Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3168/14.5T8LRS-B.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
EMBARGOS DE EXECUTADO
LEGITIMIDADE PASSIVA
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA
INDEMNIZAÇÃO
DIRETIVA COMUNITÁRIA
SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
CIRCULAÇÃO AUTOMÓVEL
SEGURADORA
SEDE SOCIAL
ESTRANGEIRO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I – O Decreto-Lei n.º 72-A/2003, de 14 de Abril que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2000/26/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Maio, relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, só produziu efeitos a partir de 20 de Janeiro de 2003.

II - Ele não produz qualquer alteração subjectiva relativamente às sentenças condenatórias de empresas seguradoras estrangeiras.

Decisão Texto Integral:

Recorrente: AA, exequente

Recorrido: Generali - Companhia de Seguros, SA, executada

Fundo de Garantia Automóvel, executado

Valor da causa: 275 449,74 €


*

I – Relatório

I.1 – relatório

AA intentou recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Setembro de 2023 que julgou extinta a execução instaurada contra a recorrida por a declarar parte ilegítima para a execução.

O recorrente apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:

a. O acórdão recorrido não podia ter decidido pela ilegitimidade processual passiva dos Recorridos para a ação executiva, por alegadamente a sentença proferida em sede declarativa não ter quanto aos mesmos força de caso julgado, havendo violação manifesta do art. 620º, nº 1 do Código de Processo Civil (correspondente ao art. 672º do anterior CPC), uma vez que já havia caso julgado formado nos autos, desde finais de 2012, a esse respeito.

b. Com efeito, por douta Decisão Singular, datada de 15 de outubro de 2012, tansitada em julgado por ausência de recurso, o mesmo Tribunal da Relação de Lisboa já havia decidido pela manutenção dos Recorridos na ação executiva, uma vez que, de acordo com o disposto no art. 57º do anterior Código de Processo Civil, a execução pode ser promovida “não só contra o devedor, mas ainda contra as pessoas em relação às quais a sentença tenha força de caso julgado”.

c. Acresce que a matéria ficou mais do que assente até porque, nessa mesma Decisão Singular se declarou expressamente que “procedem as conclusões do recurso, o que determina a sua procedência”, sendo que a conclusão “A” do então Recorrente expressamente afirmava: “A – O Tribunal a quo violou o disposto no art. 57 da Código de Processo Civil porquanto a sentença dada à execução tem força de caso julgado relavamente aos representantes legais dos Réus nessa sentença (precisamente os Executados excluídos no processo execuvo [Generali e Fundo de Garantia Automóvel]), conforme previsto no DL 72-A/2003, de 14 de Abri, nas inovações que introduziu ao DL 522/85, de 31 de Dezembro), uma vez que, sendo representantes dos réus são as mesmas pessoas sob o ponto de vista jurídico, assumindo consequentemente a mesma qualidade jurídica”.

d. Não houve correta interpretação da referência que a referida Decisão Singular fez quanto à questão da legitimidade processual, porquanto, ao ordenar a prossecução dos autos, manifestamente, houve aplicação do regime adjetivo da legitimidade processual, hoje constante do art. 30º, nº 3 do Código de Processo Civil (art. 26º, nº 3 do anterior CPC): “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.

e. Sob pena se de proferirem decisões quanto a matéria estrutural de uma ação (como é o caso da legitimidade), com carácter provisório e, como tal, criando instabilidade e incerteza às partes, a douta Decisão Sumária declarou a prossecução da execução entre as partes indicadas pelo Exequente (legitimidade processual), afirmando, contudo, que os Recorridos poderiam não ser partes legítimas (sob o ponto de vista substantivo, como é evidente), tudo dependendo “se podem ou não ser impugnados os factos em que o exequente se fundamenta e podem ou não fundamentar hipotética ilegitimidade”, o que remete a discussão, uma vez apurada a legitimidade processual até pela afirmada extensão da força de caso julgado, para a chamada legitimidade de fundo, substancial, isto é dos direitos/deveres da obrigação tal como explanada pelo Exequente no seu requerimento executivo.

f. Assim sendo, por manifesta violação do caso julgado formal que foi formado a respeito da legimidade processual dos Recorridos – por expressa referência à extenção quanto aos mesmos da força de caso julgado –, e mesmo do princípio da economia processual, deverá ser liminarmente revogado o acórdão objeto de recurso, ordenando-se a apreciação da legitimidade substantiva ou de outras questões de fundo suscitadas pelas partes e que não foram objeto de discussão, sendo que, no caso da Recorrida Generali, apenas foram afloradas para, como consta até do sumário, ser considerado que, quanto a ela, não há força de caso julgado da sentença proferida no âmbito da ação declarava.

