Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4043/10.8TBVLG.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: AUTORIDADE DO CASO JULGADO
ACIDENTE LABORAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
SEGURADORA
PRESTAÇÕES DEVIDAS
PAGAMENTO
SUB-ROGAÇÃO
TERCEIRO
PRESTAÇÕES FUTURAS
Data do Acordão: 02/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES / REQUISITOS DA LITISPENDÊNCIA E DO CASO JULGADO.
Doutrina:
- Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 1968, pgs. 160 e 331;
- Lebre de Freitas, CPC Anotado, Volume 2.º, 3.ª Edição, p. 599 ;
- Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código Anotado, 2.º, 2.ª Edição, p. 354).
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 305 e 319;
- Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, p. 415 e 499;
- Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, III, 3.ª Edição, p. 200 e 201;
- Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325, p. 159 a 179 ; Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 578;
- Vaz Serra, Revista Decana, 110.º, p. 237 e 238.

Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 581.º, N.ºS. 1 E 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:



- DE 09-04-1977, ASSENTO DO STJ N.º 2/78;
- DE 06-02-1996, IN BMJ N.º 454, P. 603 E SS.;
- DE 14-03-2006, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-12-2007, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-03-2008, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13-07-2010, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-07-2011, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-07-2011, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-11-2011, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-01-2013, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 21-03-2013, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-09-2013, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-05-2014, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18-06-2014, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 24-03-2015, PROCESSO N.º 966/07, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-05-2015, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-02-2016, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-03-2017, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 12-07-2012, IN CJ, ANO III, P. 140.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 23-10-2007, IN CJ. IV, P. 36.
Sumário :
I - A excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado são duas vertentes, a primeira negativae a segunda positiva, do caso julgado.

II - A excepção implica a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir – art. 581.º, n.ºs. 1 e 4, do CPC – e tem o efeito negativo de impedir o conhecimento do mérito de uma segunda acção, impondo a absolvição da instância.

III - A autoridade não implica a identidade objectiva e tem o efeito positivo de impor a primeira decisão com pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito.

IV - A sentença, transitada em julgado, proferida em acção anterior, que reconheceu à seguradora laboral o direito de se sub-rogar no direito de indemnização da lesada contra o terceiro responsável pelo acidente, quanto a prestações pagas até à sua prolação, tem autoridade de caso julgado na acção posterior onde a seguradora laboral pede o reembolso das prestações pagas, de idêntica natureza, desde então.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

AA, COMPANHIA DE SEGUROS, SA propôs esta acção declarativa comum contra o BB.

Pediu que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de €31.061,35, acrescida dos juros de mora vincendos contados desde a data de citação do Réu até integral e efectivo pagamento, calculados dia a dia, às taxas de juro legais, sobre esse montante, bem como no pagamento das pensões e das prestações suplementares que venham a ser liquidadas à trabalhadora CC em data posterior à data da entrada da presente acção, a liquidar em execução de sentença.

Posteriormente, foi requerida a ampliação do pedido, alegando a Autora que, em consequência do acidente de trabalho sofrido por CC, desde Julho de 2010 até Janeiro de 2014, já procedeu ao pagamento de €182.552,74 de assistência prestada à sinistrada, ampliando o pedido nesse valor, passando o valor global do pedido a ser de €213.614,09.

Ainda após, veio a Autora requerer a ampliação do pedido, alegando que em consequência do acidente de trabalho sofrido por CC desde Janeiro de 2014 procedeu ao pagamento de mais €59.065,33 de assistência prestada à sinistrada, ampliando o pedido nesse valor, passando o valor global do pedido a ser de €272.679,42.

Finalmente, veio a Autora requerer a ampliação do pedido, alegando que em consequência do acidente de trabalho sofrido por CC desde 1 de Março de 2015 procedeu ao pagamento de mais €119.751,49 de assistência prestada à sinistrada, ampliando o pedido nesse valor, passando o valor global do pedido a ser de €393.070,52.

Como fundamento, a autora refere que reclama do réu as quantias que pagou à sinistrada no âmbito de um seguro de acidentes de trabalho, por ter direito de regresso sobre o réu, ao abrigo do art. 31º do DL nº 100/97 de 13/9, alegando ainda que, de acordo com o art. 27º das condições gerais do contrato de seguro celebrado ficou sub-rogada em todos os direitos da sua segurada contra os responsáveis pelos prejuízos, sendo o responsável pela produção do acidente desconhecido e, existindo sentença transitada em julgado a condenar o Réu a satisfazer as indemnizações pelas lesões sofridas pela sinistrada, limitando-se nesta acção a solicitar-lhe o pagamento das quantias despendidas depois da aludida sentença.

O réu contestou, impugnando os pagamentos alegados pela Autora vertidos nos arts. 7º e 8º da p.i..

