanha, no montante de 800,00€;

» fatura nº FA2016/2…60, emitida a 29-09-2016, do transporte de S. Vicente de Pereira para Albacete, em Espanha, no montante de 850,00€;

» fatura nº FA2016/2…25, emitida a 13-10-2016, do transporte de S. Vicente de Pereira para Barcelona, em Espanha, no montante de 1.000,00€;

» fatura nº FA2016/3…69, emitida a 15-11-2016, do transporte de S. Vicente de Pereira para Burgos, em Espanha, no montante de 700,00€;

No montante global de €3.350,00.

124º Tais transportes, apesar de efetuados pela sociedade Transportes Centrais, Lda., não foram liquidados pelo arguido AA, apesar de este ter recebido da sociedade beneficiária o pagamento pela execução dos mesmos.

125º D) Abreu-Carga e Trânsitos, Lda.

Dando por reproduzidos os factos anteriores descritivos do plano do arguido AA, este, durante o período compreendido entre outubro e dezembro de 2016, através da sociedade DIVITIR, Lda., contratou com a sociedade ABREU-CARGA e Trânsitos, Lda., a prestação de serviços de transporte internacionais.

126º A sociedade ABREU-CARGA efetuou e faturou os transportes solicitados pelo arguido AA, no montante global de 30.818,00€, serviços estes que apesar de pagos ao arguido AA, não foram liquidados por este ao efetivo prestador dos mesmos, estando a sociedade ABREU-CARGA prejudicada nesse montante (cfr. fls. 2415 e 2841 a 2850).

127º O arguido AA, por sentença proferida no processo comum singular número 1604/17.8…, que correu termos no Juiz … do Juízo Local de …, datada de 20-03-2018, foi condenado na pena de 200 dias de multa à taxa de 6,00€, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256º, nº 1, al. d), do C.P. porquanto no dia 30 de novembro de 2016 apresentou no … Cartório Notarial de Competência especializada de … um requerimento pedindo a dissolução imediata da sociedade DIVITIR – Logística, Lda., declarando que a mesma não tinha passivo, bem sabendo que declarava facto falso, fazendo-o com o fito de impedir a demanda desta judicialmente.


*


VIII - Atuando através da sociedade Léguas Instantâneas, Lda.

128º Na senda do supra exposto, e esgotada que estava a credibilidade das demais empresas que constituiu, o arguido AA constituiu outra sociedade, a qual denominou de Léguas Instantâneas, Lda.

129º Tal sociedade atuou com o NIPC 51…68, teve sede fictícia na Rua …, 104, … andar, hab. …, …, tendo sido declarado o seu início de atividade em 18-01-2016. Era seu gerente de facto o arguido AA.

130º Para que esta empresa não fosse passível de se confundir com as anteriores e bem assim para dela figurar como sócio e gerente pessoa diferente do arguido AA, este solicitou de novo o auxílio do arguido BB.

131º O arguido BB acedeu novamente em solicitar ao seu amigo NN que figurasse como sócio e gerente da sociedade Léguas Instantâneas, Lda., como já tinha feito com a sociedade DIVITIR, garantindo-lhe que a sua quota ia ser transmitida ao AA passados alguns dias.

132º NN, acedendo ao pedido do arguido BB, deslocou-se com este e com o arguido AA à Conservatória do Registo Comercial de …, onde constituíram a sociedade Léguas Instantâneas, Lda., em 18-10-2016.

133º Em 25-10-2016, o arguido BB, na qualidade de Advogado, requereu a transmissão da quota de NN para o arguido AA.

134º O arguido BB sabia que o arguido AA já havia constituído diversas sociedades, todas com o mesmo objeto social – organização de transportes de mercadorias e/ou prestação de serviços de logística e de transporte –, estando então ciente da insolvência da sociedade CARLOTIR.

135º A) Teu Transitário, Lda.

Seguindo o mesmo plano criminoso, o arguido AA, através da sociedade Léguas Instantâneas, Lda., em data não concretamente apurada, mas próxima de janeiro de 2017, contratou com a sociedade TEU TRANSITÁRIO, Lda., a prestação de serviços de transporte internacionais, designadamente entre Portugal e França e de Itália para Guimarães.

136º A sociedade TEU TRANSITÁRIO, porque nunca relacionou esta sociedade com as anteriores, e atento o preço proposto pelo arguido AA, superior ao que era habitual no mercado, acedeu realizar um transporte a solicitação da sociedade Léguas Instantâneas, Lda., em finais de fevereiro de 2017.

137º Na execução do seu plano, o arguido AA liquidou tal serviço no prazo acordado, ou seja, em 30 dias após a realização do mesmo, em 28-03-2017, conforme havia sido previamente acordado entre as partes (cfr. fls. 8 e. 85 do Apenso A).

138º No entanto, o arguido AA, após ter pago o primeiro serviço, beneficiando da credibilidade granjeada junto da T TEU TRANSITÁRIO, solicitou a esta sociedade outros serviços, no montante global de 16.702,00€, os quais, conforme prévio plano daquele, não obtiveram qualquer pagamento.

139º Desta feita, os serviços prestados pela sociedade TEU TRANSITÁRIO, correspondentes às faturas n.º:

» 45….99, correspondente ao transporte efetuado entre Sanfins de Ferreira e França, no montante de 1.700,00€;

» 45….20, correspondente ao transporte efetuado entre Sanfins de Ferreira e França, no montante de 3.450,00€;

» 45. …28, correspondente ao transporte efetuado entre Sanfins de Ferreira e França, no montante de 1.750,00€;

» 45….29, correspondente ao transporte efetuado entre Sanfins de Ferreira e França, no montante de 1.750,00€;

» 45….71, correspondente ao transporte efetuado entre Sanfins de Ferreira e França, no montante de 3.400,00€;

» 45….87, correspondente ao transporte efetuado entre Sanfins de Ferreira e França, no montante de 1.700,00€;

» 45….91, correspondente ao transporte efetuado entre Sanfins de Ferreira e França, no montante de 2.952,00€;

Ficaram, até ao presente, sem obter qualquer pagamento (cfr. fls. 38 do Apenso A).

140º Após a realização dos supra descriminados serviços, o arguido AA não mais atendeu qualquer telefone ou respondeu a qualquer notificação da sociedade TEU TRANSITÁRIO. Na morada sede da sociedade Léguas Instantâneas, Lda., nunca existiu qualquer sociedade.

141º B) SIGNICITY- Transportes Unipessoal, Lda.

Da mesma forma, na execução do seu plano, o arguido AA, atuando através da sociedade Léguas Instantâneas, Lda., em data não concretamente apurada, mas próxima de março de 2017, contratou com a sociedade SIGNICITY - Transportes Unipessoal, Lda., a prestação de serviços de transporte internacionais.

142º A sociedade SIGNICITY realizou e faturou os serviços contratados pelo arguido, conforme se descrimina infra, nunca desconfiando que tal sociedade era a continuação das supra aludidas sociedades.

143º A sociedade SIGNICITY realizou e faturou os seguintes serviços:

» fatura FA 2017/…6, emitida em 3-5-2017, do transporte de Sanfins-Marco de Canavezes para Puyricard, em França, no montante de 1.750,00€;

» fatura FA 2017…62, emitida em 6-04-2017, do transporte de Sanfins-Marco de Canavezes para Chignat, em França, no montante de 2.200,00€;

» fatura FA 2017/…0, emitida em 24-03-2017, do transporte de Sanfins-Marco de Canavezes para Grenoble, em França, no montante de 1.900,00€,

Num montante global de 5.850,00€ (cfr. fls. 128 a 130 do Apenso A).

144º Tais serviços de transportes não foram liquidados pelo arguido AA à sociedade SIGNICITY, apesar de terem sido liquidados ao arguido pela sociedade beneficiária, que deles se apropriou.

145º C) Transportes MEG, Lda.

Igualmente, em data próxima de março de 2017, o arguido AA, através da sociedade Léguas Instantâneas, Lda., contratou com a sociedade Transportes MEG, Lda., a prestação de serviços de transporte internacionais.

146º A sociedade Transportes MEG, Lda., efetuou e faturou o serviço solicitado pelo arguido AA, conforme se descrimina infra (cfr. fls. 2408):

» fatura nº FT 2017/…6, transporte efetuado entre Vila Pouca de Aguiar e Osny em França, no montante de 1.620,00€;

147º Tal transporte não foi liquidado pelo arguido AA apesar de ter sido pago a este pela sociedade que dele beneficiou.

148º.................................................................................................

149ºD) TRANSOLIVEIRA, Lda.

Também entre 14-03-2017 a 09-07-2017, o arguido AA, através da sociedade Léguas Instantâneas, Lda., contratou com a sociedade TRANSOLIVEIRA, Lda., a prestação de serviços de transporte internacionais.

150º Seguindo o mesmo plano criminoso, o arguido AA, omitindo a sua identidade e relação com as sociedades identificadas supra, solicitou primeiramente um serviço de transporte em março de 2017, que pagou pontualmente.

151º Após, e seguro na confiança que tal pagamento surtiu no seu cliente, solicitou os serviços infra descriminados, que a sociedade TRANSOLIVEIRA, Lda., efetuou entre abril e junho de 2017, mas que não obtiveram qualquer pagamento (cfr. fls. 1089 a 1096):

» fatura 39..13, emitida a 28-04-2017, correspondente ao transporte de Sanfins- Marco de Canavezes para Brugheas, em França, no montante de 1.800,00€;

» fatura 39…59, emitida a 05-05-2017, correspondente ao transporte de Sanfins- Marco de Canavezes para La Bouexiere, em França, no montante de 1.800,00€;

» fatura 39…83, emitida a 12-05-2017, correspondente ao transporte de Sanfins- Marco de Canavezes para Marseille, em França, no montante de 1.800,00€;

» fatura 39…83, emitida a 19-05-2017, correspondente ao transporte de Sanfins- Marco de Canavezes para Aix en Provence, em França, no montante de 1.800,00€;

» fatura 39…23, emitida a 19-05-2017, correspondente ao transporte de Sanfins- Marco de Canavezes para Roquebrune, em França, no montante de 1.800,00€;

» fatura 39…54, emitida a 26-05-2017, correspondente ao transporte de Sanfins- Marco de Canavezes para Rognes, em França, no montante de 1.800,00€;

» fatura 39…92, emitida a 31-05-2017, correspondente ao transporte de Sanfins- Marco de Canavezes para Roquebrune, em França, no montante de 1.900,00€;

» fatura 39…45, emitida a 09-06-2017, correspondente ao transporte de Sanfins- Marco de Canavezes para Berzé, em França, no montante de 2.000,00€;

152º Malgrado os inúmeros esforços dos legais representantes da sociedade TRANSOLIVEIRA, Lda., em contactar com a sociedade Léguas Instantâneas, Lda., a comunicação por telefone ou por email foi totalmente desativadas pelo arguido AA.

153º Os serviços de transporte, apesar de efectuados pela sociedadeTRANSOLIVEIRA, Lda., e faturados por esta, no montante global de 14.700,00€, não foram liquidados pelo arguido AA que fez seus os montantes que lhe foram pagos pelo requerente dos mesmos.

154º E) RANATRANS, S.A.

Durante o período compreendido entre 19-01-2017 e 31-03-2017, o arguido AA, como gerente da sociedade Léguas Instantâneas, Lda., através de contacto telefónico encetado por LL, então funcionária desta sociedade, obrigada por este a intitular-se como funcionária de uma “recente sociedade do ramo”, contratou com a sociedade RANATRANS, S.A. a prestação de serviços de transporte internacionais.

155º Nesta sequência, a sociedade RANATRANS efetuou os infra descriminados serviços de transporte, entre janeiro e março de 2017, a solicitação do arguido AA (cfr. fls. 2311 a 2317):

» fatura nº 1.3….02, transporte de Ovar para Sevilha, no montante de 925,00€;

» fatura nº 1.3….68, transporte de Marco de Canavezes para Poitiers, no montante de 1.555,00€;

» fatura nº 1.3….66, transporte de Portugal para França, no montante de 1.875,00€;

» fatura nº 1.3….22, transporte de Portugal para Espanha, no montante de 975,00€;

» fatura nº 1.3….21, transporte de Portugal para França, no montante de 1.800,00€;

» fatura nº 1.3…29, transporte de Itália para Portugal, no montante de 2.706,00€;

156º O primeiro transporte foi pago, conforme plano criminoso do arguido AA, mas todos os restantes ficaram por pagar.

157º A partir da adjudicação do último transporte, em março de 2017, o contacto com os telefones até então adstritos a tal sociedade, nunca mais se mostraram acessíveis.

158º os serviços de transporte supra descritos, apesar de efetuados pela sociedade RANATRANS e pagos pelos exportadores ao arguido AA, não foram liquidados por este à sociedade que efetivamente os prestou e que deixou de receber os 8.911,00€, a eles correspondentes.


*


IX - Atuando através da sociedade Manobras Espontâneas, Lda.

159º A sociedade Manobras Espontâneas – Organização de Transportes Unipessoal, Lda., com o NIPC 51…95 e sede fictícia na Rua …, nº …, R/C, …, iniciou atividade em 1 de junho de 2016, tendo como gerente o arguido AA.

160º A 05-07-2016, o arguido AA fez constar do registo comercial a alteração da sede da sociedade para a Rua …, nº .., 1º andar, sala …, …, e em 19-04-2017 um aumento de capital no montante de 49.900,00€.

161º Na execução do seu plano, o arguido AA, através da sociedade Manobras Espontâneas Lda., em data não concretamente apurada, mas que se situará entre os meses de maio a novembro de 2017, contratou com as sociedades Transportes Manuel Mendes Lda., TRANSNEIVA - Sociedade de Transportes, Lda., e PSST - Transportes Unipessoal, Lda., EURO-ARIZ Transportes, Lda., DLB Transportes, Lda., A.A. Gouveia Unipessoal, Lda., MADEISOBROSA, Lda., e HORATOTAL, Lda., a prestação de serviços de transporte internacionais.

162º Todas estas sociedades apenas acederam em contratar com a sociedade Manobras Espontâneas por nunca terem desconfiado do plano do arguido AA, da consecutiva constituição, encerramento e dissolução das sociedades com o mesmo objeto social, contratando e não liquidando os serviços prestados, usando como isco preços superiores à média do mercado, já na predisposição de nada pagar.

163º O arguido AA fez seus todos os montantes pagos pelos serviços prestados por outros, infra descriminados, enriquecendo ilegitimamente à custa do prejuízo patrimonial daqueles.

164º Após a realização dos serviços de transportes referidos supra, o arguido AA desativou todos os contactos telefónicos e de correio eletrónico, desaparecendo ele e a sociedade que geriu, sem deixar qualquer rasto.

Assim foi com:

165º A) Transportes Manuel Mendes, Lda.

A sociedade Transportes Manuel Mendes, Lda., realizou pelo menos um transporte entre Sanfins de Ferreira para St. Martin du Mont, cujo serviço foi descriminado na fatura n.º 18…8, no valor de €1.750,00, o qual não foi liquidado pelo arguido AA (cfr. fls. 2266).

166º B) TRANSNEIVA Sociedade de Transportes, Lda.

A sociedade TRANSNEIVA realizou pelo menos oito serviços de transporte, entre 31-05-2017 a 30-06-2017, cujos serviços foram faturados nas faturas n.º (cfr. fls. 628 e 3338 a 3353):

» 3…38, transporte efetuado entre Sanfins de Ferreira e Aix en Provence, no montante de 1.500,00€;

» 3006, transporte efetuado entre Sanfins de Ferreira e Beaumont, no montante de 1.400,00€;

» 3005, transporte efetuado entre Sanfins de Ferreira e Confrancon, no montante de 1.680,00€;

» 3003, transporte efetuado entre Sanfins de Ferreira e Aix en Provence, no montante de 1.500,00€;

» 2747, transporte efetuado entre Sanfins de Ferreira e Confrancon e entre Paços de Ferreira e França, no montante global de 3.350,00€;

» 2747, transporte efetuado entre Sanfins de Ferreira e Crottet, entre Sanfins da Ferreira e Voeuil et Giget e entre Sanfins de Ferreira e Aix en Provence, no montante global de 4.300,00€.

167º Os transportes supra descriminados, no montante global de 17.030,00€, apesar de efetivamente prestados a contratação do arguido AA, não foram liquidados por este.

168º C) PSST- Transportes Unipessoal, Lda.

A sociedade PSST- Transportes Unipessoal, Lda., realizou pelo menos três transportes entre Sanfins e Pedras Salgadas e França, cujos serviços foram descriminados nas faturas (cfr. fls. 2259 a 2264):

» Número 117/4…7, transporte de Sanfins de Ferreira para Plaisir/França, no montante de 1.800,00€;

» Número 117/5…3, transporte de Sanfins de Ferreira para Les Palais sur Vienne/França, no valor de 1.450,00€;

» Número 117/6…0, transporte de Sanfins de Ferreira para Saint Germain les Corbeil/França, no valor de 1.600,00€;

no montante global de 4.850,00€, os quais não foram liquidados pelo arguido. 

169º D) DLB Transportes, Lda.

A sociedade DLB Transportes, Lda. realizou pelo menos um transporte entre Sanfins de Ferreira/Portugal e França, em julho de 2017, no montante de 1.820,00€, titulado pela fatura nº FA 2017/609, serviço este não liquidado pelo arguido AA (cfr. fls. 2271).

170º E) EURO-ARIZ Transportes, Lda.

A sociedade EURO-ARIZ Transportes, Lda., foi contratada pelo arguido AA através da sociedade Manobras Espontâneas para efetuar serviços de transportes entre 28-06-2017 e 10-07-2017.

171º A sociedade EURO-ARIZ realizou e faturou tais serviços contratados pelo arguido AA, conforme se descrimina infra:

» Fatura FT12/9…9, emitida em 31-07-2017, pelo serviço de transporte de Sanfins de Ferreira- Marco de Canavezes para França, no montante de 1.900,00€;

» Fatura FT12/9…7, emitida em 24-07-2017, pelo serviço de transporte de Sanfins de Ferreira- Marco de Canavezes para França, no montante de 1.800,00€;

» Fatura FT12/9…4, emitida em 20-07-2017, pelo serviço de transporte de Sanfins de Ferreira-Marco de Canavezes para França, no montante de 1.800,00€;

» Fatura FT12/9…8, emitida em 17-07-2017, pelo serviço de transporte de Sanfins de Ferreira-Marco de Canavezes para França, no montante de 1.800,00€;

» Fatura FT12/9…7, emitida em 08-07-2017, pelo serviço de transporte de Sanfins de Ferreira- Marco de Canavezes para França, no montante de 1.800,00€;

Num montante global de 9.100,00€ (cfr. fls. 186 a 196 do Apenso A).

172º Todos os supra serviços de transporte foram efetuados e pagos pela sociedade beneficiária ao arguido AA, apesar deste nada liquidar à sociedade EURO-ARIZ, efetiva prestadora do serviço.

173º F) A.A. Gouveia Unipessoal, Lda.

A sociedade A.A. Gouveia Unipessoal, Lda., foi contratada pelo arguido AA, através da sociedade Manobras Espontâneas, para efetuar serviços de transportes entre os meses de julho e agosto de 2017.

174º A sociedade A.A. Gouveia Unipessoal, Lda., realizou e faturou tais serviços contratados pelo arguido AA, conforme se descrimina infra (cfr. fls. 2634 e 2637):

» fatura FA 2017/…8, emitida em 11-07-2017, pelo serviço de transporte de Sanfins de Ferreira- Marco de Canavezes para França, no montante de 1.800,00€;

» fatura FA 2017/1…7, emitida em 09-08-2017, pelo serviço de transporte de Vila de Ribeirão para Agullent-Valencia em Espanha, no montante de 1.100,00€;

Num montante global de 2.900,00€.

175º Todos os serviços descriminados supra foram pagos ao arguido AA pela sociedade exportadora, nada tendo pago aquele à sociedade A.A. Gouveia.

176º G) MADEISOBROSA, Lda.

A sociedade MADEISOBROSA, Lda., foi contratada pelo arguido AA, através da sociedade Manobras Espontâneas, para efetuar serviços de transportes entre os dias 30-06-2017 e 17-07-2017.

177º A sociedade MADEISOBROSA realizou e faturou tais serviços, contratados pelo arguido AA, conforme se descrimina infra (cfr. fls. 2383 e 2389):

» fatura nº 2017/…5, transporte entre Sanfins-de Ferreira, Favões e Pedras Salgadas e Argentan/França, no montante de 2.000,00€;

» fatura nº 2017/…9, transporte entre Sanfins-de Ferreira e Plaisir/França, no montante de 1.800,00€.

178º Os supra serviços de transporte foram efetuados e pagos pela sociedade beneficiária ao arguido AA, que fez seu o montante entregue, ficando o efetivo prestador de serviços prejudicado no montante global de 3.800,00€.

179º H) HORATOTAL, Transportes Lda.

A sociedade HORATOTAL, Transportes Lda., foi contratada pelo arguido AA, enquanto legal representante da sociedade Manobras Espontâneas, para efetuar serviços de transportes entre os meses de maio e junho de 2017.

180º A sociedade HORATOTAL efetuou o primeiro serviço a solicitação do arguido AA em 8-5-2017, serviço este que o arguido liquidou de imediato no dia 17-05-2017, por forma a gerar segurança e credibilidade junto da gerência daquela sociedade e levá-la a efetuar mais transportes com pagamento diferido no tempo.

181º Desta feita, e baseado na confiança comercial que aquele pagamento transmitiu ao gerente da sociedade HORATOTAL, este acedeu em prestar outros serviços de transporte a solicitação do arguido AA, enquanto legal representante da sociedade Manobras Espontâneas, com o prévio acordo do pagamento diferido a 30 dias.

182º Foram assim efetuados os serviços de transporte descriminados infra, pela sociedade, HORATOTAL, a contratação do arguido AA (cfr. fls. 2701 a 2745):

» fatura nº 7004…1, transporte de Portugal para Itália e de Itália para Portugal, no montante global de 4.360,00€;

» fatura nº 7005…6, transporte de Portugal para Itália, no montante global de 1.900,00€;

» fatura nº 7006…9, transporte de Portugal para Itália, no montante global de 1.900,00€;

» fatura nº 7006…2, transporte de Portugal para Itália, no montante global de 1.900,00€.

183º Os supra serviços de transporte foram efetuados e pagos pela sociedade beneficiária ao arguido AA, que fez seu o montante entregue, ficando o efetivo prestador de serviços prejudicado no montante global de10.060,00€.

184º O arguido AA, antevendo mais uma vez que a credibilidade das sociedades com que atuava se esgotava, e necessitando por isso de alguém para figurar como sócio e gerente de novas sociedades que pretendia constituir e usar simultaneamente consoante as suas necessidades, constituiu mais quatro novas sociedades comerciais, com o mesmo objeto social das anteriores – organização e/ou logística de transportes – para continuar o seu plano criminoso.

185º Para tanto e mais uma vez, em data não concretamente apurada do final do ano de 2016, o arguido solicitou a uma agência matrimonial que lhe apresentasse uma mulher alegadamente para com ela iniciar uma relação de cariz amoroso.

186º Nesta sequência, em finais de dezembro de 2016, conheceu GG.

187º No dia 28 de março de 2017, após ter convencido a GG a constituir uma sociedade comercial que o mesmo geriria, o arguido AA constituiu a sociedade CEDILHA MATINAL, Lda., tendo ficado registada como sócia a GG, sem que esta, no entanto, alguma vez tivesse tido alguma intervenção na sua gerência.

188º Desta feita, foi registada em 28 de março de 2017 a constituição da sociedade CEDILHA MATINAL, UNIPESSOAL, Lda., à qual foi atribuído o NIP 51…41.

189º E, contando mais uma vez com o auxílio do arguido BB, em abril de 2017, este angariou um novo sócio “fictício” para com o arguido AA figurar numa nova sociedade.

190º Com efeito, o arguido BB voltou a solicitar a um amigo, desta feita a OO, que figurasse como sócio de uma sociedade por quotas denominada HÁBIL CEDILHA, Lda., tendo sido o arguido BB quem procedeu à elaboração da minuta do pacto social, quem elaborou a procuração que conferiu exclusivamente ao arguido AA todos os poderes de gerência e representação daquela sociedade, procuração esta elaborada, assinada e explicada a OO pelo arguido BB, e bem assim autenticada através do registo “on line” da Ordem dos Advogados sob o nº 10…6…/1…27.

191º Na mesma altura, o arguido BB assegurou a OO que tal empresa só estaria no seu nome algumas semanas.

192º Foi assim constituída a sociedade HÁBIL CEDILHA, Unipessoal, Lda., por deliberação de 26 de abril de 2017, à qual foi atribuído o NIPC 51…22.

193º Ao serviço desta sociedade, a então funcionária LL foi obrigada pelo arguido AA a identificar-se como “PP” e, da mesma forma, o então funcionário QQ a identificar-se como “RR”, por forma a não ser revelada a relação desta sociedade com as anteriores.

194º Volvidos alguns meses, no dia 4 de outubro de 2017, o arguido AA, mais uma vez com a ajuda do arguido BB, constituiu a sociedade JUMPORPLEX-Unipessoal, Lda., fazendo constar que a sua única sócia e gerente é HH e, simultaneamente, no mesmo dia (04-10-2017), HH assinou uma procuração que conferiu exclusivamente ao arguido AA todos os poderes de gerência e representação daquela sociedade, procuração esta elaborada pelo arguido BB e assinada pela HH, e bem assim autenticada por aquele através do registo “on line” da Ordem dos Advogados sob o nº 10…6…/1…56 (cfr. fls. 40 a 43 do Apenso G).

195º Já final do ano de 2017, o arguido AA, com vista à constituição de mais uma sociedade, dissimulado por trás do nome de terceira pessoa, respondeu a um anúncio na revista “…” para possível relacionamento, de que veio a resultar o relacionamento com II.

196º Tal relacionamento foi mantido aproximadamente por quatro meses, período durante o qual o arguido AA, cumprindo o seu plano criminoso, convenceu a II a figurar como sócia da sociedade CAUDAL SEMANAL Unipessoal, Lda., que constituiu em 15 de dezembro de 2017 e que operou com o NIP 51…47.

197º O arguido AA constituiu a sociedade CAUDAL SEMANAL Unipessoal, Lda., fazendo constar que a sua única sócia e gerente era II, mas assinando esta uma procuração na qual conferiu exclusivamente ao arguido AA todos os poderes de gerência e representação daquela sociedade.


*


X – Atuando através da sociedade Caudal Semanal, Unipessoal, Lda. 198º

A sociedade CAUDAL SEMANAL, Unipessoal, Lda., com o NIPC 51….47 e sede fictícia na Rua …, nº …, sala …, …, iniciou atividade em 15-12-2017, tendo formal e ficticiamente como gerente de direito II e gerente de facto arguido AA.

199º A) TOTALPLAN, Porto Planeamento de Carga e Logística, Lda.

Na execução do seu plano, o arguido AA, identificando-se como funcionário da CAUDAL SEMANAL com o nome de “SS”, e obrigando a sua funcionária TT a identificar-se como a própria II, sócia e gerente da sociedade, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre os meses de março e abril de 2018, contratou com a sociedade TOTALPLAN, Porto Planeamento de Carga e Logística, Lda., a prestação de serviços de transporte internacionais que lhe haviam sido solicitados pelas sociedades Cotexiber, Lda., Transporta, Lda., Bieltex, Lda., e Eurospumas .A.A.

200º A sociedade TOTALPLAN realizou pelo menos três transportes a solicitação da CAUDAL SEMANAL, conforme se descrimina infra (cfr. fls. 1559 a 1561):

» O transporte de mercadorias de Alicante até Espinho, faturado através da fatura nº 2018/922, de 10-05-2018, no valor de 1.353,00€;

» O transporte de mercadorias de Alicante até Tábua (Aquinos), faturado através da fatura nº 2018/8…8, de 03-05-2018, no valor de 1.414,50€;

» O transporte de mercadorias de Guimarães até Valencia, faturado através da fatura nº 2018/7….3, de 24-04-2018, no valor de 1.050,00€.

Num montante global de 3.817,50€.

201º Todos os supra serviços de transporte foram efetuados e pagos pelas sociedades beneficiárias ao arguido AA, que fez seus tais montantes, sem nada liquidar aos efetivos prestadores de serviços, in casu, a TOTALPLAN.

202º B) JACUNHA, Equipamentos e Logística, Lda.

Na execução do seu plano, o arguido AA, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre os meses de março e abril de 2018, contratou com a sociedade JACUNHA, Equipamentos e Logística, Lda., a prestação de serviços de transporte internacionais para os clientes Bieltex, Sasu Fenetres e Decors.

203º A sociedade JACUNHA realizou e faturou tais serviços, contratados pelo arguido AA, conforme se descrimina infra (cfr. fls. 1579 a 1589):

» fatura n.º FA 2018B/6…4, emitida em 23-04-2018, pelo serviço de transporte de Alicante para Trofa/Guimarães, no montante de 1.107,00€;

» fatura n.º FA 2018B/6…8, emitida em 23-04-2018, pelo serviço de transporte de Guimarães para Arenys de Munt/ Barcelona, no montante de 1.383,75€;

» fatura n.º FA 2018B/6…9, emitida em 23-04-2018, pelo serviço de transporte de Airão Santa Maria para França Porcheville, no montante de 2.091,00€;

204º À medida que os serviços iam sendo realizados, os legais representantes da sociedade JACUNHA iam também exigindo o pagamento do correspetivo preço, ao que o arguido AA, na realização do seu plano, encenando dificuldades na voz, ia declarando àqueles que estava internado no IPO a realizar tratamentos e que nesse momento não podia deslocar-me ao banco, bem sabendo que tal não correspondia à verdade e que desta feita determinava aqueles a continuarem a prestar-lhe serviços que sabia nunca iria pagar.

205º Todos os supra serviços de transporte, no montante global de 4.581,75€, foram efetuados e pagos pela sociedade beneficiária ao arguido AA, que nada pagou aos efetivos prestadores de serviços.

206º A sociedade Bieltex SL, com sede em … nro …, PL 5 A … ….- Espanha, entre abril e maio de 2018, transferiu para a conta identificada pelo arguido AA para o pagamento dos supra referidos transportes – BPI IBAN PT 50 …0016 –, a quantia de 3.175,00€, que o arguido fez sua.