g. A questão da desconsideração do doutamente decidido na Decisão Singular do Tribunal da Relação de Lisboa, é a todos os titulos muito grave pois deita por terra, remetendo agora o Recorrente para a ação declarava, 11 anos de decurso do processo após a prolação daquela decisão (verificando-se com a enorme delonga do presente processo executivo – mais de 14 anos de pendência! - uma violação aberrante do direito do Exequente a ter o caso decidido com celeridade, o que será apreciado nas instâncias próprias) – sabendo-se que não é fácil, nem pouco oneroso, a quase imposição de ter de se ir executar a sentença na Ilha da ... (França), em desrespeito do princípio fundamental que levou à criação da Diretiva 2000/26/CE que foi a de os lesados poderem tratar dos assuntos atinentes aos acidentes de que foram vítimas no estrangeiro no seu próprio país e aqui obterem a indemnização pelos danos que sofreram – criando-se o mecanismo imperativo dos representantes para sinistros e a atuação do Fundo de Garantia Automóvel em diversas situações, nomeadamente, como foi exposto em sede de recurso (não apreciado), no caso de haver condenação de responsáveis civis (ou seja, de não seguradoras).

h. Mesmo que, por absurdo, se entenda não ter havido violação do caso julgado formal, sempre se dirá que, na esteira amplamente maioritária da jurisprudência e da doutrina nacionais (como supra se expôs e que se dá por reproduzido), que em relação aos Recorridos, enquanto terceiros cujos interesses têm uma dependência com o decidido pela sentença proferida contra a P...GFA (a Generali) e o responsável civil (Fundo de Garantia Automóvel), o caso julgado tem eficácia reflexa contra os mesmos – pelo que, em caso algum, tais Recorridos podem ser, como agora foram, considerados como partes ilegítimas para a ação executiva (violação do disposto no art. 57º do anterior CPC).

i. Neste contexto, andou muito bem a Primeira Instância, que já tinha anulado uma sentença que havia sido proferida sem que previamente tivesse sido analisada a já referida Decisão Singular do Tribunal da Relação, ao fazer expresso uso “da extensão dos efeitos do caso julgado da sentença, por via do disposto nos artigos 43º e 44º, nº 2 do DL 522/85, na redação dada pelo DL 72-A/2003”, precisamente os casos em que deverá intervir a Generali como representante para sinistros da Executada P...GFA, pelo que, qualquer sentença contra esta, necessariamente lhe terá de ser oponível, sob pena de potencial desagregação das decisões judiciais e incongruência entre as mesmas.

j. Não se pode aceitar o entendimento resultante do acórdão sob recurso de que tendo o Recorrente seguido a via de defesa judicial do seu problema, já não podia pretender que a regularização do seu sinistro se fizesse extrajudicialmente perante o representante para sinistros, mesmo depois de emitida sentença contra a seguradora responsável pela ocorrência do sinistro (nada consta na lei que o impeça, antes pelo contrário: arts. 43º, nº 3 e 44º, nº 2 do DL 522/85, na versão introduzida pelo DL 72-A/2003).

k. Também não se consegue compreender a lógica de não haver equivalência prática, e até a fortiori, entre a sentença que fixa os montantes indemnizatórios e a situação em que a responsabilidade não foi extrajudicialmente contestada com proposta aceite, porquanto ambas levam ao mesmo resultado: a possibilidade de acionar o representante para sinistros porque o valor está definitivamente fixado (ou em sede executiva, caso tenha havido condenação judicial da sua representada; ou em sede declarativa, em caso de proposta aceite, por ter a obrigação legal de indemnizar o lesado em representação da seguradora estrangeira).

l. Significativo de que a intervenção dos representantes para sinistros não se circunscreve à mera regularização extrajudicial e pacífica (e de só pagar se assim o entender ou se tiver autorização escrita para tal), está o facto de um lesado poder recorrer aos tribunais contra o representante para sinistros, pedindo para pagar o valor indemnizatório acrescido de juros em dobro da taxa legal (nos casos previstos, por exemplo, no art. 44º, nº 2 do DL 522/85, na redação dada pelo DL 72-A/2003).

m. Em tudo há que ter em conta o espírito que presidiu à emissão da chamada 4ª Diretiva: a proteção de um lesado por acidente ocorrido em Estado-membro, possibilitando-lhe que, no seu país de residência, obtenha a compensação dos danos sofridos, evitando que tenha de recorrer a tribunais estrangeiros para o efeito, quando foram expressamente criados os representantes para sinistros (até como condição de acesso à atividade seguradora) e se vieram a clarificar, pelo DL 72-A/2003, os deveres de intervenção do Fundo de Garantia Automóvel.

n. É entendimento pacífico das instâncias europeias e tal retira-se da conjugação entre a 4ª Diretiva e o diploma que a transpôs para a ordem jurídica portuguesa que, necessariamente, para que os procedimentos indemnizatórios quanto a lesados no estangeiro (e como tal mais desprotegidos na defesa dos seus direitos) que, no âmbito de resolução extrajudicial, os representantes para sinistros têm um mandato legal, conforme resulta do disposto no art. 43º, nº 3 do DL 522/85, com a redação dada pelo DL 72-A/2003, ou seja, resulta diretamente da designação que a lei entende como livre mas obrigatória de representante para sinistros nos vários Estados-membro (até sob pena de privação de acesso ou manutenção da atividade seguradora) – vide o entendimento da Comissão de que há “um mandato legal da empresa de seguros na regularização dos pedidos de indemnização, a sua atuação vincularia a empresa de seguros face à vítima” (texto contido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de maio de 2017, Proc. 806/12.8TBVCT.G1.S1, in www.dgsi.pt).