Notificado dos requerimentos de ampliação do pedido apresentados pela autora, o réu invocou a sua ilegitimidade, alegando que a autora não tem direito de regresso sobre ele, nos termos do actual art. 51º do DL nº 291/2007, que expressamente consagra tal entendimento, impugnando os aludidos pagamentos.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenado o réu a pagar à autora a quantia de € 392.406,76, acrescida dos juros de mora vincendos contados desde a data de citação do Réu relativamente à importância do pedido inicial de € 31.061,35 e, relativamente às sucessivas ampliações de pedido desde a data de notificação de cada uma delas ao Réu, até integral e efectivo pagamento, absolvendo-se o Réu do demais peticionado.

Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou procedente, revogando a sentença recorrida e absolvendo o réu do pedido.

Discordando desta decisão, a autora vem agora pedir revista, apresentando as seguintes conclusões:

I. O Acórdão recorrido não pode manter-se, uma vez que não consubstancia a justa e rigorosa interpretação das normas legais e dos princípios jurídicos competentes;

II. O Acórdão recorrido violou o disposto artigos 580.º, 581.º e 619.°, nº 1 do Código de Processo e, bem assim no nº 4 do artigo 31.º da LAT, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que faça uma correcta interpretação do direito;

III. Andaram mal os Senhores Juízes Desembargadores ao considerar inexistir autoridade do caso julgado (prejudicialidade) da primeira acção (proc nº 243/08.9TBVLG, 2º Juízo do Tribunal Judicia! de ...) para a presente;

IV. Com interesse para a apreciação do presente recurso releva a matéria apurada nos pontos 1 a 9 do factualismo considerado provado e que permitiu à 1ª Instância concluir pela condenação do réu no pagamento à autora do valor de € 392.406,76, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos:

V. A Lei distingue entre o caso julgado material    e o caso julgado formal, conforme a sua eficácia se estenda ou não a processos diversos daqueles em que foram proferidos os despachos, as sentenças ou os acórdãos em causa;

VI. O caso julgado material tem força obrigatória no processo e fora dele, como excepção ou como autoridade, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material objecto do litígio;

VII. Visa, pois, garantir, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica, fundando-se a protecção a essa segurança jurídica, relativamente a actos jurisdicionais, no principio do Estado de Direito, pelo que se trata de um valor constitucionalmente protegido, destinando-se a evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior;

VII. Nos autos discute-se a verificação da autoridade do caso julgado da sentença proferida no âmbito do processo que se encontrou pendente no extinto 2º Juízo do Tribuna! Judicial de ..., sob o nº 243/08.9TBVNG, transitada em julgado;

IX. Entende a Recorrente, considerados os factos apurados em ambas as acções e, bem assim, o regime jurídico aplicável e assente na referida sentença, que se impõe a aceitação da decisão proferida na identificada anterior, decisão esta que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda acção, enquanto questão prejudicial;

X. As prestações ora exigidas, embora de diferentes valores e períodos temporais, não retiram a dependência entre as duas acções;

XI. A autoridade do caso julgado deve ser interpretada de forma extensiva, no sentido de não ser necessária a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, pressupondo, tão só, uma decisão (transitada) de determinadas questões que não podem voltar a ser discutidas;

XII. No âmbito do processo que se encontrou pendente no extinto 2.° Juízo do Tribuna! de ..., sob o n.º 243/08.9TBVLG, embora reconhecido o direito de sub-rogação da autora sobre o réu pelos pagamentos efectuados à trabalhadora,  foi julgado improcedente o pedido "relativo a pensões e prestações suplementares que venham, a ser liquidadas, pois o sub-rogado adquire o direito da medida da satisfação dada ao direito do credor. Efectivamente dada";

XIII. Naquela acção ficou concretamente determinado, como bem nota a Juiz da 1ª instância, que a "autora tinha direito de  sub-rogação sobre o réu pelos reembolsos efectivamente feitos por assistência à sinistrada, por causa de lesões corporais, pelas efectivamente desembolsadas, e futuramente pelas que a Autora viesse a desembolsar teri de accionar novamente o réu pois que apenas adquiria esse direito às prestações futuras na medida em que as pagasse", de acordo com o disposto no nº 4 do artigo 31º da LAT.