207º Pelos transportes de Guimarães para Barcelona, o arguido AA havia contratado e recebeu da sociedade Bieltex SL, por cada um, a quantia de 650,00€, pelos transportes de Guimarães para Valencia o arguido havia contratado e recebeu da sociedade Bieltex SL, por cada um, a quantia de 625,00€, pelos transportes de Alicante para Portugal o arguido havia contratado e recebeu da sociedade Bieltex, por cada um, a quantia de 625,00€, e pelo transporte para França, contratado com a sociedade Sasu Fenetres e Decors, o arguido havia contratado e recebeu a quantia de 1.200,00€.

208º O arguido AA aceitou pagar um preço superior àquele que aceitou receber das sociedades exportadoras, pois nunca foi sua intenção pagá-los, fazendo parte do seu plano receber pela realização do serviço de transporte, mas não o pagar a quem o realizou.

209º C) VISOCARGA, Lda.

Na execução do seu plano, o arguido AA, atuando através da sociedade CAUDAL SEMANAL, e identificando-se como “SS”, em data não concretamente apurada, mas que se situará entre os meses de março e abril de 2018, contratou com a sociedade VISOCARGA, Lda., a prestação de serviços de transporte internacionais.

210º Tal sociedade efetuou os serviços de transporte contratados pelo arguido AA, faturando-os conforme se descrimina infra (cfr. fls. 2328 a 2330):

» fatura nº 18 A/16…9, transporte de Avanca/Portugal para Malaga/Espanha, no montante de 1.050,00€;

» fatura nº 18 A/16…9, transporte de Vila Pouca de Aguiar/ Portugal para Orleans/França, no montante de 2.000,00€;

» fatura nº 18 A/16…8, transporte de Portugal para Orleans /França, no montante de 1.550,00€.

211º Todos os supra serviços de transporte, no montante global de 4.600,00€, foram efetuados e pagos pela sociedade beneficiária ao arguido AA, que nada liquidou ao efetivo prestador de serviços.

212º O arguido AA apenas parou a sua atividade quando foi privado da liberdade, em 5 de julho de 2018.

213º O arguido AA, desde data não concretamente apurada, mas que se situará pelo menos desde o ano de 2011, tem vindo sucessivamente a requisitar serviços de transporte a empresas de transportes/transitários, prometendo pagar valor superior àquele que aceita receber pelos mesmos serviços, com a clara intenção de não os liquidar.

214º AA constituiu, dissolveu e encerrou consecutivamente inúmeras sociedades, criando a confusão no meio dos transportadores/transitários, inventando diferentes nomes para as mesmas, seus funcionários e gerentes, ora apresentando-se como JJ, como KK ou como SS, obrigando os seus funcionários a identificarem-se com nomes falsos, tudo para criar uma armadilha perfeita onde caem irremediavelmente os transportadores/transitários, os quais, vítimas do contacto sem rosto de tal atividade, não se conseguiram defender contra tal ardil.

215º O arguido AA socorreu-se de diversas mulheres vulneráveis e sem quaisquer conhecimentos empresariais, usando e abusando da identidade destas para que figurassem como “testas de ferro” das sociedades que foi gerindo, omitindo a sua atuação.

216º Para tanto, beneficiou do auxílio do arguido BB, o qual angariou sócios escolhidos de entre o seu rol de amigos, preparou a documentação necessária à constituição de algumas das sociedades, transmissão de quotas, registos e elaboração de procurações para cedência de poderes de gerência, bem sabendo que essas sociedades atuavam com o mesmo objeto social.

217º..................................................................................................

218º Em resultado desta sua atuação criminosa, o arguido AA recebeu, pelo menos:

» entre os anos de 2014 e 2017, do fornecedor UU, gerente da sociedade GRANITOS VASCO CUNHA, a quantia de 330.700,00€;

» da sociedade BIELTEX, entre abril e maio de 2018, a quantia de 3.175,00€; » da sociedade FERRAL – José Luís & Ca. Lda., entre dezembro de 2015 e

20-01-2016, a quantia de 4.850,00€ (3.050,00€+ 1.800,00€), através da sociedade Augusta Coelho, Logística, Lda.;

» da sociedade FERRAL – José Luís & Ca. Lda., entre janeiro de 2016 a junho de 2016, a quantia de 10.710,70€, através da sociedade Augusta Coelho Ferreira & Ferreira, Lda.;

» da sociedade CORDEX, entre fevereiro de 2015 e 25 de março de 2015, a quantia de 40.150,00€, e entre 30-03-2015 e 24-04-2015, a quantia de 29.350,00€, através da sociedade RAMADA, Tir, Lda.;

» da sociedade IRP – Indústria Recicladora de Plásticos, Lda., entre 18-12-2015 a 13-05-2016, a quantia de 1.893,00€, através da sociedade DIVITIR, Lda.;

» da sociedade HIGIEXPORT, entre 28-02-2014 e 31-10-2014, a quantia de 2.583,00€, através da sociedade CARLOTIR, Lda., e entre 30-11-2015 e 31-10-2016, a quantia de 4.783,00€, através da sociedade DIVITIR, Logística, Lda.; quantias estas que o arguido AA fez suas, não liquidando às sociedades transportadoras/transitárias que efetivamente prestaram o serviço.

219º Nas contas tituladas ou autorizadas pelo arguido AA e pelas sociedades Confort Express, Carlotir, Léguas Convergentes, Ramada Tir, Divitir, Manobras Espontâneas, Léguas Instantâneas, Cedilha Matinal, Hábil Cedilha e Mundo Submerso, melhor identificadas no Apenso I, entre os anos de 2015 e 2017, foram creditadas transferências bancárias no valor global de 222.926,84€ (2015: 30.429,82€; 2016: 109.908,03€; 2017: 82.588,99€), provenientes daquela sua atividade.

220º Tem sido este, pelo menos desde 2011, o modo de vida do arguido AA, não auferindo este qualquer outro meio de sustento para fazer face às suas necessidades básicas de alimentação, vestuário, arrendamento de casa, entre outros.

221º Esta tem sido a sua única fonte de rendimentos, a qual lhe tem garantido um nível de vida desafogado, à custa do prejuízo de inúmeras empresas de transportes/transitários, que veem os seus débitos sem possibilidade de cobrança.

222º É desta forma que vive o arguido AA, enganando os transportadores/transitários, induzindo-os em erro, disfarçando a sua identidade, escondendo-se atrás do nome de inúmeras sociedades, mulheres vulneráveis e terceiros, que nada têm a ver com a sua atividade, atuando a coberto de contratos sem rosto, semeando a ruína de inúmeras empresas, enquanto ele se enriquece com o prejuízo dos outros.

Atuou o arguido AA, representando e querendo induzir em erro os transportadores/transitários, enriquecendo à custa do prejuízo destes.

Por força de tais artifícios, logrou o arguido AA, entre 2011 e 2018, apropriar-se de vantagem patrimonial de montante ainda não concretamente apurado, mas não inferior a 398.844,00€ (trezentos e noventa e oito mil, oitocentos e quarenta e quatro euros).

O arguido AA, ao requerer a dissolução da sociedade RAMADA TIR, declarando falsamente que não tinha dívidas ou passivo, sabia e queria declarar facto falso com o objetivo de impedir a demanda judicial daquela.

Fê-lo representando e querendo forjar uma declaração que sabia ser idónea a provar um facto juridicamente relevante, com intenção de provocar prejuízo a terceiro.

MAIS SE PROVOU QUE: 223.º

O arguido AA já foi condenado:

a) Por decisão transitada em julgado em 10.03.2014, proferida no processo n.º 2927/96.3…, do 1.º Juízo Criminal de …, na pena única de 300 dias de multa, pela prática, 01.02.1996, de dois crimes de emissão de cheque sem provisão. Tal pena foi declarada extinta, pelo pagamento, em 27.01.2015.

b) Por decisão transitada em julgado em 29.04.2014, proferida no processo n.º 462/10.8…-B, do 1.º Juízo Criminal …, na pena de 100 dias de multa, pela prática, 28.03.2005, de um crime de abuso de confiança fiscal. Tal pena foi declarada extinta, pelo pagamento, em 17.10.2014.

c) Por decisão transitada em julgado em 14.05.2015, proferida no processo n.º 7/98.6…, do Juiz 1 do Juízo de Competência Genérica de …, na pena única de 650 dias de multa, pela prática, 28.05.1996, de quatro crimes de emissão de cheque sem provisão. Tal pena foi declarada extinta, pelo pagamento, em 28.07.2017.

d) Por decisão transitada em julgado em 27.06.2018, proferida no processo n.º 1604/17.8…, do Juiz 2 do Juízo Local Criminal de …., na pena de 200 dias de multa, pela prática, em 30.11.2016, de um crime de falsificação ou contrafação de documento. Tal pena foi declarada extinta, pelo pagamento, em 11.01.2019.

e) Por decisão transitada em julgado em 06.05.2019, proferida no processo n.º 13/15.8…, do Juiz 1 do Juízo Local Criminal …, na pena de 150 dias de multa, pela prática, em 09.09.2014, de um crime de falsificação de boletins, atas ou documento.

224.º Nada consta do CRC do arguido BB.

225.º O arguido AA foi preso preventivamente à ordem destes autos em 05 julho de 2018, medida de coação que, por decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto em 26 de setembro 2018, foi substituída por OPHVE, medida que ainda se mantém.

226.º Decorre do relatório social do arguido AA que:

AA beneficiou de uma educação e escolarização que lhe garantiu a integração imediata na área … do setor empresarial. Concluiu o Curso Profissional Geral de …, aos 19 anos de idade, proporcionado pela condição socioeconómica da sua família de origem, o pai era … e a mãe funcionária pública na área … .

Iniciou depois o seu percurso profissional, com funções …, numa fábrica em diferentes empresas, terão pautado o seu percurso profissional até à data em que passou a trabalhar por conta própria, em meados dos anos noventa, no setor do transporte de mercadorias.

Com 21 anos, AA constituiu o seu agregado familiar com a mãe do seu filho, atualmente adulto e com agregado próprio, com quem o arguido no presente não estabelece contacto. Em 1998, criou uma empresa de transportes de mercadorias, juntamente com o cônjuge, exercendo funções de gestor. Após três anos, na sequência de problemas financeiros associados a acumulação de dívidas, declararam insolvência e encerraram a empresa.

Posteriormente, exerceu a sua atividade laboral, trabalhando por conta própria ou por conta de outrem, alternadamente, de acordo com as oportunidades que lhe surgiam e de acordo com a regularização da sua situação financeira e fiscal. Criou outras empresas, ainda que por curtos períodos de tempo, cessando consecutivamente a atividade por problemas similares aos já mencionados.

Neste contexto, surgem os primeiros confrontos de AA com o sistema de justiça penal, decorrentes das irregularidades da sua atividade profissional, com consequente repercussão ao nível familiar e pessoal, tendo permanecido contumaz durante aproximadamente três anos.

O divórcio de AA ocorreu em 2003 e, desde então, de forma gradual foi perdendo o apoio e vínculos familiares, nomeadamente dos elementos do seu agregado de origem, situação que se mantém na atualidade, com exceção de um irmão uterino mais velho, com o qual mantém contactos telefónicos regulares.

Segundo referiu, desde 2008 que não dispõe de atividade laboral estruturada, efetuando trabalhos na área administrativa comercial, através de amigos que o apoiam, como forma de manter a sua subsistência, situação que se prolonga há cerca de dez anos e que avalia como difícil. Tem residido em habitações arrendadas, em diferentes localidades, na área geográfica … .

AA estabeleceu um relacionamento afetivo e, em maio de 2018, passou a viver em união de facto, relacionamento que manteve até ao passado mês de maio. Desde o início da execução da medida de coação de OPHVE, em 26set2018, AA passou a viver num apartamento  …, arrendado pela companheira. Durante esta vivência em união de facto, a companheira de AA constituiu-se como o seu principal suporte afetivo e económico, tendo, entretanto, ocorrido a rutura da relação.

Nesta sequência, em 09jun2019 AA integrou o agregado da irmã, constituído por esta e pelo cunhado, numa habitação própria, localizada em … . A subsistência daquele agregado era assegurada pelos rendimentos do casal, no valor aproximadamente de 1.500€.

No decurso da medida de coação o arguido tem apresentado uma conduta compatível com as regras inerentes à sua execução.

227.º O arguido AA vive atualmente em casa de VV, com quem mantém uma relação de amizade há cerca de 2 anos. É o referido VV que suporta todas as despesas de alimentação e alojamento do arguido mantém, de momento, qualquer relacionamento amoroso. Não tem, por ora, planos para o futuro.

(…)

DA CONTESTAÇÃO DO ARGUIDO AA:

229.º O arguido nasceu em …-10-1956 e nunca esteve preso.

230.º O arguido, em 16-11-2011, foi sujeito a cirurgia “Septoplastia + Turbinectomia bilateral + Palatoplastia + Amigdalectomia” (cfr. fls. 3772).

231.º Em 10-11-2015, o arguido foi submetido a um Ecocardiograma. Da sua conclusão consta “Hipertrofia ventricular esquerda de grau ligeiro a moderado. Estenose valvular aórtica ligeira” (cfr. fls. 3773).

232.º Em 10-11-2015, foi o arguido submetido a um ECG com Prova de Esforço, constando da sua conclusão “Prova máxima, sintomática (clinicamente positiva), com alterações adicionais da repolarização ventricular a valorizar no contexto clínico (cfr. fls. 3774).

233.º Em 15-12-2015, foi consultado no Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de … devido aos seus problemas de origem cardíaca (cfr. fls. 3775/6).

234.º Foi-lhe marcada para o dia 28-11-2015 uma Ressonância Magnética Cardíaca (cfr. fl. 3777/8).

235.º No dia 01-02-2016, foi submetido no Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de … a um Cateterismo (cfr. fls. 3779/80), sendo a intervenção: “ICP multi vaso com stent, angioplastia da coronária direita média/distal, com colocação eletiva de stent revestido com everolimus, com sucesso, sem lesão residual.

236.º Em 09-11-2016, realizou um Ecocardiograma Transesofágico no Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de V. N. Gaia (cfr. fls. 3781).

237.º O arguido está sujeito a vigilância médica periódica e toma medicação diária. Em 11-03-2019, foi consultado em Cardiologia no Centro Hospitalar de …, por sofrer de doença coronária revascularizada percutaneamente e estenose aórtica ligeira (cfr. fls. 3783).

239.º Foram-lhe agendadas análises clínicas no Centro Hospitalar de … para o dia 14/10/2019 (cfr. fls. 3784).

240.º Foi-lhe agendado para 26.06.2019 um Eco Transtorácico (cfr. fls. 3785).

241.º Foi-lhe agendada consulta de Cardiologia para o dia 21 de outubro de 2019 no Centro Hospitalar de … (cfr. fls. 3786).

242.º O arguido, desde 05-07-2018, altura em que foi privado da liberdade, não trabalha.

243.º Em 26.01.2015, por Sentença proferida no Proc. nº 3167/14.7…, do Tribunal Judicial da Comarca …, …, Inst. Central, 2ª Sec. Comércio -J1, foi declarado Insolvente (cfr. fls. 3787 a 3791).

244.º É divorciado.

245.º Tem o apoio da irmã, que também o auxilia financeiramente, nomeadamente na aquisição da medicação.

(…)

DOS PEDIDOS DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL:

256.º » PSST:

Na sequência dos transportes prestados à sociedade MANOBRAS INSTANTÂNEAS, por meio do arguido AA, a PSST emitiu as faturas acima referidas em 168.º, bem como a fatura n.º 117/498, vencida a 30.08.2017, no valor de 2.250,00, que não foi paga.

A requerente apresentou o requerimento de injunção n.º 140191/17.7…, no qual foi solicitado o montante global de €7.404,60, no qual foi aposta a fórmula executória.

Em 20.01.2018, a lesada apresentou ação executiva, na qual solicitou o pagamento da quantia global de €7.543,38, no âmbito da qual pagou €25,50 de taxa de justiça e as quantias de €94,10 e €31,37 ao agente de execução.

257.º » TRANSOLIVEIRA:

Ignorando que havia sido enganada, a requerente intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, onde reclamou o pagamento dos serviços prestados (€14.700,00), acrescido dos juros vencidos (€705,21) e os montantes que despender com as diligências suasórias encetadas para os recuperar (€40,00).

No âmbito de tal ação (Processo n.º 22/18.5T80HP) foi a sociedade LÉGUAS INSTANTÂNEAS condenada a pagar a quantia de €15.445,21.

258.º

» EURO – ARIZ:

A requerente liquidou taxa de justiça no valor de €102,00 para se constituir assistente neste processo.


***


B. FACTOS NÃO PROVADOS:

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente, outros factos que estejam em contradição ou em desconformidade com os supra transcritos.

Não se provou, nomeadamente, que:

(…)

b) O arguido AA prometeu a CC uma contrapartida não concretamente apurada pelo “favor” de figurar como sócia da sociedade Mundo Submerso.

c) A sociedade J. Morais, que já tinha sido vítima de igual esquema criminoso perpetrado pelo arguido AA através da atuação da sociedade “Comfort Express”, aceitou prestar os serviços de transporte para a sociedade Mundo Submerso, atenta a proposta de pagamento por valor acima da média do mercado que o arguido ardilosamente prometeu pagar e bem assim porque nunca desconfiou que tal sociedade fosse a continuação da atuação ilícita da Comfort Express.

d) Para manter a sociedade J. Morais, Lda., na total ignorância da sua atuação por detrás da Mundo Submerso, sem qualquer ligação à sociedade Comfort Express, de onde o nome da funcionária LL era já conhecido, o arguido AA, nos contactos telefónicos e por correio eletrónico que estabeleceu com a J. Morais, Lda., obrigou a sua funcionária LL a identificar-se como “XX”.

e) As sociedades “Carfecardo, Lda.”, “Confort Express, Lda.” e “Prismamix Unipessoal, Lda.”, já eram sobejamente conhecidas dos transportadores/transitários.

f) A sociedade Globex - Transportes e Trânsitos, Lda., atuou convencida que a sociedade Mundo Submerso era uma sociedade nova, sem nenhuma relação com as anteriores sociedades do arguido AA e com este.

g) Após a realização dos serviços de transporte solicitados pelo arguido, os legais representantes da Transportes Roças, Lda., encetaram diligências com vista a localizarem a sede da sociedade ou o arguido AA, tendo verificado que o alegado endereço da sociedade Léguas Convergentes correspondia a uma garagem e que do arguido AA não havia o menor rasto.

h) Após a realização dos serviços de transportes referidos em 53.º, e na tentativa de localizar, avaliar ou demandar a sociedade CARLOTIR ou o arguido AA, os legais representantes da sociedade FUTURCARGO verificaram que a sede daquela sociedade era apenas um local de recolha de correspondência, inexistindo qualquer espaço físico relacionado com a atuação daquela sociedade, seus funcionários ou qualquer rasto do arguido AA.

i) Contactadas as sociedades clientes do arguido AA, designadamente “Cordex”, “Trevipapel” e “Euskopaper”, verificaram os legais representantes da sociedade FUTURCARGO que o arguido AA aceitou receber pelos serviços que a FUTURCARGO realizou um preço inferior àquele que ardilosamente prometeu pagar àquela, numa clara intenção de nunca os liquidar.

j) Quando requereu a insolvência da sociedade CARLOTIR, o arguido BB estava ciente de que o arguido AA já operava igualmente com as sociedades “Augusta Coelho Logística Unipessoal, Lda.” e “Augusta Coelho Ferreira & Ferreira, Lda.”, que havia ajudado a constituir.

k) À medida que as faturas dos serviços se iam vencendo, o arguido AA, na execução escrupulosa do previamente engendrado, obrigou a sua funcionária LL a declarar falsamente aos representantes da SDV Transitários, Lda., que “o gerente da Ramada TIR se encontrava com problemas de saúde transitórios que o impossibilitavam, naquele momento, de honrar os seus compromissos, mas que, no entanto, em breve tal situação se resolveria”.

l) Após tais serviços terem sido realizados, a legal representante da SDV constatou que o correio eletrónico e o serviço de telefone da “Ramada TIR” ficaram inativos e bem assim que a sede da sociedade correspondia a uma sala fechada, utilizada apenas para receber correspondência.

m) Na sequência do supra exposto, em dias não concretamente apurados, mas ocorridos entre os meses de maio e junho de 2015, a legal representante da sociedade “SDV”, dirigiu-se por várias vezes ao escritório do arguido BB, o qual se lhe apresentou sempre na qualidade de mandatário da sociedade “Ramada TIR”, ao qual expôs a situação supra descrita, reclamando o pagamento dos serviços prestados e não pagos, a inexistência de contactos, pessoas ou espaços físicos, que de tudo ficou ciente.

n) Para a constituição das sociedades “Augusta Coelho Ferreira & Ferreira Lda.” e “Augusta Coelho Logística Unipessoal Lda.”, o arguido AA socorreu-se da ajuda do arguido BB, o qual preparou e apresentou à FF os inerentes documentos com vista à constituição das sociedades, procurações concedendo poderes de gerência ao AA e bem assim os documentos relativos ao registo, que esta assinou.

(…)

r) Após a realização de tais serviços e perante o seu não pagamento, o legal representante da sociedade MEG procurou localizar o arguido AA na alegada sede da sociedade Léguas Instantâneas, Lda., tendo verificado que aí nenhuma sociedade existia nem o arguido AA era conhecido.

(…)

v) Com a sua conduta o arguido AA causou a insolvência da sociedade Mar e Ar Transitários, Lda..

w) Nas contas tituladas ou autorizadas por LL, entre os anos de 2015 e 2017, foram creditadas transferências bancárias provenientes da atividade desenvolvida pelo arguido AA

x) À data dos factos, o arguido AA estava a atravessar uma crise económico-financeira, pois tinha vários créditos que não conseguia receber, devido à Insolvência de outras Pessoas Coletivas e também devido à conjuntura económica do País.

y) A falta de pagamento dos serviços de transporte que contratou ficou a dever-se à conjuntura económica, à concorrência, à crise económico-financeira, fatores exógenos e independentes da vontade do arguido AA.

z) Na verdade, o arguido AA deixou de ter capacidade económica para solver os seus compromissos, porquanto viu créditos seus incobráveis, de Pessoas Coletivas que não pagaram a prestação de serviço que tinha sido acordada, o que despoletou que as Pessoas Coletivas que o arguido geria também não pudessem pagar aos seus credores,

aa) O arguido AA não detém conhecimentos técnicos suficientes para a constituição, organização e dissolução de Pessoas Coletivas, tendo confiado plenamente nos técnicos e seus conhecimentos que com o mesmo colaboravam, limitando-se a assinar toda a documentação que os Técnicos especializados lhe apresentavam, fosse na área da contabilidade, na área financeira ou na área jurídica.

bb) O arguido AA tem mais doenças “crónicas” que necessitam de tratamentos médicos e medicamentosos contínuos.

cc) O arguido AA tem bom relacionamento social com vizinhos e conhecidos, sendo respeitado e bem conceituado na sua área de residência.

dd) O arguido BB, por instrução do coarguido, substabeleceu ainda antes do julgamento em Colega, Sr.ª Dr.ª ZZ, não tendo sido quem assegurou a defesa em audiência no processo n.º 7/98.6…e não tendo então ficado com qualquer assunto a seu cargo.

ee) O coarguido AA reapareceu-lhe no ano de 2014.

(…)

kk) A WORLD BROTHERS é credora de €5.583,45 a título de juros moratórios.

ll) A PSST despendeu a quantia global de €402,97 na tentativa de cobrança do seu crédito.

mm) A sociedade TRANSNEIVA é credora de €1.766,92 a título de juros moratórios.

nn) A requerente KAPA, apesar de não ter realizado as mais valias correspondentes à remuneração dos seus serviços, pagou ao Estado o IRC correspondente a essas mais valias, no valor de €756,99.

oo) Da ação dos arguidos resultaram dificuldade de tesouraria que prejudicaram o regular funcionamento da demandante, impedindo-a de aceitar alguns serviços por incerteza sobre a possibilidade de os pagar atempadamente, causando um prejuízo no valor de €2.500,00.

pp) Em virtude do comportamento do arguido AA a sociedade EURO-ARIZ viu-se obrigado a assumir perante os seus trabalhadores alguns atrasos nos pagamentos, pois não tinha como lhes pagar.

qq) A sociedade EURO-ARIZ pagou a quantia de €500,00 dos serviços prestados pela sua advogada.

rr) No âmbito das faturas n.º 222138/2011, 222273/2011, 2222360/2011, 222357/2011, 222322/2011 e 2222304/2011, a demandante J. MORAIS subcontratou os serviços de terceiros, tendo pago a estes os valores acordado dos transportes, no montante global de 15.100,00, a que acresce o valor do IVA.


*


MOTIVAÇÃO:

O tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, a qual analisou à luz das regras estabelecidas no art. 127º do Código Penal. Atendeu, nomeadamente:

» prova documental:

Toda a constante dos autos, designadamente: VOL. I

Queixa – crime de fls. 3 a 11 (Woldbrothers)

Faturas e demais documentos contabilísticos de fls. 12 a 64 e 65 a 68;

Fatura e demais correspondência entre Ambibérica e Ramada Tir de fls. 67 a 74;

Certidão permanente da Worldbrothers de fls. 78 a 81; Certidão permanente de fls. 82 a 83 da Ramada Tir;

Informação da Segurança Social de fls. 97 a 100, 169 a 172, relativa à relação de trabalhadores da Ramada Tir;

Faturas de fls. 102 a 105 (da Woldbrothers), documento de fls. 119 (pagamento das 4 faturas) e 129 a 149;

Adjudicação de serviço à Ramada Tir por parte da Ambibérica de fls. 150; Informação da CDSS … relativa a LL e ao arguido AA, de onde constam as várias empresas para as quais trabalharam, de fls. 168 a 172;

Print informático do Portal da Justiça de fls. 188 a 193;

Certidão permanente de fls. 194 a 195 de Cedilha Matinal Unipessoal Lda.; de fls. 289 a 290 de Comfort Express Lda.; de fls. 291 a 293 de Carlotir - Agente de Transportes Unipessoal Lda.; de fls. 294 a 296 de Divitir Logística Lda.; de fls. 297 a 298 de Manobras Espontâneas - Organização de Transportes; de fls. 299 a 300 de Léguas Instantâneas Lda.; de fls. 342 a 344, 345 a 346 de Hábil Cedilha Unipessoal Lda.; de fls. 347 a 353 de Mundo Submerso- Organização de Transportes Unipessoal, Lda.;

Extrato de conta da J. MORAIS, respetivas faturas e CMR’s, de fls. 203 a 258; Modelo 3 IRS do arguido AA, do ano de 2014, de fls. 409, do ano

de 2015, de fls. 410 a 419, e do ano de 2016, de fls. 420 a 424; Informação da A. Tributária de fls. 425 a 428

VOL. II

Documentos contabilísticos, faturas e guias de remessa de fls. 536 a 579, correspondente à transportadora KAPA (v. email assinado por “MM”);

Cópia de documento de dissolução da sociedade Augusta Coelho Ferreira & Ferreira de fls. 580 a 581;

Documentos de cobrança de dívida de fls. 583 a 591 (KAPA);

Prints do Portal da Justiça de fls. 592 a 619 (relativos a vária sociedades);

Documento de fls. 626;

Documentos contabilísticos e guias de transporte de fls. 628 (TRANSNEIVA); Documentos contabilísticos e guias de transporte de fls. 631 a 636 (PSST); Documento contabilístico de fls. 638 (RANATRANS);

Correspondência de fls. 788 a 792 (entre o arguido AA e a SDV); Faturas de fls. 794 a 817 (SDV);

Documento contabilístico de fls. 819/820 (TRANSJANARDO);

VOL. III

Fatura de fls. 906 (DLB);

Contrato de cessão de quota (do NN ao arguido AA) de fls. 977 a 978;

Correspondência de fls. 979, 982 a 985 (entre NN e o arguido BB);

Documentos contabilísticos de fls. 1089 a 1096 (TRANSOLIVEIRA); Documentos contabilísticos de fls. 1097 a 1112 (TRANSPORTES CENTRAIS);

Documentos contabilísticos de fls. 1114 (RANATRANS);

VOL. IV

Certidão permanente de Carlos Dias Sociedade Unipessoal, Lda., de fls. 1293 a 1296;

Auto de diligência externa de fls. 1317 a 1319 (pesquisa da morada: rua …, 3.º, sala 2);

Auto de busca e apreensão de fls. 1348 a 1351 (residência do arguido AA);

Termo de recebimento de fls. 1364

VOL. V

Cópia da ata da audiência de julgamento do Processo n.º 7/98.6… (de onde consta como mandatário do arguido o Dr. BB) e respetiva sentença, e cópia da sentença proferido no Processo n.º 2927/96.3…, de fls. 1518 a 1552;

Documentos de fls. 1559 a 1562: troca de correspondência e faturas (TOTALPLAN);

Correspondência de fls. 1573 a 1578 (JACUNHA);

Documentos contabilísticos de fls. 1579 a 1591, 1597 a 1559 (JACUNHA); Documentos referentes à insolvência de Carlotir, de fls. 1646 a 1667; Documentos de fls. 1668 a 1677, relativos ao serviço prestado por TRANSPORTES ROÇAS.