o. Não faz qualquer sentido lógico ou jurídico afirmar-se, porque, como visto não é obrigatório um mandato escrito – resultando implicitamente da lei um mandato para regularização dos sinistros, como visto supra - que “não se apurou ter sido [a Generali] mandatada para regularizar o sinistro, nomeadamente, na vertente do pagamento fixado judicialmente”. Ora, mesmo que fosse obrigatório, se não se apurou a existência de tal mandato, como veio invocar a Generali, competia a este representante para sinistros, por se tratar de um facto impeditivo do direito do Exequente, o respetivo ónus da prova, nos termos previstos no art. 342º, nº 2 do Código Civil – pelo que foi duplamente mal decidida a questão do “mandato” pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

p. Para que não restem quaisquer dúvidas, o facto de estar provado que a Generali não foi mandatada pela P...GFA para gerir ou regularizar o sinistro que foi objeto da sentença, se reporta – como expressamente resulta da sentença proferida em primeira instância - à “resposta ao artigo 25º do requerimento inicial da Generali”, o qual tem que ser enquadrado com o alegado nos arts. 22º e 23º desse mesmo requerimento inicial, que se reportam à data do sinistro e à data da propostira da ação (esta em 2002), ou seja, só na altura anterior à criação dos representantes para sinistros (pelo DL 72-A/2003), e, especificamente, no âmbito temporal da ação declarativa, se pode entender que não havia mandato.

q. Por último, se efetivamente não pode haver litisconsórcio, na ação declarativa, entre a seguradora responsável e a representante para sinistros, já não se verifica qualquer limitação legal (nem qualquer disposição a esse respeito é invocada no Acórdão sob recurso porque não existe), porquanto em sede executiva não se discute o direito de fundo, mas tão só se visa o efetivo pagamento de indemnização, podendo, naturalmente, ser executadas ambas as entidades para pagar o mesmo valor, acertando, posteriormente, contas entre elas, até porque, no final, o representante para sinistros não pode ficar prejudicado, como é bem de ver.

r. O art. 43º, nº 3 do DL 72-A/2003 refere expressamente que “o representante para sinistros deve ainda dispor de poderes suficientes para representar a empresa de seguros junto das pessoas lesadas nos casos referidos no nº 1 e satisfazer plenamente os seus pedidos de indemnização (...)”, o que conjugado com o mandato legal implícito na obrigação de indemnização e com a impossibilidade legal de manutenção na atividade seguradora em caso de não designação de representante para sinistros nos restantes Estados-membros (a este respeito vide o considerando 17 da Diretiva 2000/26/CE: “A designação dos representantes para sinistros faz parte das condições de acesso à actividade da empresa de seguros no ramo 10 do ponto A do anexo da Directiva 73/239/CEE e ao respectivo exercício”), faz significar, necessariamente, que, muito embora podendo não ter poderes de representação judicial, necessariamente terá de ter poderes – o tal mandato legal – para proceder ao pagamento das indemnizações que lhe são solicitadas, a fortiori, quando a sua representada até foi condenada judicialmente no pagamento de uma indemnização.

s. Ou seja, se não tem os poderes suficientes para representar a empresa de seguros junto das pessoas lesadas e satisfazer plenamente os seus pedidos de indemnização, então nem sequer pode, à face da palavra “deve” constante da lei, ser considerado como representante para sinistros! Mas, facto é que foi considerado como provado, em primeira instância e em sede de recurso, que a Genereli é a representante para sinistros da P...GFA.

t. O que resulta do Acórdão sob recurso é, na prática, um representante de seguros convertido numa entidade de “só paga se assim o entender”, o que desvirtua, em absoluto, as obrigações legais e o carácter da representação que estão subjacentes à criação da 4ª Diretiva e à sua transposição para a ordem jurídica portuguesa, nomeadamente, através do já referido art. 43º, nº 3 aportado pelo DL 72-A/2003 e do mandato legal implícito – não havendo assim, seguindo o racicínio do Tribunal da Relação de Lisboa, qualquer proteção prática/segura no país de residência para quem sofra acidentes no estangeiro, o que não está na ratio da criação do mecanismo de atuação dos representantes para sinistros ou do Fundo de Garantia Automóvel. No caso dos autos, seria obrigar, mesmo tendo sido criada a figura dos representantes para sinistros especificamente para proteção de sinistrados no estrangeiro, o ora Recorrente a ter de executar a sentença que lhe foi favorável na Ilha da ..., com todas as dificuldades e os custos que a Diretiva lhe quis evitar (isto sem prejuízo de ter de ir, previamente ou não, novamente à ação declarativa para que lhe sejam reconhecidos os seus créditos perante o representante para sinistros, ou seja, com duplicação de trabalho, de tempo e de gastos!).

u. Similar raciocínio deverá ser feito quanto à legitimidade do Fundo de Garantia Automóvel para a ação executiva – extensão da força de caso julgado a essa entidade, conforme já havia sido definido na Decisão Sumária do Tribunal da Relação de Lisboa de outubro de 2012.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deverá ser revogado o acórdão sob recurso, procedendo-se à análise e decisão dos concretos deveres indemnizatórios dos Recorridos, os quais, salvo melhor opinião, são claros e já há muito deveriam ter sido cumpridos.