XIV. Ou seja, "A causa de pedir numa e noutra é a mesma e, aquela acção perante esta é prejudicial, porquanto nela já se decidiu que o BB responde perante a seguradora pelas prestações pagas a título de indemnização pelas lesões corporais sofridas pela sinistrada CC, não podendo este tribunal decidir agora em sentido contrário ao perfilhado na primeira acção em que o direito da Autora ao reembolso ficou definitivamente reconhecido";

XV. É inaceitável retirar à Autora o direito que há muito lhe foi reconhecido, por sentença transitada em julgado, tanto mais que, reconhecido o direito de sub-rogação perante o réu quanto aos valores pagos no âmbito da acção pendente sob o nº 243/08.9TBVLG, apenas lhe foi vedado o reembolso imediato das prestações que viessem a ser liquidadas no futuro, exactamente por a sub-rogação exigir o cumprimento da prestação;

XVI. Foram os pagamentos posteriores e a recusa do réu em proceder ao seu reembolso extrajudicial que levaram a autora a recorrer à presente acção, fazendo valer o direito, repita-se, já lhe reconhecido por sentença transitada em julgado;

XVII. É, pois, manifesta a relação de prejudicialidade entre ambas as acções, assim como é manifesta a autoridade do caso julgado resultante da sentença proferida na acção nº 243/08.9TBVLG quanto à presente acção;

XVIII. Tal impede as instâncias de atender ao pedido do Réu de ver apreciada, novamente, a questão da autora não poder ser reembolsada por aquele à luz do regime da sub-rogação, por força do disposto no nº 4 do artigo 31º da lei nº 100/97, de 13 de Setembro;

XIX. O raciocínio vertido no Acórdão ora colocado em causa ora colocado em causa coloca em causa o prestígio dos Tribunais e das sentenças transitadas em julgado e, bem assim, o valor dos princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito;

XX. O Acórdão recorrido deverá ser revogado e, em consequência, ser substituído por outro que faça uma correcta apreciação e interpretação do direito, condenando o Réu no pagamento da quantia de € 392.406,76, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, nos moldes constantes da sentença proferida pela 1ª instância.

Termos em que o presente recurso deve merecer provimento, mantendo-se integralmente a sentença proferida em 1ª instância, com todas as consequências legais.

O réu contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

Cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

Discute-se se se verifica a autoridade do caso julgado da decisão proferida na acção anterior – em que se reconheceu o direito da autora (seguradora laboral) de se sub-rogar nos direitos da lesada contra o terceiro responsável (por acidente de viação, no caso o BB) – em relação à decisão desta acção, em que são peticionadas prestações indemnizatórias posteriores àquela primeira decisão.

III.

Estão provados os seguintes factos:

1. A sociedade “DD, SA”, com sede na ..., nº …, no …, NIPC ... foi incorporada, por fusão, na Autora, tendo esta sucedido, na totalidade, nos respectivos direitos e obrigações da DD, SA;

2. Correu seus termos no 2º Juizo do Tribunal Judicial de ..., sob o processo nº 243/08.9TBVLG, uma acção declarativa sob a forma de processo ordinário, intentada pela ora Autora contra a ora Ré;

3. Em 11 de Junho de 2010 foi proferida sentença, já transitada em julgado, condenando a Ré a pagar à Autora diversas quantias (Doc. de fls. 29 a 39, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

4. Constam dos factos provados, nomeadamente, os seguintes factos:

3.1.1 A Autora dedica-se à actividade seguradora;

3.1.2 No exercício da sua actividade, a Autora celebrou com EE, contrato de seguro titulado pela apólice nº 10/016623(…) mediante o qual assumiu o dever de indemnizar os trabalhadores desta por danos emergentes de acidente laboral, designadamente, empregada doméstica, com início em 1/1/04;

3.1.4 No local e data do embate, a faixa de rodagem apresentava traçado em recta, que permite visibilidade à distância para os condutores que nela circulem;

3.1.5 No local e data do embate, a faixa de rodagem apresentava a largura de 9 metros, sendo ladeada de bermas;

3.1.6 No local do embate, a faixa de rodagem encontrava-se dividida em duas hemi-faixas de rodagem, demarcadas por linha longitudinal contínua, sendo uma destinada ao trânsito no sentido ..., formada por duas filas de trânsito e outra destinada ao trânsito no sentido ..., formada por duas filas de trânsito e outra destinada ao sentido ..., constituída por uma fila de trânsito;

3.1.7 No local e data de embate, o piso da faixa de rodagem encontrava-se asfaltado, em bom estado de conservação e seco;

3.1.8 No local do embate, à altura do mesmo existia iluminação pública em funcionamento pleno;

3.1.9 Nem no local do embate nem a uma distância inferior a 50 metros, contados da mesma, existia, à data do sinistro, assinalada na faixa de rodagem, qualquer passagem destinada à travessia de peões;

3.1.10 Na altura referida em 3.1.3, CC, após ter saído do autocarro na paragem situada na Rua …, ..., iniciou a travessia da faixa de rodagem da mesma rua, da direita para a esquerda, atento o sentido ..., em direcção à sua residência;

3.1.11 Antes de iniciar a travessia da faixa de rodagem, CC verificou que não se aproximava qualquer veículo na sua direcção, quer no sentido ..., quer no sentido ...;