Documentos contabilísticos de fls. 1683 a 1717 (TRANSOLIVEIRA), 1743 a 1791 (SDV), 1793 a 1838 (TRANSJANARDO), 1862 a 1867 (DLB), 1869 a 1895 (TEU), 1898 a 1928 (J. MORAIS);

VOL. VI

Documentos Contabilísticos de fls. 1980 a 1986 (DLB), 1995 a 2041, 2049 a 2067 FUTURCARGO);

Cópia da acusação proferida no Processo n.º 545/11.7…, de fls. 2134 a 2142;

VOL. VII

Documentos de fls. 2232 a 2252 (TRANSPORTES CENTRAIS); Documentos de fls. 2255 a 2264 (PSST);

Documentos contabilísticos de fls. 2288 a 2298 (extratos recapitulativos da “Granitos Vasco Cunha”), 2308 a 2317 (RANATRANS) e 2319 a 2325, 2328 a 2330, 2332 a 2334;

Documentos de fls. 2377 a 2391 (MADEISOBROSA), 2282 a 2285 (correspondência), 2266 (MANUEL MENDES);

Cópia do processo de insolvência da Manobras Espontâneas, Lda., de fls. 2339 a 2365;

Docs. Contabilísticos de fls. 2369 (FUTURCARGO); Docs. de fls. 2311 a 2317 (RANATRAS);

Documentos de fls. 2319 a 2325, 2328 a 2330 e 2385 a 2391;

Cópia sentença do processo comum singular n.º 1604/17.8… de fls. 2392 a 2396;

Docs. Contabilísticos de fls. 2408 a 2411 (MEG), 2415, 2411 a 2416;

Cópia da petição apresentada por BB da Carlotir, Lda., e sentença do Processo n.º 8954/15.6…, de fls. 2417 a 2555;

VOL. VIII

Informação do Juiz 3 do Comércio de … sobre processo insolvência da Comfort Express, Lda., de fls. 2558 a 2587;

Cópia do pacto social da Verticessoma Unipessoal, Lda., de fls. 2595 a 2597, da Comfort Express, Lda., de fls. 2598 a 2602, da Hábil Cedilha Unipessoal, Lda., de fls. 2604 a 2606, e da Mundo Submerso, Lda., de fls. 2627 a 2629;

Documentos contabilísticos e correspondência (AA …) de fls. 2634 a 2657;

Cópia do requerimento de dissolução da Augusta Coelho - Logística Unipessoal, Lda. de fls. 2658 a 2660 (dos quais decorre que não teve a intervenção de mandatário);

Docs. contabilísticos e correspondência de fls. 2701 a 2745 (HORATOTAL); Docs. apresentados pelo arguido BB para registo de DIVITIR de fls. 2755

a 2756;

Docs. de fls. 2759 a 2773 (MADEISOBROSA); Docs. de fls. 2774 a 2787 (TRANSJANARDO);

Cópia do requerimento de insolvência da MUNDO SUBMERSO (P. n.º 277/12.9…), apresentado por GLOBEX, de onde constam as faturas em dívida, de fls. 2794 a 2802;

Informação do 1.º Cartório Notarial de Matosinhos de fls. 2803 e 2804 a 2811, relativa à autoria dos atos relativos à MANOBRAS ESPONTÂNEAS (arguido AA), DIVITIR (arguido BB), CEDILHA MATINAL (GG) e AUGUSTA COELHO – LOGÍSTICA UNIPESSOAL, LDA. (FF);

Cópia do pacto social da DIVITIR de fls. 2807 a 2809;

Cópia do requerimento de insolvência de Carfecargo (P. n.º 374/07.2…), de fls. 2813 a 2822;

Docs. De fls. 2841 a 2867 (ABREU CARGA);

VOL. IX

Certidão permanente da sociedade MAR e AR de fls. 3068 a 3077; Certidão permanente da sociedade GLOBEX de fls. 3090 a 3106; Documentos juntos com o PIC da PSST de fls. 3145 a 3154 e 3161 a 3168;

VOL. X

Documentos juntos com o PIC da TRANSNEIVA de fls. 3338 a 3387; Documentos juntos com o PIC da TRANSOLIVEIRA de fls. 3396 a 3416; Documentos juntos com o PIC da KAPA de fls. 3459;

Documentos juntos com o PIC da J. MORAIS de fls. 3476 a 3521;

VOL. XII

Documentos juntos pelo arguido AA com a contestação (cfr. fls. 3772 a 3792);

Relatório social do arguido AA de fls. 3899 a 3902;

VOL. XIII

CRC’s de fls. 4174 a 4184

Certidão do Processo n.º 13/15.8…. de fls. 4186 a 4202;

APENSOS

Apenso A – Processo n.º 1473/17.8…: TEU Transitário, Lda. Documentos contabilísticos e faturas de fls. 100 a 118;

Faturas de fls. 128 a 130 (SIGNICITY);

Documentos contabilísticos e faturas de fls. 134 a 168 (GINKGO); Correspondência de fls. 175 a 185 e de fls. 198 a 236;

Documentos contabilísticos e faturas de fls. 186 a 196 (EURO-ARIZ);

Cópia processo de insolvência de Manobras Espontâneas Lda. De fls. 2339 a 2365;

Docs. contabilísticos de fls. 2369 (FUTURCARGO);

Docs. contabilísticos de fls. 2385 a 2391 (MADEISOBROSA);

Cópia sentença do processo comum singular n.º 1604/17.8…, de fls. 2392 a 2396;

Docs. contabilísticos fls. 2408 a 2411 (MEG);

Apenso D – Documentação  bancária das sociedades comerciais pertencentes/utilizadas pelo arguido AA;

Apenso E – Documentação relativa ao registo das constituições e dissoluções das sociedades comerciais utilizadas pelo arguido AA a saber:

1. Carfecardo- Organização de Transportes de Mercadorias Unipessoal; 2. Comfort- Express, Lda.;

3. Mundo Submerso; 4.Prismamix; 5.Verticessoma; 6.Carlotir;

7. Augusta Coelho Ferreira & Ferreira; 8.Augusta Coelho- Logística Unipessoal; 9.Ramada TIR;

10. Divitir- Logística, Lda.; 11.Léguas Instantâneas; 12.Manobras Instantâneas;

13. Cedilha Matinal Unipessoal, Lda.; 14.Hábil Cedilha;

15. Jumporplex; 16.Caudal Semanal; 17.Adiciona Léguas;

Documentos relacionados com a constituição, dissolução e encerramento da liquidação das sociedades Ramada TIR, Cedilha Matinal, Manobras Instantâneas, Augusta Coelho- Logística Unipessoal e Divitir;

Apenso F - Declarações IES das sociedades comerciais utilizadas pelo arguido AA;

Apenso G – Autos de busca e apreensão, designadamente, na casa do arguido AA, da documentação relativa à constituição da sociedade Caudal Semanal (cfr. fls. 22 39), da procuração aludida no facto 194.º (cfr. fls. 40 a 43), de contrato de domiciliação de sede (cfr. fls. 52 a 54), procuração aludida no facto 190.º (cfr. fls.76 e 77) e atas da sociedade Cedilha Matinal (cfr. fls. 107 e seguintes);

Apenso H – Autos de transcrição;

Apensos I, J e KI – Documentação da Granitos Vasco Coelho Cunha, Lda.; Apenso L - Documentação contabilística e prova de pagamento dos clientes do arguido AA; Apenso M – Documentação da FUTURCARGO. » prova pericial:

»» Relatório da perícia financeira da P.J. constante da parte final do Apenso D.

» Declarações dos arguidos:

»» Arguido AA: muito embora inicialmente tenha colocado em causa a veracidade dos factos descritos na acusação, para a qual remete a pronúncia, o certo é que acabou por reconhecer como verdadeiros a maioria de tais factos, confessando que ao longo do período de tempo ali referido constituiu as indicadas sociedades comerciais com vista à contratação de serviços de transporte que nunca teve a intenção de pagar, assim causando o correspondente prejuízo patrimonial às sociedade que lhe prestaram aqueles serviços, que lhe foram pagos a si pelas entidades de dele beneficiaram, fazendo dessa atividade o seu único modo de vida.

Assim, declarou este arguido, quanto aos indicados artigos da acusação:

» 1.º) exercer efetivamente tal atividade, mas só a partir de 2013;

» 2.º) verdade;

» 3.º) verdade;

» 4.º) verdade;

» 5.º) verdade;

» 6.º) Não é verdade; AAA, foi sua esposa e teve com ela uma sociedade (Transana, transitários, Lda.), constituída antes de 2000; divorciaram-se em 2004; tinha umas ideias sobre este mercado e decidiu constituir esta sociedade; tinham então dois funcionários; com o divórcio terminou a sociedade e foi trabalhar por conta de outrem, numa firma em … (empresa de transportes, tinha camiões próprios, só tinha que arranjar cargas) que tinha uma filial em …; esteve lá dois anos e depois foi para outra firma (DETRANA, transitários, Lda., em …); trabalhou para esta última dois, três ou mais anos; depois esteve como vendedor de publicidade para as páginas Amarelas (um ano); após trabalhou como comercial na WURTH (ferramentas), durante um ano e tal; depois, criou a Vertissoma, empresa de transportes;

Ora, considerando que os crimes de emissão de cheque sem provisão por que foi condenado se reportam a 1996 e dizem respeito ao pagamento de serviços de transporte, dúvidas não temos que iniciou, pelo menos, naquele ano a referida atividade.

» 7º) confirma que os contactos que mantinha eram quase todos por telefone; Não obstante o afirmado, o certo é que constam do processo inúmeros emails trocados com as sociedades ofendidas.

» 8º) o normal era o pagamento a pronto ou a 30 dias, dependendo do que fosse negociado.

Apurou-se que grande parte dos pagamentos era a 30 dias. » 9º) falso;

Mais à frente, reconheceu ser verdadeiro.

» 10º) falso; nunca usou identidades falsas; tinha uma amiga, BBB, que, por coincidência, era cliente do Dr. BB; contou-lhe que tinha vários processos de cheque sem provisão e que estava declarado contumaz, o que nem sabia o que queria dizer, sendo que o B.I. tinha caducado e não conseguia renovar, o que lhe foi informado no Registo Civil; perguntou-lhe se conhecia um advogado e ela disse que tinha um bom advogado para essas situações; ela levou-o lá ao escritório do BB e tornou-se cliente dele; ele resolveu-lhe todos os processos; nessa altura, não tinha dívidas, nomeadamente da Vertissoma; começou a ter confiança total com o BB e começou a pagar-lhe uma avença mensal de 150/170 euros.

»11º) Mundo Submerso Organização de Transportes Unipessoal, Lda.: não era sua, era de uma senhora chamada CC; nessa altura começou a fraquejar, ficou sem dinheiro e o BB disse que podia fechar e abrir sociedades, então ela ficou como gerente, mas passou-lhe uma procuração para poder exercer todos os poderes; quem elaborou a procuração foi o coarguido; Prismanix Unipessoal, Lda.: não era sua; não sabe de quem era; dava apoio a esta sociedade em part-time; Adiciona Léguas Unipessoal, Lda.: não era sua, não conhece; Augusta Coelho Ferreira & Ferreira Lda.: casou com a FF e esteve casado com ela cerca de um ano, vivia em …, …, constituiu com ela esta Sociedade; Augusta Coelho – Logística Unipessoal, Lda.: foi só a sua mulher que a criou, por sua sugestão; ela tinha o ciclo e um curso de geriatria; esta sociedade foi um capricho, ela queria ter uma firma: Cedilha Matinal, Lda.: não conhece; Hábil Cedilha Unipessoal, Lda.: não lhe diz nada; Jumporplex Unipessoal, Lda.: nada lhe diz; Caudal Semanal Unipessoal, Lda.: diz-lhe algo, participou nesta sociedade, tinha procuração do gerente, que era a II, sua companheira; as restantes sociedades foram constituídas por si; o BB é que lhe sugeria os nomes das sociedades e dizia para abrir e fechar sociedades; ele exigia sempre que lhe pagasse metade dos lucros, pelo que não tinha possibilidade de manter aquelas sociedades; o BB tratou da sua insolvência pessoal em 2015, o que não sabia o que era; só depois é que ele lhe explicou e aí ficou com medo; mas o BB disse-lhe que até teve sorte, pois tinham-lhe dado a exoneração do passivo; tudo o que fez foi por sugestão do BB, o qual lhe disse que era legal abrir e fechar sociedades.

» 12º) é verdade que as conheceu através de uma agência matrimonial; casou com a FF e com a GG, mas esta deixou-o ficar.

» 13º) verdade.

» 15º) a CCC tratava da informática; a LL, o QQ e a TT foram pessoas que trabalharam para ele; o BB é que lhe sugeriu este esquema de negócio.

» 19º) falso.

Mais à frente, reconheceu que tal facto era verdadeiro.

» 20º) verdade que as sociedades não receberam, mas pagou alguns serviços;

» 23º) falso, o JJ não entrou na sociedade, era funcionário da …; a única sócia era a CC; não lhe prometeu nada, vivia com ela; ela depois foi para o Brasil por o pai estar doente;

» 24º) tinha escritório naquela morada, pagava renda e não ficou a dever nada; esta sociedade não foi “feita” pelo BB, mas sim por outro advogado de …; o JJr morava em … e pediu-lhe para ser seu sócio; não sabe porquê; “eu pedi-lhe para ser uma limitada”.


*


Tais declarações foram contraditadas por JJ, o qual declarou: o AA era seu vizinho (viveram na mesma rua, em …, cerca de ano e tal, no ano de 2010); foi sócio da Mundo Submerso, juntamente com a menina CC, que vivia com o AA; O AA pediu-lhe para ser sócio com a companheira, por ela estar há pouco tempo em Portugal e para ela poder fazer descontos para a Segurança Social; foram os três à Exponor, ao “balcão na hora”, tratar de tudo; o AAs montou um escritório em …, num centro comercial; ficaram ambos como gerentes; nunca passou uma procuração; esteve naquele escritório cerca de um mês e tal e depois pediu para sair, pois não havia movimento nenhum; passou a quota para a CC, que nunca foi à empresa; entretanto o AA desapareceu de …; nunca falou com nenhum cliente; foi a contabilista, D. II, amiga do AA, que tratou de tudo; o AA aparecia lá de vez em quando, mas trabalhava a partir de casa, onde havia um computador; depois mudaram o escritório para  …; o AA tratava de transportes de Itália para Portugal; o arguido prometeu-lhe uma percentagem, mas nada recebeu; o AA parecia ser uma pessoa abastada; ele pagava tudo nos restaurantes; as pessoas falavam que ele era um empresário; pensou que aquilo era uma empresa de fachada, sendo que o AA tinha outra empresa, a Cafecar.

*


» 26º) tudo verdade, menos o facto de se ter apresentado como JJ; apresentava-se como AA;

» 27º) Verdade. Falou com o DDD, filho, que sabia de tudo, mas aceitou fazer negócio com ele.

» 28º) confusão quanto à XX, que tinha uma casa de computadores e que lhe mandada emails ao fim de semana; é provável que tenha assinado com o nome dela;


*


Decorrendo do depoimento prestado pela testemunha LL que esta apenas foi trabalhar para o arguido no ano de 2014, é evidente que o arguido não lhe pode ter dado a referida ordem, motivo pelo qual se considerou tal facto como não provado.

*


» 29º) pagou os dois primeiros, salvo o erro; mas pode não ter pago nenhum. »

33º) verdade, sendo que entregou metade deste valor ao BB, ficando com a outra parte para si; foi pago de idêntico valor por estes transportes; contratava o serviço de transporte a várias empresas, que escolhia pelos valores que elas praticavam; foi à J. Morais e falou com o legal representante da empresa, tendo acordado com ele um plano de pagamento da dívida anterior, cujos termos não recorda, que não foi reduzido a escrito; não o cumpriu; ganhava com estes serviços 50 a 100 euros; as outras empresas ou pagavam por transferência bancária ou em dinheiro; a metade devida ao coarguido era paga em dinheiro; contratou estes serviços sabendo de antemão que não iria pagar;

» 33º) nunca se apresentou como JJ; esteve pessoalmente na empresa, nas as sócias, que já conheciam;

» 34º) verdade;

» 36º) não sabe quantos transportes contratou nem quanto ficou a dever. Porém, isso resulta dos documentos juntos aos autos, referidos no respectivo artigo.

» 37º) verdade: deixou o escritório e alterou os contactos.

» 38º) confirma.

» 39º e 40.º) verdade.

» 41º) teve escritório neste local, a morada não era fictícia.

» 42º) com a Léguas nada contratou, só contratou com a Carlotir, que era só sua.

» 43º) porém, acabou por confirmar o transporte, não sabendo o montante das faturas.

O valor das faturas resulta dos documentos acima referidos.

» 44º) mudava sempre de escritório, email e telefone; mantinha o número pessoal dois ou três meses.

» 46º) teve intenção de pagar estas faturas.

Se teve, não se compreendo porque não as pagou, pois recebeu pelos serviços prestados da sociedade que deles beneficiou.

«47º a 54º) não coloca em causa os serviços prestados, mas o sabe o respetivo valor; o escritório da sociedade era na Rua …; teve intenção de pagar; foi sempre aconselhado pelo BB.

Tal valor resulta inequivocamente dos documentos acima referidos.

» 55º) quando fechavam umas sociedades, abriam outras, das quais exercia sempre a gerência por nomeação ou procuração.

» 56.º a 60.º) tudo verdade; a EEa era sua namorada e aceitou figurar como sócia;

» 61º a 63º) verdade; usou o nome KK; não sabe quantos serviços foram;

» 64º) falso; tem problemas de coração desde 2004; foi operado há 3 anos às coronárias;

» 67º) falso.

» 70º e 71.º) a dívida é verdadeira; teve a intenção de enganar esta sociedade.

» 72º) quem falava mais com eles era a LL; não conhece ninguém desta firma; a LL já sabia mais que ele; ela fazia isso com a sua autorização.

» 73.º a 77º a 84.º) não sabe se foram efetuados alguns pagamentos; esteve internado no Hospital de …; foi operado à vesícula; a final, é tudo verdade.

» 86º) foi através de um anúncio na Revista … .

» 87º) a FF ficou sócia de duas empresas

» 90º) a sede da sociedade era na residência d FF.

» 93º a 98º) verdade; não sabe qual foi o valor, mas reconhece que ficou em dívida; é verdade que quis enganar.

» 99º) a FF morava em …, …r; esta morava não está a ver o que é.

» 100º) não recorda; pode ter acontecido.

» 101.º a 107.º) pensa que a LL se chama MM; não fez negócios com esta sociedade; a final, é tudo verdade.

» 108º a 110º) a sociedade é sua, juntamente com o amigo do coarguido BB, que saiu uns dias depois; não o conhecia, foi o BB que falou com ele; nunca esteve com o NN.

» 111º) não sabe.

» 113º) a morada é a da sua casa.

» 114º a 117.º) inicialmente, disse não se recordar de ter feito negócios com esta sociedade; não conhece ninguém desta sociedade; talvez a LL tenha feito os negócios por ele, pois ele já estava doente; tinha cancro inicial no pulmão esquerdo, esteve mais de mês e meio em casa; depois, reconheceu ser tudo verdade, atuando a LL sob as suas ordens.

» 118º a 121º) inicialmente, disse não se recordar dessa sociedade, pelo que não confirma; terá sido a LL a fazer isso, tinha carta verde; depois reconheceu ser tudo verdade;

» 122º a 124º) inicialmente, negou negócios com esta sociedade, por já estar em casa doente; depois, reconheceu ser tudo verdade; a maioria das empresas pagavam em dinheiro; marcavam encontro e entregavam; o UU, de …, mandou-o para os montes para receber.

» 125º e 126º) inicialmente, negou negócios com esta sociedade; depois, reconheceu ser tudo verdade.

» 129º) morada correspondente à sua residência, a qual também servia de escritório.

» 131º) era ele que administrava a sociedade.

» 135º a 140º) tudo verdade; foi a LL que contratou, a qual atuou sob as suas ordens e orientações.

» 141º a 144º) tudo verdade.

» 145º a 148º) tudo verdade.

» 149º a 153º) tudo verdade; atuou através da LL, que lhe transmitia tudo.

» 154º a 158º) tudo verdade; atuou através da LL.

» 159º) a morada era fictícia; salvo o erro era a habitação de uma senhora que conhecia há muitos anos; esta sociedade era só sua.

» 160º) tinha um escritório na Rua ….

» 166º e 167º) tudo verdade.

» 168º, 169º, 170º a 173.º, 173.º a 175.º, 176º a 178º) tudo verdade.

» 179º e 183º) tudo verdade, mas pensa que neste caso ainda fez um pagamento ou outro;

» 186º) verdade, chegou a casar com ela.

» 187º) verdade, mas esta firma nunca laborou.

» 190º) verdade.

» 193º) verdade.

» 194º) é verdade; foram a …, à Conservatória, no carro do BB, o qual não esteve sempre presente; a HH também foi sua companheira.

» 195º e 196º) verdade; não foi ele que colocou o anúncio, limitou-se a responder, ligando para o número ali indicado; tiveram um relacionamento durante cerca de 4 meses e chegou a viver com ela.

» 197º) verdade.

» 198º a 201º) verdade.

» 202º a 203º) verdade.

» 204º) verdade, mas não era desculpa, estava mesmo doente e a fazer tratamentos no IPO.

» 206º, 207º e 208º) verdade.

» 209º a 212) é tudo verdade; mas na altura em que foi preso já andava a ver outros empregos e já tinha sido admitido na … .

» 218º) “Granitos Vasco Cunha”: não pode assegurar o valor indicado, pois o senhor UU pagou muitas vezes em dinheiro; “Bieltex”: verdade; “Ferral- José Luís & Ca. Lda”, através da “Augusta Coelho Logística”: verdade; “Ferral- José Luís & Ca. Lda”, através da “Augusta Coelho Ferreira & Ferreira Lda.”: não pode garantir; “Cordex”, através da sociedade Ramada TIR: é verdade, mas não pode confirmar os valores; “IRP-Indústria Recicladora de Plásticos Lda.”, através da “Divitir”: verdade; “HIGIEXPORT”, através da Carlotir e da Divitir: em princípio é verdade, mas não pode garantir o valor.

» 219º) não pode garantir o valor; houve uma sociedade, da GG, que nunca laborou.

» 220º) é verdade.

Declarou ainda o arguido AA que: foi o coarguido BB que o representou no julgamento dos cheques sem provisão (o que se confirma através da ata do respetivo julgamento, acima referida); os clientes mandavam-lhe a tabela de preços e depois dava mais dinheiro aos transportadores para conseguir os objetivos; pedia cotações de preços e depois fazia uma proposta, que era aceite ou não; ia todos os dias ao MB ver o saldo; quando recebia tirava metade, que levantava e entregava ao BB; ficava com o resto para despesas e medicamentos, ou seja, para sobreviver; pagava ao BB sempre em dinheiro, no escritório dele, após as horas de expediente; não se lembra de nenhum valor que lhe tenha entregue, mas era meio/meio; nunca levou quantias abaixo dos 5 mil euros; até pedia ao banco notas de 200; ele sabia perfeitamente quando uma firma estava a morrer (tinha dívidas) e quando, por isso, tinha que criar outra; o BBB tinha o email e as passwords de todas as firmas; era controlado pelo BB.



*


 »» arguido BB: afirmou não ter cúmplice de qualquer crime. Esclareceu que: conheceu o arguido AA em meados de 2013, altura em que ele foi seu ao escritório dizer que estava contumaz; foi com ele apresentar-se em todos os processos e apresentou contestação; antes das audiências, substabeleceu na colega ZZ todos os processos, o que aconteceu em junho ou julho de 2013; não ficou com mais nenhum processo dele; o substabelecimento foi passado a pedido do AA, que não queria que fosse ele a representá-lo; posteriormente, em fins de 2013 ou inícios de 2014, tornou a contactá-lo, tendo desde então acompanhado o mesmo em constituições de sociedade, processos declarativos ou executivos, de insolvência; nenhum deles faziam suspeitar que estavam perante uma sociedade destas.

Interveio nas seguintes sociedades:

- CARLOTIR: apenas na insolvência; não foi constituída por ele nem alterou a sede;

- RAMADA: constituída por ele;

- DIVITIR, LÉGUAS INSTANTANEAS, HÁBIL CEDILHA e mais uma ou duas. Nunca ajudou o arguido AA a escolher o nome das sociedades.

O NN é advogado e seu amigo. O arguido AA precisava de constituir nova sociedade e precisava de um sócio. Não achou esse pedido estranho, pois o arguido era uma pessoa solitária. O seu colega nem chegou a ser gerente.

Não sabe como eram constituídas as restantes sociedades.

Diz que foi instrumentalizado pelo AA. Nunca lhe perguntou o porquê de tantas sociedades, nem o porquê de procurações com poderes de gerência.

O AA sempre lhe pareceu uma pessoa modesta, com parcos rendimentos. Não transparecia que nadasse em dinheiro. Só lhe conheceu duas mulheres: a FF e a GG.

Não tem conhecimento que o AA andasse sempre a saltitar de escritório. Só conheceu o escritório de …, tendo-se cruzado à entrada com o AA e a LL.

É falso que recebesse metade da faturação. Sempre viveu do seu trabalho de advogado.

OO (seu conhecido): também foi um sócio que arranjou para o arguido AA, a pedido deste. Esta sociedade nem sequer iniciou atividade.

Todas as intervenções que teve e que estão registadas online: confirma.

Teve intervenção na insolvência da Carlotir. A insolvência não foi classificada como dolosa. O arguido AA nunca foi impedido do exercício de funções de gerência.

Não compreende o porquê de o arguido o implicar em toda esta atividade. Restaurante …, rua …: almoça lá muitas vezes e o AA, a LL e o QQ também lá iam almoçaram algumas vezes juntos, pelo que se cruzaram várias vezes.

O AA sempre se queixou de problemas de saúde. Lembra-se de ele ter sido submetido a um cateterismo. Ligou muitas vezes a dizer que estava doente, em tratamento (pulmões).

Nunca teve noção da dimensão das dívidas do AA. É tudo falso. Se suspeitasse nem sequer pedia a colaboração de pessoas suas amigas.

A intervenção do NN foi na sequência de uma execução, em que foram bloqueadas as contas do arguido AA.

Assume que atuou com falta de cuidado e com alguma ingenuidade. Não tinha qualquer suspeita. Hoje em dia basta um euro para constituir uma sociedade, pois não há capitais mínimos. Isso entrou em vigor com as “sociedades na hora”.

Não tem recibo dos valores que recebeu do AA, tem ideia que ao longo do tempo terá recebido cerca de 5.000 euros, principalmente para provisão do pedido de insolvência.

Apresentou nota de honorários ao arguido AA. Pensa que ele lhe deve cerca de 4.000 euros. Não obstante a dívida, continuou a representá-lo, na expetativa de poder vir a receber. Nunca teve amizade com ele. A LL nunca lhe deu conhecimento das dívidas existentes, nomeadamente à Transneiva.

TRANSOLIVEIRA: no início existiu uma avença no valor de 150€, que só durou 2 meses, pois depois veio o substabelecimento; da segunda vez, não acordaram nenhuma avença; pelo serviço inicial terá recebido cerca de 400 euros (honorários e despesas); fornecia ao arguido as referências para pagar os emolumentos online; não achou relevante o passado criminoso do arguido relativo a cheques sem provisão referentes aos anos 90.

RAMADA TIR: não interveio na dissolução e não teve conhecimento da mesma.

SDV Transitários Lda.: o AA pediu-lhe que interviesse junto desta sociedade para fazer um acordo de pagamento; fez contactos com a SDV nesse sentido; o arguido disse-lhe que estava com dificuldades para receber, e daí que não pagasse. Não se recorda da data da sua intervenção. Chegou a intentar uma injunção, que foi julgada extinta pelo pagamento.

Não se recorda de ter tido intervenções fora das que estão realizadas online. Também interveio na insolvência pessoal do arguido. Tem ideia que os valores não eram muito elevados, mas não tem memória dos mesmos. O principal credor do arguido era o BPI (por ter sido fiador). Pensa que eram créditos decorrentes da atividade comercial. Não houve qualificação da insolvência.

Não achava estranho nem pedia explicações sobre a criação das novas sociedades. O Sr. UU não lhe disse que o QQ tinha um crédito sobre o AA. Nunca se colocou a possibilidade de ser ele sócio das sociedades, até porque era ele que estava a tratar das sociedades.

Relação com o AA: estritamente profissional.

Não sabe quem fez as atas de dissolução das sociedades.


*


Ora, os factos que o arguido negou ou revelou não se recordar e que o tribunal considerou como provados resultaram demonstrados através da abundante prova documental acima elencada, do relatório pericial da PJ (com discriminação dos valores pagos ao arguido AA e dos valores movimentados nas contas bancárias daquele e das sociedades por ele efetivamente geridas), bem como das declarações prestadas pelos legais representantes:

» da assistente EURO-ARIS (EEE);

» da WORLDBROTHERS (FFF e GGG):

» da TRANSOLIVEIRA (HHH);

» da KAPA (III);

» da TRANSNEIVA (JJJ);

Declarações essas que nos mereceram total credibilidade, atenta a forma séria, clara e objectiva como foram prestadas.

Atendeu-se igualmente ao depoimento prestado pelas testemunhas:

» LL (funcionária do arguido AA desde 2014 a 04.10.2017) que descreveu de forma minuciosa o trabalho que desenvolvia para aquele;

» KKK (Inspetor da PJ), o qual, além do mais confirmou que fizeram a análise das contas do arguido AA, apreenderam a faturação e apuraram o valor das faturas não pagas, conforme decorre do respetivo relatório pericial.

» QQ (funcionário do arguido AA em maio ou junho de 2017, durante cerca de dois meses e meio).

» GG (mulher do arguido entre fevereiro e outubro de 2017);

» EE (amiga do arguido AA e sócia de uma das sociedades daquele),

» FF (mulher do arguido durante cinco meses no ano de 2015, com início em 07.02.2015);

» NN (advogado e amigo do arguido BB, o qual figurou como sócio em duas sociedades);

» OO (mecânico de automóveis e amigo do arguido BB, que também figurou como sócio numa sociedade do arguido AA);

» LLL (funcionário do arguido AA durante dois meses, em 2017);

» UU (gerente da Granitos Vasco Coelho da Cunha, Unipessoal, Lda., que recorreu aos serviços de transporte do arguido AA);

» MMM (empresário de granitos por conta própria, que recorreu aos serviços de transporte do arguido AA);

» NNN (funcionária da sociedade TRANSNEIVA);

» OOO (funcionária da sociedade PSST); e

» PPP (irmã do arguido).

À exceção do depoimento desta última testemunha, que se mostrou um pouco tendencioso, atenta a relação que tem com o arguido, todos os restantes mereceram total credibilidade por parte do tribunal, pelo que se atendeu aos mesmos na apreciação dos factos.

Muito embora o arguido AA tenha dito que foi o arguido BB que sugeriu que ele começasse a abrir e a fechar sociedades, usando outras pessoas como sócias de fachada, e que, inclusivamente, lhe exigia sempre o pagamento de metade dos lucros decorrentes da sua atividade, o que levou a que não conseguisse manter tais sociedades, o certo é que tais declarações, na medida em que, por um lado, não nos mereceram credibilidade e, por outro lado, não se mostram corroboradas por outros meios de prova, não são suscetíveis de comprovar o grau de participação daquele que vem referido na acusação e, por maioria de razão, os factos alegado por aquele em audiência.