Em suporte da decisão recorrida apresentou a recorrida Generali Seguros, S.A. contra-alegações que encerram com as seguintes conclusões:

1. Entende o Recorrente que, pelo facto de no douto Acórdão datado de 15 de outubro de 2012, se ter mencionado “procedem as conclusões das alegações do recurso, o que determina a sua procedência”, é inatacável a extensão do caso julgado contra a aqui Recorrida, enquanto representante para sinistros da P...GFA.

2. O próprio Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão recorrido esclareceu, ao contrário do que sustenta o Recorrente, que aquele Acórdão datado de 15 de outubro de 2012, não fez caso julgado sobre a questão da legitimidade das partes em juízo.

3. Se dúvidas existissem, note-se que este mesmo Tribunal Superior esclarece (para quem, como o Recorrente, não se mostra elucidado), o seguinte:

“Por último, e contrariamente ao que é sustentado pelo exequente, cumpre dizer que a decisão sumária do Tribunal da Relação de Lisboa a que se reportam os factos provados sob D), M e N), não afirmou a legitimidade dos executados/embargantes para os termos da execução. Concluiu, apenas, que liminarmente, sem apreciação dos factos trazidos aqui à discussão, não podia concluir-se com segurança sobre a legitimidade dum e doutro, tendo deixado aberta a discussão sobre a questão da legitimidade para momento processual ulterior, como resulta inequivocamente do seguinte trecho da decisão… (…) no requerimento inicial o exequente alegou os factos que fundamentam (na sua opinião bem entendido) a demanda desses executados.

Se são ou não correctos, se podem ou não fundamentar tal posição jurídica, é matéria que não se considera agora conhecer, mas sim, oportunamente, em momento posterior e se obviamente for caso disso.

Por conseguinte, não parece, de imediato e liminarmente, devam ser excluídos da execução com fundamento em ilegitimidade.

Mas também não se precisa que sejam partes legitimas.

Tudo dependerá, posteriormente, se podem ou não ser impugnados os factos em que o exequente se fundamenta e podem ou não fundamentar a hipotética ilegitimidade”.

4. Não tem qualquer fundamento, nem sequer respaldo na lei, o entendimento do Recorrente de que por o Acórdão de 2012 ter afirmado que procediam as suas (leia-se, dele, Recorrente) conclusões, nas alegações de recurso, determinando assim a sua procedência, tal significaria que a questão da legitimidade estaria definitivamente resolvida.

5. Ora, não estando como nunca o esteve, decidida a questão da legitimidade, derivado do entendimento, único possível, que resulta do Acórdão de 15 de outubro de 2012, não se coloca, pois, a questão da existência de Caso Julgado, e, muito menos de Autoridade de Caso Julgado, conceito que o Recorrente parece confundir com aquele outro, pelo menos nos Acórdãos que menciona.

6. O Recorrente pretende fazer a extensão da força de Caso Julgado quando, dos Autos, resultou inclusivamente provado a ausência de mandato para regularizar o sinistro, por parte da Generali, vd alínea I dos factos assentes - “A Generali não foi mandatada pela P...GFA para gerir ou regularizar o sinistro que foi objeto da sentença referida em A (resposta ao artigo 25º do requerimento inicial da Generali).

7. Face à inexistência de mandato (que comprovadamente não existia), a demanda da Generali estava sempre vedada ao Recorrente.

8. A transposição para o ordenamento jurídico português da 4ª Directiva foi efectuada através do Decreto-Lei n.º 72-A/2003, de 14 de abril, o qual, nos termos do seu artº 7º, retroagiu a produção dos seus efeitos a 20 de janeiro de 2003.

9. Contrariamente ao que o Recorrente entende, está demonstrado nos Autos que a Generali não tinha mandato, para gerir ou regularizar, qualquer sinistro por conta da P...GFA, não fazendo por isso qualquer sentido a menção ao artº 342º do Cód. Civil.

10. Para quem não estava mandatado pelo Representado para gerir ou regularizar um acidente, não se entende como se encaixa essa ausência de mandato nos pontos 3 e 4 do citado artº 43º e se o Representante não está mandatado para gerir ou regularizar, não tem poderes para representar a Representada (nº 3 supratranscrito) junto dos lesados.

11. E, por maioria de razão não está mandatado para satisfazer os pedidos de indemnização que lhe sejam apresentados.

12. Existe uma impossibilidade jurídica de, numa mesma acção, seja ela, de natureza declarativa ou executiva, a demanda simultânea de Representante e Representada.

13. A que acresce uma agravante, relevante, de no presente caso, a demanda na acção declarativa não comtemplar a Representante, a qual não pode pois, evidentemente, discutir os termos da acção.