3.1.12 Quando se encontrava a cerca de um metro da berma do lado esquerdo, atento o sentido …- ..., junto ao número de polícia 520, ocorreu o embate acima referido;

3.1.13 O veículo referido em 3.1.3 circulava no sentido ..., a 100 km/h;

3.1.14 O condutor do veículo referido em 3.1.3, na altura do embate, não atentou para a sua frente;

3.1.15 Devido ao referido em 3.1.13 e 3.1.14, ocorreu o embate referido em 3.1.3;

3.1.16 Em consequência directa e necessária do embate, CC sofreu traumatismo crâneo-encefálico e múltiplas fracturas, que foram causa directa e necessária de incapacidade absoluta para o trabalho desde a data do sinistro até 8/11/2005;

3.1.17 Em 8/11/2005, devido às lesões sofridas com o sinistro, foi atribuída a CC alta com incapacidade permanente absoluta para toda e qualquer profissão;

3.1.18 Para tratamento das lesões sofridas com o sinistro, CC foi assistida no Hospital de Santo António, Hospital de S. João, Hospital de Santa Maria e nos serviços clínicos da Autora;

3.1.19 Durante todo o tempo que se manteve em recuperação, CC necessitou de tomar medicamentos e de utilizar produtos farmacêuticos;

3.1.20 Correu termos no Tribunal de Trabalho de ..., sob o nº 322/05.4TTVLG, processo especial de acidente de trabalho, com fundamento no sinistro referido em 3.1.2, no âmbito do qual a Autora foi condenada, após auto de conciliação, a pagar a CC, na qualidade de trabalhadora sinistrada:

a) uma pensão anual de €4094,72 a partir de 9/11/2005;

b) uma prestação suplementar de acompanhamento de terceira pessoa, no montante anual de €4387,20;

c) subsídio por situação de elevada incapacidade, no montante de

€4387,20;

d)subsídio de readaptação, no montante de €4387,20;

3.1.21 A Autora constituiu provisões matemáticas, para garantir o pagamento das pensões e da prestação suplementar referidos acima de €71.625,02 e €78651,03 respectivamente;

3.1.22 Correu termos nos Serviços do Ministério Público deste Tribunal o Inquérito nº 775/048PAVLG, destinado à averiguação da responsabilidade criminal do sinistro referido em 3.1.2, no qual foi proferido despacho a ordenar o arquivamento, ao abrigo do art. 277º nº 2 do CPP, por indeterminação da identidade do condutor do veículo sinistrado;

3.2.1 A Autora em cumprimento do referido em 3.1.20 e do contrato de seguro mencionado em 3.1.2 pagou a CC €3.523,15, a título de indemnização pela incapacidade absoluta para o trabalho entre 19/11/2004 e 8/11/2005;

3.2.2 E pagou €9.014,89 a título de indemnização pela incapacidade permanente absoluta para toda e qualquer profissão;

3.2.3 E pagou €4.387,20 a título de subsídio de elevada incapacidade;

3.2.4 E pagou €30.858,79 a título de despesas com internamento e intervenções cirúrgicas da sinistrada à FF;

3.2.5 E pagou €53.844,17 a título de despesas com tratamento ambulatório da sinistrada a FF;

3.2.6 E pagou €18.225,00 a título de despesas de alojamento com o tratamento da sinistrada;

3.2.7 E pagou €50,00 a título de despesas com o transporte da sinistrada;

3.2.8 E pagou €115,00 a título de despesas realizadas com exames à sinistrada ordenados pelo Tribunal;

3.2.9 E pagou €960,00 a título de despesas judiciais;

3.2.10 E pagou €252,00 a título de despesas diversas com o tratamento da sinistrada;

3.2.11 Posteriormente a 14/1/2008 (data da entrada da petição em juízo), a A. procedeu ao pagamento das seguintes quantias:

3.2.11.1 €8.306,73 a título de indemnização pela incapacidade permanente absoluta para toda e qualquer profissão;

3.2.11.2 €13.377,91 a título de despesas com FF Interv/Intern;

3.2.11.3 €84.718,64 a título de despesas com FF Ambulatório;

3.2.11.4 €1.598,40 a título de despesas judiciais;

3.2.11.5 €103,92 a título de despesas diversas;

5. Não foi possível obter a matrícula do veículo ligeiro de passageiros interveniente no acidente, nem tão pouco a identificação do seu condutor;

6. Desde Outubro de 2009 até Julho de 2010, com a assistência prestada a CC, a Autora procedeu ao pagamento das quantias que se discriminam, no valor global de €31.061,35:

- €3.607,92 a título de indemnização pela Incapacidade Permanente Absoluta para toda e qualquer profissão;

-€63,40 a título de despesas com o transporte da sinistrada;

-€22.479,29 a título de despesas com “…”;

-€123,70 a título de despesas com “Farmácia ...”;

