Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
302/17.7PATVD.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: MARGARIDA BLASCO
Descritores: CONTAGEM DE PRAZOS
PRISÃO PREVENTIVA
COVID-19
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
RECURSO PENAL
RESPOSTA
IRREGULARIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DIREITO DE DEFESA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 04/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO O PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - Tratando-se de processo urgente, com arguidos em situação de prisão preventiva, os prazos judiciais não se suspenderam, nos termos do disposto no n.º 7, do art. 7.º, da Lei 1-A/2020 de 19.03 (Medidas excepcionais por força da Covid-19).
II - O ora recorrente foi notificado, na pessoa do seu mandatário constituído, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 413. º, n.º 1, do CPP, por carta datada de 04-03-2020. Apenas em 23-06-2020 (no dia anterior à remessa do processo ao TRL) apresentou a sua resposta à motivação. Vem arguir a nulidade do recorrido acórdão, consubstanciada em omissão de pronúncia sobre questões que devia apreciar, e suscitadas na sua resposta apresentada ao recurso interposto pelo MP, junto do tribunal de 1.ª Instância, conforme expressamente cominada no art. 379.º, nº 1, al. c), do CPP.
III - Verifica-se a nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre questão ou questões que lhe são colocadas, ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – al. c), do n.º 1, do art. 379.º, do CPP. E, de acordo com o disposto no n.º 2 deste preceito: “As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º”.
IV - No caso dos autos, alega o recorrente, invocando a CRP – art. 32.º, n.º 1 -, que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, consagrando expressamente no seu n.º 5, o princípio do contraditório, princípio esse, integrante do núcleo essencial do processo criminal, que em sede de recurso se traduz na reapreciação da questão por um tribunal superior, tendo os juízes o dever de ouvir as razões de acusação e da defesa em relação a assuntos sobre os quais tenham de proferir uma decisão.
V - Compulsados os autos não se vislumbra que a resposta do arguido ao recurso do MP, interposto em 1.ª Instância, tenha sido objecto de qualquer despacho judicial, quer no Tribunal de 1.ª Instância, quer no Tribunal da Relação e, nomeadamente, no momento de elaboração do acórdão. E só pode ser equacionada a verificação da nulidade do art 379.º, nº 1, al. c), do CPP, relativamente a vício de que enferme a decisão recorrida, ou seja, in casu, o acórdão do TRL. A omissão de pronúncia/decisão referida a um despacho não passa de uma irregularidade. Havendo resposta de um arguido a recurso interposto contra si pelo MP, o tribunal de recurso deve tê-la em conta, inteirando-se, nomeadamente, da argumentação oposta à motivação do Ministério Público. Mas não tem de proferir oficiosamente decisão sobre a sua tempestividade. Só no caso de considerar intempestiva a sua apresentação é que se impõe decisão nesse sentido. Decisão que, com propriedade, deve ser do relator, fora do acórdão que decide o recurso, e só impugnável por meio de reclamação para a conferência, nos termos do art. 652.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, ex vi art. 4.º, do CPP. Se na resposta não é suscitada qualquer questão diferente das suscitadas pelo recorrente, limitando-se o respondente a contrariar os argumentos utilizados na motivação de recurso, a ausência de referência expressa por parte da Relação, no seu acórdão, ao conteúdo da resposta não integra a nulidade de omissão de pronúncia – arts. 379.º, nº 1, al. c) e 425.º, nº 4, - uma vez que a única ou as únicas questões suscitadas são as do recorrente e a nulidade apontada só se configura com a falta de decisão na sentença ou acórdão de questão suscitada ou de conhecimento oficioso. No presente caso, o TRL, no seu acórdão, ignorou, no pressuposto errado de que não fora apresentada, a resposta oposta pelo arguido à motivação de recurso do MP. Não se suscitando nessa peça qualquer questão diferente das suscitadas na motivação de recurso, das quais o TRL conheceu, a ignorância, por erro, da resposta do arguido não representa falta de decisão sobre qualquer questão que devesse ser decidida, havendo apenas uma irregularidade, à luz do disposto no art. 118.º, nºs 1 e 2, do CPP, a qual, por não ter sido arguida no prazo de 3 dias a contar da notificação do acórdão, se sanou.