14. Na verdade, o douto Acórdão recorrido vai na senda de quanto decidiu o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 25 de maio de 2017, disponível em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt) “O que ora se discute é da possibilidade de se demandar simultaneamente a própria sociedade e a sucursal, como ocorreu, in casu.

Ora, quanto a esta questão, afigura-se-nos assistir razão às recorrentes.

A personalidade judiciária conferida às sucursais destina-se apenas a assegurar a representação da própria sociedade cuja sede é domiciliada em país estrangeiro.

No caso em análise a ação foi intentada, ab initio, contra a própria sociedade, a qual se apresentou em juízo devidamente representada por advogado.

Pelo que a sociedade não pode estar em juízo por si própria e, simultaneamente, através do seu representante.

Sendo processualmente incompatível o prosseguimento da ação contra a devedora e a entidade que dela é mera representante.

Salientando-se que o que preside à regra do supra referido n.º 2 do artigo 7.° do CPC não é mais do que facilitar o exercício do direito do credor ou lesado, permitindo-lhe acionar uma entidade que lhe é próxima. Tendo o A. optado, desde o início, por demandar o próprio devedor, é manifesto que não quis prevalecer-se dessa faculdade. Assim, a circunstância de a ação ter sido intentada contra a própria sociedade - a AA - Mútua de Seguros - impede que seja reconhecida personalidade judiciária e legitimidade à sua sucursal, por se tratar de uma e mesma pessoa, que não pode estar em juízo por si própria e, do mesmo passo, por via de um representante. Consequentemente, impõe-se absolver da instância a AA - Mútua de Seguros - Sucursal em Portugal. (…)

A diferença está em que, no caso vertente, a 2ª ré é demandada conjuntamente com a seguradora e certo é que, assim sucedendo, não se vê que possa simultaneamente ser demandado o substituto e o substituído, o representado e o representante, afetando-se os objetivos que estão na base da faculdade de o representante para sinistros ser demandado no Estado do lesado, quando este seja o competente, aceite que seja o entendimento - e esta é a primeira questão ainda não respondida - de que o representante para sinistros para o ser tem de dispor necessariamente de poderes de representação em tribunal para ser demandado em representação da seguradora pelo menos quando, perante o representante, tenha sido apresentado o pedido de indemnização. A partir do momento em que o lesado opta por demandar a seguradora, entidade que dispõe de legitimidade direta e não o substituto que apenas pelas razões constantes do artigo 13.º/2 do CPC/2013 é admitido a intervir, carece este de legitimidade precisamente porque não é admissível litisconsórcio voluntário entre substituto e substituído, representado e representante.”

15. A questão é simples, não pode estar em juízo, na mesma acção, sendo solidariamente responsabilizadas, representante e representada…

16. A questão é simples, não pode estar em juízo, na mesma acção, sendo solidariamente responsabilizadas, representante e representada…e este raciocínio em nada é beliscado pelo facto de estarmos no âmbito de uma Execução, aliás, bem antes pelo contrário, atento nesta fase, a preclusão de direitos de defesa inerentes à acção executiva.

17. O representante não é um mero pagador, e por isso é destituído de qualquer razoabilidade o afirmado pelo Recorrente de que “…também não faz qualquer sentido afirmar-se que não sendo possível (e bem), em sede declarativa serem demandados, em litisconsórcio, a seguradora responsável e a representante para sinistros, que o mesmo se passa também em sede executiva! Com efeito, neste caso, não se trata da definição de direitos e da intervenção na relação material controvertida do acidente, trata-se de pagar uma dívida já fixada e que o representante para sinistros tem, legalmente, a obrigação de pagar.

A este respeito, o art. 43º, nº 3 do DL 72-A/2003, refere expressamente que “o representante para sinistros deve ainda dispor de poderes suficientes para representar a empresa de seguros junto das pessoas lesadas nos casos referidos no nº 1 e satisfazer plenamente os seus pedidos de indemnização (...)”, o que conjugado com o mandato legal implícito na obrigação de indemnização e com a impossibilidade legal de manutenção na atividade seguradora em caso de não designação de representante para sinistros nos restantes Estados-membros (a este respeito vide o considerando 17 da Diretiva 2000/26/CE: “A designação dos representantes para sinistros faz parte das condições de acesso à actividade da empresa de seguros no ramo 10 do ponto A do anexo da Directiva 73/239/CEE e ao respectivo exercício”), faz significar, necessariamente, que, muito embora podendo não ter poderes de representação judicial, necessariamente terá de ter poderes – o tal mandato legal – para proceder ao pagamento das indemnizações que lhe são solicitadas, a fortiori, quando a sua representada (e a Generali é, como corretamente provado, embora nunca por ela assumido no processo, representante para sinistros da P...GFA em Portugal) até foi condenada judicialmente numa indemnização.”

18. Para além deste entendimento não ter respaldo na matéria factual dada como provada, comprovadamente a Generali não foi mandatada para gerir ou regularizar o sinistro, pelo que necessariamente (usando a mesma expressão do Recorrente) estava impossibilitada de regularizar o que quer que fosse.