-€4.773,00 a título de despesas com Hospital de Santa Maria Porto;

-€14,04 a título de despesas diversas;

7. Desde Julho de 2010 até Janeiro de 2014, com a assistência prestada a CC, a Autora procedeu ao pagamento das quantias que se discriminam, no valor global de €182.552,74:

- €16.793,61 a título de Pensões entre 16.07.2010 e 18.12.2013;

-€157.960,63 a título de despesas com alojamento;

-€4.173,71 a título de despesas com farmácia;

-€3.566,79 a título de despesas com assistência médica;

-€58,00 a título de despesas com transportes;

8. Desde Janeiro de 2014 até Fevereiro de 2015, com a assistência prestada a CC, a Autora procedeu ao pagamento das quantias que se discriminam, no valor global de €59.704,94:

- €5.704,94 a título de Pensões entre 16.01.2014 e 18.2.2015; -€18,88 a título de despesas de ambulatório;

-€19.430,58 a título de despesas de assistência médica (vital);

-€3.040,93 a título de despesas com medicamentos (vital);

-€13.860,00 a título de despesas com ambulatório (vital);

-€10.710,00 a título de despesas com internamento (vital);

-€6.300,00 a título de despesas com medicina física e de reabilitação;

9. Desde 1 de Março de 2015 até Agosto de 2017, com a assistência prestada a CC, a Autora procedeu ao pagamento das quantias que se discriminam, no valor global de €119.751,49:

- €12.519,85 a título de Pensões entre 1.03.2015 e 31.08.2017;

-€5.580,00 a título de despesas com alojamento (assistência vitalícia);

-€7.498,75 a título de despesas de medicamentos (assistência vitalícia);

-€3.055,71 a título de despesas com ambulatório (assistência vitalícia);

-€127,31 a título de despesas com EAD (assistência vitalícia);

-€69.882,56 a título de despesas com internamentos (assistência vitalícia);

-€19.600,00 a título de despesas com medicina física e de reabilitação (assistência vitalícia);

-€123,55 a título de despesas diversas;

-€642,60 a título de despesas judiciais;

-€21,16 a título de despesas com representantes;

-€700,00 a título de despesas com medicina física e reabilitação.

IV.

No douto acórdão recorrido começou por esclarecer-se que, ao caso dos autos – o acidente que é fonte da responsabilidade aqui discutida ocorreu em 2004 – é aplicável o regime do seguro obrigatório estabelecido no DL 522/85, de 31/12 (sendo, pois, inaplicável o regime previsto no DL 291/2007, de 21/8).

De seguida, reiterando-se a posição preconizada na sentença da 1ª instância e reflectindo, aliás, entendimento pacífico, afirmou-se que "tendo a seguradora de acidentes de trabalho indemnizado a vítima de um acidente que o foi também de viação e cuja eclosão é imputável a terceiro que ficou desconhecido, carece tal seguradora de legitimidade substantiva para demandar o BB com vista ao reembolso das quantias que despendeu ao abrigo da legislação sobre acidentes de trabalho".

A questão depois apreciada, que já havia sido colocada na sentença da 1ª instância e aí decidida positivamente, é a de saber se se verifica a autoridade do caso julgado da decisão proferida na acção nº 243/08.9TBVLG (que não acolheu o aludido entendimento sobre a falta de legitimidade substantiva para o pedido de reembolso), em relação à decisão destes autos.

É esta a questão a decidir nesta revista.

No acórdão recorrido não foi reconhecida essa força e autoridade à sentença anterior, com esta fundamentação:

"O caso julgado pode ser visto enquanto excepção material dilatória, bem como enquanto autoridade do caso julgado. Vejamos a diferença.

Nos termos dos artºs 580º nºs 1 e 2 e 581º nº1 CPCiv, acontece excepção de caso julgado quando se repetem, numa acção diversa da já julgada, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir; visa-se assim, com a actuação da excepção, evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

Todavia, nos termos do artº 619º nº1 CPCiv, transitada em julgado a sentença, o respectivo conteúdo fica tendo força obrigatória no processo e fora dele, nos limites fixados nos artºs 580ºss. CPCiv, incluindo, portanto, o disposto no artº 581º.

A delimitação entre as duas figuras poderá assim estabelecer-se da seguinte forma, consoante a lição do Prof. M. Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, Bol.325/159 a 179:

- se no processo subsequente nada há de novo a decidir relativamente ao decidido no processo precedente (os objectos de ambos os processos coincidem integralmente, já tendo sido, na íntegra, valorados) verifica-se a excepção de caso julgado;

- se o objecto do processo precedente não esgota o objecto do processo subsequente, ocorrendo relação de dependência ou de prejudicialidade entre os dois distintos objectos, há lugar à autoridade ou força de caso julgado; assim, o objecto da primeira decisão tem de constituir questão prejudicial na segunda acção, pressuposto necessário da decisão de mérito (Profs. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código Anotado, 2º, 2ª ed., pg. 354).