VI - Este entendimento não representa qualquer compressão desproporcionada do direito de defesa do arguido, uma vez que nada mais se lhe exigia, por intermédio do seu defensor, do que, depois de lida a parte do acórdão que se lhe referia, vir ao processo dizer que não era exacta a afirmação de que não houvera resposta, arguindo a respectiva irregularidade. O que não fez. Improcede, deste modo, a nulidade por omissão de pronúncia invocada pelo arguido.
VII - Nos termos do art. 40.º, do CP, que dispõe sobre as finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no art. 71.º do mesmo diploma. Como se tem reiteradamente afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, segundo o qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (art. 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva.
VIII - A projecção destes princípios no modelo de determinação da pena justifica-se pelas necessidades de protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras violadas (finalidade de prevenção geral) e de ressocialização (finalidade de prevenção especial), em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, avaliada, em concreto, por factores ou circunstâncias relacionadas com este e com a personalidade do agente, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele (arts. 40.º e n.º 1, do 71.º, do CP).
IX - Como se tem reafirmado, para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o art. 71.º, n.º 2, considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, e os factores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de protecção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e de prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e)], com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial (sobre estes pontos, para melhor aproximação metodológica na determinação do sentido e alcance da previsão do art. 71.º, do CP.
X - Há que, como se acentuou, ponderar as exigências antinómicas de prevenção geral e de prevenção especial, em particular as necessidades de prevenção especial de socialização “que vão determinar, em último termo, a medida da pena”, seu “critério decisivo”, com referência à data da sua aplicação, tendo em conta as circunstâncias a que se refere o art. 71.º, do CP, nomeadamente as condições pessoais do agente e a sua situação económica e a conduta anterior e posterior ao facto, especialmente quando esta tenha em vista a reparação das consequências do crime, que relevam por esta via.
XI - Diga-se, ainda que, o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato, protector de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública.
XII - A criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes tem um efeito devastador sobre a saúde e mesmo sobre a vida dos consumidores, relevando ainda como potencialmente desestruturante da tranquilidade social comunitária. O reconhecimento do fenómeno e da comoção social que provoca, ansiando a sociedade por uma diminuição deste tipo de criminalidade e a uma correspondente consciencialização de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas para os efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas, faz salientar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas nos crimes em referência, como garantia da validade das normas e de confiança da comunidade. As exigências de prevenção geral são, pois, de acentuada intensidade. As imposições de prevenção especial, por seu lado, devem ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores. Elementos de referência na determinação da pena são o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das consequências.