19. Da legislação aplicável, a representação legalmente estatuída terá que ser uma representação ab initio, pelo menos no que toca à Seguradora – a Generali, não é uma representação subsidiária, no sentido de ter de cumprir aquilo que a representada não cumpre.

20. A representação não se limita ao simples processo de pagar, antes se reconduz a um todo, que passa, pela averiguação e, se for o caso, pagamento, no âmbito de um sinistro participado.

21. Nos termos do disposto no nº 3 e do nº 4 do artº 43º do citado diploma, “O representante para sinistros deve ainda dispor de poderes suficientes para representar a empresa de seguros junto das pessoas lesadas nos casos referidos no nº 1 e satisfazer plenamente os seus pedidos de indemnização e, bem assim, estar habilitado a examinar o caso na língua ou línguas oficiais do Estado membro de residência da pessoa lesada....

4 - O representante para sinistros deve reunir todas as informações necessárias relacionadas com a regularização dos sinistros em causa e, bem assim, tomar as medidas necessárias para negociar a sua regularização.”

22. A representação significa um poder e um dever de discutir o sinistro reclamado, não se limitando ao seu pagamento, este normativo, como resulta do Acórdão recorrido, tem o seu campo de aplicação numa fase pré judicial, de regularização pré judicial, não podendo dele fazer-se uma interpretação extensiva, no caso já para uma fase executiva.

23. A circunstância de o pedido ter sido única e exclusivamente dirigido à P...GFA preclude que o posterior pedido executivo seja apresentado contra a suposta representante

24. O artº 12º do Cód. Civil, consagra, o princípio da não retroactividade das leis, no sentido de que elas só se aplicam para o futuro.

25. Veja-se a este propósito, e com acuidade, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 4 de novembro de 1999,

26. Aplicando ao caso dos Autos, as regras referentes à figura da representação para sinistros apenas e só se aplicam a acidentes posteriores a 20 de janeiro de 2003, data da entrada em vigor dos normativos que criaram tal figura.

27. De tudo o que fica dito resulta pois que bem andou o Acórdão recorrido ao revogar no que toca à Generali a douta Sentença proferida, devendo por isso ser de manter na integra, devendo igualmente e por isso improceder o Recurso interposto pelo Recorrente.

Nestes termos, e nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve negar-se provimento ao Recurso, mantendo-se na integra o douto Acórdão proferido.

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I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

O recurso de revista é admissível ao abrigo do disposto nos art.º 671.º, n. º1 e 854.º ambos do Código de Processo Civil.


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I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão:

1. Legitimidade passiva na execução de sentença condenatória.


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I.4 - Os factos

O acórdão recorrido considerou relevantes para a decisão do recurso os seguintes factos:

A. Por sentença proferida em 24/05/2005 no processo 460/2002, que correu termos na extinta 2ª Vara Mista de ..., do Tribunal de Família e de Menores e de Comarca de Loures, transitada em julgado em 16/06/2005, foi julgada parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenados os ali réus, P...GFA, ora embargante, e BB, a pagarem solidariamente ao ali autor, ora Embargado, as seguintes quantias:

- € 195.832,66, a título de indemnização pelas perdas salariais desde a data do acidente até ao termo do contrato com o "Club ..." e durante cinco épocas desportivas após o termo do contrato, em função da IPP para o exercício da sua actividade profissional de jogador de futebol, quantia esta a ser objecto de actualização monetária de acordo com as taxas de inflação publicadas pelo INE, desde a data em que os rendimentos de trabalho lhe seriam atribuídos até ao momento da citação, a liquidar em execução de sentença;

- € 15.000,00 a título de indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade parcial permanente para o desempenho da profissão de jogador de futebol;

- € 12.500,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.

B. A execução de que os presentes embargos constituem apenso foi instaurada em 30/01/2009, para pagamento da quantia de € 223.332,66 referente à soma dos valores indemnizatórios fixados na sentença, e de € 52.069,08, a título de actualização monetária de acordo com a taxa de inflação, acrescido de juros de mora vincendos até integral pagamento.

C. A execução foi instaurada contra P...GFA e BB, réus na acção declarativa referida em A, e contra Assicurazioni Generali em representação de P...GFA, e o Fundo de Garantia Automóvel em representação de BB.

D. Por decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 15/10/2012 (Apenso A) foi determinada a prossecução da execução contra Assicurazioni Generali e o Fundo de Garantia Automóvel.

E. Através de carta registada com AR, datada de 09/12/2005, o exequente dirigiu ao FGA uma carta na qual: informa que, para efeitos do disposto no n. º 4 do artigo 5º do DL 522/85, de 31 de Dezembro, com a redacção dada pelo DL 72-A/2003, de 14 de Setembro, nem a seguradora francesa, nem o seu segurado efectuaram qualquer pagamento por conta da dívida em que foram condenados; interpela o FGA para o pagamento das quantias indicadas na sentença ao abrigo da legislação referida.

F. Através de carta registada com AR, datada de 05/01/2006, o exequente dirigiu à Assicurazioni Generali uma carta na qual: informa que nem a seguradora francesa, nem o seu segurado efectuaram qualquer pagamento por conta da dívida em que foram condenados; interpela a Assicurazioni Generali para o pagamento das quantias indicadas na sentença ao abrigo do disposto no artigo 43 º e seguintes do DL 522/85, de 31 de Dezembro, com a redacção dada pelo DL 72-A/2º3.