A questão dos autos, porém, está em que entendemos, ao contrário da douta sentença recorrida, que nas duas acções não se discutiam direitos exercidos sobre idênticos objectos, já que as prestações exigidas na primeira acção, a título de prestações devidas como indemnização por acidente de trabalho, são diversas pelo período a que se reportam, pelo respectivo montante, das prestações exigidas no segundo processo, isto é, nos presentes autos.

Partilham a natureza de prestações pagas como indemnização pelo mesmo acidente de trabalho, mas são prestações diversas pelo montante e pelo período temporal a que se reportam. A sub-rogação invocada na presente acção baseia-se em factos (prestações pecuniárias) que não foram objecto da primeira acção.

Nesse sentido, a decisão de condenação no pagamento das primeiras prestações, no pressuposto de uma sub-rogação legal validamente invocada, não é pressuposto da segunda decisão, não tornando esta última dependente da primeira.

Com efeito, segundo o Prof. Vaz Serra, Revista Decana, 110º/237 e 238 (cit. in Ac.R.L. 12/7/2012 Col.III/140, relatado pela Desª Mª João Areias), «só na medida em que a sentença decide sobre o pedido, acolhendo-o ou rejeitando-o, se forma caso julgado; os motivos ou pressupostos da decisão proferida pelo tribunal acerca do pedido não constituem parte dessa decisão e, portanto, não são abrangidos pela autoridade do caso julgado, já que eles não foram objecto do pedido, nem sobre eles incidiu controvérsia entre as partes (…); ao estatuir sobre eles, fá-lo o tribunal em consideração do pedido formulado na acção e somente como pressuposto ou antecedente da decisão acerca do thema decidendum».

Da mesma forma, como se pronuncia o Prof. Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 1968, pgs. 160 e 331, «a afirmação judicial quanto à causa de pedir (verificou-se ou não se verificou; é válida, é nula) e restantes pressupostos vale enquanto fundamento da decisão e só nessa medida; faz caso julgado relativo».

Nessa medida, prossegue o Autor, condenado o réu na dívida de juros e transitada em julgado a decisão, fica indiscutível a dívida de capital enquanto fundamento de juros e só nessa medida; não fica indiscutível em si mesma, e se em novo processo for a dívida de capital o thema decidendum, pode ser livremente negada pelo tribunal.

Ou seja – é pelo teor da decisão a proferir no processo dependente que se mede a autoridade do caso julgado do processo prejudicial e a respectiva extensão («a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga» – artº 621º CPCiv).

Se a decisão a proferir no processo dependente não colidir com o julgado prejudicial, neste se incluindo as premissas silogísticas (os antecedentes lógicos) da decisão, não há caso julgado.

Nem as premissas silogísticas, isoladas e só por si, possuem autoridade de caso julgado – só a possuem na medida em que a decisão prejudicial afectar a decisão dependente, a contradisser em coerência prática, sem curar da coerência teórica ou lógica.

Noutra formulação, a autoridade do caso julgado define-se em função da substanciação do pedido – abrange o conjunto do pedido e do seu facto jurídico fundamentador (cf. Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares, 1979, pg. 319).

Neste sentido, não há prejudicialidade da decisão que fundamentou o pedido de condenação do Réu a pagar à Autora as prestações a), b) e c) de determinada relação jurídica, relativamente ao pedido que versar sobre prestações posteriores à 1ª decisão, d), e) e f), embora versando a mesma relação jurídica, como no caso dos presentes autos.

Mas já existe prejudicialidade da decisão da acção de despejo por caducidade do arrendamento que julgou improcedente a acção por transmissão válida do arrendamento para a), em face da acção (dependente) que visa se declare a caducidade do arrendamento por morte de b), para quem, na alegação, se transmitira o arrendamento – alegação directamente incompatível com a transmissão do arrendamento fixada como pressuposto lógico dedutivo da primeira acção de despejo (hipótese do Ac.S.T.J. 6/2/96 Bol.454/603ss., relatado pelo Consº Torres Paulo).

Também existe prejudicialidade se, julgada improcedente a acção de reivindicação incidente sobre a parcela de determinado prédio, se vem, numa segunda acção, requerer a demolição de construções feitas nessa parcela (Ac.R.C. 23/10/07 Col.IV/36, relatado pelo Des. Jorge Arcanjo).

Em suma, entendemos que não existe autoridade do caso julgado (prejudicialidade) da primeira acção, pº nº 243/08.9TBVLG, que correu termos no 2º Juízo de ..., para a presente.