XIII - Ponderando o seguinte: a natureza da droga traficada (canábis/resina), que a arguida colocou nos circuitos de revenda e consumo onde actuavam os demais arguidos e a quantidade da mesma, 527 bolotas (canábis/resina), com o peso liquido de 4.920,00 g. (grau de pureza de 20,6%), suficientes para efectuar 20.270 doses individuais e € 305,00 (trezentos e cinco euros);o modo de execução dos crimes praticados que revela uma considerável preparação técnica, sendo o tráfico efectuado com utilização de logística sofisticada, usando estratagemas para assegurar o sucesso das aquisições para posterior revenda, como seja, a compra de veículos automóveis antigos e com determinadas características que lhe permitisse acondicionar a droga sem correr riscos de a mesma vir a ser encontrada pelos OPC; a duração da actividade delituosa que ocorreu entre Fevereiro e Julho de 2018 (mais precisamente a 1 de Julho, data em que foi detida, (e não cerca de um ano como se refere no acórdão ora recorrido); o grau de ilicitude do facto, a intensidade muito elevada da actividade desenvolvida, desdobrando-se em contactos, com viagens a Espanha e ao Algarve; o dolo, que no caso em apreço, é muito intenso; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, ou seja, obtenção de proveitos económicos e o modo de execução do crime, revelador de eficácia e determinação, com actos de venda de cannabis a terceiros; as necessidades de prevenção geral deste tipo de comportamentos, que se impõem com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que os consubstanciam; as condições pessoais da arguida e a sua situação económica: desenvolveu a sua personalidade num ambiente familiar coeso e estudou até ao 12.º ano de escolaridade, não tendo prosseguido por falta de meios económicos. Teve uma relação marital que perdurou por 11 anos, da qual nasceram 3 filhas, uma das quais com problema congénito de nanismo. Viveu cinco anos exclusivamente dedicada às suas filhas, principalmente a mais nova, que suscita particulares cuidados até conhecer o outro arguido, com quem se envolveu e de quem teve duas filhas, a mais nova das quais esteve junto de si durante o período em que se encontrou em situação de prisão preventiva. Trabalhou durante cerca de 14 anos no departamento financeiro de uma empresa, tendo optado por sair para se dedicar a uma ocupação laboral com horário mais flexível e que poderia melhor adequar às exigências dos cuidados a prestar à sua filha com necessidades especiais. No termo da sua relação com aquele arguido conheceu X com quem se viria a envolver. Identifica-se nas condições pessoais da arguida um quadro de precariedade socioeconómica e de instabilidade afetiva refletidos num défice de competências para gerir responsabilidades, num contexto de ausência e precariedade de recursos disponíveis. Mostra-se capaz de racionalizar e superar as emoções negativas relacionadas com a presente situação e de perspetivar a ilicitude dos factos que cometeu. Acrescem ainda as circunstâncias altamente censuráveis de se fazer acompanhar pelas filhas ou usar contas bancárias por elas tituladas para efectuar pagamentos relacionados com aquisições de droga.
XIV- A favor da arguida regista- se, apenas, o facto de não ter antecedentes criminais.
XV - Dito isto, a ora recorrente não apresenta antecedentes criminais, sendo esta a primeira advertência formal que recebe do sistema. Experienciou a situação de reclusão, o que constitui bastas vezes marco determinante para inflexão num percurso disruptivo face às normas que vigoram na ordem jurídica. Tem cinco filhas, a quem se tem dedicado, sendo-lhe reconhecidas competências enquanto mãe no relatório social elaborado pela DGRSP. Os factos assumem uma gravidade muito elevada, não tendo a arguida manifestado qualquer arrependimento. As exigências de prevenção geral são, pois, de acentuada intensidade. As imposições de prevenção especial, por seu lado, devem ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores.
XVI - No entanto, há que encontrar o justo equilíbrio entre as imposições de prevenção especial e as exigências de prevenção geral, sendo que, neste caso em concreto, estas se sobrepõem àquelas.
XVII - Recorde-se que a pena abstracta pela prática deste ilícito (tráfico de estupefacientes) é fixada entre 4 e 12 anos de prisão. E que lhe foi aplicada na 1.ª Instância a pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução (com regime de prova), revertida para 6 anos de prisão efectiva na Relação.
XVIII - Tendo em conta tudo o exposto e ponderando cada uma das circunstâncias em que ocorreram os factos, aliadas ao percurso pessoal da recorrente, concluímos que a pena adequada, proporcional e justa, no seu caso em concreto, é de 6 anos de prisão, pena esta que cumpre a medida necessária para se realizarem as finalidades da punição.
XIX - Improcede assim, a pretensão da recorrente, mantendo-se a pena aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
XX - Nos termos do disposto no art. 50.º, do CP, não há lugar à suspensão da pena.