G. O alegado veículo lesante tem a matrícula estrangeira (resposta ao artigo 4º do requerimento inicial FGA)

H. A empresa de seguros francesa "P...GFA" designou como seu representante para sinistros em Portugal, a empresa GENERALI Companhia de Seguros SPA - Sucursal em Portugal.

I. A Generali não foi mandatada pela P...GFA para gerir ou regularizar o sinistro que foi objecto da sentença referida em A.

J. As citações efectuadas aos Réus P...GFA e BB, na acção declarativa, foram-no em língua portuguesa.

K. Por sentença proferida em 26/12/1995 pela Cour d'Appel de Saint Denis da Ilha da ..., no processo 260/95, em que era requerente CC e requeridos BB e P...GFA, e que não foi objecto de recurso, foi decidido recusar o pedido de compensação de CC, e condenar o requerente CC e a sociedade U.. a pagar a BB a quantia de 625 Francos e à sociedade P...GFA a quantia de 14.673,28 Francos, acrescido de juros à taxa legal contados desde a data do julgamento.

L. Consta da sentença proferida em J que:

Durante a audiência pelos serviços da gendarmerie, o Sr. AA admitiu ter visto funcionar o indicador de mudança de direção à direita do veículo que o precedia e percebeu que este estava a se deslocar à esquerda para poder realizar a manobra com o fim de entrar em um caminho privado à direita. Apesar da existência desta manobra perfeitamente previsível, visto a configuração do local, é evidente que o Sr. AA não reduziu a velocidade do seu veículo pensando "ter tempo suficiente para passar" no espaço deixado livre entre a margem direita da faixa de rodagem e a camioneta, como ele admite. Esta situação é característica de uma falta de imprudência e de uma perda de controle.

Pelo contrário, nenhuma falta pode ser atribuída ao Sr. BB."

M. A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa mencionada em D) diz respeito ao recurso interposto da decisão de 1.ª instância proferida em 18 de Junho de 2012 e rectificada em 18 de Setembro do mesmo ano, e que julgou partes ilegítimas para a execução, os executados "FGA - Fundo de Garantia Automóvel" e "Generalli Companhia de Seguros, SPA".

N. Em decisão sumária, decidiu o tribunal de 2a instância, além do mais, o seguinte:

(…) adianta ainda o art. 57 que a execução fundada em sentença condenatória pode ser promovida, não só contra o devedor, mas ainda contra as pessoas em relação às quais a sentença tenha força de caso julgado.

A doutrina encontra-se, porém, dividida quanto à questão de saber se é suficiente que o exequente invoque (no requerimento inicial da execução) os factos constitutivos da sucessão.

Ou se deles poderá posteriormente o executado impugnar.

Na jurisprudência, tem prevalecido a tese segundo a qual caso de sucessão no direito (nomeadamente por o credor inicial ter cedido o crédito a terceiro), o exequente tem que alegar, no requerimento executivo, os elementos integradores dessa sucessão, mas não tem que oferecer logo prova deles, embora lhe seja lícito apresentá-la, quando meramente documental.»

Seja como for, daqui se pode, sinteticamente, concluir que não é unívoca, nem uniforme o entendimento quanto à (i)legitimidade passiva ou activa da posição das partes na execução ainda que se trate de título constituído por sentença.

Acresce que,

Face ao disposto no art. 5º nº4 do decreto lei no 72-A/2003 que transpõe para a ordem jurídica a Directiva no 2000/26/CE e que se destina a prover à eficaz protecção do lesado por acidente automóvel ocorrido no estrangeiro, dispõe que a intervenção do Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do presente artigo, é subsidiária da obrigação da empresa de seguros, pelo que, designadamente, depende do não cumprimento pela empresa de seguros ou pelo civilmente responsável.

E face ao disposto no art. 43 do referido diploma que cria a figura do representante para sinistros permite a satisfação dos pedidos de indemnização dos seus representados. Ora, no requerimento inicial o exequente alegou os factos que fundamentam (na sua opinião bem entendido) a demanda desses executados.

Se são ou não correctos, se podem ou não fundamentar tal posição jurídica, é matéria que não se considera agora conhecer, mas sim, oportunamente, em momento posterior e se obviamente for caso disso.

Por conseguinte, não parece, de imediato e liminarmente, devam ser excluídos da execução com fundamento em ilegitimidade.

Mas também não se precisa que sejam partes legítimas.

Tudo dependerá, posteriormente, se podem ou não ser impugnados os factos em que o exequente se fundamenta e podem ou não fundamentar hipotética ilegitimidade. (…)

Inexistem factos não provados.

II - Fundamentação

1. Legitimidade passiva da recorrente para a execução

O recorrente, AA instaurou processo executivo contra P...GFA, sociedade anónima de seguros, BB, Fundo de Garantia Automóvel (FGA); e Generali, Companhia de Seguros, SA com base na sentença proferida na acção declarativa que condenou P...GFA e BB a pagar-lhe uma indemnização pelos danos sofridos num acidente de viação.