Sendo certo que a nossa conclusão propicia a existência de julgados contraditórios nos respectivos fundamentos, a força ou autoridade do caso julgado não chega para obviar a existência de toda e qualquer contradição de julgados, designadamente a contradição que só afectar os fundamentos das decisões proferidas".

Não obstante esta cuidada fundamentação, crê-se que não se decidiu bem.

Transitada em julgado a sentença, que decida do mérito, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos arts. 580º e 581º – art. 619º, nº 1, do CPC.

Assim, tratando-se de decisão sobre o mérito, a sentença produz, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a definição dada à relação controvertida não pode ser alterada em qualquer nova acção; o caso fica julgado, tornando-se incontestável.

Esse efeito é ditado por razões de certeza ou segurança jurídica e de prestígio dos tribunais; a instabilidade jurídica seria verdadeiramente intolerável se não pudesse sequer confiar-se nos direitos que uma sentença reconheceu[2].

A excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado são duas vertentes, a primeira negativa e a segunda positiva, dessa mesma realidade – o caso julgado.

A excepção implica sempre a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr. art. 581º, nºs 1 a 4, do CPC). A autoridade do caso julgado não: exigir essa tríplice identidade equivaleria, como já se afirmou, a "matar" esta figura; "a autoridade existe onde a excepção não chega, exactamente nos casos em que não há identidade objectiva"[3].

A excepção de caso julgado tem um efeito negativo de inadmissibilidade da segunda acção, impedindo qualquer decisão futura de mérito; na segunda acção, o juiz deve abster-se de conhecer do mérito da causa, absolvendo o réu da instância (art. 576º nº 2 do CPC).

A autoridade de caso julgado "tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida"[4].

Afirma Teixeira de Sousa que "o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente.

Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada; a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente ("proibição de contradição/permissão de repetição") (…); a excepção de caso julgado é a proibição de acção ou comando de omissão atinente ao impedimento subjectivo à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente" ("proibição de contradição/proibição de repetição")[5].

Esta distinção tem justamente por pressuposto que, na autoridade de caso julgado, existe uma diversidade entre os objectos dos dois processos e na excepção uma identidade entre esses objectos. Naquele caso, o objecto processual decidido na primeira acção surge como condição para apreciação do objecto processual da segunda acção; neste caso, o objecto processual da primeira acção é repetido na segunda.

Na excepção, a repetição deve ser impedida, uma vez que só iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a.

Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objecto da segunda acção e o objecto definido na primeira acção, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível[6].

Por outro lado, importa notar que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga – art. 621º do CPC –, entendendo-se que a aferição dos limites e eficácia do caso julgado postula a interpretação do conteúdo da sentença, com relevo para os fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à decisão que, como esta, devem considerar-se abrangidos por aquele.

A este propósito, refere Teixeira de Sousa[7] que "como a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão"[8].

Postas estas considerações, vejamos o caso dos autos.

Estamos perante um acidente sofrido pela lesada CC, que foi considerado, simultaneamente, como acidente de trabalho e acidente de viação.

Em consequência de tal acidente e das graves lesões nele sofridas pela lesada, a autora, seguradora laboral, foi condenada no processo especial de acidente de trabalho a pagar-lhe uma pensão anual e outras prestações suplementares (acompanhamento de terceira pessoa, subsídio por elevada incapacidade e de reabilitação).

A autora veio propor depois acção contra o réu BB (a referida acção nº 243/08), com fundamento no art. 31º, nº 4, da LAT (então em vigor), a pedir a condenação deste a pagar-lhe determinadas importâncias, já satisfeitas à lesada, e, bem assim, as pensões e prestações suplementares posteriores à propositura da acção.

Na sentença que veio a ser proferida nessa acção foi reconhecido o invocado direito de sub-rogação da autora quanto às indemnizações pagas à lesada derivadas das lesões corporais[9] sofridas no acidente, mas apenas "pelas efectivamente já desembolsadas e não, nesta acção, pelas que futuramente venham a ser desembolsadas (art. 593º do CC e Assento do STJ nº 2/78, de 09.04.77)".

Ora, o objecto da presente acção tem a ver, precisamente, com estas prestações: a autora pretende ser reembolsada pelo réu das prestações que, depois da sentença proferida na acção anterior, pagou à aludida sinistrada, com fundamento no direito de sub-rogação que ali lhe foi reconhecido.

Diz-se no Acórdão recorrido que nas duas acções não se discutem direitos exercidos sobre objectos idênticos, já que as prestações exigidas na primeira acção são diversas, pelo período a que se reportam e respectivo montante, das exigidas na presente acção.

Neste sentido, acrescenta-se, "a decisão de condenação no pagamento das primeiras prestações, no pressuposto de uma sub-rogação legal validamente invocada, não é pressuposto da segunda decisão, não tornando esta última dependente da primeira".