Na verdade, as declarações de coarguido são legalmente admissíveis como meio de prova e podem ser livremente valoráveis pelo tribunal, conforme tem vindo a ser reconhecido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores.

De acordo com a jurisprudência maioritária sobre esta matéria, apesar de nada proibir a valoração como meio de prova das declarações de coarguido sobre factos desfavoráveis a outro, pois o art.º 344.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova resultante das declarações do coarguido, o certo é que tais declarações só devem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando exista alguma prova adicional a tornar provável que a história do coarguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações (v., entre outros, o Ac. RL, de 25.04.2007, proferido no processo nº 3318/07-0, passível de consulta em www.dgsi.pt).

Diz-se no Ac. do STJ de 12.03.2008, proferido no processo n.º 08P694, que: “É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseada somente nas declarações do coarguido, porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas, tal como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o ânimo de vingança, o ódio ou ressentimento, ou o interesse em Auto exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados.

Por isso, para dissipar qualquer dessas suspeitas objetivas, é razoável que o coarguido transmita algum dado externo que corrobore objetivamente a sua manifestação incriminatória, com o que deixará de ser uma imputação meramente verbal para se converter numa declaração objetivada e superadora de um eventual défice de credibilidade inicial. Não se trata de criar, à partida e em termos abstratos, uma exigência adicional ao depoimento do coarguido quando este incrimine os restantes, antes de uma questão de fiabilidade.

A credibilidade do depoimento incriminatório do coarguido está na razão direta da ausência de motivos de incredibilidade subjetiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma autoinculpação.

No mesmo sentido, veja-se o acórdão do TRC, de 21.06.2017, proferido no processo n.º 320/14.7GASPS.C1: “Nada impede que um arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento e que constituam objeto de prova, quer de factos que só a ele digam diretamente respeito, como sobre factos que também respeitem a outros arguidos. O n.º 3 do art.º 344.º do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova resultante das declarações do arguido, mas apenas que, nesses casos, as declarações do arguido não têm o valor de força probatória pleníssima que deve ser atribuída aos casos do n.º 2.” - cfr. Ac. de 30-5-97 (proc. n.º 498/96), citado no Ac. do STJ, de 27-11-2007, in www.dgsi.pt.

Portanto, as declarações de coarguido constituem um meio de prova válido a apreciar livremente pelo tribunal (artigos 344º, n.º 3 e 127º do CPP), revelando-se essencial o respeito pelo princípio do contraditório e que as declarações sejam corroboradas com outro(s) meio(s) de prova. Este tem sido o entendimento da doutrina e da jurisprudência.

Ora, nenhuma das testemunhas inquiridas veio confirmar o que foi dito pelo arguido AA. Por outro lado, nenhum dos documentos juntos autos é susceptível de o demonstrar, sendo que a transcrição da conversa telefónica constante de fls. 61-A e 61-B do Apenso H, mantida entre ambos os arguidos, não é reveladora do sugerido grau de ascendência do arguido BB em relação ao arguido AA e do sugerido grau de confiança que uma relação continuada como aquela que o arguido AA aventou seria capaz de gerar.

De resto, as testemunhas inquiridas, que mantiveram contactos com o arguido BB, nomeadamente, funcionários e mulheres do arguido AA, não descreveram nenhuma situação donde decorresse tal grau de ascendência, confiança e cumplicidade, pelo que, não obstante a censura que nos merece os actos praticados por aquele, designadamente, a sua colaboração na constituição de diversas sociedades e, principalmente, a angariação de sócios de entre o seu núcleo de amigos, tal não baste para se concluir, para além de qualquer dúvida razoável, que o mesmo tivesse conhecimento do tipo de actividade que aquele levava a cabo, ou seja, que utilizava as sociedades que constituía para enganar empresas de transportes, não pagando os serviços que contratava, cujo preço recebia da beneficiária do serviço.

É que, considerando a simplicidade com hodiernamente se constituíam e extinguem sociedades, a facilidade com que as empresas se apresentam à insolvência e a ausência de seriedade no cumprimento de compromissos, é razoável admitir-se que o arguido BB não se tenha apercebido das verdadeiras intenções do arguido AA e da dimensão e gravidade da actividade levada a cabo por aquele, até porque só teve intervenção em algumas sociedades, pelo que subsiste a dúvida sobre se prestou aquele auxílio com consciência e vontade de facilitar a actividade criminosa desenvolvida por aquele, dúvida essa que, por força do princípio in dubio pro reo, tem que ser valorada a seu favor.

A restante factualidade não provada resultou da falta de prova quanto aos mesmos, designadamente por não terem sido confirmados pelas testemunhas inquiridas.


§2.(b). – DE DIREITO.

§2.(b).1). – DUPLA CONFORME.

As conclusões configuram, na função postulativa que denotam para a pretensão do pedido de revisão de uma decisão, as proposições evocativas do pedido específico que o impugnante pretende ver solvidas pelo tribunal de recurso. A um tempo convocam a condensação da “causa de pedir” expositiva e substanciada das razões de discordância da decisão que pretendem ver alterada ou modificada e, através de enunciação dos pontos específicos conotados com o direito, as questões (“pedidos”) que apresentem e convocam para resolução pelo tribunal ad quem. As conclusões constituem-se assim com guias categóricos e postulativos que evocam e estabelecem a moldura do direito que o peticionante pretende e estima ver apreciado e solvido a seu favor para obtenção de uma satisfação da sua posição no processo.

Desta função vocativa e funcional das conclusões podem (devem) retirar-se consequências para o formatador dos pedidos, qual seja a de que as conclusões, enquanto sínteses proposicionais da fundamentação (“causa de pedir” do(s) pedido(s) a formular no recurso: alteração, revogação e/ou modificação da decisão impugnada), se conexionam e entretecem de modo a que o sentido a retirar das conclusões se deve buscar na explanação descritiva e narrativa da fundamentação. Desta íntima e inextrincável conexão de sentido e alcance do acervo conclusivo é legitimo extrair a ilação de que as questões que o peticionante pretende ver apreciadas e solvidas através da impugnação se apresentam como verdadeiros pedidos e que estes defluem da “causa de pedir”/fundamentação por radicar nela a substanciação alargada da pretensão que intentam formular. As conclusões, em resumidas contas, apresentam-se com um acto postulativo endereçado ao tribunal para que este aconchegue e/ou reverta o direito que o peticionante estima não ter sido atendido, ou correctamente avaliado e sopesado, no acto jurisdicional de fixação desse direito que se constituiu e fixou na decisão proferido pelo tribunal a quo. As questões de direito colimadas nas conclusões e apresentadas com proposições de vocação solvente para satisfação da pretensão do peticionante constituem-se como verdadeiros pedidos que devem ser conexionados e entretecidos com a “causa de pedir”/fundamentação em que o peticionante apresenta as razões para os pedidos que convoca.

Esquissada, em traços, necessariamente, gordos e quiçá “desmadejados”, a função e estrutura das conclusões, é mister convocar a razão que a motivou, a saber a verificação de uma situação de dupla conformidade.

Socavando as razões de discordância da decisão proferida em primeira (1ª) instância, o recorrente apresentou para a pretensão de alteração da decisão: (i) não terem devidamente julgados os factos que aportou a tribunal na respectiva contestação – conclusões 16 a 21; (ii) nulidade do inquérito, “por durante o mesmo o arguido não ter tido oportunidade de defesa, quanto aos 29 factos ilícitos criminais, pelos quais foi condenado” e o tribunal de primeira instância não ter atendido à necessidade e obrigatoriedade de comunicação ao arguido, no primeiro interrogatório dos novos factos e, consequentemente, á descoberta da verdade e ainda porque (sic) “não investigou convenientemente os factos, no que tange à eventual comparticipação dos restantes intervenientes, na constituição e desenvolvimento da atividade das Pessoas Coletivas e bem assim ao dolo específico e ardil necessário para o preenchimento do tipo” e ainda porque (sic) “não está presente no caso concreto o dolo específico para a prática do crime de burla” e “assim existe clara insuficiência na investigação dos factos”; (iii) omissão de fundamentação, por desprezo dos factos que o arguido apresentou na contestação (com relevância para a descoberta da verdade material) e tal se traduzir em merma da garantia de defesa (“cfr. artigos “379, nº 1, al. a), por referência ao artº 374, nº 2, ambos do C.P.P., o que, implica também a nulidade nos termos dos artºs 374 e 379, nº 1, al. c), todos do C.P.P., devendo implicar o reenvio da decisão recorrida para novo Julgamento.”; (iv) “A decisão recorrida padece ainda dos vícios constantes do artº 410 nº 2 do C.P.P., existindo uma clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e ainda erro notório na apreciação da prova, e tais vícios resultam do texto da decisão recorrida, conjugada com as regras da experiência comum, pois era de todo impossível a prática dos crimes, sem a colaboração de terceiros.”; (v) “deve proceder-se à alteração da qualificação jurídica dos factos, sendo o Recorrente condenado por um crime de burla qualificada, na forma continuada, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.”; (vi) “não existe nos autos prova bastante, nem suficiente para concluir que o Recorrente fez da “burla modo de vida” e qualificar os factos pelo artº 218, nº 2, al. b), do C.P.”, pelo que por aplicação do princípio in dubio pro reodeve ser afastada, esta qualificação baseada no modo de vida do Recorrente, sendo alterada a qualificação jurídica e o Recorrente condenado pela prática dos crimes de burla, sem a agravação do “modo de vida” com a consequente redução das penas parcelares e única aplicadas.”; (vii) finalmente a determinação da medida das penas parcelares irrogadas, bem como da pena única.

O cotejo dos temas apresentados pelo recorrente, nas conclusões (“pedidos”) para o Tribunal da Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça, robora-se a ideia já expressa supra de que os temas/questões em que se condensam os pedidos do recorrente são homólogos e simétricos, caso omisso para a questão da nulidade do acórdão (recorrido) por desprezo apreciativo da questão relativa à impugnação da decisão de facto.

A iteração das questões nos dois recursos comporta a possibilidade de alheamento de pronúncia no recurso interposto para este Supremo Tribunal de Justiça.

O arguido foi condenado em penas parcelares de alçada inferior à que está atribuída ao Supremo Tribunal de Justiça para o caso de o recurso provir do Tribunal da Relação, ou seja de quantitativo igual ou superior a oito (8) anos – cfr. alínea f) do artigo 400º do Código de Processo Penal. Fixando-se as penas (parcelares) irrogadas ao arguido em quantitativo inferior a oito (8) anos, a cognoscibilidade dos temas a ela concernentes está vedada ao Supremo Tribunal de Justiça, por imperativo (legal) – cfr. artigo 400º, nº 1, alínea f) do Código de Processo Penal. 

Na verdade, a lei ordinária, com respaldo na lei fundamental, regula o direito ao recurso, permitindo um duplo grau de jurisdição corrector e asseverante do direito que qualquer imputado pela prática de um ilícito penalmente punível, e por ele condenado, tem de ver o seu caso apreciado e revisto por um tribunal de rango superior aquele que procedeu à análise do caso em primeira instância.

Deste princípio basilar e incontrastável retira a lei consequências no caso de o caso haver sido apreciado por uma segunda instância de recurso.

A lei adrede, consagrou o instituto da dupla, tendo ficado consignado no artigo 400º do Código de Processo Penal a sequente redacção, na parte interessante: “1- Não é admissível recurso: (….) f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos”.

Com o comando contido na alínea f) do citado preceito o legislador de 2007 consagrou a figura da dupla conforme, isto é, a confirmação por um tribunal, sem discrepância de fundamentos essenciais, de facto e de direito, da decisão proferida em 1ª Instância. Prevaleceu-se o legislador, na sua opção jusnormativa, do facto de os intervenientes processuais manterem intactos o direito ao recurso, pelo direito que exerceram de apresentarem as razões da sua discordância perante um tribunal de rango superior – na acepção jusconstitucional do irremível direito ao recurso – e de evitar um prolongamento do procedimento por uma escalada de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, quando o caso já havia obtido uma confirmação, itera-se sem discrepâncias de dois órgãos jurisdicionais, de um parelho e concordante veredicto jurídico.

A criação da figura da dupla conforme, ou seja da confirmação (concordante e similar, na sua essencialidade) de uma decisão de um tribunal inferior por uma decisão de um tribunal de rango superior, concita consequências no plano do direito ao recurso, quando verificada a situação de conformidade, a saber o da não admissibilidade do recurso que o prejudicado pretenda interpor da decisão confirmatória da primeva decisão. Vale por dizer que a constituição/formação de uma situação de dupla conformidade ilaqueia o eventual prejudicado pelas decisões concordantes de ver reapreciado seu caso por um outro tribunal.   

As razões processual/estruturais que ditaram a opção do legislador, foram conspicuamente dissecadas pelo Conselheiro Abrantes Geraldes, no acórdão de 20 de Novembro de 2014, (in www.dgsi.pt,), ao asseverar que (sic): “Com a reforma do regime dos recursos de 2007, a necessidade de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça determinou a consagração de uma restrição assente na dupla conforme: confirmação, sem voto de vencido e ainda que com fundamento diverso, da decisão da 1ª instância.

Esta medida foi objecto de largo debate entre os defensores da manutenção do sistema anterior que não previa este impedimento ao terceiro grau de jurisdição e aqueles que sublinhavam a necessidade de reduzir a quantidade de recursos, como forma de racionalizar o uso dos meios processuais e de valorizar a intervenção do Supremo, proporcionando reais condições para a criação de correntes jurisprudenciais estáveis.

Se, em abstracto, a multiplicidade de graus de jurisdição constitui elemento potenciador de maior segurança jurídica, também é certo que os meios disponíveis para a tarefa de Administração da Justiça são limitados e que a necessidade de alcançar uma decisão definitiva em tempo razoável não é compatível com o esgotamento da multiplicidade de recursos.

Foi consagrada no âmbito daquela revisão do regime de recursos cíveis a regra da inadmissibilidade de recurso em situações de dupla conforme, com excepção das três situações particulares enunciadas no nº 1 art. 721º-A do anterior CPC.

O regime entretanto foi modificado.

Inicialmente a aludida medida restritiva era totalmente independente da fundamentação de cada uma das decisões: a dupla conforme verificava-se sempre que a Relação confirmasse, sem voto de vencido, e mesmo com fundamentação diversa, a decisão da primeira instância. Já com o NCPC o regime restritivo deixa de se aplicar quando a Relação empregue para a confirmação da decisão da 1ª instância “fundamentação essencialmente diferente” (art. 671º, nº 3).

Efectivamente, em tais circunstâncias, embora o resultado final seja idêntico, o facto de as instâncias divergirem, de modo substancial, no enquadramento jurídico da questão que se mostre verdadeiramente decisiva para o atingir é revelador de uma cisão que deve permitir, nos termos gerais, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, sem necessidade de invocar alguma das situações típicas da revista excepcional. Intervenção, aliás, justificada pela missão que é especialmente atribuída ao Supremo no campo da identificação, interpretação e aplicação do regime jurídico ajustado aos casos.

O quotidiano forense é susceptível de nos revelar diversas situações que impedem a verificação de uma situação de dupla conforme com aquele motivo.

Assim ocorre designadamente:

- Quando, depois de a 1ª instância assumir uma determinada qualificação contratual, a Relação adopte uma outra distinta ou envolva a decisão num enquadramento jurídico substancialmente diverso;

- Quando uma eventual condenação tenha sido sustentada na aplicação das regras de um determinado contrato, sendo a decisão confirmada ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa ou de normas que regulam os efeitos da nulidade do mesmo contrato;

- Quando um determinado resultado tenha sido sustentado na apreciação da validade de um contrato e a Relação, oficiosamente, reconheça a existência de nulidade que nenhuma das partes invocou;

- Ou ainda, nos casos em que a primeira decisão tenha absolvido o réu da instância com fundamento numa determinada excepção dilatória e a Relação tenha encontrado motivo para a mesma decisão noutra excepção.

Em cada uma destas situações que nos limitámos a exemplificar, posto que o resultado final seja idêntico, a diversidade do percurso seguido acaba por infirmar as razões que levaram o legislador de 2007 a restringir o acesso ao terceiro grau de jurisdição, justificando que, nos termos gerais, a parte vencida suscite a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça como órgão jurisdicional que tem a primazia na aplicação do direito.

4. Todavia, a atenuação do condicionalismo legal de que depende a verificação de uma situação de dupla conforme não pode ser interpretada como um regresso ao modelo recursório anterior à reforma de 2007, fazendo depender o recurso de revista unicamente do valor do processo ou da sucumbência em conexão com a alçada da Relação. O relevo atribuído à fundamentação jurídica para evitar a formação de uma situação de dupla conformidade decisória não pode servir de pretexto para, na prática, restaurar de pleno o terceiro grau de jurisdição que o legislador de 2007 limitou, sustentado nas vantagens que uma tal restrição assegura, na medida em que evita o recurso indiscriminado ao Supremo Tribunal de Justiça, só porque o valor do processo ou da sucumbência o permitem.

Assim, a alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação implica que prevaleça o seu núcleo fundamental, ou seja, os aspectos que verdadeiramente se mostram decisivos para a obtenção do resultado, levando a desconsiderar, para este efeito, as divergências marginais, secundárias, periféricas, que não representam efectivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo acontece nas situações em que a diversidade de fundamentação se traduza apenas na não aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado pela 1ª instância ou que não tenha sido admitido e que sirva para reforçar o mesmo resultado.

Se, como é natural, a sistematização das decisões ou a variedade dos argumentos jurídicos empregues numa e noutra das decisões é susceptível de conduzir a resultados formalmente diversos ou não inteiramente coincidentes, releva unicamente para o caso a essencialidade da fundamentação que, seguindo trilhos diversos, sustente uma e outra das decisões.

Para o efeito importa não devem confundir-se questões jurídicas com argumentos jurídicos, sendo relevante que os resultados tenham sido motivados por respostas diversas à mesma questão de direito essencial para ambos os resultados.

No mesmo sentido o acórdão do mesmo Exmo. Conselheiro de 28 de Abril de 2014, em que expendeu que (sic):No horizonte desta modificação legal estiveram situações em que, por exemplo, a confirmação da decisão da 1ª instância se processa a partir de um quadro normativo substancialmente diverso, como sucede nos casos em que a uma determinada qualificação contratual se sucede uma outra distinta, com um diverso enquadramento jurídico. Outrossim quando uma eventual condenação tenha sido sustentada na aplicação das regras de um determinado contrato, sendo confirmada pela Relação, mas ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa ou das normas que regulam os efeitos da nulidade do mesmo contrato. Ou quando um determinado resultado tenha sido sustentado na apreciação da validade de um contrato e a Relação, oficiosamente, reconheça a existência de nulidade que nenhuma das partes invocou. Ou, ainda, quando a primeira decisão tenha absolvido o réu da instância com fundamento numa determinada excepção dilatória e a Relação tenha encontrado motivo para a mesma decisão noutra excepção.

Na realidade, em cada um destes exemplos, ainda que o resultado final seja idêntico, a diversidade do percurso acaba por revelar duas decisões substancialmente diversas, não se justificando a ablação de terceiro grau de jurisdição em situações em que o mesmo resultado seja alcançado no final de um percurso jurídico substancialmente diverso.

A alusão à natureza essencial ou substancial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não revelam um enquadramento jurídico alternativo. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na não aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido.

A restrição ao conceito de dupla conformidade que decorre agora do art. 671º, nº 3, do NCPC, com atribuição de relevo à fundamentação jurídica, não pode servir de pretexto para, na prática, se restaurar de forma irrestrita o terceiro grau de jurisdição que o legislador de 2007 limitou, sustentado nas vantagens que uma tal restrição assegura, por evitar o recurso indiscriminado ao Supremo Tribunal de Justiça, só porque o valor do processo ou da sucumbência o permite.

Não podem para o efeito exponenciar-se as objecções dirigidas àquela opção legislativa, nem superar, por via de meros juízos valorativos, o pressuposto negativo representado pela dupla conforme, agora circunscrita aos casos em que a fundamentação jurídica seja essencialmente idêntica.

Em suma, a admissão, fora das regras da revista excepcional, do recurso de revista interposto de um acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1ª instância, depende da verificação de uma situação em que o núcleo essencial da fundamentação jurídica é diverso. Já se for substancialmente idêntica a resposta que as instâncias deram à questão ou questões jurídicas que, em concreto, se revelem em concreto essenciais para o resultado, a situação contém-se nos limites da dupla conforme, dependendo a admissibilidade da revista da demonstração de algum dos fundamentos previstos no art. 672º, nº 1, do NCPC.”

Em sentido que se nos figura similar, os arestos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Julho de 2015, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, em que se doutrinou que (sic): “No que respeita à existência ou não de fundamentação essencialmente diferente entre a sentença apelada e o acórdão recorrido, adere-se inteiramente à argumentação expendida no despacho que considerou procedente a questão prévia da recorribilidade – sendo manifesto, aliás, que na sua argumentação os reclamantes confundem os conceitos de fundamentação diferente e de fundamentação essencialmente diferente, como instrumento para, no âmbito da figura da dupla conforme, delimitar as possibilidades de acesso ao STJ, perante decisões inteiramente sobreponíveis, nos respectivos segmentos decisórios: não basta, para quebrar o limite à recorribilidade decorrente da regra da dupla conforme, identificar uma qualquer alteração ou nuance na fundamentação jurídica acolhida no acórdão recorrido, sendo indispensável que se trate de uma alteração ou modificação qualificada da base jurídica da decisão, resultante do apelo a um diferente enquadramento normativo do pleito: não cabem, pois, seguramente no referido conceito de fundamentação essencialmente diferente os casos em que – movendo-se inquestionavelmente a Relação, no que respeita à efectiva ratio decidendi do acórdão proferido, no campo dos mesmos institutos ou figuras jurídicas – se limita a aditar um mero reforço argumentativo no que toca à idêntica solução jurídica do pleito que alcançou.

Por outro lado, não é exacto que possa inferir-se do direito fundamental de acesso à justiça, plasmado no art. 20º da Constituição, um amplo direito de acesso a um terceiro grau de jurisdição a exercitar pelo STJ, sem que ao legislador e à jurisprudência seja legítimo delimitar ou filtrar, em termos proporcionais e adequados, os litígios em que deva intervir em via de recurso ainda o STJ: na verdade, o acesso à justiça e a tutela judicial efectiva bastam-se com a obtenção de uma decisão jurisdicional, em tempo útil, sobre os litígios de direito privado, sendo certo que no caso a sentença proferida foi objecto de reapreciação pela 2ª instância, que manteve inteiramente o sentido decisório questionado pelo recorrente; ora, não está seguramente compreendido naqueles princípios fundamentais um direito de aceder ao STJ sempre que a parte vislumbre alguma nuance ou alteração menor na fundamentação jurídica seguida pelas instâncias.

Note-se, por outro lado, que a regra da dupla conforme, tal como se mostra delineada no actual CPC, não pode perspectivar-se como traduzindo a imposição de um limite formal à recorribilidade: na verdade, ela não se consubstancia em qualquer regra de forma, tendo antes a ver com a substância das decisões proferidas nos autos, delimitando a acesso ao STJ, em revista normal, em função da identidade essencial das decisões e respectivos fundamentos, proferidas anteriormente nos autos, vedando o acesso a um terceiro grau de jurisdição nos casos em que a fundamental coincidência do unanimemente decidido na 1ª instância e na Relação torna plausível a adequação e legalidade substantiva da solução normativa alcançada para o litígio.”(cfr. no mesmo sentido o acórdão prolatado pelo mesmo Exmo. Relator de 19 de Fevereiro de 2015, em que se escreveu (sic): “Esta alteração do conceito de dupla conformidade, enquanto obstáculo ao normal acesso em via de recurso ao STJ, operada pelo actual CPC, obriga o intérprete e aplicador do direito– analisada a estruturação lógico argumentativa das decisões proferidas pelas instâncias, coincidentes nos respectivos segmentos decisórios - a distinguir as figuras da fundamentação diversa e da fundamentação essencialmente diferente: não é, na verdade, qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica assumida pela Relação para manter a decisão já tomada em 1ª instância, que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme.

É necessário, na verdade, que estejamos confrontados com uma modificação qualificada ou essencial da fundamentação jurídica em que assenta, afinal, a manutenção do estrito segmento decisório – só aquela se revelando idónea e adequada para tornar admissível a revista normal.

Note-se que este regime normativo (que sucedeu ao inicialmente editado pelo DL 303/07, estabelecendo a absoluta irrelevância da fundamentação para aferir da existência ou inexistência de dupla conforme) destina-se a permitir ao STJ sindicar, em revista normal, o decidido pela Relação nos casos em que – sendo coincidentes os segmentos decisórios da sentença apelada e do acórdão proferido na apelação – a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância.”).  

Na jurisprudência das secções criminais, vem-se asseverando de forma impertérrita e invadeável que: “(…) O Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo pacificamente serem dois os pressupostos de irrecorribilidade fixados naquela alínea f) por um lado, que o acórdão da relação confirme a decisão da 1ª instância; por outro, que a pena aplicada na relação não seja superior a 8 anos de prisão.

No nosso caso, o acórdão recorrido confirmou integralmente o acórdão da 1ª instância, na parte relativa ao Recorrente. É a chamada dupla conforme.

Quanto ao segundo pressuposto, também constitui jurisprudência uniforme deste Tribunal a de que, no caso de concurso de crimes, só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente aos crimes (relativamente às questões suscitadas a propósito dos crimes) punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou à pena conjunta superior a essa medida. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça, na esteira da interpretação praticamente consensual que fazia deste mesmo preceito na versão anterior à Reforma de 2007, vem entendendo, também agora de forma pacífica, que, no caso de um concurso de crimes, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da relação que confirme decisão da 1ª instância apenas é admissível relativamente ao(s) crime(s) punidos com prisão superior a 8 anos e/ou relativamente às questões sobre os pressupostos do próprio concurso e da formação da pena conjunta, quando esta também ultrapasse aquele limite (cfr., entre outros, os Acs. 11.02.09, P° 113/09-3º; de 04.03.09, P° 160/09-3ª; de 25.03.09, P° 486/09-3ª; de 16.04.09, P° 491/09-5ª; de 29.04.09, P° 39l/09-3ª; de 07.05.09, P° 108/09-5ª; de 27.05.09, P° 384/07GDVFR.S1-3ª, de 12.11 2009, P° n° 200/06.0JAPTM-3ª, de 23.06.10, P° n° l/07.8ZCLSB.L1.S1-3ª de 09.06.2011 P° n° 4095/07.8TPPRT.P1.S1- 5ª, de 26.04.2012, P° n°438/07.2PBVCT.G1.S1-5ª, de 12.09.2012, P° n° 269/08.2TABNV.L1.S1-3ª e de 29.05.2013, P° n°344/11.6JALRA.El)”. (…) Ac. do STJ, de 11/6/2016, Pº 54/12.7SVLSB.L1.S1-3ª.” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Junho de 2018, proferido no processo nº 3343/15.5JAPRT.G1.S1). Vide ainda os arestos citados no mencionado acórdão, de que respigam os sequentes: - Ac. STJ de 9/10/2013, Proc. 955/10.7TASTS.P1.S1, Rel. Oliveira Mendes: “I - Como o STJ vem entendendo de forma pacífica, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, quer estejam em causa penas parcelares (ou singulares) quer penas conjuntas (ou únicas resultantes de cúmulo). II - É irrecorrível para o STJ o acórdão do Tribunal da Relação que, confirmando a decisão condenatória de 1.ª instância, manteve as penas parcelares aplicadas ao recorrente, todas elas não superiores a 8 anos de prisão, se não é impugnada a pena conjunta cominada que ultrapassa esse patamar.”; - Ac. STJ de 3/2/2016, Proc. 686/11.0GAPRD.P1.S1, Rel. Raúl Borges: “I - Com a entrada em vigor, em 15-09-2007, da Lei 48/2007, de 29-08, foi modificada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, tendo-se alterado o paradigma de “pena aplicável” para “pena aplicada”, pelo que, o regime resultante da actual redacção da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP tornou inadmissível o recurso para o STJ de acórdãos condenatórios proferidos pelas relações quando, confirmando decisão anterior, apliquem pena não superior a 8 anos de prisão, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para este STJ, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a oito anos. II - O STJ e o TC têm-se pronunciado no sentido de entender que de tal restrição do recurso não decorre violação do direito de recurso por estar assegurado um duplo grau de jurisdição e não se impor um, aliás, não previsto duplo grau de recurso, na medida em que, a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas. III - No caso concreto, dado que as penas aplicadas aos recorrentes pelos vários crimes por que foram condenados foram todas inferiores a 8 anos de prisão, acontecendo que a confirmação pelo tribunal da Relação é total, integral, completa, absoluta, mantendo-se nos seus exactos termos a factualidade assente, a respectiva qualificação jurídico-criminal e as penas aplicadas, quer as parcelares, quer as únicas, são de rejeitar os recursos apresentados por inadmissibilidade, nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. b), em conjugação com o art. 414.º, n.º 2, ambos do CPP, sendo unicamente objecto de reapreciação a medida das penas únicas aplicadas aos arguidos X e Y, porque superiores a 8 anos de prisão.”.

Tendo como horizonte o quadro doutrinário e jurisprudencial estendido, haver-se-á de concordar que as questões que o recorrente pretende ver reapreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, já mereceram reapreciação, em tribunal de recurso, sendo que a fundamentação não se revela essencialmente diferente nem ocorreu qualquer modificabilidade ou alteração da qualificação jurídico-penal ou factual.

O tribunal de recurso apreciou, e coonestou, o entendimento que o tribunal de 1ª instância – o que é atestado, de forma indelével e imperecível pela transcrição que procede da totalidade do acórdão proferido pelo tribunal de 1ª instância – tendo confirmado tanto a qualificação jurídico-penal e como as sanções penais aplicadas. Não ocorreu dissensão ou desvio, na decisão ora em sindicância, nem quanto ao juízo de culpabilidade ou sequer quanto ao sancionamento adoptados na sentença de 1ª instância e pelo tribunal ora recorrido, pelo que existe uma justaposição afirmativa que interdita o Supremo tribunal de Justiça de formular um sentido censório sobre este duplo ajuizamento jurisdicional que se firmou e sedimentou com as duas decisões concordantes e justapostas.