Generali, Companhia de Seguros, SA e o Fundo de Garantia Automóvel deduziram oposições separadas à execução, tendo sido determinada a sua tramitação conjunta.

Veio a ser julgada procedente a oposição apresentada pelo Fundo de Garantia Automóvel e julgada quanto a ele extinta a execução e improcedente a oposição apresentada por Generali, Companhia de Seguros, SA.

Em recurso de apelação por esta última apresentado, o Tribunal da Relação veio a revogar parcialmente a sentença recorrida e determinar também quanto a ela a extinção da execução, por nela ser parte ilegítima, sendo esta a decisão sob revista.

Como aceite por ambas as partes, depois de para tal notificadas, a decisão que a recorrente refere ter sido proferida no processo e ter decidido, com força de caso julgado que quer o Fundo de Garantia Automóvel quer a Generali, Companhia de Seguros, SA. eram partes legitimas para a execução é a que se mostra inserida no apenso A – processo 3168/14.5T8LRS-A-(CV) Recurso de apelação em separado, em 27 de Abril de 2020 – Recurso – ref.ª Citius [.......80].

Trata-se de uma decisão singular, não um acórdão como mencionado nas alegações de recurso, proferida pelo relator a quem fora distribuído um recurso de apelação do despacho liminar que indeferira liminarmente o requerimento executivo quanto ao Fundo de Garantia Automóvel e à Generali, Companhia de Seguros, SA, com fundamento na sua ilegitimidade por não constarem da sentença, absolvendo-os da instância, que se mostra parcialmente transcrita na alínea N) dos factos provados.

Não merece grandes considerações a evidência de que aquela decisão nada decidiu com força de caso julgado, para além da revogação do despacho liminar com aquele fundamento, muito menos que as ditas partes eram legítimas. Tem até o cuidado de explicar que, parecendo demasiado cedo excluir as partes numa situação que entendia duvidosa, tão pouco afirmava a sua legitimidade, que deveria definir-se em momento posterior em face de mais elementos para além do requerimento executivo e do título – sentença-.

Não há qualquer caso julgado a ter em conta na decisão sobre a legitimidade aqui em discussão. O título encerra uma condenação no pagamento de duas entidades estrangeiras e serão elas as partes legitimas, porque as devedoras, para a execução.

O acidente em causa ocorreu em 1995 e a sentença portuguesa condenatória e dada à execução foi proferida em 24/05/2005 no processo 460/2002. No momento da propositura da acção não estava em vigor o Decreto-Lei n.º 72-A/2003, de 14 de Abril que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2000/26/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Maio, relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, introduzindo, consequentemente alterações nos Decretos-Leis n.ºs 522/85, de 31 de Dezembro, e 94-B/98, de 17 de Abril. Em conformidade com o seu art.º 7 o Decreto-Lei n.º 72-A/2003, de 14 de Abril produziu efeitos a partir de 20 de Janeiro de 2003, mas as empresas de seguros com sede em Portugal ou as sucursais de empresas com sede fora do território da União Europeia, já autorizadas à cobertura de riscos do ramo responsabilidade civil de veículos terrestres a motor dispunham ainda de mais seis meses após a data de entrada em vigor desse diploma, para comunicar ao Instituto de Seguros de Portugal o nome e o endereço dos representantes, em cada um dos demais Estados membros, para o tratamento e a regularização no país de residência da vítima dos sinistros ocorridos num Estado distinto do da residência desta.

Assim a acção foi proposta contra a seguradora e o causador do acidente, e, na data da propositura da acção não podia ser de outro modo, pelo que a circunstância de actualmente este tipo de acções poder ser propostas apenas contra o representante da empresa seguradora com sede no estrangeiro não permite passe a considerar-se o título executivo como contendo elementos que dele não constam. Acresce que a circunstância de as empresas seguradoras com sede fora de Portugal terem obrigatoriamente de nomear um representante em Portugal não obriga que os lesados residentes em Portugal por acidentes de viação ocorridos fora de Portugal estejam impedidos de demandar directamente as seguradoras com sede no estrangeiro, como fez o autor.

O título, como dele consta, vale contra a P...GFA e BB não podendo ser demandada para proceder ao pagamento a Generali, Companhia de Seguros, SA., com o exclusivo fundamento de que anos depois de instaurada a acção veio ela a ser designada pela empresa P...GFA como seu representante em Portugal para regularizar os sinistros ocorridos após 20 de Janeiro de 2003, sem que na acção declarativa condenatória haja sido requerido, e aceite a intervenção da Generali, Companhia de Seguros, SA., não obrigatória, em substituição da P...GFA .

O acórdão recorrido fez uma análise rigorosa e completa das disposições legais aplicáveis à situação em análise, carecendo em absoluto de fundamento o recurso de revista apresentado.

Improcede, pois, a revista.


***

II – Deliberação

Pelo exposto acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrida.


*

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024

Ana Paula Lobo (relatora)

Fernando Baptista

Afonso Henrique Cabral Ferreira