XXI - Alega o recorrente, em síntese, que não tem antecedentes criminais averbados no seu CRC, que esteve em situação de prisão preventiva 1 ano e 6 meses, e que resulta do relatório social que está positivamente enquadrado familiar e socialmente, trabalha e tem meios e projectos de vida, vinculação afectiva ao filho, e revela capacidade de entendimento e juízo crítico sobre a ilicitude e gravidade dos factos. Entende que deve ser feito um juízo de prognose favorável à sua reinserção e manter a pena que lhe foi aplicada em sede de 1.ª Instância.
XXII - O arguido não tem quaisquer condenações averbadas no seu registo criminal. Nasceu em 19.01.1990, tendo 28 anos de idade à data da prática dos factos. Passou pela sua primeira experiência de reclusão. Do Relatório Social elaborado pela DGRSP, consta o seguinte quanto às suas condições pessoais, características e percurso de vida: o processo de desenvolvimento do arguido decorreu no seio de uma família que lhe permitiu interiorizar regras e valores socialmente ajustados. O seu percurso escolar foi marcado pela dislexia que lhe foi diagnosticada logo no início do primeiro ciclo do ensino básico, tendo apenas concluído o 7.º ano de escolaridade, com cerca de 16 anos. Já em adulto, frequentou curso de dupla certificação de cozinha, que o habilitou com o 9.º ano de escolaridade. Trabalhou em atividades indiferenciadas ligadas à montagem de estruturas para eventos (palcos), na montagem de fibra óptica e como aprendiz de mecânica. Posteriormente à formação de cozinha, passou a trabalhar na área da restauração e cozinha em vários restaurantes, situação que se verificou durante cerca de quatro anos. Estabeleceu, aos 22 anos de idade, um relacionamento de união de facto, no âmbito do qual foi pai de um rapaz nascido a 17.11.2013. Este relacionamento terminou cerca de um ano antes da prisão do arguido.
XXIII - Iniciou o consumo de haxixe, segundo o mesmo refere, com cerca de 21 anos de idade, afirmando que manteve até à data da prisão um consumo esporádico, apenas em situações de lazer. Não apresenta anteriores contactos com o Sistema de Justiça. Anteriormente à prisão, o arguido integrava o agregado familiar dos pais, o pai com 75 e a mãe com 66 anos de idade, ambos reformados. O agregado familiar reside em casa própria descrita como oferecendo boas condições de habitabilidade. A família dispõe de uma situação económica desafogada. À altura, o arguido tinha-se separado da companheira há cerca de um ano e o filho de ambos permanecia em semanas alternadas, ora em casa da mãe, ora em casa do pai e avós. Atualmente, o menor vive com a mãe. Segundo a progenitora do arguido, esta companheira terá tido uma influência negativa no percurso de vida do arguido e terá contribuído para alguma instabilidade no seu percurso profissional, sobretudo ao nível da mobilidade. Refere, ainda, que a companheira do arguido protagonizava episódios de violência doméstica sobre este, situação que este procurava esconder dos pais, mas que terá sido presenciado pelo filho do casal. Anteriormente à prisão, o arguido estava desempregado. O arguido é descrito como um individuo que apresenta alguma permeabilidade à influência de terceiros. No seio familiar e na vizinhança, mantinha uma atitude ajustada. No meio de residência, onde sempre viveu, a família goza de uma imagem positiva que se estende ao arguido e, apesar da sua atual situação jurídico-penal ser do conhecimento público, não existem indicadores de rejeição à sua presença. Durante o período em que esteve preso preventivamente, o arguido manteve comportamento de acordo com as normas da instituição, não apresentando registo de infrações disciplinares. A nível ocupacional, frequentou curso de formação profissional modular de "Manutenção de Edifícios" com a duração de 340 horas. O arguido recebe visitas assíduas dos pais e do filho e regulares dos irmãos e alguns amigos. Os progenitores manifestam disponibilidade para o apoiarem incondicionalmente. O arguido tem como projeto de vida voltar a integrar o agregado familiar dos progenitores. A nível laboral pretende, logo que tal seja possível dedicar-se à agricultura, dispondo de hipótese de se inserir numa exploração de agricultura biológica de um amigo da família e mais tarde montar a sua própria exploração agrícola, contando com o apoio dos progenitores para a sua realização. Revela capacidade de entendimento e juízo crítico sobre factos de natureza idêntica aos que lhe deram origem, reconhecendo a sua ilicitude e gravidade. A atual situação jurídico-penal não teve impacto negativo na situação familiar do arguido que continua a contar com o apoio dos elementos da sua família de origem.