A leitura do acórdão recorrido aplana as dificuldades de confronto e/ou cotejo com a decisão de primeira (1ª) instância, na medida em que, no primeiro, se procede á transcrição desta, na quase totalidade.

O tribunal recorrido, não deixou de apreciar as questões suscitadas pelo recorrente no respectivo pedido recursivo.

Vejamos, pois.

1 – da nulidade do inquérito.

O recorrente alega que o inquérito é nulo (do que se apreende, apenas na motivação intitula este capítulo recursivo de nulidade do inquérito/acusação), uma vez que, podendo, não lhe foi dada a oportunidade de defesa quanto aos vinte e nove factos ilícitos criminais pelos quais foi condenado em termos que explicita, argumentação que, no essencial, vem vertida nas correspondentes conclusões 1ª a 10ª supra transcritas11 e que, por economia, aqui se considera renovada, contexto em que sustenta que a interpretação das normas dos artigos 57º e 58º, do Código de Processo Penal, acolhida pelo tribunal recorrido, no sentido de não ser obrigatório o interrogatório do arguido e a comunicação dos novos factos em sede de inquérito, é inconstitucional, o que argui, e que deverá declarar-se a nulidade do inquérito, por insuficiência, omissão de atos legalmente obrigatórios e omissão posterior de diligências que pudessem reportar-se essenciais à descoberta da verdade.

Respondendo, o Ministério Público veio anotar, em suma, que entendia que não assiste qualquer razão ao recorrente, nem era este o momento próprio para o mesmo continuar na sua senda de colocar tudo em causa, sublinhando depois que, além do citado acórdão de fixação de jurisprudência não ser aqui aplicável, porquanto aquele foi devidamente ouvido, como arguido, no âmbito do inquérito e em interrogatório judicial, acompanhava tudo aquilo que foi referido em sede de instrução e de julgamento, acrescentando que, ainda que os factos que foram apresentados ao arguido numa fase inicial e com os quais foi confrontado, não sejam naturalisticamente os mesmos, o certo é que esses restantes factos imputados na acusação pública mais não são do que o prolongamento daqueles que lhe foram indicados e se referiam à concretização da sua atividade criminosa, sendo certo que, de qualquer forma, esta situação está largamente ultrapassada nesta fase processual, a qual foi devidamente analisada na devida sede de instrução, contexto em que, e citando de novo o já muito referenciado acórdão do Tribunal Constitucional de 12/03/2012, que se pronuncia pela não existência de nulidade, porque inexiste obrigatoriedade de audição do arguido sobre todos os factos concretos inseridos na acusação, concluiu que não se perfetibiliza a nulidade, ainda que parcial, a que alude a al. d), do nº 2, do artigo 120º do Código de Processo Penal.

No supra aludido parecer, o Ex.mo PGA, após ter transcrito a correspondente decisão proferida como questão prévia pelo tribunal recorrido, anotou depois que tal segmento decisório não merecia qualquer censura, até porque encontra respaldo em decisões do Tribunal Constitucional, entre elas o Acórdão nº 72/2012, de 8/2/2012, proferido no processo 502/2011 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt/).

Apreciando.

Cremos que não assiste razão ao recorrente.

Na verdade, e embora fosse desejável que o mesmo tivesse sido confrontado com os novos e concretos factos que vieram a considerar-se indiciados após ter sido interrogado na qualidade de arguido, o certo é que é da exclusiva competência do Ministério Público a gestão do inquérito, aqui se incluindo, obviamente, a decisão de voltar ou não a ouvir um arguido (cfr. artigo 53º do Código de Processo Penal).

Assim sendo, e posto que o recorrente foi interrogado, não foi contrariada a invocada jurisprudência fixada nessa matéria pelo referenciado acórdão do STJ nº 1/2006, de 23/11/200512, pois que desta apenas decorre a nulidade em questão se, podendo, não tiver existido interrogatório de arguido.

Por outro lado, não resulta da lei que o arguido tenha de ser interrogado sobre toda a matéria que venha a constar da acusação13, cujo contraditório poderá ser sempre assegurado posteriormente, veja-se, desde logo, através da abertura da instrução com vista a contraditar, e já mais em pleno, a acusação deduzida.

Tal como vem igualmente referenciado nos autos, esta matéria foi já tratada pelo próprio Tribunal Constitucional no acórdão nº 72/201214, no qual se decidiu “Não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 272.º, n.º 1, 120.º, n.º 2, alínea d), 141.º, n.º 4, alínea c), e 144.º, todos do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que não constitui nulidade, por insuficiência de inquérito, o não confronto do arguido, em interrogatório, com todos os factos concretos que venham a ser inseridos na acusação contra ele deduzida”.

Para que se entenda o verdadeiro sentido e alcance de uma tal decisão, e secundando o supra aludido parecer, cremos importante rever parte da sua fundamentação, que nos dá conta do seguinte (transcrição):

“A lei adjetiva penal inclui o interrogatório no âmbito do inquérito como um momento obrigatório, independentemente da detenção do arguido, permitindo, assim que o arguido, ainda nessa fase, seja confrontado com factos e elementos colhidos no âmbito da investigação relevantes para a decisão de acusação ou de arquivamento do inquérito, para que sobre eles possa pronunciar-se, em conformidade, necessariamente, com o princípio constitucional consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição.

Existindo detenção do arguido, a exigência constitucional, ao nível das garantias de defesa, é bem mais rigorista, porquanto impõe, desde logo, a apresentação do detido à autoridade judicial competente para que este seja interrogado como arguido, interrogatório esse que visa reduzir ao mínimo possível os riscos de uma privação ilegal de liberdade, exigindo-se, logo nesse momento, a obtenção de um juízo judicial sobre a legalidade/ilegalidade da detenção e a definição da situação processual futura do arguido – artigos 27.º, n.º 4, 28.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Constituição.

Nesse contexto específico e como se afirma no Acórdão n.º 607/2003, “o interrogatório está [aqui] predestinado essencialmente para o arguido apresentar, de viva voz ou por escrito, a sua defesa”, reconhecendo a Constituição ao detido esse específico direito relativamente aos factos e razões que determinam a sua detenção.

Trata-se, neste caso, de um interrogatório essencialmente garantístico, conformado de modo a garantir ao arguido detido uma defesa efetiva perante as razões que justificam a detenção, impondo-se, nessa medida, que lhe sejam dados a conhecer os elementos suficientemente indiciadores da responsabilidade penal já existentes no inquérito e, obviamente, os pressupostos da aplicação da medida de coação promovida pelo Ministério Público (cf. Germano Marques da Silva, “Sobre a liberdade no processo penal ou do culto da liberdade como componente essencial da prática democrática”, em Liber discipulorum para Figueiredo Dias, Coimbra, 2003, p. 1372).

Ainda assim, mesmo neste âmbito, não será exigível que ao arguido seja dado um conhecimento total e irrestrito dos factos previamente recolhidos e dos respetivos meios de prova, devendo ponderar-se concretamente se a divulgação dos factos em causa é, ou não, passível de afetar gravemente a investigação e impossibilitar a descoberta da verdade material ou de criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime.

Como se compreenderá, a realização deste “primeiro” interrogatório - ou de outros, submetidos ao mesmo regime (cf. Fábio Loureiro, “O primeiro interrogatório judicial do arguido detido”, em Prova Criminal e Direito de Defesa - Estudos sobre teoria da prova e garantias de defesa em processo penal, Coimbra, 2011, p. 73) -não preclude que outros sejam realizados ainda no âmbito do inquérito, como se prevê no artigo 144.º do CPP, os quais, no entanto, por não terem a mesma funcionalidade constitucional e não se destinarem à defesa de uma privação de liberdade, não gozam do mesmo regime garantístico, não existindo, v.g., obrigatoriedade quanto à sua realização, nem definição de momento em que tal deva ocorrer.

Desde logo, não é constitucionalmente imposto que o arguido seja ouvido sempre que um novo facto ou elemento probatório seja incorporado no inquérito ou que tenha de existir um interrogatório no encerramento do inquérito que, a título de “audiência pré-final” (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 4.ª edição, Lisboa, 2007, p. 733), dê previamente a conhecer ao arguido todo o conteúdo fáctico da acusação.

Obviamente que, no âmbito de uma estrutura acusatória e numa fase em que o arguido detém alguns direitos de intervenção/participação processual (cf. artigo 61.º, n.º 1 do CPP), quanto mais alargado for o conhecimento que este detiver dos factos e meios de prova já existentes, melhor poderá defender-se, exercer os seus direitos processuais e, inclusivamente, contribuir para a descoberta da verdade material, fazendo uso do direito de intervir no inquérito através quer do oferecimento de provas quer do requerimento de diligências que se lhe afigurem necessárias (cf. artigo 61.º, n.º 1, alínea g) do CPP).

Todavia, se é certo que da Constituição não resulta a exigibilidade do conhecimento preciso de todos os factos que venham a ser inseridos na acusação e em momento anterior à formulação desta, não é menos certo que, no pleno respeito das garantias de defesa constitucionalmente consagradas, tal conhecimento não poderá nunca ficar aquém dos factos essenciais a verter ou vertidos em tal peça processual (acusação), sob pena de violação das enunciadas garantias.

De qualquer modo, refira-se, ainda, que, tendo em conta o desenho do processo penal recortado no nosso sistema jurídico, não pode deixar de considerar-se a acusação como constituindo ainda um momento de instrução (conquanto inserida no seu encerramento) e a sua notificação ao arguido como consubstanciando também a sua audição sobre os factos da mesma, até porque este, no exercício dos seus direitos de defesa e de contraditório, pode sempre lançar mão do pedido de instrução e de audição sobre a factualidade sobre a qual, porventura, não tenha já sido ouvido.

Ter-se-á, assim, como acabou de dizer-se, que o processo penal prevê igualmente a existência de uma fase prévia ao julgamento em que o arguido, perante prévio conhecimento de todos os factos e meios de prova constantes da acusação, pode exercer na plenitude o seu direito de defesa, sem os constrangimentos impostos durante a fase do inquérito, sendo-lhe possibilitado, entre o mais, o pleno contraditório quanto aos factos pelos quais se encontra acusado e a produção de provas indiciárias complementares, e, consequentemente, ver até afastada a fase de julgamento, momento este que não pode deixar de ser considerado gravoso para o arguido, ao que tudo não será estranho, naturalmente, o princípio de presunção de inocência de que o mesmo beneficia, princípio este consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição.

Num tal quadro normativo, não se vê que saiam postergados os direitos de defesa do arguido, quando se não verifique, por parte deste, um conhecimento prévio à formulação da acusação de todos os factos que nela venham a ser inseridos, desde que naquele conhecimento venham a ser incluídos os factos essenciais que daquela venham a constar”.

Assim sendo, e embora sem aderirmos totalmente ao decidido, mormente quando ali se afirma que “…os factos descritos na acusação, para a qual remete o despacho de pronúncia, mais não são do que meros prolongamentos daqueloutros, por serem a concretização da continuação da atividade criminosa a que o arguido se vinha dedicando desde há alguns anos …”, permitimo-nos subscrever a supra citada jurisprudência do TRC e do Tribunal Constitucional, e, por via disso, considerar que inexiste a propugnada nulidade e associada inconstitucionalidade, o que, logicamente, implica o naufrágio deste “item” recursivo.

2 – da nulidade por omissão de pronúncia.

O recorrente alega que a sentença é nula, pois que não considerou, nem relevou os factos alegados na contestação, afetando as suas garantias de defesa, o que traduz falta de fundamentação e omissão de pronúncia e integra a nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, als. a) e c), por referência ao artigo 374º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal, implicando o reenvio da decisão recorrida para novo julgamento, anotando ainda que foi feita uma errada interpretação das normas constantes do artigo 97º, nº 4, do Código de Processo Penal, interpretação essa violadora dos princípios constitucionais.

O Ministério Público respondeu para sublinhar, em suma, que os factos articulados na contestação encontram-se, no essencial, contidos e plasmados no acórdão condenatório, mas foram dados como não provados, mas, mesmo que assim não fosse, não assistiria razão ao recorrente, uma vez que há muito que vem sendo entendido, e particularmente no Supremo Tribunal de Justiça, que o tribunal recorrido não teria de pronunciar-se sobre todos os factos alegados na contestação, mas apenas sobre os que integram matéria essencial à caracterização do crime, das suas circunstâncias e das juridicamente relevantes, pois só esses são relevantes para a decisão, conforme aresto que cita.

No parecer que exarou, o Ex.mo PGA destacou a este propósito que do texto da sentença recorrida resulta clara e limpidamente que o tribunal se pronunciou sobre todas as questões suscitadas quanto às condições pessoais do arguido, sendo coisa diversa não ter considerado provados factos que aquele pretendia ter como demonstrados, mas tal não é suscetível de configurar omissão de pronúncia, pois o tribunal, apreciando a questão suscitada, terá que assentar a sua decisão nos elementos factuais provados e não nos invocados, mas não provados, sendo certo que a omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados, conforme aresto que cita, e que a divergência do recorrente quanto à apreciação dos factos não é suscetível de configurar omissão de pronúncia.

Apreciando.

Começaremos por relembrar que flui do auscultado e pacífico pulsar jurisprudencial que “A nulidade resultante da omissão de pronúncia, prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, ocorre quando a decisão é omissa ou incompleta relativamente às questões que a lei impõe que o tribunal conheça, ou seja, às questões de conhecimento oficioso e às questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais (cf. art. 660.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi art. 4.º do CPP)”15.

Por outro lado, temos a necessidade de fundamentação a que alude o artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, a qual engloba, além do mais que aqui não é discutido, a enumeração dos factos provados e não provados e a respetiva fundamentação.

De tudo isso cientes, a existir aqui a invocada ausência de factos da contestação, estaríamos perante uma falta ou insuficiência de fundamentação, geradora da nulidade a que alude o artigo 379º, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal, e não a prevista na sua alínea c), pois que não se trataria de deixar de apreciar quaisquer questões concretas que viessem invocadas, mas da alegada ausência de factos invocados pela defesa, realidade perfeitamente diversa da omissão de pronúncia.

No entanto, não existe a propugnada falta ou insuficiência de fundamentação em sede de facto.

Na verdade, e analisando a sentença recorrida, no seu cotejo com a contestação apresentada pelo recorrente, constata-se que nenhuma omissão existe, pois que, como anotava o Ministério Público em ambas as instâncias, o que era essencial ou relevante para a decisão teve claro assento no acórdão recorrido.

Com efeito, e para além dos pontos atinentes às questões prévias invocadas e que a decisão recorrida tratou previamente, uma boa parte do que vem alegado aquela contestação constitui mera negação dos factos, associada a comentários críticos sobre a factualidade que lhe vinha imputada (vide pontos 37 a 57), ao que acrescem meras considerações sobre o crime de burla (vide pontos 58 a 62), bem como, mais adiante, a impugnação dos pedidos cíveis, mormente no tocante aos respetivos montantes (vide pontos 99 a 103).

No mais, os verdadeiros factos que vinham efetivamente alegados, e que respeitavam, basicamente, à sua versão do contexto do sucedido e à sua situação pessoal, tiveram a sua repercussão na decisão recorrida, conforme se colhe dos pontos 227º e 229º a 245º dos factos provados e das alíneas b) a n), r) e v) a ee) dos factos não provados.

Assim sendo, o tribunal pronunciou-se apenas sobre aquilo que constituíam verdadeiros factos, ali se sublinhando ainda que não se tinham provado outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente, outros factos que estivessem em contradição ou em desconformidade com os tidos como provados.

Cremos, pois, mais que evidente que os verdadeiros factos alegados pela defesa, e com interesse para o decidido, foram efetivamente apreciados, mas, claro está, uma boa parte deles foram considerados como não provados, o que, conforme se anotava no supra aludido parecer, é coisa diversa da sua ausência do elenco fáctico fixado.

Avançando.

Resta a questão da alegada falta da indicação sumária das conclusões da contestação.

É inquestionável que decorre da alínea d), do nº 1 do artigo 374º do Código de Processo Penal que o relatório da sentença deve conter a indicação sumária das conclusões contidas na contestação.

Ora, analisada a contestação, esta não termina com conclusão alguma, pelo que, e em bom rigor formal, nada haveria que indicar nessa matéria.

Admitindo que a “ratio” da lei vai de encontro à “praxis” instalada, a de dar nota sumária do sentido da versão da defesa, então esta foi aqui claramente cumprida.

Com efeito, espreitando o correspondente excerto do relatório inserto no acórdão recorrido, ali se inscreveu a esta propósito que “O arguido AA contestou, arrolou testemunhas e juntou documentos (cfr. fls. 2329-2350).

Suscitou as seguintes questões prévias:

» Nulidade do inquérito/acusação, por falta de imputação, em sede de interrogatório judicial e de inquérito, de todos os factos e crimes por que veio a ser acusado, pelo que deve declarar-se a nulidade parcial do inquérito e da acusação, ficando apenas acusado dos 14 crimes de burla que lhe foram comunicados em sede de interrogatório;

» Violação dos princípios “in dubio pro reo”, “presunção de inocência” e “ne bis in idem”, por lhe serem imputados na acusação factos referentes às sociedades Prismamix, Vertisoma e Símbolo Latino, já imputados no processo n.º Proc. 545/11.7TAVLG, e por a acusação fazer referência a outros processos, identificados nos respetivos artigos 2.º, 4.º e 5.º, pelo que não podem ser valorados de novo nos presentes autos.

Ofereceu o merecimento dos autos e alegou, em suma, que:

» A falta de pagamento dos serviços de transporte que contratou ficou a dever-se à conjuntura económica, à concorrência, à crise económico-financeira e a fatores exógenos e independentes da sua vontade do arguido;

» Deixou de ter capacidade económica para solver os seus compromissos, pois viu créditos seus incobráveis, o que determinou a insolvência das sociedades que geria;

» Não agiu com a intenção de praticar factos ilícitos, porquanto não delapidou, nem se apropriou de qualquer património das referidas sociedades;

» Não detém conhecimentos técnicos suficientes para a constituição, organização e dissolução de Pessoas Coletivas, tendo confiado plenamente nos técnicos que consigo colaboravam, assinado toda a documentação que os mesmos lhe apresentavam.

Por fim, quanto aos pedidos de indemnização civil, impugnou todos os montantes reivindicados, cujos valores pecam por excessivos, por não terem qualquer correspondência com a realidade”.

Daqui flui, mais que evidente, que o tribunal sumariou, até com alguma extensão, aquilo que constituía o “sentir” ou versão da defesa, pelo que nem é entendível uma tal alegada omissão neste particular.

Nenhuma nulidade, portanto, inexistindo, a par, a propalada errada interpretação das normas constantes do artigo 97, nº 4, do Código de Processo Penal, com preterição de quaisquer princípios constitucionais.

Não procede, por isso, claramente, este capítulo do recurso, a raiar a manifesta improcedência.

3 – do crime continuado.

Adentro de extensa dissertação sobre a figura do crime continuado, e a coberto da variadas citações, o recorrente alega depois, e em suma, que da simples análise dos autos pode concluir-se pela rapidez, facilidades e baixo custo da constituição das pessoas coletivas e pela prática corrente entre os transportadores de organizar os transportes, que estas circunstâncias endógenas levaram à repetição de novos factos da mesma natureza, diminuindo a culpa do agente, o que nos leva, portanto, ao crime continuado, ao invés do concurso de crimes considerado no acórdão recorrido, contexto em que, e considerando que o crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação, conforme decorre do consignado no artigo 79º do Código Penal, sustenta que deve fixar-se a pena de prisão pela prática de um crime de burla qualificada, na forma continuada, na pena de cinco anos de prisão.

Mais alega, agora que o tribunal “a quo” considerou que ele fez da burla modo de vida, mas sem qualquer prova que fundamente tal conclusão, uma vez que se confunde-se a entrega habitual à burla, que mais não é do que uma plurireincidência ou reiteração dos crimes, com o fazer da burla modo de vida, contexto em que sustenta que, porque inexiste prova, e ainda pela aplicação do princípio “in dubio pro reo”, deverá ser afastada esta qualificação e condenando-o pela prática dos crimes de burla sem uma tal agravação, com a consequente redução das penas parcelares e única aplicadas.

Na resposta, e após breve enquadramento quanto aos requisitos do crime continuado, o Ministério Público anotou depois, e em síntese, que, se não parece haver dúvidas que o arguido atentou diversas vezes da mesma forma essencialmente homogénea contra o mesmo bem jurídico, manifestamente não se verifica situação externa diminuidora da sua culpa, pois que, se a culpa designa um juízo ético de censura pelo facto de o agente não ter adequado de acordo com o direito quando podia e devia fazê-lo, gravemente culposo é o comportamento do recorrente que continuou a sua conduta criminosa apenas motivado pela perspetiva do lucro, tudo como melhor se explicou na decisão recorrida, que transcreveu.

Agora quanto à não aceitação da imputação da sua conduta no nº 2, al. b), do artigo 218º do Código Penal, entendia que não assistia razão ao recorrente, não só porque ele efetivamente fez do engano o seu modo de vida ao constituir inúmeras sociedades comerciais fictícias de forma a levar ao engodo terceiros e com vista a proporcionar-lhe enriquecimento indevido com o empobrecimento de terceiros, tudo como melhor resulta da matéria dada como provada, que transcreve, anotando ainda que esta integração da sua conduta é apenas uma das duas qualificativas.

Por seu turno, o Ex.mo PGA anotou que, não se havendo produzido, em julgamento, prova de elementos indicadores da concorrência de “quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa”, condição “sine qua non” da continuação criminosa na aceção do artigo 30º, nº 2 do Código Penal, não poderia a decisão recorrida enquadrar a factualidade imputada ao arguido nessa figura jurídica.

Apreciando.

Estipula o artigo 30º do Código Penal, no seu nº 2, que “Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executado de forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.

Visto o texto legal, impõe-se começar por anotar que existe total sintonia nos autos quanto à caracterização do crime continuado, sendo pacífico, ao que cremos, que o crime continuado consiste na aglutinação de uma pluralidade de infrações, que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções, na medida em que, mercê da exógena predisposição das coisas para o facto, revelam uma considerável diminuição da culpa do agente16.

Cientes, pois, de que o fundamento desta diminuição da culpa emerge desse momento exterior da conduta, não deverá esquecer-se que “…pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da atividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito”, sem esquecer ainda que “…deve existir uma conexão interior entre os diversos atos, derivada de a motivação de cada um estar ligada à dos outros”, pelo que “…a conexão de espaço e tempo só poderá ter relevância na medida em que afaste aquela conexão interior”17.

A jurisprudência recente do STJ dá-nos conta de que é esta teoria teleológica que Eduardo Correia transportou para o artigo 30º do Código Penal, e que permite distinguir entre unidade e pluralidade de infrações, ao mesmo tempo que clarifica que “Existe unidade de resolução criminosa, quando, segundo o senso comum sobre a normalidade dos fenómenos psicológicos, se puder concluir que os vários atos são o resultado de um só processo de deliberação, sem serem determinados por nova motivação. Por outro lado, desde que haja uma única resolução a presidir a toda esta atuação, não existe crime continuado, mas um só crime”18.

Sempre nesta senda interpretativa, convirá anotar ainda que “A diminuição considerável da culpa do agente deve radicar em solicitações de uma mesma situação exterior que o arrastam para o crime, e não em razões de caráter endógeno”19. Ou, agora na versão de Paulo Pinto de Albuquerque, “A diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele ativamente a provoca”20.

Clarificados que ficam os conceitos, e descendo à decisão recorrida, constata-se que, adentro de adequado enquadramento interpretativo, o tribunal esclareceu depois a este propósito que “Ora, decorre da matéria de facto apurada que o arguido, durante cerca de oito anos, enganou vinte e oito sociedade comerciais, convencendo-as a prestarem-lhe serviços de transporte que nunca pretendeu pagar, usando, para o efeito, diferentes sociedades que foi sucessivamente constituindo (sendo que algumas extinguiu e outras não), abordando as sociedades ofendidas em momentos completamente distintos e usando métodos diferentes (umas vezes era o próprio arguido que abordava as ofendidas, outras eram os seus funcionários, umas vezes eram usadas identidades falsas, outras não, umas vezes eram pagas as faturas iniciais, noutras não), pelo que nunca poderia haver uma única resolução que abarcasse todas as ações ilícitas acima descritas.

De resto, considerando a factualidade apurada, pode-se concluir que, relativamente a cada ofendida, o arguido tomou, em momentos distintos, a correspondente resolução no sentido de a burlar, tendo escolhido o método mais adequado para o conseguir fazer, pelo que há tantas resoluções criminosas, quantas as aludidas ações ilícitas por ele levadas a cabo.

Por outro lado, muito embora estejamos perante a realização plúrima do mesmo tipo de crime (burla), o certo é que não se verificam os aludidos pressupostos do crime continuado, desde logo, a existência de uma situação exterior que tenha facilitado a execução dos crimes e que, por isso, diminua consideravelmente a culpa do arguido, pois foi o arguido que criou todas as condições necessários à realização de cada um dos ilícitos.

Impõe-se, por isso, a condenação do arguido pela prática de 28 crimes de burla qualificada”.

E sem reparo algum, adiante-se.

Na verdade, o raciocínio ali plasmado corresponde a uma leitura correta daquilo que dimana do fixado acervo fáctico, o que equivale a afirmar que não existe aqui uma qualquer situação exterior facilitadora do crime que diminua a culpa daquele, devendo afirmar-se, precisamente ao invés, que estamos perante uma clara reiteração criminosa que resulta da predisposição do mesmo para a prática de sucessivos crimes, os quais, ademais, resultam de oportunidades que, e de uma forma engenhosa, ele próprio cuidou previamente de criar e não derivou apenas de um ulterior aproveitamento da rapidez, facilidades e baixo custo da constituição das pessoas coletivas e pela prática corrente entre os transportadores de organizar os transportes, não tendo sido, pois, o mero sucesso de uma primeira atuação que o levou à repetição de novos factos da mesma natureza.

Contexto em que, e sem outros considerandos, cremos linear a inverificação, mínima, dos supra descritos requisitos que enformam o crime continuado.

Adiante.

Resta a questão do modo de vida no tocante aos crimes de burla. Cremos que também aqui nenhuma razão assiste ao recorrente.

Na verdade, o mesmo discute a apontada agravação alegando que não se provaram factos que a sustentassem e que a mesma deveria ser afastada ao menos por via do princípio “in dubio pro reo”.

Ora, este princípio, cujo conceito já anteriormente vimos, só tem aplicação em sede de facto, já que o seu “habitat” natural é a fase probatória, logo, surge aqui perfeitamente deslocado.

Quanto à inexistência de factos que pudessem suportar uma tal agravante, cremos que uma mera leitura da factualidade firmada, a começar pelos pontos 6º a 9º dos factos provados, contraria ostensivamente uma tal alegação, sendo certo que neste último se tem como provado que o esquema engendrado pelo recorrente tinha precisamente como propósito constituir o único modo do seu sustento, do que nos

dá clara nota a factualidade apurada que se lhes segue, o que, sendo para nós linear, nos dispensa maiores considerandos.

Naufraga, por isso, este duplo capítulo do recurso, o que, logicamente, e por esta via, impossibilita a preconizada redução das penas aplicadas.”

A transcrição serve de certificação do asserido supra quanto à pronúncia em segunda (2ª) instância de temas que o recorrente conectou com a validade/invalidade do inquérito; omissão de pronúncia e falta de fundamentação da decisão; continuação criminosa (ou crime continuado) em substituição dos 28 crimes por que o arguido foi pronunciado e condenado; e vícios contidos no nº 2 do artigo 412º do Código de Processo Penal.

A pronúncia confirmativa das questões com que o arguido havia posto em tela de juízo a validade do inquérito e a falta de fundamentação da decisão, por haver deixado de contemplar os factos alegados na contestação e ainda os vícios da decisão de primeira (1ª) instância conferem com os crimes que forma punidos com penas parcelares de calado inferior a 8 anos. A ser assim, como de facto nos parece ser, são temas que não podem vir a ser novamente retomados, para análise e apreciação, por parte deste Supremo Tribunal de Justiça.

Ocorre, para estas questões, pela dupla roboração de um juízo jurisdicional, que ilaqueia – pela punição dos crimes a que se conexionam e entretecem – a possibilidade de conhecimento por outra instância. A dupla conformidade de juízos de valoração e julgamento deve enlaçar-se não só as questões substanciais ineridas ao ilícito típico concreto, mas igualmente as questões processuais (adjacentes e ambientais) que lhe são ancilares e asseclas. Assim, se para o juízo de condenação se co-envolvem questões adjectivas de que depende o respectivo juízo de valoração, estas questões (adjectivas) não podem deixar de, na avaliação de uma situação de dupla conformidade, deixar de entrar, em complano, com o juízo de valoração principal, sob pena de não integrando esse amplexo apreciativo se desbordar um factor inextricavelmente agregador da apreciação global e de feição inafastável para a valoração de conjunto do enfoque decisório definitivo e total. Só a apreciação das penas parcelares, no caso, permitiria a reapreciação por este Supremo Tribunal de Justiça das questões que lhe estão de forma inauferível conexas, o que vale por dizer que só se as penas fossem de calado superior a 8 anos estaria permitido ao Supremo Tribunal de Justiça introduzir os temas enunciados supra.

Sobra uma palavra para a questão dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal.

O artigo 410º, nº 3 do Código de Processo Penal comete ao tribunal de recurso, mesmo que o âmbito de cognoscibilidade se confine à matéria de direito, conhecer das nulidades da decisão sob sindicância, para além dos vícios elencados nas alíneas do nº 2 do inciso normativo.

Escreveu-se no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Novembro de 2019, proferido no processo nº 232/16.0JAGRD.C1.S1 (in www.dgsi.pt) , em que a propósito da temática – recurso para o Supremo com fundamento nos vícios (da decisão) elencados nas alíneas do nº 2 do artigo 410º do Código de processo Penal, especificamente o erro notório na apreciação da prova, (sic): “Da questão da inconstitucionalidade das normas conjugadas dos arts- 410.º, n.º 2 e 3 e 434.º do CPP.