Com o devido respeito, parece-nos que não se decidiu bem, num juízo em que terá pesado, porventura, o entendimento acima referido sobre a falta de legitimidade substantiva para a demanda do BB, mas a que agora não pode aqui atribuir-se relevo, tendo em conta a força e autoridade do caso julgado que deve ser reconhecido à anterior decisão: como se disse, essa autoridade apenas exige a identidade subjectiva das partes das duas acções, podendo as respectivas causas de pedir e/ou pedidos ser diversos.

Repare-se que as prestações satisfeitas e a satisfazer pela autora foram as fixadas previamente na decisão proferida no processo laboral.

Na acção anterior (nº 243/08) foi reconhecido à autora o direito de se sub-rogar no direito de indemnização da lesada contra o terceiro responsável pelo acidente de viação, para obter deste o reembolso das prestações referidas, já efectivamente pagas até aí.

A presente acção tem, assim, por pressuposto aquilo que anteriormente foi definido; apesar de as prestações pedidas serem diversas, elas têm uma base comum de onde emergem, sendo a causa de pedir, nas duas acções, em grande parte, a mesma: o acidente, as lesões sofridas pela lesada, a obrigação de indemnização a que a autora estava vinculada, concretizada no dever de pagamento daquelas prestações fixadas no Tribunal do Trabalho e o direito de reembolso a cargo do réu dessas prestações efectivamente pagas pela autora.

No que concerne a tal base comum, abrangendo elementos que constituem pressuposto lógico e necessário da decisão, impõe-se a autoridade do caso julgado, não cabendo discutir aqui, portanto, o que, a esse título, já foi decidido com trânsito e que aqui deve ser acatado: o montante das prestações, porquanto foi anteriormente fixado; nem o referido direito de reembolso, assente na responsabilidade do réu, também já antes reconhecida.

O que poderia estar em causa nesta acção seria, pois, tão só, a prova do pagamento pela autora das prestações posteriores à anterior sentença, aqui peticionadas; no fundo, apenas a "liquidação" do que, a esse título, foi pago pela autora à lesada em data posterior à anterior decisão.

Enfim, tudo como se decidiu na, também bem fundamentada, sentença da 1ª instância.

V.

Em face do exposto, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido, para ficar a subsistir, repristinando-se, o decidido na sentença da 1ª instância.

Custas da apelação e da revista a cargo do réu.

              Lisboa, 26 de Fevereiro de 2019

Pinto de Almeida (Relator)

José rainho

Graça Amaral

__________________
[1] Proc. nº 4043/10.8TBVLG.P1.S1
F. Pinto de Almeida (R. 291)
Cons. José Rainho; Cons.ª Graça Amaral
[2] Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil (1976), 305.
[3] Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, 415. Cfr. também, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal de 13.12.2007, de 06.03.2008, de 12.07.2011, de 23.11.2011, de 15.01.2013, de 21.03.2013, de 12.09.2013, de 29.05.2014 e de 18.06.2014, acessíveis em www.dgsi.pt. Também os acórdãos do STJ de 24.03.2015 (proc. nº 966/07) e de 07.03.2017, relatados pelo ora relator e subscritos pelo Exmo 1º Adjunto, este último também acessível naquele sítio e que, nesta parte, se acompanha.
[4] Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 2º, 3ª ed., 599.
[5] O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, em BMJ 325-178 e 179.
[6] Todavia, a autoridade de caso julgado, prescindindo embora da referida identidade objectiva, exige, como parece evidente, a identidade das partes adjectivas; nem poderia ser de outro modo, em atenção ao princípio do contraditório (art. 3º do CPC), não sendo admissível que uma pessoa possa ser juridicamente afectada por uma decisão sem ser ouvida previamente no processo em que a mesma é proferida.

Na vertente da autoridade de caso julgado, como refere Mariana França Gouveia, "a decisão ou as decisões tomadas na primeira acção vinculam os tribunais em acções posteriores entre as mesmas partes relativas a pedidos e/ou causas de pedir diversos" - Ob. Cit., 499; cfr. também Teixeira de Sousa, Ob. Cit., 171 e os Acórdãos deste Tribunal de 12.07.2011, de 12.09.2013, de 18.06.2014 e de 24.03.2015 acima citados.
[7] Estudos sobre o Novo Processo Civil, 578.
[8] Também Rodrigues Bastos se afirma favorável a uma mitigação do conceito restritivo de caso julgado, no sentido de, "considerando embora o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada"; ou seja, "à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado" - Notas ao CPC, III, 3ª ed., 200 e 201. Cfr., neste sentido, os Acórdãos do STJ de 14.03.2006, de 13.07.2010, 12.07.2011, de 07.05.2015 e de 16.02.2016, em www.dgsi.pt.
[9] Apenas das lesões corporais, tendo em atenção o disposto no art. 18º do DL 522/85.