XXIV - Ponderando estes factos e todos os outros assentes nas instâncias, resulta que: a natureza da droga traficada: duas bolotas de canábis/resina com o peso líquido de 15,818 g.; um panfleto de cocaína (cloridrato) com peso líquido de 0,667 g. (pureza de 98,8%) suficiente para 3 doses individuais; dez bolotas de canábis/resina com o peso líquido de 90,636 g. (grau de pureza de 24,8%), suficiente para realizar 449 doses individuais; três bolotas de heroína, com o peso líquido de 37,880 g. (grau de pureza de 34,4%), suficiente para efectuar 130 doses individuais; meia (1/2) bolota de canábis/resina, com o peso líquido de 5,666 g. (grau de pureza de 28,3%), suficiente para efectuar 32 doses individuais; um saco contendo cocaína, com o peso líquido de 64,369 g. (grau de pureza de 96,7%), suficiente para efectuar 311 doses individuais; um saco com 5 panfletos de MDMA, com o peso líquido de 3,992 g. (grau de pureza de 66,2%), suficiente para efectuar 26 doses individuais; um saco contendo MDMA, com o peso líquido de 44,390 g. (grau de pureza de 72,9%), suficiente para efectuar 323 doses individuais e cinco panfletos, contendo cocaína, com o peso líquido de 23,093 g. (grau de pureza de 31,7%), suficiente para efectuar 36 doses individuais; o modo de execução dos crimes praticados que revela uma considerável preparação técnica, sendo o tráfico efectuado com utilização de logística já sofisticada, usando estratagemas para assegurar o sucesso das aquisições para posterior revenda, como seja, a compra de veículos automóveis antigos e com determinadas características que lhe permitisse acondicionar a droga sem correr riscos de a mesma vir a ser encontrada pelos OPC; a duração da actividade delituosa que ocorreu entre Abril a Julho de 2018 (e não cerca de um ano como se refere no acórdão ora recorrido); o grau de ilicitude do facto, a intensidade muito elevada da actividade desenvolvida, desdobrando-se em contactos, com viagens a Espanha e ao Algarve; o dolo que, no caso em apreço, é muito intenso; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, ou seja, obtenção de proveitos económicos e o modo de execução do crime, revelador de eficácia e determinação, com actos de venda de cannabis, heroína e cocaína a terceiros; as necessidades de prevenção geral deste tipo de comportamentos, que se impõem com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que os consubstanciam; as condições pessoais do arguido e a sua situação económica: o arguido encontra-se desempregado, residindo com a mãe; os progenitores manifestam disponibilidade para o apoiarem incondicionalmente. A favor do arguido regista- se, apenas, o facto de não ter antecedentes criminais. Experienciou a situação de reclusão, o que constitui bastas vezes marco determinante para inflexão num percurso disruptivo face às normas que vigoram na ordem jurídica. No entanto, os factos assumem uma gravidade muito elevada. As exigências de prevenção geral são, pois, de acentuada intensidade. Como se teve a oportunidade de dizer quanto à sua co-arguida, as imposições de prevenção especial, por seu lado, devem ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores. E ainda que, há que encontrar o justo equilíbrio entre as imposições de prevenção especial e as exigências de prevenção geral, sendo que, também no caso em concreto do recorrente, estas se sobrepõem àquelas. Recorde-se que a pena abstracta pela prática deste ilícito (tráfico de estupefacientes) é fixada entre 4 e 12 anos de prisão. E que lhe foi aplicada na 1.ª Instância a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução, por igual período, cm regime de prova, de acordo com Plano de Reinserção Social a elaborar pelos serviços da DGRSP, revertida para 6 anos de prisão efectiva por decisão, agora em recurso, do Tribunal da Relação de Lisboa. Ponderando tudo o exposto, concluímos que a pena adequada, proporcional e justa, no caso em concreto do recorrente, é de 6 anos de prisão, a qual cumpre a medida necessária para se realizarem as finalidades da punição. Improcede, deste modo, a pretensão do recorrente.
Decisão Texto Integral:



Proc.º 302/17.7PATVD.L1.S1

Recurso Penal

Acordam, precedendo audiência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça

I.

1. Por acórdão de 30 de Dezembro de 2019, proferido no processo comum colectivo n.º 302/17……, do Juízo Central Criminal …, Juiz ….., do Tribunal Judicial da Comarca …., foram condenados, entre outros[1], os arguidos AA[2] e BB[3], nas seguintes penas[4]:

- a arguida AA, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido (p. e p.) pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na respectiva execução, por igual período, com regime de prova, de acordo com Plano de Reinserção Social a elaborar pelos serviços da DGRSP;

- o arguido BB, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A, I-B, I-C e II-A, anexa ao mesmo diploma, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na respectiva execução, por igual período, cm regime de prova, de acordo com Plano de Reinserção Social a elaborar pelos serviços da DGRSP.

2. O Magistrado do Ministério Público veio interpor recurso deste acórdão para o Tribunal da Relação … (TR…), por discordar, no que aqui interessa, da escolha e medida da pena quanto aos arguidos AA e BB, entendendo no que respeita à medida concreta das penas aplicadas àqueles arguidos, que os mesmos devem ser condenados nas penas de 6 (seis) anos de prisão e 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, respectivamente.

3. Por acórdão de 9 de setembro de 2020, foi decidido conceder parcial provimento ao recurso do MP e, em consequência:

- Condenar a arguida AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma, na pena de seis anos de prisão.

-Condenar o arguido BB pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A, I-B, I-C e II-A, anexa ao mesmo diploma, na pena seis anos de prisão.

4. Inconformados com este acórdão vieram os arguidos AA e BB interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo este último requerido a realização de audiência.

Apresentam as seguintes conclusões na sua motivação de recurso que se transcrevem:

- A recorrente AA:

(…) 1. Vem o presente recurso, nos termos dos artigos 427.º e 428.º ambos do Código de Processo Penal, interposto do acórdão proferido nos autos que, em conclusão, decidiu condenar a arguida pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artigo 21.º n.º 1 do DL 15/93 de 22/01 com referência à tabela I-C anexa ao mesmo diploma, na pena de 6 anos de prisão.

2. O recurso ora interposto visa a alteração da decisão do tribunal ad quem na parte em que opta condenar a arguida a 6 anos de prisão, uma vez que considera que, da matéria de facto provada quanto à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua idade à prática dos factos, à sua conduta anterior e posterior ao crime, reflectido no seu relatório social junto aos autos, a medida da pena aplicada deverá ser 5 (cinco) anos de prisão suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova a definir pela DGRSP.

3. Deu o tribunal recorrido como provados, nomeadamente, os factos transcritos no capítulo das alegações, para onde remetemos.

4. Consta da matéria de facto provada que a recorrente não tem antecedentes criminais averbados no seu C.R.C.

5. Por outro lado, resulta do relatório social que a arguida desenvolveu a sua personalidade num ambiente familiar coeso e estudou até ao 12.º ano de escolaridade, não tendo prosseguido por falta de meios económicos, sempre trabalhou e tem cinco filhas, constituindo a figura de referência.

6. Encontra-se plenamente integrada socialmente, exercendo a figura de pilar familiar para as filhas.

7. Em face deste quadro, parece-nos evidente, fazer um juízo de prognose favorável à reinserção da Recorrente, tendo em conta o carácter ressocializador das penas, o que por si só indicia que o legislador está mais preocupado com o futuro da Recorrente do que com o passado, pretendendo que aquele esteja socialmente integrado que socialmente desinvestido recluído num estabelecimento prisional.

8. Tal como refere o douto acórdão da 1.ª Instância “como seja, a pena de prisão constituiria pesado fardo não só para a arguida, como para as filhas, que deixara de contar com a sua figura de referência”.

9. Importa concluir também pelo impacto já sofrido na pele da Recorrente ao ter estado em prisão preventiva por 1 (um) ano e 6 (seis) meses.

10. Dai

tipo de comportamento criminoso.

11. Não pode o tribunal recorrido olvidar que os estabelecimentos criminais são escolas de crime e, que são estas pessoas, mais influenciáveis, que ali mais dano podem sofrer a esse nível.