O direito de recurso não é absoluto nem ilimitado.

Tal direito encontra‑se ligado à garantia do duplo grau de jurisdição (cfr. v. g., Acs. TC 189/2001 e 49/2003, este último publicado no DR II S., de 16 de Abril de 2003; note-se, porém, que recentemente o Tribunal Constitucional, no Ac. 429/2016, introduziu uma significativa alteração no sentido da jurisprudência até aí vigente, porque, apesar de reconhecer a interligação entre “direito ao recurso” e a garantia de um “duplo grau de jurisdição”, realçou que se tratava de conceitos autónomos e não confundíveis: v. Ac. TC 672/2017, DR II S. de 15 de Fevereiro de 2018, sumariado na jurisprudência do art. 400.º). Sobre o direito de recurso e o duplo grau de jurisdição, cfr., também, Acs. TC 565/2007, DR II S. de 3 de Janeiro de 2008 e 549/2007, DR II S. de 31 de Janeiro de 2008.

O duplo grau de jurisdição pressupõe que a decisão de um tribunal seja sindicada por um tribunal superior, isto é, pressupõe um só recurso (v. g. de decisão de tribunal de 1.ª instância para um tribunal de 2.ª instância).

E tal garantia projecta‑se quer no que respeita à matéria de facto (tem sido este o aspecto mais controverso), quer no que concerne à matéria de direito da decisão.

Se a questão for objecto de um segundo recurso (da Relação para o Supremo, v. g., de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que confirme decisão de 1.ª instância e aplique pena de prisão superior a oito anos — n.º 1, alínea f), do art. 400.º), já não é por obediência ao princípio do duplo grau de jurisdição: aqui já estaremos num terceiro ou triplo grau de jurisdição.

O direito de recurso, porém, fica satisfeito com um duplo grau de jurisdição. Na verdade, «não é constitucionalmente imposto, mesmo em processo penal, um terceiro grau de jurisdição» (Ac. TC 2/2006, DR II S., de 13 de Fevereiro de 2006; v., também, com interesse, o Ac. TC 64/2006 e o Ac. STJ de 26 de Janeiro de 2006, Rel. Quinta Gomes, igualmente referenciado na jurisprudência do mesmo artigo; na jurisprudência mais recente do TC, afastando o triplo grau de jurisdição, cfr. Acs. 418/2016 e 186/2019).

O princípio do duplo grau de jurisdição não abrange o reexame da matéria de facto em termos que permitam a repetição do julgamento para além dos casos referidos no artigo 410.º do CPP. Este entendimento está, jurisprudencialmente, tão consolidado que o STJ (cfr. Ac. de 30 de Março de 1995, BMJ 445, pág. 355) já chegou a defender que é de rejeitar o recurso, por manifesta improcedência, quando o recorrente se limita a discutir matéria de facto e livre apreciação do tribunal e a inconstitucionalidade do artigo 433.º do CPP.

O TC não declarou a inconstitucionalidade dos arts. 410.º e 433.º do CPP versão de 1987.

Em face do quadro constitucional vigente (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, anotação ao art. 32.º, págs. 355) é necessária a consagração de pelo menos um grau de recurso abrangendo as questões de facto e de direito.

O vigente regime de recursos em processo penal está conforme a exigência constitucional.

A invocação perante o STJ dos vícios do art. 410.º do CPP está, em princípio, votada ao fracasso.

Conforme já tivemos oportunidade de escrever noutras decisões a este propósito, no que concerne à questão do conhecimento dos vícios consagrados no n.º 2 do art. 410.º, do CPP, gerou‑se controvérsia entre as Relações e o STJ, após as alterações introduzidas, em matéria de recursos, pela revisão de 1998 (L 59/98)

Todavia, posteriormente a jurisprudência do STJ estabilizou, consolidando‑se.

O Ac. do STJ de 24 de Março de 2003, CJACSTJ, ano XXVIII, n.º 166, T. I, pág. 236, refere em sumário que: «Nos recursos das decisões do Tribunal Colectivo, o STJ só conhece dos vícios contemplados no art. 410.º, do n.º 2, do CPP, por sua iniciativa e nunca a pedido do recorrente, o qual, para esse efeito, terá sempre de se dirigir ao Tribunal da Relação, por ser o competente para tal.».

O entendimento expresso neste aresto é hoje pacífico no STJ, como informa, também, A. G. Lourenço Martins, O Instituto dos Recursos, Revista do MP n.º 94, 2003, págs. 81, 82 e como ressalta, entre muitos outros, dos Acs. de 20 de Outubro de 2005, Proc. 2939/05‑5.ª, Rel. Simas Santos, de 2 de Novembro de 2005, Proc. 2752/05‑3.ª, Rel. Silva Flor, de 30 de Novembro de 2005, Proc. 2901/05‑3.ª, Rel. Pires Salpico, de 30 de Novembro de 2005, Proc. 3637/05‑3.ª, Rel. Sousa Fonte, de 14 de Dezembro de 2005, Proc. 3357/05‑3.ª, Rel. Oliveira Mendes, de 4 de Janeiro de 2006, Proc. 3636/05‑3.ª, Rel. Armindo Monteiro, de 25 de Janeiro de 2006, Proc. 2981/05‑3.ª, Rel. Pires Salpico, de 8 de Fevereiro de 2006, Proc. 4411/05‑3.ª, Rel. Henriques Gaspar, de 8 de Fevereiro de 2006, Proc. 98/06‑3.ª, Rel. Silva Flor, de 8 de Fevereiro de 2007, Proc. 159/07‑5.ª, Rel. Simas Santos, de 27 de Novembro de 2007, Proc. 3872/07‑5, Rel. Simas Santos, de 12 de Junho de 2008, Proc. 07P4375, Rel. Raul Borges, com ampla referência jurisprudencial, de 7 de Abril de 2010, Proc. 2792/05.1TDLSB.L1.S1, Rel. Pires da Graça, de 6 de Janeiro de 2011, Proc. 355/09.1JAAVR.C1.S1, Rel. Rodrigues da Costa, de 15 de Dezembro de 2011, Proc. 17/09. 0TELSB.L1.S1, Rel. Raul Borges, também com muita referência jurisprudencial, de 17 de Outubro de 2012, Proc. 1243/10.4PAALM.L1.S1, Rel. Pires da Graça, de 7 de Setembro de 2016, Proc. 405/114.0JACBR.C1.S1, Rel. Santos Cabral, de 19 de Outubro de 2016, Proc. 108/13.2P6PRT.G1.S1, Rel. Pires da Graça, de 21 de Março de 2018, Proc. 736/03.4OPRT.P2.S1, Rel. Oliveira Mendes.

E tal entendimento deriva, além do mais, conforme frisa a jurisprudência do STJ, da interpretação do sistema de revista alargada consagrado nos n.ºs 2 e 3, do cit. artigo 410.º.

Tal interpretação está bem delineada em múltiplos arestos, transcrevendo-se de um deles o seguinte passo:

«Concordando-se ou não com os fundamentos expressos, é inegável que sobre a matéria de facto e os vícios que o recorrente lhe assacava, o Tribunal da Relação, ora recorrido, se pronunciou expressamente, tendo-os por afastados.

E não se descortinando no discurso do próprio acórdão recorrido, ex novo, nenhum dos apontados vícios da matéria de facto, há que ter esta como definitivamente adquirida, até porque a discussão sobre matéria de facto, para além, em certos limites, do conhecimento oficioso desses vícios, está, em regra, como no caso, fora da alçada do Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é — art. 434.º do CPP. Com efeito, como reiteradamente aqui vem sendo decidido, em regra, «o recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância interpõe‑se para a relação» (art. 427.º do Código de Processo Penal).

E só excepcionalmente — em caso «de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito» — é que é possível recorrer directamente para o STJ (arts. 432.º, d), e 434.º).

Ora, como resulta do exposto, o aspecto em apreciação do actual recurso — proveniente da Relação (e não, directamente, do tribunal colectivo) — visa, fundamentalmente, o reexame de matéria de facto. De qualquer modo, não visa, exclusivamente, o reexame da matéria de direito (art. 434.º do CPP). Aliás, o reexame pelo Supremo Tribunal exige a prévia definição (pela Relação) dos factos provados. E, no caso, a Relação — avaliando a regularidade do processo de formação de convicção do tribunal colectivo a respeito dos factos impugnados no recurso (os factos imputados ao arguido, mormente a posse das cerca de 98 gr de heroína) — manteve-o, definitivamente, no rol dos «factos provados».

De resto, a revista alargada prevista no art. 410.º, n.ºs 2, e 3 do Código de Processo Penal, pressupunha (e era essa a filosofia original, quanto a recursos, do Código de Processo Penal de 1987) um único grau de recurso (do júri e do tribunal colectivo para o STJ e do tribunal singular para a Relação) e destinava‑se a suavizar, quando a lei restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito (o recurso dos acórdãos finais do júri ou do colectivo; e o recurso, havendo renúncia ao recurso em matéria de facto, das sentenças do próprio tribunal singular), a não impugnabilidade (directa) da matéria de facto (ou dos aspectos de direito instrumentais desta, designadamente «a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não devesse considerar-se sanada»).

Essa revista alargada para o Supremo deixou, por isso, de fazer sentido — em caso de prévio recurso para a Relação — quando, a partir da reforma processual de 1998 (Lei 59/98), os acórdãos finais do tribunal colectivo passaram a ser susceptíveis de impugnação, «de facto e de direito», perante a Relação (arts. 427.º e 428.º n.º 1).

Actualmente, com efeito, quem pretenda impugnar um acórdão final do tribunal colectivo, de duas uma: — se visar exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 432.º d), dirige o recurso directamente ao Supremo Tribunal de Justiça; — ou, se não visar exclusivamente o reexame da matéria de direito, dirige‑o, «de facto e de direito», à Relação, caso em que da decisão desta, se não for «irrecorrível nos termos do art. 400.º», poderá depois recorrer para o STJ (art. 432.º b).» (Ac. STJ de 20 de Maio de 2004, Proc. 04P771, Rel. Pereira Madeira).

Como se refere‑se no sumário do Ac. STJ de 27 de Janeiro de 2009, Proc. 08P3978, Rel. Santos Monteiro «I — O Tribunal da Relação fecha, como regra, o ciclo de conhecimento da matéria de facto, nos termos do art. 428.º do CPP, a ele cabendo a reapreciação daquela matéria, não de uma forma ilimitada, ignorando a fixação naquele domínio pela 1.ª instância, procedendo a um seu reexame na globalidade, fazendo do anterior julgamento autêntica tábua rasa, como se não existisse e, ainda assim, no pressuposto do cumprimento, nas conclusões do recurso, do ónus de impugnação imprimido no art. 412.º, n.º 4, do CPP.» (itálico e sublinhado nosso).

Ou, mais recentemente, no sumário do Ac. STJ de 18 de Junho de 2014, Proc. 659/06.5GACSC.L1.S1, Rel. Oliveira Mendes: “I — Constitui jurisprudência constante e uniforme do STJ (desde a entrada em vigor da Lei 58/98, de 25-08) a de que o recurso da matéria de facto, ainda que circunscrito à arguição dos vícios previstos nas als. a) a c) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP, tem de ser dirigido ao Tribunal da Relação e que da decisão desta instância de recurso, quanto a tal vertente, não é admissível recurso para o STJ.  É que o conhecimento daqueles vícios, constituindo actividade de sindicação da matéria de facto, excede os poderes de cognição do STJ, enquanto tribunal de revista, ao qual apenas compete, salvo caso expressamente previsto na lei, conhecer da matéria de direito — art. 33.º da LOFTJ. O STJ, todavia, não está impedido de conhecer aqueles vícios, por sua iniciativa própria, nos circunscritos casos em que a sua ocorrência tome impossível a decisão da causa, assim evitando uma decisão de direito alicerçada em matéria de facto manifestamente insuficiente, visivelmente contraditória ou viciada por erro notório de apreciação.

Conforme se escreve no Ac. STJ de 29 de Março de 2018, Proc. 5160/13.8TDPRT.P1, Rel. Pires da Graça, «A valoração da prova é questão pertencente à matéria de facto e, por conseguinte do âmbito de recurso em matéria de facto, que é da exclusiva competência do tribunal da relação, que conhece de facto e de direito, nos termos dos arts. 412.º, n.º 3 e 4, e 427.º, do CPP e, por isso, fora do âmbito dos poderes de cognição do STJ, nos termos do art. 434.º, do CPP.».

É perfeitamente inútil, maxime nos casos, como o dos presentes autos, em que já houve intervenção da Relação, pretender-se rediscutir a matéria de facto perante o STJ, que como é sabido funciona, em regra, como tribunal de revista, conhecendo apenas de direito. Mesmos nos casos de recurso directo para o STJ, a competência deste restringe-se, exclusivamente, à matéria de direito (alínea c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP). 

«Os vícios do art. 410,°, n.º 2, do CPP, são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tomam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Atenta a sua estrutura, referenciados que estão os vícios decisórios ao nível da fixação da facticidade relevante, pertinente e útil, para a conformação final e definitiva do thema probandum, definindo os contornos finais e definitivos do objecto proposto pela vinculação temática concreta do caso, com vista à solução do thema decidendum, não faz sentido assacar a existência de tais vícios ao acórdão ora recorrido, o que seria possível apenas e tão só num quadro em que a Relação fixasse factualidade em função de renovação da prova, o que não é o caso, para nos referirmos apenas à actuação da Relação em sede de recurso (tal possibilidade de sindicância em matéria de facto poderá ter lugar, obviamente, quando a Relação funcionar como 1.ª instância).» (Ac. STJ de 15 de Dezembro de 2011, Proc. 17/09. 0TELSB.L1.S1, Rel. Raul Borges)

«A discordância do recorrente no modo de valoração das provas, e no juízo resultante dessa mesma valoração, não traduz omissão de pronúncia ao não coincidir com a perspectiva do recorrente sobre o modo e consequência da valoração dessas mesmas provas, efectuada pelo tribunal competente para apreciá-las, pelo que não integra qualquer nulidade, desde que o tribunal se orienta na valoração das provas de harmonia com os critérios legais. Na verdade, o art. 32.º, da CRP, não confere a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, assegura sim, o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária. Ao STJ como tribunal de revista, e na inexistência de vícios constantes do art. 410.º, n.º 2, do CPP, apenas incumbe sindicar eventuais nulidades, se a convicção do tribunal do julgamento se fundamentar em meios de prova, e provas, proibidos por lei, atentos o princípio da legalidade das provas e os métodos proibidos de prova – arts. 125.º e 126.º, do CPP.» (Ac. STJ de 19 de Outubro de 2016, Proc. 108/13.2P6PRT.G1.S1, Rel. Pires da Graça).

E o texto do art. 434.º do CPP, que refere «Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do art. 410.º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito» (negrito nosso), também nos não conduz pelo caminho que, à primeira vista, parece indicar.

Conforme se escreve no Ac. STJ de 15 de Julho de 2008, Proc. 08P418, Rel. Souto de Moura «Quando o art. 434.º do C.P.P. nos diz que o recurso para o S.T.J. visa exclusivamente matéria de direito, “sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do art. 410.º”, não pretende, sem mais, com esta afirmação, que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça possa visar sempre a invocação dos vícios previstos neste artigo. Pretende simplesmente admitir o conhecimento dos vícios mencionados pelo S.T.J., oficiosamente, mesmo não se tratando de matéria de direito. O âmbito dos poderes de cognição do S.T.J. é‑nos revelado pela al. c), hoje al. d) do n.º 1 do art. 432.º, que restringe o conhecimento do S.T.J. a matéria de direito. E refira‑se que as alterações do C.P.P. operadas pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto, não modificaram os preceitos em causa (al. c), depois d), do art. 432.º e art. 434.º), de modo a justificar‑se uma inflexão da orientação seguida neste S.T.J.» (no mesmo sentido e do mesmo Relator, Acs. STJ de 14 de Abril de 2011, Proc. 117/08.3PEFUN.L1.S1 e de 1 de Outubro de 2015, Proc. 275/12.2JAPDL.L1.S1; Ac. STJ de 8 de Janeiro de 2014, Proc. 124/10.6JBLSB.E1.S1, Rel. Manuel Braz.)

Deste último aresto, de 8 de Janeiro de 2014, extracta-se, por sugestiva a seguinte passagem: «Mas o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, conhece exclusivamente sobre matéria de direito, nos termos do artº 434º do CPP.

Se nesse preceito se contempla a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça declarar a existência dos vícios previstos no nº 2 do artº 410º, isso é só nos casos em que o recurso vise exclusivamente o reexame da matéria de direito, ou seja, quando esses vícios não são invocados como fundamento do recurso, pois, se o forem, o recurso não visa exclusivamente o reexame da matéria de direito. Efectivamente, a alegação da verificação dos vícios do nº 2 do artº 410º representa uma das formas, a mais restrita, de impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, sendo a mais ampla a prevista no art. 412º, nºs 3 e 4. Por outras palavras, o Supremo Tribunal de Justiça, visando o recurso para ele interposto «exclusivamente o reexame da matéria de direito», como, por exemplo, a qualificação jurídica dos factos provados ou a medida da pena, deparando-se com qualquer dos vícios do nº 2 do artº 410º que inviabilize a correcta decisão de direito, não está impedido de afirmar oficiosamente a sua verificação, e deve fazê-lo, tirando as devidas consequências, ou seja, decretando o reenvio do processo para novo julgamento, por lhe estar vedado decidir sobre a matéria de facto. É neste sentido que o Supremo vem uniformemente interpretando o art.º 434.º (v., por exemplo, os acórdãos de 08/02/2007, no processo nº 07P159, de 15/02/2007, no processo nº 07P015, de 08/03/2007, no processo nº 07P447, de 15/03/2007, no processo nº 07P663, de 29/03/2007, no processo nº 07P339, de 27/05/2009, no processo nº 05P0145, de 17/09/2009, no processo nº 169/07.3GCBNV, de 14/10/2009, no processo nº 101/08.7PAABT, de 13/01/2010, no processo nº 274/08.9JASTB, de 24/02/2010, no processo nº 3/05.9GFMTS, e de 07/04/2010, no processo nº 2792/05.1TDLSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt).»

Do que vem exposto se conclui que a arguição dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP não pode, em princípio, constituir fundamento de recurso para o STJ, como é pacificamente entendido na jurisprudência deste Supremo Tribunal, que não está, porém, impedido de os conhecer oficiosamente.

Conforme se escreveu no recente Ac. STJ de 25/9/2019, Proc. 60/2017.5 JAFAR.E1.S1, Rel. Raul Borges, a propósito da questão da Ilegitimidade de invocação dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP, como fundamento de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (quer em caso de recurso directo, quer em recurso interposto de acórdão da Relação:

«Como se viu, o acórdão da Relação de Évora de 5 de Fevereiro de 2019, negou provimento ao recurso interposto pelo arguido, no que concerne à impugnação da matéria de facto e à invocação do vício do erro notório na apreciação da prova.

Na motivação do recurso interposto para a Relação, de fls. 1053 a 1078, o ora recorrente invocou os vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, a insuficiência da prova e contradição com a prova gravada, a violação do artigo 127.º do CPP e do princípio in dubio pro reo.

No caso de recurso interposto de acórdão da Relação, como ora ocorre, o recurso – agora puramente de revista – terá de visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito, com exclusão dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento da 1.ª instância, admitindo-se que o Supremo se possa abster de conhecer do fundo da causa e ordenar o reenvio nos termos processualmente estabelecidos em certos casos.

É que, mesmo nos recursos interpostos directamente para o Supremo Tribunal deixou de ser possível recorrer-se com fundamento na existência de qualquer dos vícios constantes das três alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, o mesmo se passando com os recursos interpostos da Relação, sendo jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal que no recurso para este Tribunal das decisões finais do tribunal colectivo já apreciadas pelo Tribunal da Relação, está vedada a arguição dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, posto que se trata de matéria de facto, ou seja, de questão que se não contém nos poderes de cognição do STJ, o que significa que está fora do âmbito legal dos recursos a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento/decisão pela Relação – neste sentido, cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 - 3.ª Secção, de 22-04-2004 e de 01-07-2004, processo n.º 2035/04-5.ª Secção, CJSTJ 2004, tomo 2, págs. 239/242, de 08-02-2007, processo n.º 159/07 - 5.ª Secção, de 21-02-2007, processo n.º 260/07 - 3.ª Secção, de 28-02-2007, processo n.º 4698/06 - 3.ª Secção, de 08-03-2007, processos n.ºs 447/07 e 649/07 - 5.ª Secção, de 15-03-2007, processos n.ºs 663/07 e 800/07 - 5.ª Secção, de 29-03-2007, processos n.ºs 339/07 e 1034/07 - 5.ª Secção, de 19-04-2007, processo n.º 802/07 - 5.ª Secção, de 03-05-2007, processo n.º 1233/07 - 5.ª Secção.

O recorrente invocou expressamente a verificação do vício previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, parecendo olvidar que o ciclo da matéria de facto se encerra na Relação e que o Supremo Tribunal de Justiça apenas reexamina o decidido a nível de matéria de direito.

Face a improcedência da pretensão, numa segunda vaga recursiva, em recurso interposto para o Supremo Tribunal, na fundamentação do recurso, o recorrente reedita a invocação do aludido vício.

A menos que o acórdão recorrido padeça de patentes, ostensivos, evidentes, incongruentes e relevantes vícios ao nível da confecção da narrativa no plano fáctico, que justifique e imponha intervenção oficiosa deste Supremo Tribunal, com o objectivo de expurgar o vício, debelar a maleita, afastando a insuficiência, a contradição, a desarmonia, a incongruência na apreciação da prova, de modo tal que sem intervenção correctiva no plano factual, a decisão de direito não pode/deve ser tomada.

Estando-se perante um acórdão do Tribunal da Relação, que no caso concreto apreciou o recurso interposto pelo arguido, não é possível deduzir esta forma de impugnação de matéria de facto, mitigada embora, em recurso dirigido ao Supremo Tribunal, o que ocorre, aliás, seja ele interposto de acórdão final de tribunal colectivo, seja de acórdão da Relação.»

O recorrente discorda do entendimento uniforme deste STJ acerca deste assunto e expressa-o em diversos artigos das conclusões da sua motivação (v.g. arts. 30.º, 32.º a 34.º).

Apesar da sua visão sobre a inconstitucionalidade dos arts. 410.º, n.º 2 e 3 e 434.º do CPP (cfr. art. 28.º e ss. das conclusões do recurso), o recorrente não indica, todavia, qualquer aresto do Tribunal Constuticional que afague a sua posição.

De qualquer modo, entende (v. art. 34.º das conclusões) que os invocados vícios devem «ser oficiosamente apreciados e declarados por este STJ». E em abono deste seu entendimento socorre-se do comentário do Cons.º Pereira Madeira ao art. 410.º do CPP, constante do Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva referenciada na nota 4 deste acórdão, donde transcreve o seguinte passo:

 “A circunstância de a detecção dos vícios ser de conhecimento oficioso não prejudica a possibilidade de os recorrentes tomarem a iniciativa e suscitarem esse conhecimento na fundamentação do recurso que interponham. Conhecimento oficioso não é óbice à iniciativa processual dos interessados, ou seja, mesmo que o conhecimento da questão seja suscitado pelos interessados, o tribunal de recurso não deixa de proceder ex officio ao seu conhecimento, como sucede, aliás, sempre que em causa o conhecimento de direito (iura novit curia), independentemente da posição concordante ou discordante daqueles sobre a matéria.”

Na mesma anotação, e imediatamente a seguir ao trecho transcrito pelo recorrente, escreve-se também algo muito elucidativo, que o recorrente, porém, não trouxe a terreiro, e que a seguir se reproduz:

«Este conhecimento oficioso dos apontados vícios da matéria de facto, quando efectuado no Supremo pode—e deve—situar-se para além do já levado a cabo pela Relação, sendo que no que já tenha aí sido decidido, a discussão está encerrada por força dos limites da competência entre aquelas duas espécies de tribunais superiores, pois é na Relação que, em regra, se encerra a discussão do facto.» (pág. 1273 da 2.ª edição do cit. Código de Processo Penal Comentado).

Em suma, conforme jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal Justiça de que os vícios previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º do CPP, dado integrarem matéria de facto, não podem constituir fundamento do recurso de revista a interpor para o STJ, e que este Supremo Tribunal apenas deles conhece ex oficio, quando constatar que a decisão recorrida, devido aos vícios que denota ao nível da matéria de facto, inviabiliza a correcta aplicação do direito ao caso sub judice, cumpre, nos termos dos arts. 414.º, n.º 2 e 3, 420.º, n.º 2, alínea b) e 434.º, todos do referido Código, rejeitar, nesta parte, o recurso.

As questões atinentes à matéria de facto foram, definitivamente, decididas pela Relação.”

A extensa transcrição serve de afirmação inafastável de que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, lastrado na pretensão de discussão dos vícios desfiados nas alíneas do artigo 410º do Código de Processo Penal – máxime do contido na alínea c) – erro notório na apreciação da prova –, só se torna viável e configura fungível se não tiver sido objecto de recurso para a Relação.

Neste eito de pensamento, e porque se esmerilha uma situação de confirmação, ou dupla conforme total e plena (“perfeita”), resultante de uma “chancela” impressiva da condenação ditada pelo tribunal de primeira (1ª) instância, os temas enunciados para resolução da pretensão recursiva do recorrente a saber, insuficiência do inquérito; nulidade do acórdão – por referência à decisão de primeira (1ª) instância, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação – não inclusão da matéria oposta na contestação, apesar de sobre a mesma ter sido produzida prova (artigos 379º, nº 1, als. c) e d) ex vi do artigo 374º, nº 2 ambos do C.P.P.; vícios da decisão recorrida: insuficiência da matéria de facto para a decisão; contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão; e erro notório na apreciação da prova – artigo 410º, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal; e verificação dos pressupostos/requisitos jurídico-materiais supostos na figura consagrada no artigo 30º do Código Penal (Crime continuado), não tomaram assento no rol de questões a assoalhar a cognoscibilidade da pretensão recursória impulsada pelo recorrente

Arredadas, e subtraídas, as questões enunciadas para cognoscibilidade sobram (das questões supra enunciadas) a rejeição do recurso na parte concernente à impugnação da decisão de facto e a determinação da pena única. 


§2.(b).2) – Rejeição do recurso na parte em que o recorrente se propôs impugnar a factualidade adquirida pelo tribunal de primeira (1ª) instância.

O recorrente, como já referido supra impugnou a decisão quanto à matéria de facto nas conclusões numeradas de 16 a 21 (“16ª - Quanto à impugnação da matéria de facto, entende-se, salvo o devido respeito, que foram incorretamente julgados os factos descritos nos pontos 1º; 2º; 5º; 6º; 7º; 8º; 9º; 10º; 11º; 12º; 16º; 17º; 18º; 19º; 20º; 21º; 21º; 22º; 23º; 50º; 51º; 52º; 218º; 219º e 222º, o que, só por erro de julgamento na análise, apreciação e valoração da prova, foram dados como provados.

17ª - Na verdade, entende o Recorrente que da prova testemunhal produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, conjugada com a prova documental, analisada livremente e com base nas regras da experiência comum, devem tais factos ser elevados à categoria de não provados, com todas as legais consequências.

18ª - As provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida, devendo os factos impugnados ser dados como não provados, são os depoimentos das testemunhas infra indicadas, conjugados, com as declarações do arguido recorrente, que têm pleno apoio no acervo documentário junto aos autos.

19ª - Na verdade, só por erro de julgamento se credibilizou o depoimento das testemunhas de acusação em detrimento das declarações do arguido, que confessou os factos e se declarou arrependido.

20ª - As testemunhas da acusação, revelaram uma postura tendenciosa, de grande parcialidade, demonstrando animosidade e inimizade pelo arguido, algumas delas querendo eximir-se a eventual responsabilidade criminal, por terem ligações de direito e de facto com a gestão de pessoa coletiva, optando por atribuir, toda a responsabilidade ao arguido recorrente.

21ª - Os Depoimentos testemunhais infra indicados, conjugados com as declarações do arguido impõem a alteração da matéria de facto, devendo os factos vertidos nos pontos 1º; 2º; 5º; 6º; 7º; 8º; 9º; 10º; 11º; 12º; 16º; 17º; 18º; 19º; 20º; 21º; 21º; 22º; 23º; 50º; 51º; 52º; 218º; 219º e 222º, que devem ser dados como não provados.

Depoimento das testemunhas:

- LL (funcionária do arguido AA desde 2014 a 04.10.2017) que descreveu de forma minuciosa o trabalho que desenvolvia para aquele, prestou Declarações, gravadas em sistema áudio, na Sessão de 18/06/2019, com início pelas 15 horas e 16 minutos e termo pelas 16 horas e 16 minutos;

- KKK (Inspetor da PJ), o qual, além do mais confirmou que fizeram a análise das contas do arguido AA, apreenderam a faturação e apuraram o valor das faturas não pagas, conforme decorre do respetivo relatório pericial;

- QQ (funcionário do arguido AA em maio ou junho de 2017, durante cerca de dois meses e meio), prestou Declarações, gravadas em sistema áudio, na Sessão de 03/07/2019, com início pelas 14 horas e 38 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 10 minutos;

- GG (mulher do arguido entre fevereiro e outubro de 2017), prestou Declarações, gravadas em sistema áudio, na Sessão de 03/07/2019, com início pelas 15 horas e 10 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 47 minutos;

- EE (amiga do arguido AA e sócia de uma das sociedades daquele), prestou Declarações, gravadas em sistema áudio, na Sessão de 03/07/2019, com início pelas 16 horas e 11 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 38 minutos;

- FF (mulher do arguido durante cinco meses no ano de 2015, com início em 07.02.2015), prestou Declarações, gravadas em sistema áudio, na Sessão de 04/07/2019, com início pelas 11 horas e 00 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 33 minutos;

- NN (advogado e amigo do arguido BB, o qual figurou como sócio em duas sociedades), prestou Declarações, gravadas em sistema áudio, na Sessão de 04/07/2019, com início pelas 11 horas e 33 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 00 minutos;

- OO (mecânico de automóveis e amigo do arguido BB, que também figurou como sócio numa sociedade do arguido AA), prestou Declarações, gravadas em sistema áudio, na Sessão de 04/07/2019, com início pelas 12 horas e 18 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 40 minutos;

- LLL (funcionário do arguido AA durante dois meses, em 2017), prestou Declarações, gravadas em sistema áudio, na Sessão de 04/07/2019, com início pelas 12 horas e 00 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 18 minutos;

- UU (gerente da Granitos Vasco Coelho da Cunha, Unipessoal, Lda., que recorreu aos serviços de transporte do arguido AA), prestou Declarações, gravadas em sistema áudio, na Sessão de 10/07/2019, com início pelas 10 horas e 13 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 34 minutos;

- MMM (empresário de granitos por conta própria, que recorreu aos serviços de transporte do arguido AA), prestou Declarações, gravadas em sistema áudio, na Sessão de 10/07/2019, com início pelas 11 horas e 34 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 49 minutos;

- NNN (funcionária da sociedade TRANSNEIVA), prestou Declarações, gravadas em sistema áudio, na Sessão de 04/07/2019, com início pelas 16 horas e 12 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 23 minutos;

- OOO (funcionária da sociedade PSST); e

- PPP (irmã do arguido), prestou Declarações, gravadas em sistema áudio, na Sessão de 10/07/2019, com início pelas 11 horas e 49 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 11 minutos.” (Transcrição da síntese conclusiva apresentada pelo recorrente na pretensão recursiva para o Tribunal da Relação.)

Por seu turno o tribunal recorrido desestimou a pretensão ao recorrente com a sequente argumentação (sic): “2. O recorrente veio impugnar a matéria de facto que salienta, convocando para aquela discussão, além da prova que indica, o princípio “in dubio pro reo”, os três vícios a que aludem as várias alíneas do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal e ainda o por si denominado “vício da insuficiência do inquérito/investigação”, tudo nos moldes que constam da motivação que, no essencial, vem vertida nas correspondentes conclusões 16ª a 31ª supra transcritas (As quais foram transcritas precisamente porque reproduzem a base argumentativa crucial que consta da motivação ou argumentação recursiva e, por isso, e até por razões de economia, permite-nos não a repetir neste lugar.).

Impõe-se começar por anotar que o recorrente confunde claramente os alegados vícios com a impugnação da matéria de facto por via da reapreciação da prova, que nós denominámos de erro de julgamento, pois que se socorre de excertos da prova gravada, remetendo, quanto às testemunhas, para a totalidade das respetivas gravações, aludindo no mais, à falta de prova, quando é consabido, e pacífico, que os vícios a que aludem as várias alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, e tal como resulta do próprio teor daquele preceito, terão de resultar apenas do texto da decisão, ainda que no seu cotejo com as regras da experiência comum (A título meramente ilustrativo, veja-se o do Ac. do STJ datado de 23/09/2010, relatado por Souto Moura, a consultar in http://www.dgsi.pt, no qual se refere que é pacífica a jurisprudência do STJ no tocante aos vícios em questão terem de resultar do texto da decisão, ainda que no seu cotejo com as sobreditas regras da experiência comum.) 4.

Para além disso, confunde ainda notoriamente o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada com a alegada insuficiência de prova, realidades perfeitamente distintas, além de criar um vício novo, o da insuficiência do inquérito ou da investigação, vício perfeitamente inexistente, sendo certo que a direção do inquérito compete ao Ministério Público (cfr. artigo 53º do Código de Processo Penal), pelo que o eventual comportamento de terceiros comparticipantes, na sua tese, não investigado, ao menos em sede de cumplicidade, não teria o condão de o ilibar das consequências das condutas por si praticadas.

De qualquer modo, e porque se trata de aspeto de conhecimento oficioso conforme antes se assinalou, convirá relembrar que “o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada só ocorre “… quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deveriam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão”(Vide Ac. do STJ, de 03/07/02, relatado por Armando Leandro, apud Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, pág. 914.) 5, que “o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão … verifica-se quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados, entre factos provados ou não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal” (Citação do Ac. do STJ, de 03/07/02, relatado por Armando Leandro, apud Vinício Ribeiro, Ob. Cit., pág. 914.)6 e que erro notório na apreciação da prova “… existirá … sempre que se revelem distorções de ordem entre os factos provados e não provados, ou que estes traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, fora de qualquer contexto racional, e por isso incorreta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio”(Citação do Ac. do STJ, datado de 18/10/06, relatado por Santos Cabral, apud Vinício Ribeiro, Ob. Cit., pág. 917.)7.

Ora, não se descortina do texto daquela decisão que padeça de um qualquer desses vícios, pois que a mesma contém um acervo de factos suficiente, percetível, sem distorções entre si, e suportado por uma motivação que os explicita de uma forma racional e coerente, logo, perfeitamente plausível e, por isso, não arbitrária.

Coisa diversa já será a de saber da bondade, ou não, da decisão em sede de facto, o que nos remete para o tal erro de julgamento.

Só quanto a este existe aqui um obstáculo.

Na verdade, para nos situarmos em termos legais e interpretativos, convirá começar por sublinhar que o tribunal de recurso não realiza um segundo julgamento da matéria de facto, incumbindo-lhe apenas emitir juízos de censura crítica a propósito dos pontos concretos que as partes especifiquem e indiquem como não corretamente julgados ou se as provas sindicadas impunham decisão diversa (Vide, entre muitos outros, o Ac. do STJ, datado de 26/01/00, in http://www.dgsi.pt.), e daí a razão do estatuído formalismo.

Por outro lado, convém não esquecer igualmente que “Quanto ao julgamento de facto pela Relação, importa ter em conta que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detetar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório” e que “Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (…) na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reações do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir” (Citação do Ac. do STJ, de 29/10/08, in http://www.dgsi.pt.).

De tudo isso cientes, pode dizer-se que o recorrente aparentou cumprir as exigências contidas nos nºs. 3 e 4, do artigo 412º do Código de Processo Penal.

Porém, a singela análise da sua motivação, transferida a final para as conclusões 17ª a 22ª, permite reter que o mesmo alega, em síntese, que, da prova testemunhal produzida em audiência, conjugada com a prova documental e com as suas declarações, analisada livremente e com base nas regras da experiência comum, conclui-se que ocorreu erro de julgamento na análise, apreciação e valoração da prova, caso contrário não se teria credibilizado o depoimento das testemunhas de acusação, que revelaram uma postura tendenciosa, de grande parcialidade, demonstrando animosidade e inimizade por si, em detrimento das suas próprias declarações, é só por um tal erro foram tidos como provados os factos que constam dos pontos 1º, 2º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 21º, 22º, 23º, 50º, 51º, 52º, 218º, 219º e 222º, que, na sua ótica, deveriam passar a não provados, o que vale por dizer que o mesmo pretendia que se fizesse o julgamento do próprio julgamento, a fim de que fosse validada unicamente a sua leitura crítica da prova, e nada mais.

Assim sendo, constata-se a inexistência de um verdadeiro ataque ao processo cognitivo que gerou o decidido, mas, isso sim, apenas um discurso de assumida discordância da leitura crítica da prova encetada pelo tribunal recorrido, devidamente explicitada na concomitante motivação em sede de facto, ou seja, o recorrente pretendia simplesmente um novo julgamento do julgamento de 1ª instância, o que a lei não alberga minimamente, no seio do qual se limitou a emitir a sua própria opinião sobre a prova produzida, o que, por este prisma, nos reconduz a uma inviável pretensão de sindicar a livre apreciação da prova, tal como vem consagrada no artigo 127º, do Código de Processo Penal, e nos afasta da apreciação da alegada preterição do invocado princípio “in dubio pro reo” que aqui vinha associada, violação que, diga-se “a laterae”, da análise do texto da decisão recorrida não se vislumbra ter ocorrido, minimamente (“O que vale por dizer que do texto da decisão recorrida não emerge uma tal dúvida capaz de abalar a necessária firmeza do decidido em sede factual nessa parte, ou seja, não se descortina minimamente que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o recorrente, ou que a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova materializou-se numa decisão contra ele, que não era suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção – (citação retirada do Acórdão do STJ, datado de 07/04/2010, relatado por Pires da Graça, consultado in http://www.dgsi.pt.).)

Assim sendo, resta apenas a rejeição do recurso nesta parte, ao abrigo do disposto no artigo 420º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal, atenta a sua explicitada manifesta improcedência, sendo certo que a simples discussão da convicção firmada pelo tribunal recorrido, tal como aqui sucede, nunca teria a virtualidade de fazer vingar uma qualquer alteração factual e associada absolvição, manifestamente.

Sublinhe-se, por último, que a mera alegação, no seio da temática reportada à matéria de facto acabada de apreciar, de que o recorrente foi condenado pela prática de vários crimes de burla qualificada, sem prova concreta da sua “intenção” e “ardil”, não tem o condão de fazer erigir a concreta apreciação da verificação de um tal elemento ou requisito do tipo em apreço, pois que se trata de uma mera afirmação que, além de associada a um inexistente vício, o da insuficiência do inquérito ou da investigação, não foi minimamente concretizada e assenta numa persistente discussão da matéria facto fixada cuja apreciação acabou de ser rejeitada pelos motivos supra expostos e, quanto a nós, clarividentes. (As notas de rodapé para que o texto remetia foram insertas a seguir no local a que correspondiam a numeração da nota).

Estatui o artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal que “[q]uando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.”, e o nº 4 prescreve: “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

  

O ordenamento adjectivo civil contém uma norma similar plasmada no artigo 640º. Estabelece a sequente regulação: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

O cotejo do normativizado num e noutro ordenamento adjectivo consente a inferência lógico-racional de que o legislador ao consentir a reapreciação da decisão de facto pelo tribunal de recurso não pretendeu cometer à instância o mesmo poder de aquisição e produção de prova que está cometido ao tribunal de julgamento de primeira (1ª) instância. Vale dizer que o legislador não pretendeu que no tribunal de recurso se reeditassem os mesmos meios de prova – testemunhais, documentais, periciais e de inspecção (do tribunal) – que um julgamento em primeira (1ª) instância deve/pode fabricar para obtenção de uma convicção consolidada e consistente sobre o objecto do litígio e, no caso concreto, do processo criminal sobre a materialidade ilícita do ilícito-típico imputado ao arguido e a respectiva culpabilidade, ou seja a responsabilidade criminal na produção de um determinado feito antijurídico, ilícito e penalmente punido.

O recorrente não pode querer que o tribunal de recurso refaça e recupere todo o material probatório que serviu para alicerçar a convicção do julgador, sob pena de assim permitido os julgamentos se reproduzissem de forma eterna e constante, originando contradições entre os tribunais e uma perenidade na aplicação da justiça – o que vale dizer na definição dos direitos dos usuários do sistema judiciário.

Por esta razão – e outras existem que não têm poiso neste espaço – o legislador consente e autoriza uma impugnação concretizada e finita de pontos de factualidade dada como adquirida pelo tribunal no seu julgamento inicial e que o interessado estime e ajuíze terem sido mal percebidos, compreendidos e ajuizados à face da produção de prova que decorreu e desfilou perante o tribunal. Vale dizer, a lei consente que em vista de determinados e concretos pontos de facto o interessado possa impugnar este específico e dado ponto de facto, mediante a indicação dos meios de prova que reputa serem idóneos para permitir uma compreensão e uma inteligibilidade divertida e distinta da realidade plasmada num enunciado de facto e que o tribunal sujeitou a produção de prova.

A forma de concretizar ou efectivar esse desiderato preceptivo impõe o legislador pela regulação detalhada da forma e modo de o interessado impugnar a decisão de facto. Mediante a concreção dos concretos pontos de facto que o interveniente processual estima dever ser revertidos em face da prova que lhe incumbe indicar. A exigência que, tanto o legislador (processual) civil como penal inculca, não pode ser distraída e esvanecida sob pena de se frustrarem os fins que ficaram indicados.

A necessidade de indicação, melhor seria dizer especificação, dos pontos de facto que considera/estima terem sido incorrectamente apreciados/julgados pelo tribunal recorrido, encontra explicação bastante na argumentação/exposição estendida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 2016, proferido no processo nº 1006/12.2TBPD.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Abrantes Geraldes.

A reapreciação da decisão da matéria de facto relativamente ao segmento ou segmentos concretizados pelos interessados constitui um poder/dever das Relações cujo relevo foi acentuado com a Reforma Processual de 1995/96 e que foi reforçado em subsequentes intervenções legislativas cujo resultado final se encontra, agora, essencialmente condensado nos arts. 644º (alegações) e 662º (decisão) do CPC (matéria mais desenvolvidamente abordada pelo ora relator em Recursos no NCPC, 3ª ed.).

Para a resolução do caso concreto não importa apreciar toda a problemática inerente ao segundo grau de jurisdição em matéria de facto, sendo bastante evidenciar que ao apelante que impugna a decisão da matéria de facto cumpre identificar os concretos pontos de facto que, no seu entender, foram incorrectamente apreciados, especificar os concretos meios probatórios que imponham resposta diversa e indicar a resposta alternativa que deve ser dada a tais pontos de facto (art. 640º do CPC).

Trata-se de um ónus multifacetado cujo cumprimento não se torna fácil, mas que encontra diversas justificações, entre as quais as seguintes:

- A Relação é um Tribunal de 2ª instância, a quem incumbe a reapreciação da decisão da matéria de facto proferida pela instância hierarquicamente inferior;

- A Relação não procede a um segundo julgamento da matéria de facto, reapreciando apenas os pontos de facto enunciados pelos interessados;

- O sistema não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, cumprindo ao recorrente designar os pontos de facto que merecem uma resposta diversa e fazer a apreciação crítica dos meios de prova que determinam um resultado diverso;

- Importa que seja feito do sistema um uso sério, de forma evitar impugnações injustificadas e, com isso, os efeitos dilatórios que são potenciados pelo uso abusivo de instrumentos processuais.

Mas pese embora o rigor e a seriedade com que as partes devem enfrentar as exigências legais, estas não devem exponenciadas pelo Tribunal da Relação a quem a pretensão é dirigida. Importa que não se sacrifique o direito das partes no altar de uma jurisprudência formal a um ponto que seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto, com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara nem na letra, nem no espírito do legislador. Enfim, é necessário que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640º do CPC seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material.

É conveniente que da interpretação e aplicação de tal normativo não transpareça a ideia – que por vezes perpassa em diversos arestos das Relações – de que a elevação do nível de exigência para lá do que a lei inequivocamente determina constitui, afinal, um mero pretexto para recusar a reapreciação da decisão da matéria de facto, com invocação do incumprimento de requisitos de ordem adjectiva.

É esta uma matéria que tem sido objecto de diversos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça que, de forma incisiva, vem procurando travar uma tendência que teima em manter-se para a rejeição de recursos de apelação quando está em causa a reapreciação da decisão da matéria de facto.

Dessa tendência e da necessidade de a combater já o ora relator deu conta em Recursos no Novo CPC, 3ª ed., em anot. aos arts. 640º e 662º, com menção de alguns arestos mais recentes de que se destacam os Acs. do STJ, de 29-10-15 (Rel. Lopes do Rego), de 1-10-15 (Rel. Ana Luísa Geraldes) e de 19-2-15 (Rel. Tomé Gomes), a que agora podem acrescentar-se os Acs. de 18-2-16, 11-2-16, de 19-1-16, de 3-12-15 ou de 16-11-15, todos em www.dgsi.pt.

1.2. Sem dúvida que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme em mera manifestação de inconsequente inconformismo.” (in www.stj.pt. Para uma recensão da jurisprudência do Supremo relativamente à abordagem desta exigência veja-se a jurisprudência citada e transcrita neste acórdão)  

Sem discrepâncias que denotem uma inflexão de sentido cognoscente veiculado pela necessidade de autorresponsabilização que lei inculca e comina para a estruturação dos recursos que atinem com a impugnação da matéria de facto escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 15.10.208, proferido no processo nº 08P2894, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar: “I - Na concretização da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, as Relações conhecem de facto e de direito (art. 428.º, n.º 1, do CPP) – reapreciação por um tribunal superior das questões relativas à culpabilidade. II - O recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação total pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na indicação daquele, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas em suporte técnico ou transcritas quando tiverem sido gravadas) – art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP, na redacção anterior à Lei 48/2007, de 29-08, aplicável no caso –, ou da sua renovação nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova. III - Porém, a reapreciação da matéria de facto, se não impõe uma avaliação global e muito menos um novo julgamento da causa, também se não poderá bastar com declarações e afirmações gerais quanto à razoabilidade do julgamento da decisão recorrida, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada (ou, melhor, uma nova ponderação), em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória das provas que serviram de suporte à convicção em relação aos factos impugnados, para, por esse modo, confirmar ou divergir da decisão recorrida (cf. Ac n.º 116/07 do TC, de 16-02-2007, DR, II série, de 23-04-2007, que julgou inconstitucional a norma do art. 428.º, n.º, 1 do CPP «quando interpretada no sentido de que, tendo o tribunal de 1.ª instância apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o tribunal de 2.ª instância se limite a afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença objecto de recurso foram colhidos da prova produzida, transcrita nos autos»). IV - A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui, por isso, um elemento determinante na definição do objecto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso. V - Numa situação em que, perante o thema submetido à cognição do tribunal de recurso, nos termos definidos pela recorrente (com indicação de dois pontos de factos que considera incorrectamente julgados e enunciação das provas que impunham decisão diversa), o acórdão recorrido, referindo «que o tribunal [da 1.ª instância] foi exaustivo na apreciação da prova e na sua fundamentação», que «é de facto a partir de todas as provas produzidas em audiência de julgamento que o julgador forma a sua convicção, quer daquelas que permitem ter uma percepção directa e formar um juízo imediato sobre os factos imputados aos arguidos, como seja o depoimento das testemunhas com conhecimento presencial dos factos, quer daquelas que, ainda que indirectamente, possam levar a concluir pela verificação desses factos», e que «a prova é apreciada na sua globalidade para efeitos de convencimento e de busca da verdade material», conclui ser «nesta medida» «cristalino e objectivo que a sentença recorrida, fez uma criteriosa análise da prova, apreendendo a essencialidade e o objecto da matéria em litígio», sem que se pronunciasse especificamente sobre qualquer dos meios de prova indicados – não permitindo, por isso, seguir o percurso lógico e racional na formação e formulação da convicção segundo as exigências do princípio da livre apreciação da prova –, mostra-se verificada a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), ex vi art. 425.º, n.º 2, ambos do CPP.” (In www.dgsi.pt). (No mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 14.05.2008, proferido no processo nº 08P1139; relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro: “O legislador tornou mais exigente, transmitindo essa exigência ao texto legal, a indicação dos factos a impugnar, as provas a aduzir e pôs termo à necessidade de transcrição da prova produzida, ao impor que o recorrente indique os concretos pontos de facto que se julguem incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida – als. a ) e b) , do n.º 3 , do art.º 412.º, do CPP .

Quando as provas tenham sido gravadas as especificações previstas nas als. b) e c) fazem-se por referência ao consignado na acta , nos termos do n.º 2 , do art.º 364.º , do CPP , devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação –n.º 4 .º do art.º 412.º.”) Para a ordenança processual civil veja-se ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22.03.2018 “II. A natureza e estrutura da decisão de facto, bem como a economia da sua sindicância pelo tribunal ad quem, justificam o ónus, por banda do impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso e o sentido da pretensão recursória nesse particular. III. Assim, os requisitos formais de admissibilidade da impugnação da decisão de facto, mormente os constantes do artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC, têm em vista, no essencial, garantir uma adequada inteligibilidade do objeto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso. IV. No caso em que o apelante especificou, mediante transcrição, cada um dos pontos de facto dados por provados e por não provados que pretendia impugnar, fazendo-o com meridiana clareza sob determinados pontos do corpo das alegações, pontos estes depois expressamente indicados nas respetivas conclusões e até indicando, na maior parte delas, os próprios pontos de facto impugnados constantes da sentença, tem-se por observado o ónus impugnativo prescrito no artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC.V. No caso em que o apelante, sob cada ponto/número do corpo das alegações em que impugnou especificadamente os pontos de facto em causa, formulou ali, de forma concisa e destacada, o sentido da decisão pretendida relativamente a cada ponto de facto impugnado, remetendo depois, em sede de cada uma das conclusões, para aqueles pontos/números do corpo das alegações, tem-se também por observado o ónus impugnativo exigido pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea c), do CPC.”; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05.09.2018: “I- A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em vários blocos de factos e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.”; ou, por fim, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Ac. do STJ de 27.09.2018: “I - Como decorre do art. 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso. II - Também não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados. III - Relativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respectivas alegações uma vez que o art. 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639.º, ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto.”

Como se alcança da transcrição operada supra, o recorrente, na impugnação da matéria de facto que ensaia, procede (i) a uma enunciação dos pontos de facto que estima terem sido objecto de um julgamento tolhiço – concretamente nos itens 16º e 21º; e (ii) que, em seu juízo, os depoimentos das testemunhas que desfila no item 21 das conclusões, impunham que o tribunal obtivesse uma convicção diversa e distinta da que plasmou nos preditos itens.   

Em nosso juízo, e conservando a bondade da jurisprudência citada, o recorrente não cumpriu minimamente a exigência cominada no nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal.  

Em tese poder-se-ia, o recorrente, queixar de que, tendo denotado e expresso a vontade de impugnar a matéria de facto e concretamente os pontos de facto que identifica e recolhe nos itens 16º e 21º, o tribunal deveria ter tomado a iniciativa – ou corporizado o poder/dever – de formular um convite para que o recorrente aperfeiçoasse as conclusões e procedesse à reconstrução do troço das conclusões relativas à matéria de facto.

A legislação processual penal não alberga uma norma homóloga ao artigo 639º, nº 3 do Código de Processo Civil que impõe o dever de o relator “quando as conclusões sejam deficientes, obscuras e complexas ou nelas se não tenha procedido ás especificações referidas no número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetiza-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.”      

Sob esta estatuição legal doutrinou-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 09.06.2016, proferido no processo nº 6617/07.TBCSC.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Abrantes Geraldes.

No despacho de convite ao aperfeiçoamento aludiu-se, em termos genéricos, às “conclusões”, sem distinção entre as conclusões sobre a matéria de facto e as conclusões sobre a matéria de direito.

Não se trata de um pormenor despiciendo. Ainda que se possa asseverar que o ónus de formular conclusões “de forma sintética”, nos termos que constam do nº 1 do art. 639º do CPC, se reporta a ambos os segmentos das alegações susceptíveis de integrar o recurso de apelação, os demais normativos do art. 639º, designadamente o seu nº 3, aplicam-se apenas às conclusões relacionadas com a matéria de direito; quanto às demais conclusões respeitantes à impugnação da decisão da matéria de facto rege o que está prescrito pelo art. 640º do CPC.

A partir desta divisão sistemática pode concluir-se, como conclui a generalidade da doutrina e da jurisprudência, que o despacho de convite ao aperfeiçoamento previsto no nº 3 do art. 639º visa exclusivamente as conclusões respeitantes à decisão de direito e que, quanto às conclusões atinentes à impugnação da decisão da matéria de facto, não está previsto tal despacho.

A comparação entre o nº 3 do art. 639º e o art. 640º parece-nos clara quanto à intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recursos da matéria de direito (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 3ª ed., pág. 14, Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II vol., pág. 462, e Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 170, nota 331).

Embora não esteja em causa apreciar agora se a amplitude de tal despacho abarca também as conclusões referentes à impugnação da decisão da matéria de facto, teria sido mais curial que, nesse pressuposto, fosse expressamente assinalado o vício da prolixidade relativamente a ambos os campos das conclusões ou, ao menos, mencionado não apenas o art. 639º, nº 3 (sobre as conclusões de direito), mas também o art. 640º (sobre as conclusões de facto).”

O despacho de aperfeiçoamento colhe utilidade quando o recorrente formula conclusões que contenham os elementos mínimos exigidos para a estruturação de uma determinada tarefa. Assim se o recorrente pretende impugnar a matéria de facto deve cumprir e construir o corpo impugnatório das conclusões contendo os pontos de facto que estima merecer divertido ajuizamento e consequente formulação rela-factual e quais os meios de prova que em seu juízo justificam a tarefa impugnativa impulsionada. Isto é, para aperfeiçoar é necessário e mister que o labor (em que se traduz a tarefa de modelar e limar os pontos defectivos) incida e acendra sobre um elemento constituído e apreensível, físico-material e/ou intelectual-espiritual. Não existindo esse elemento identificável e organizado não é possível fazer incidir o labor de aperfeiçoamento, porquanto sem o modelo inicial não se pode melhorar para um fim mais perfeito, mas que tem de conservar o imo do elemento que se pretende ver burilado e turiferado, para se poder apresentar e exibir com uma feição mais utilizável e apta ao fim a que se destina.

No caso, como se procurou evidenciar supra, o recorrente não edificou, de forma estruturada e organizada, o elemento palpável (corpo de pontos de facto identificáveis e concretos) que pudessem servir de modelo para um eventual aperfeiçoamento. Limitou-se a indicar enunciados de facto adquiridos pelo tribunal e que ele considerava devem merecer outro julgamento em face de uma cópia de elementos testemunhais que desfilou sem conexão e impérvia ligação a qualquer dos factos que indicava. Vale dizer que recorrente nem sequer indicou para um enunciado de facto concreto um concreto meio de prova, ao invés e, desconexamente, limitou-se a indicar enunciados de facto e uma, perdoe-se-nos o plebeísmo, “molhada” de testemunhas que tanto poderiam servir para o enunciado 1, como 20. O tribunal que procurasse, adestrasse e imputasse a cada enunciado de facto a testemunha, ou testemunhas, que tivessem sido inquirida sobre esse e/ou outros factos. Com o devido respeito, não é este o sentido e o fim que a norma do artigo sugere e prescreve.

Concluímos que o arguido /recorrente não cumpriu o dever normativo inserido no nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, nem criou o núcleo ou base elementar donde pudesse o tribunal fazer derivar um eventual convite ao aperfeiçoamento.

Confirma-se, com a argumentação aduzida, a opção decisória assumida pelo tribunal recorrido, a saber de rejeitar o segmento do recurso em que o arguido pretendeu impugnar a decisão de facto.


§2.(b).3). – Inconstitucionalidade das normas que consentem a rejeição – cfr. artigo 420º - da impugnação da decisão de facto por inobservância dos artigos 412º, nº 3, ambos do Código de Processo Penal.

O não acolhimento da pretensão de revogação da decisão recorrida decorrente da rejeição do recurso na parte em que não aceitou a impugnação da matéria de facto, sugere ao arguido a arguição de inconstitucionalidade, na acepção recolhida, por violação do acesso à justiça e aos tribunais, mais especificamente, por desprezadora das garantias de defesa, por (i) não ter “sido assegurado ao Recorrente a análise da matéria de facto por um Tribunal Superior, em Recurso”; (ii) não ter sido (o recorrente) “previamente convidado a efectuar a correcção ou aperfeiçoamento”; (iii) constituir uma “solução manifestamente gravosa, desproporcional e inconstitucional por violação das garantias de defesa e do acesso ao direito, artº 32 e artº 20, ambos da C.R.P., é contrário a um Estado de Direito Democrático e ao próprio artº 2 do Protocolo 7 do CEDH”; (iv) devendo “[a] norma do artº 412, do C.P.P., deve ser interpretada no sentido das especificações das alíneas do nº 3 se mostrarem cumpridas, caso o Recorrente transcreva (como transcreveu) as concretas passagens em que funda a sua impugnação da matéria de facto, como ocorreu no presente caso”;  (v) tudo porque estima que especificou “na sua Motivação e nas Conclusões os concretos pontos de facto e aquelas concretas provas que impõem decisão diversa, por isso, o objeto do Recurso está suficientemente circunscrito e o Tribunal em condições de compreender o exato âmbito e alcance do Recurso.

Incoando pela asserção afincada à derradeira transcrição, já se procurou demonstrar que a forma como o recorrente organizou e estruturou o troço da pretensão recursória, com raiz na impugnação da decisão de facto, não tem tradução no segmento normativo que impõe ao recorrente a exigência de indicar os concretos de pontos de facto que estima deverem merecer um julgamento distinto daquele que obtiveram na decisão recorrida. O arguido não observou a parte do preceito que impõe a discriminação/destrinça por troços – “pontos de facto” – de proposições factuais ajuizadas em que se manifesta a sua discordância/dissensão/contradito-riedade relativamente à prova que, em seu juízo, se produziu e, por isso, impõe um ajuizamento distinto daquele que foi consagrado pelo tribunal.

Decididamente o recorrente não procedeu em conformidade com o prescrito na norma ora acoimada de inconstitucional para a assumpção adoptada pelo tribunal recorrido.

Daí que em nosso juízo, em conformidade com o juízo que deixamos expresso, não devam ser alanceados como violadores da regra constitucional os artigos 412º e 420º do Código de Processo Penal.

Os recursos constituem-se como meios processuais-institucionais de reparar, modificando e/ou alterando, as decisões que os interessados, na defesa de um interesse legítimo, assumam ter direito e reputem haverem sido incorrectamente avaliados e/ou ajuizados/julgados por um órgão jurisdicional. Porém, a defesa dos interesses, segundo o ordenamento adrede, está sujeita a regras e modos de proceder que devem ser observados pelos interessados no momento em que apresentam as respectivas petições perante um órgão formal de controlo. Não se concebe, um sistema sem regras e baias de actuação dos intervenientes num processo. A anomia de regras e a acrasia de regulação conduziria a uma desconexão de comportamentos dos sujeitos processuais e estabeleceria a incapacidade de adopção de uma pauta de acção dos actores conducentes ao desarraigo da soluções arrimadas a objectivo final, qual seja a de que os sujeitos da acção se encontram equipados com os mesmos meios e munidos das mesmas regras e formas de proceder.

Pelos argumentos que ora se reforçam entendemos que os artigos 412º e 420º do Código de Processo Civil adoptados na forma em que o foram pelo tribunal recorrido não vulneram e lesam direitos fundamentais de recurso e de acesso ao direito.

No atinente ao convite ao aperfeiçoamento, pedimos vénia para não repetir o que já supra deixamos argumentado quanto a este tema.   

Fenece este segmento do recurso, sobrando para apreciação a exasperada medida concreta da pena imposta/mantida pela decisão recorrida.


§2,(b).4). – Exasperada e errónea aquilatação dos parâmetros de atribuição das penas parcelares e da pena única.    

Na dobadoura impugnatória do arguido, argumenta com (i) “a personalidade do agente, as condições da sua vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível, as circunstâncias em que o crime foi praticado, a média gravidade do mesmo; a inserção social e familiar; a natureza distinta dos crimes constantes do C.R.C.; a saúde precária e a sua idade avançada (nasceu em 10-10-1956), 63 anos; a confissão; a colaboração com a Justiça; o arrependimento; a evolução favorável da sua personalidade, que ocorreu durante a privação da sua liberdade e todas as demais atenuantes constantes do Relatório Social junto a fls.; (ii) “não atendeu essencialmente, à evolução favorável da sua personalidade que se concretizou na sua confissão, arrependimento que demonstram, que o mesmo já interiorizou o mal cometido (artº 77, nº 1, do C.P.).”; (iii) “não atendeu à sua idade avançada de 63 anos e saúde precária e o facto de ser a primeira vez que foi privado da liberdade”; (iv) [n]ão avaliou o Tribunal recorrido, a culpa e prevenção, relacionadas com a gravidade do ilícito global em conjugação com a personalidade unitária revelada pelo agente”; (v) o acórdão recorrido violou “o princípio da proibição da dupla valoração, que veda que sejam de novo apreciadas, em sede de medida concreta da pena, as circunstâncias tidas em conta para a determinação das penas parcelares”; (vi) “[n]ão atentou o Acórdão recorrido, nas condicionantes económicas e sociais que o arguido viveu à data da prática dos factos e que se encontram afastadas, pois o mesmo tem 63 anos de idade e saúde precária, mas tem o apoio da família e amigos, essencial para a sua socialização”, (vii) pelo que “[a] pena única de 10 (dez) anos de prisão é excessiva, desadequada e desproporcional à situação em análise, tanto mais que se trata de um cidadão com 63 anos de idade, que é pela primeira vez privado da liberdade, e o bem jurídico protegido no crime de Burla é de natureza patrimonial”; (vii) o que “[t]udo ponderado, em Cúmulo Jurídico, pena única não superior a 7 (sete) anos de prisão,

O tribunal recorrido justificou a manutenção da medida opcionadas e impostas das penas (tanto parcelares como única) com a sequente argumentação (sic): “Começando naturalmente pelas penas parcelares, para nos situarmos juridicamente, e embora nos pareça existir total sintonia nos autos nesta matéria, relembrar-se-á que “As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade”, e que “Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa”. De resto, a culpa e a prevenção são os dois parâmetros que norteiam a indagação da medida da pena, conforme resulta claro da previsão do artigo 71º, nº 1, do Código Penal.

Claro está que uma tal tarefa há de partir, logicamente, da análise dos factos, no seu cotejo com a também apurada personalidade do seu agente, o que equivale por dizer que “… o substrato da culpa, e portanto também o da medida da pena, não reside apenas nas qualidades do caráter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível…” mas reside, isso sim, “…na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizada naquilo que chamamos a atitude da pessoa perante as exigências do dever-ser.”

De tudo isto cientes, e revisitando este peculiar aspecto da decisão recorrida constata-se que o tribunal ponderou os seguintes aspectos:

 os antecedentes criminais do arguido, que descreveu em pormenor, e que considerava reveladores de uma personalidade claramente desviante e indiferente às sanções penais não detentivas da liberdade, que não o inibiram de prosseguir a sua actividade criminosa;

 que, muito embora tenha confessado a quase totalidade da sua apurada conduta e se tenha declarado arrependido, não revelava adequado juízo de autocensura e vontade de se redimir, na medida em que minimizou ao máximo a sua culpa, desculpabilizando-se, vitimizando-se, responsabilizando terceiros;

 que não mostrou empatia pelas pessoas que se sentiram enganadas e que ficaram prejudicadas e não ressarciu, ainda que parcialmente, as sociedades lesadas;

 que o grau de ilicitude dos crimes de burla cometidos era acentuado, considerando que os cometeu ao longo de cerca de 8 anos;

 que é elevado, nuns casos, e consideravelmente elevado, noutros casos, o prejuízo que causou às sociedades ofendidas, sendo igualmente muito elevada a vantagem patrimonial que conseguiu alcançar (não inferior a 398.844,00€);

 que a sua culpa era muito acentuada, considerando a sua idade, o seu grau de instrução (concluiu o Curso Profissional Geral de …), a sua experiência de vida, o facto de ter explorado juntamente com a esposa um empresa de transportes, que acabou por fechar devido a problemas financeiros, o facto de não se ter deixado sensibilizar pelos problemas financeiros  que sucessivamente causou às sociedades ofendidas, actuando sempre com o propósito de as enganar e de as fazer prestar serviços de transporte que nunca fez intenção de pagar, conduta que se considera deveras censurável, tanto mais que trabalho não lhe faltava, pelo que podia perfeitamente ter levado uma vida honesta, o que optou claramente por não o fazer;

 que as exigências de prevenção geral eram intensas, atentos os bens jurídicos protegidos pelas normas violadas, sendo que, através da sua conduta, conseguiu enganar inúmeras pessoas e causar elevados prejuízos às ofendidas, em proveito próprio, o que é fortemente repudiado pela nossa comunidade.

Ponderou ainda as suas atuais condições pessoais, familiares e económicas: vive em casa de um amigo, a expensas deste, conta apenas com o apoio de uma irmã, não mantém contactos com o filho, tem problemas cardíacos, o seu percurso de vida, que descreveu pormenorizadamente, sublinhando depois que as exigências de prevenção especial que se fazem sentir eram fortes, pois a ausência de adequado juízo de autocensura e a personalidade marcadamente desviante que apresenta, levam a considerar como acentuado o perigo de repetição de actos idênticos aos dos autos.

Seguidamente, e explicando o afastamento da aplicação de uma pena de multa relativamente ao crime de falsas declarações, aspecto que o recorrente não coloca em crise, mas que também não mereceria censura alguma, anotou seguidamente que, tendo em consideração que a moldura concreta da pena tem sempre como limite máximo a medida da culpa e como limite mínimo as exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, e que a medida da pena deve ser encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positivas ou de socialização, excepcionalmente negativas ou de intimidação ou seguranças individuais, tinha como justas e adequadas à responsabilidade criminal do arguido as penas aplicadas supra referidas.

Aqui chegados, resta acrescentar que decorre da resenha supra transcrita que o tribunal ponderou e valorou devidamente tudo aquilo que era imperioso aquilatar, aqui se incluindo as preocupações que o recorrente assinalava, pois que se teve na devida conta os seus concretos antecedentes e a sua situação pessoal e percurso de vida, sendo que valorou também a sua confissão da quase totalidade dos factos e a sua declaração de arrependimento.

E aqui impõe-se abrir um parêntesis para anotar que a mera verbalização de arrependimento, sem um qualquer ato que, em concreto, tal demonstre, mormente a reparação, na medida do possível dos prejuízos causados, por exemplo, não passa disso mesmo, ou seja, da sua mera verbalização, pelo que, e em bom rigor, nem deveria ser valorada, mas claro está, o tribunal não podia deixar de anotar que, apesar de tal declaração de que se encontrava arrependido, o recorrente não revelava adequado juízo de autocensura e vontade de se redimir, na medida em que minimizou ao máximo a sua culpa, desculpabilizando-se, vitimizando-se, responsabilizando terceiros, o que só vem reforçar que um tal declarado arrependimento é para aqui perfeitamente inócuo.

Neste global contexto, tendo presentes as molduras abstratas aqui em apreço e a diversa gravidade dos ilícitos em questão, respeitados que foram os sobreditos critérios que norteiam a aplicação das penas, sem reparo algum, e relembrando-se que nesta matéria existe sempre alguma margem de subjetividade do julgador, pelo que as penas só poderão ser alteradas nos casos em que, apesar de respeitados os subjacentes critérios legais, é ostensivo o seu exagero ou desproporção, tal como decorre do elucidativo acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, datado de 02/6/2010, e ao qual, modestamente, se adere, desrespeito que aqui não sucedeu, não se vislumbra que as penas parcelares aplicadas, no referido espectro possível, sejam exageradas, desproporcionadas e/ou injustas, pelo que deverão manter-se.

Adiante.

E o mesmo se diga da pena única, sendo certo que neste particular a alegação do recorrente encerra um perfeito vazio, uma vez que o mesmo limita-se a afirmar que deveria ser-lhe aplicada uma pena única não superior a sete anos de prisão, pois que, na sua ótica, seria mais adequada à sua culpa e exigências de prevenção.

Uma tal forma de “dosear” as penas vai de encontro ao que nos transmite Souto Moura, o qual, em esclarecedor aresto, sublinha que, embora a justiça do caso não se compadeça com cálculos aritméticos frios, aplicados de modo uniforme a certo tipo de situações, pois que demasiado amplos, devemos estar cientes de que terá que existir um critério que, tendo em conta uma preocupação de proporcionalidade, constitua o ponto de partida para a consideração das especificidades do caso, sob pena de podermos alcançar eventuais e discricionários exageros, pelo que, preconiza, nesta matéria “Acolhe-se a ideia de que a pena conjunta se terá que situar até onde a empurrar o efeito «expansivo» das outras penas, sobre a parcelar mais grave, e um efeito «repulsivo» que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas; ora, são estes efeitos «expansivo» e «repulsivo» que se prendem necessariamente com a referida preocupação de proporcionalidade, a qual surge como variante com alguma autonomia em relação aos critérios da imagem global do facto e da personalidade do arguido”, de tal modo que “Importa traduzir na eleição da pena única um tratamento diferenciado para a criminalidade bagatelar, média e grave, de tal modo que a «representação» das parcelares que acrescem à pena mais grave se possa saldar por uma fração cada vez mais alta, conforme a gravidade do tipo de criminalidade revelada pelas parcelares que acrescem à pena parcelar mais alta aplicada”, daí decorrendo que “Se a parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fração menor dessa(s) pena (s) parcelar (es) deverá contar para a pena conjunta”, e que “E porque a pena do limite máximo dos 25 anos só deverá ter lugar em casos extremos, deve o efeito repulsivo a partir desse limite, fazer-se sentir tanto mais, quanto mais baixa for a parcelar mais grave, e maior o somatório das restantes penas parcelares”, pelo que “Fica, portanto, criado um «terceiro espaço de referência» (e nada mais do que isso), tendo em conta o qual, se possa, conjuntamente, e com flexibilidade, considerar a ilicitude global dos factos e personalidade do agente”.

Tendo presentes tais requisitos, considerando a manutenção das penas parcelares que vinham aplicadas e o elucidativo entendimento citado, o qual, de resto, e ainda que de uma forma singularmente modelar, vai de encontro ao maioritário pulsar jurisprudencial, e considerando os factos acima assinalados e a associada personalidade do arguido, com destaque para o modo de atuação e para a gravidade do sucedido, sem esquecer os registados antecedentes criminais, uma personalidade já muito deformada e claramente avessa às regras estatuídas, reiteradamente, e perfeitamente indiferente às penas já anteriormente sofridas, entendemos que a pena única aplicada é justa e adequada, pelo que deverá manter-se (recorde-se que, como se anotava na decisão recorrida, o limite mínimo era de cinco anos e o máximo de vinte e cinco anos, este por força do disposto no nº 2 do artigo 77º do Código Penal, já que o somatório de todas as penas ascendia a setenta e três anos de prisão).

Nenhum reparo ao decidido neste particular, portanto.

Não procede, pois, também este derradeiro capítulo recursivo.”

A adveniência de conhecimento de uma situação de concurso, induz a exigência de realização de uma operação conducente à formação/composição de uma pena conjunta – cfr. artigo 78º, nº 1 do Código Penal. (“Se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”) 

Claus Roxin, in Derecho Penal, Parte General, Tomo II, Especiales Formas de Aparición del Delito”, Civitas e Thomson Reuters, 2014, na Seccion11ª, sob a epigrafe “Concursos”, define o concurso real quando “uma pluralidade de factos puníveis é julgado no mesmo procedimento ou se submete a posterior formação de uma pena global ou conjunta (§ 53 I)” (Estipula o § 53 I do Código Penal Alemão (StGB) sob a epigrafe “Concurso real de delitos”: “Quando alguém haja perpetrado vários delitos que sejam julgados simultaneamente, e por isso se lhe devam aplicar várias penas privativas de liberdade ou várias multas, condenar-se-á numa pena conjunta”. (Tradução nossa do Código Penal Alemão, traduzido por Emilio Eiranova Encinas (Coord.), Marcial Pons, 2000, Madrid, pág. 37) (…) “o conceito de pluralidade de factos se interpreta por si mesmo: todas as acções submetidas a uma condenação independente, que não estejam em concurso ideal e que são susceptíveis de formação de uma pena conjunta ou global, estão em concurso real. Portanto, a delimitação de unidade de acção e pluralidade de acções aclara já aclara o que significa haver cometido vários factos puníveis.” (Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 981.) 

Depois de descrever as várias situações em que pode ocorrer a formação de uma pena conjunta e as penas particulares que a podem integrar – somente uma pluralidade de penas privativas de liberdade, somente uma pluralidade de penas de multa, uma pluralidade de penas privativas de liberdade e uma pluralidade de penas multas (em caso de distintos factos e no caso de a oena de privativa e pena corresponder ao mesmo facto punível – o Autor fixa-se na formação da pena conjunta ou global.

Na formação da pena conjunta ou global, regulada no § 54 do StGB (Tem o sequente texto o § 54, sob a epígrafe “Formação da pena conjunta”: “Quando uma das penas particulares seja uma pena para a vida (“de por vida”), condenar-se-á á pena privativa de liberdade para a vida (“de por vida”) como pena conjunta. Em todos os demais casos se formará apena conjunta pelo aumento da pena mais alta em que esteja incurso, em caso de penas de distintas classes, pelo aumento da sua classe segundo a pena mais grave” – tradução nossa. (StGB citado), ensina o Emérito Mestre que ela se desenvolve em três passos: (a) a fixação ou atribuição (“asignación”) das penas particulares; (b) a determinação da pena de arranque ou base de partida; (c) a agravação conforme ao princípio da “asperación” ou agravamento (“asperación” do latim “asperare” [agravar]”. (Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 992.)     

No primeiro dos indicados passos – fixação ou “asignación” das penas particulares -, refere o Autor que vimos seguindo, que há que fixar uma pena independente para cada facto particular daqueles que estão em concurso real. “Para isso na medição da pena basicamente haverá que proceder com se o facto tivesse sido enjuizado (“enjuiciado”) ; pois a valoração global de todos os factos puníveis não se produz até à fixação da pena conjunta ou global.”

No segundo passo “haverá que determinar ou calcular a pena mais grave das penas particulares (a denominada pena de arranque, base ou de partida). No caso de várias penas privativas de liberdade a mais grave é aquela que condena à maior ou mais larga privação de liberdade”.

O último passo “incrementa-se com arrimo (“arreglo”) ao princípio de “asperación” [agravamento].” “Decorrente deste facto forma-se um novo marco penal cujo limite inferior consiste num momento da pena de arranque ou base de partida e cujo limite superior não pode alcançar a soma das penas particulares”. (Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 989)  

Dentro do marco penal assim formado a fixação concreta da pena conjunta precisa de um acto independente de medição da pena, no qual se valorem conjuntamente a pessoa do réu e os concretos factos puníveis (§ 54 I 3). “Não basta, portanto, fundamentar as penas particulares e em consequência (“a continuación”) relativamente à pena conjunta ou global constatar na sentença unicamente: “a pena conjunta que há-de ser formada (“que hay que formar“) parece adequada em quantum de cinco anos. Pelo contrário, é necessária uma fundamentação adicional específica, que se baseia na concepção do legislador de “que os factos particulares são emanação da personalidade única do sujeito e por isso hão-de ser “enjuiciados” não como uma mera soma, mas antes como um conjunto. Há-de efectuar-se uma “visão global de todos os factos”. “A este respeito dá que considerar diversos factores, a saber, a relação dos factos particulares entre si, em espacial a sua conexão, a sua maior ou menor autonomia, e além disso a frequência da comissão, igualdade ou diversidade dos bens jurídicos lesionados e dos modos comissivos assim como o peso total do suposto que haja que julgar.”         

Com a valoração global dos factos opera a personalidade do autor. “A este respeito haverá que tomar em conta juntamente com a sua sensibilidade à pena sobretudo a sua maior ou menor culpabilidade em relação à totalidade do sucesso. Também é importante determinar “se os vários factos puníveis procedem de uma tendência criminal ou nos factos imprudentes de uma disposição de ânimo geral de indiferença ou se pelo contrário se trata de delitos ocasionais sem vinculação interna.” (Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 991.)

Na teorética que coenvolve a dogmática jurídica da formação da pena conjunta ou global, refere o mesmo Autor, que se coloca uma primeira questão, qual seja “de se os factores ou critérios de medição da pena que já hajam sido considerados em cada pena particular, também podem voltar a desempenhar um papel na determinação da pena conjunta”. “Contra esta possibilidade aduz-se a “proibição da dupla utilização ou valoração. A favor desta posição, a jurisprudência e um sector da doutrina, partem da base de que não é praticável uma total separação dos pontos de vista decisivos para a pena particular e a pena conjunta. Circunstâncias como as relações pessoais e económicas do réu, a sua vida interior e a atitude interna expressada no facto, que já … devem ser tidas em conta na fixação das penas particulares, têm também uma importância essencial na formação da pena global ou conjunta. As ditas circunstâncias podem ser por uma parte consideradas isoladamente para o facto particular e por outra “sinteticamente como conjunto” na sua repercussão sobre a totalidade dos factos.”

Por outro lado também se coloca a questão de “se os factos puníveis em serie têm importância na formação da pena conjunta com carácter agravante ou atenuante.” 

O correcto parece ser julgar estes supostos diferenciando. Assim, se diversos furtos representam só a realização sucessiva de um dolo global unitário, em que antes se admitiu um delito continuado, ou se vários factos similares se devem a que o sujeito haja caído na mesma tentação, a comissão “formaliter” pode ser julgado de modo mais benigno.”  

A pena conjunta surge no ordenamento jurídico-penal como necessidade de obter uma configuração final, genérica e de visão global de uma personalidade (tendencialmente propensa a delinquir ou pelo menos a praticar actos que se revelam contrárias à preservação e manutenção de um quadro valorativo penalmente prevalente e saliente) e de uma pluralidade de condutas e acções típicas perpetradas pelo mesmo arguido num lapso de tempo confinado por uma avaliação jurisdicional. (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Abril de 2011, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, de que ressaltamos o respectivo sumário: “IV - A formação da pena conjunta é, assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, edição da FDUC, 2005, pág. 1324). V -Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, em caso de cúmulo jurídico de infracções, é de concluir que o agente é punido pelos factos individualmente praticados, não como um mero somatório, em visão atomística, mas antes de forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova, fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado, levando-se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção, tanto geral, como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). (…) XI - O cúmulo retrata, assim, o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido, tendo em vista não o prejudicar por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas. XII - Imprescindível na valoração global dos factos, para fins de determinação da pena de concurso, é analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes, meramente acidentes de percurso, que toleram intervenção punitiva de menor vigor, expressão de uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade, tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro – Prof. Figueiredo Dias, op. cit . § 421. XIII - Quer dizer que se procede a uma reconstrução da sanção, descendo o julgador do aspecto parcelar penal para se centrar num olhar conjunto para a globalidade dos factos e sobre a relação que tem com a sua personalidade enquanto suporte daquele conjunto de manifestações que exprimem a sua relação com o dever de qualquer ser para com a ordem estabelecida, enquanto repositório de bens ou valores de índole jurídica, normativamente imperativos. XIV - A avaliação da personalidade é de feição unitária, conceptualmente como um todo referível a uma unidade delituosa e não mecanicamente por uma adição criminosa. XV - Quando o tribunal aplique em concurso uma única pena de multa como pena principal ou alternativa à de prisão, com uma multa substitutiva da prisão, nos termos do art. 43.º, do CP, tais penas devem acumular-se materialmente, atenta a sua diferente natureza. (…) XXI - A Lei 59/2007, de 04-09, suprimiu o requisito anterior que excluía do concurso superveniente a hipótese de a pena se achar cumprida, prescrita ou extinta, não a englobando no cúmulo jurídico e no desconto na pena única. XXII - Actualmente, o art. 78.º, n.º 1, do CP, considera que o cumprimento leva ao desconto na pena única formada, em inteira benesse para o arguido, mas já não se, por exemplo, ela se mostrar extinta por qualquer outro motivo, designadamente por amnistia, mas sem abdicar das regras do concurso, entre as quais a da mesma natureza das penas em presença. XXIII - O legislador não fornece qualquer critério de ordem matemática, em termos de a compressão aritmética a observar na formação da pena de conjunto, não dever ultrapassar “1/3 e que muitas vezes se queda por 1/6 e menos”, à luz da jurisprudência do STJ, segundo diz, mas apenas um guia na formação da pena de concurso: o da atendibilidade da avaliação global dos factos e personalidade do agente, com o significado, contornos e amplitude já indicados. XXIV - A liberdade individual, de acordo com o princípio da ponderação de interesses conflituantes, só pode ser suprimida ou limitada “quando o seu uso conduza, com alta probabilidade, a prejuízo de outras pessoas que, na sua globalidade, pesa mais do que as limitações que o causador do perigo deve sofrer”, na expressão de Roxin, citado pelo Prof. Figueiredo Dias, op. cit., pág. 430, nota 35.”)

 No quadro das valorações consequenciais advertidas pelas condutas antijurídicas e tipicamente eleitas importa obter um quadro referencial do individuo actuante como forma de propiciar uma imposição punitiva que tenha como pressuposto a culpabilidade colocada na prática das acções típicas, mas igualmente aquilatar e aferir das necessidades de prevenção (geral e especial), bem assim de representar e sugerir para a comunidade a reposição da normalidade contrafáctica resultante da infracção de uma norma penal.   

A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, tem doutrinado de forma proficiente o modo de obter, ponderadamente e pragmaticamente, a composição ajustada da pena conjunta. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1.07.2015, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral (sic): “Como já referimos em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 4/05/2011 é uniforme o entendimento de que, após o estabelecimento da respectiva moldura legal a aplicar, em função das penas parcelares, a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção. Porém, como afirma Figueiredo Dias, nem por isso dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena uma vez que a lei fornece ao tribunal para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72 do Código Penal um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade.

Igualmente se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/9/2006 que o sistema de punição do concurso de crimes consagrado no artº 77º do CPenal, aplicável ao caso, como o vertente, de “conhecimento superveniente do concurso”, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.

Ainda na esteira de Figueiredo Dias dir-se-á que tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso… “só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz… – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo artº 71º. O substrato da culpa não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (...). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a "atitude" da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena.

Fundamental na formação da pena conjunta é, assim, a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação “desse bocado de vida criminosa com a personalidade. A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares”.

Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, acentuando-se a relação dos mesmos factos entre si e no seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade á pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.

Também Jeschek se situa no mesmo registo referindo que a pena global se determina como acto autónomo de determinação penal com referência a princípios valorativos próprios. Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspectiva de existência de uma pluralidade de acções puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais.

Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta quer no que respeita á culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita á prevenção, bem como, em sede de personalidade e factos considerados no seu significado conjunto. Só por essa forma a determinação da medida da pena conjunta se reconduz á sua natureza de acto de julgamento, obnubilando as críticas que derivam da aplicação de um critério matemático quer a imposição constitucional que resulta da proibição de penas de duração indefinida - artigo 30 da Constituição.

O Supremo Tribunal de Justiça, sublinhando o exposto, tem vindo a considerar impor-se um especial dever de fundamentação na elaboração da pena conjunta, o qual não se pode reconduzir á vacuidade de formas tabelares e desprovidas das razões do facto concreto. A ponderação abrangente da situação global das circunstâncias específicas é imposta, além do mais, pela consideração da dignidade do cidadão que é sujeito a um dos actos potencialmente mais gravosos para a sua liberdade, elencados no processo penal, o que exige uma análise global e profunda do Tribunal sobre a respectiva pena conjunta.

Aliás, tal necessidade é imposta a maior parte das vezes por uma situação de debilidade em termos de exercício de defesa resultante da anomia social e económica em que se encontram os condenados plúrimas vezes.

A explanação dos fundamentos, que à luz da culpa e prevenção, conduzem o tribunal à formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. É uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena á luz de princípio fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática.

Como é evidente, na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão á face da respectiva personalidade.

Estes factos devem constar da decisão de aplicação da pena conjunta a qual deve conter a fundamentação necessária e suficiente para se justificar a si própria sem carecer de qualquer recurso a um elemento externo só alcançável através de remissões.”) (Vide ainda, por interessantes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.02.2013, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar; de 23 de Março de 2014, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes; de 17 de Março de 2016, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, todos em www.dgsi.pt.

O arguido encontra-se condenado pela prática, em concurso efectivo, de 28 (vinte e oito) crimes de burla e um crime de falsas declarações, por, em síntese, durante um arco temporal significativo – desde 2011 até 2018, pelo menos – ter utilizado, para obtenção de proventos próprios e mediante o engano, a suspicácia e o ardil – constituindo sociedades comerciais fictícias e de duração temporal limitada à execução dos planos de angariação de clientes e recebimento da contrapartida dos transporte efectuado – ter contratado com diversas empresas transportadoras a realização/execução de transportes (internacionais) que não saldava, apropriando-se desta forma do preço correspondente ao transporte efectuado.  

Conhecedor do modo de proceder de um ramo da actividade empresarial, concretamente de transportes internacionais, o arguido, utilizando as possibilidades propinadas pela facilidade de constituição de sociedades comerciais, foi ao longo de um arco temporal significativo, logrando enviscar sociedades transportadoras de mercadorias – de rango internacional – de modo a obter contratos com essas empresas, que realizavam os transportes mediante a intermediação do arguido, apropriando-se, a final, do preço pago pelo destinatário (efectuado, naturalmente, ao contraente intermediador). O arguido tinha experiência no ramo dos transportes e utilizou empresas constituídas com pessoas que angariava para o efeito e mediante promessa de pingues ganhos para concretizar o plano maquinado e entretecido. (Sob a aparência de tais sociedades de intermediação de transportes, e para tornar as suas propostas apelativas junto dos que se identificarão infra, o arguido AA, por um lado negociou e combinou com as sociedades de transportes/transitários preços que sabia serem superiores aos da média no mercado, tornando assim as suas propostas competitivas e irrecusáveis e, por outro, aceitou receber dos seus clientes, as sociedades exportadoras e beneficiadoras do serviço de transporte, preço inferior à média do mercado.

-Desta forma, certo que inexistia qualquer contacto entre as empresas transportadoras e os clientes finais, contacto esse que foi assegurado, in casu, somente através do arguido AA, ou por funcionários deste, garantiu que o transporte fosse efetuado e que recebia o seu preço, não entregando qualquer valor à empresa de transportes/transitários prestadora do efetivo serviço.

- Por vezes, quando pretendia relações comerciais mais duradouras, o arguido AA liquidava os primeiros serviços que solicitava às sociedades transportadoras/transitárias, criando nestas a confiança necessária para continuarem a prestar serviços de transporte a solicitação daquele.

- Após, e usufruindo de tal clima de segurança contratual, solicitou outros serviços que invariavelmente não liquidou, justificando o não pagamento com declarações falsas sobre o seu estado físico, inventando doenças, operações ou internamentos, para deste modo assegurar a continuação da prestação de serviços, protelar o seu pagamento e aumentar o seu enriquecimento, bem como o correspondente prejuízo dos transportadores/transitários.

- Finda a realização dos serviços de transporte, o arguido AA desativava os contactos telefónicos, fechava, dissolvia ou requeria a insolvência das sociedades, não deixando qualquer rasto da sua existência.

- Ficaram assim as sociedades de transportes/transitários prejudicadas pelo valor do transporte que efetuaram e que não receberam, enriquecendo o arguido ilicitamente à custa do prejuízo destes.

O arguido defraudou a confiança de uma cópia de sociedades transitárias que, certamente, confiaram na seriedade e idoneidade comercial das sociedades constituídas pelo arguido para efeito de intermediação de contrato de transportes de mercadorias (de rango internacional). E durante esse arco de tempo o arguido apropriou-se de quantias vultuosas que disfrutou, generosa e a mãos gordas, em benéfico pessoal – e, quanto resulta da prova produzida, com os amigos. O arguido – como resulta da prova produzida – era uma pessoa experimentada e adestrada na área dos transportes e utilizou, de forma suspicaz e capciosa, os conhecimentos que possuía para embair os ludibriados que, confiadamente, forneciam os serviços (com os gastos e despesas inerentes).

Não vale para efeito de mitigação da intensidade dolosa o factor idade com que o arguido pretende minorar a dosimetria da pena. O arguido agiu de forma totalmente consciente da fissura que vessava na área de intermediação de transportes, porquanto com a sua forma de actuar gerou, certamente, uma desconfiança séria no modo de relacionamento entre a actividade de intermediação e a de transitários que, por vezes, dela dependem para angariação e agilização do negócio.

O montante (avaliado) de que apropriou, o modo como, de forma absolutamente consciente, organizou o esquema – de aparência séria, porque sob a capa de sociedades comerciais legalmente constituídas – para lograr contratar as empresas que realizariam os transportes, evidenciam uma personalidade desapegada de valores e de respeito pelas regras de contrato que devem nortear qualquer relação comercial.

A medida da pena única encontrada pelo tribunal não se afigura excessiva, pelo que deve ser mantida.


§3. – DECISÃO.

Na desinência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Rejeitar o segmento da pretensão recursória coberta pela dupla conforme, a saber os temas que atinam com as penas parcelares confirmadas pelo acórdão recorrido;

- Negar provimento ao recurso no concernente à pena única, que se confirma.

- Condenar o arguido/recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 3 Uc´s.


Lisboa, 4 de Novembro de 2020


Gabriel Martim Catarino (Relator)

Manuel Augusto de Matos

(Declaração nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 2072020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Adjunto, Dr. Manuel Augusto de Matos, não assinando, por o julgamento, em conferência, haver sido realizado por meios de comunicação à distância.)