12. No caso em apreço, entende-se como desajustada e desproporcional a agravação da pena determinada pelo Tribunal da Relação … e por ajustada e proporcional a pena aplicada pelo Tribunal de 1.ª Instância, esta fixada em 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, uma vez que, manifestamente a ameaça da prisão e a prisão preventiva já sofrida, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

13. Os fins das penas, nos termos definidos pelo nosso legislador, têm como pedra angular a integração social, o que acontece, presentemente, em liberdade quanto à condenada Recorrente e não à sua desestruturação social, o que acontecerá se esta tiver que regressar à prisão para cumprir a pena de prisão agravada e aqui objecto de recurso.

14. Em suma, incorreu o tribunal recorrido em erro manifesto na determinação da medida da pena a aplicar à arguida AA, violando o preceito constante do artigo 71.º do Código Penal.

15. Por tudo o exposto, se requer seja revogado o acórdão recorrido na parte em que decide condenar a arguida AA, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma, na pena de 6 (seis) anos de prisão, substituindo-o por outro que se decida pela aplicação à arguida de uma pena de prisão de 5 (cinco) anos, suspensa na sua execução, mantendo-se, assim, a decisão do Tribunal de 1.º Instância. (…).
- O recorrente BB:
 (…) 1. O douto acórdão de 30 de Dezembro de 2019 proferido no processo comum colectivo nº 302/17…. do Juízo Central Criminal de …. – Juiz……., do Tribunal Judicial de ….., condenou o arguido, ora Recorrente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º, nº 1 do DL 15/93 de 22/01, na pena de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na respectiva execução, por igual período, em regime de prova. 2. Também absolveu o arguido BB da prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art.º 28º nº 1 daquele mesmo diploma, e da prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. por várias disposições da Lei 5/2006 de 23/02.

3. Inconformado, em parte, com o douto acórdão de 1ª instância, quanto à escolha e à medida das penas aplicadas aos arguidos CC, AA e BB, dele interpôs recurso o Ministério Público para o Tribunal da Relação …….

4. O qual, por douto acórdão de 9 de Setembro de 2020, concedendo parcial provimento ao recurso do Mº Pº, e no que respeita ao ora Recorrente BB, o condenou agravadamente na pena de seis anos de prisão, ficando assim prejudicada a apreciação da suspensão da execução da pena de quatro anos e seis meses de prisão em 1ª instância decidida.

5. O Recorrente argui a nulidade do recorrido acórdão de 9 de Setembro de 2020.

6. É que, como dele consta, depois de suas fls.2 a fls.10 ter reproduzido as quarenta e oito conclusões formuladas no recurso de Mº Pº, e a pretensão da sua procedência quanto à medida concreta das penas aplicadas, ali, na linha 14 da mesmíssima fls.10, expressa, literal e inequivocamente se lê: “Nenhum dos arguidos recorridos respondeu a este recurso.”

7. O que, de todo, não corresponde à realidade. Ao invés, sendo três os arguidos recorridos. (CC, AA e BB), certo e incontestável é que, notificado da interposição do recurso do Mº Pº nos termos do disposto no art.º 411º, nº 6, do CPP, o arguido recorrido BB a este respondeu expressamente, ao abrigo do disposto no art.º 413º nº 1 do CPP, em 23 de Junho de 2020 -19h.57m.47s (conforme consta do portal CITIUS – refª ….. e documento que junta).

8. O processo criminal, como é apanágio do Estado de Direito Democrático, assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, conforme superiormente consagrado no art.º 32º nº1 da Constituição da República Portuguesa.

9. E, mais, consagra expressamente nº 5 do mesmo o princípio do contraditório, princípio material do processo criminal, integrante do seu núcleo essencial, que, em sede de recurso se traduz na reapreciação da questão por um tribunal superior, tendo os juízes o dever de ouvir as razões de acusação e da defesa em relação a assuntos sobre os quais tenham de proferir uma decisão.

10. Ora, como hialinamente refulge, e é expressa e indubitavelmente confessado na linha 14 de fls.10 do acórdão ora recorrido, o Tribunal da Relação …. desconheceu e ignorou, por completo, a resposta do arguido recorrido BB ao recurso do Mº Pº. Isto é, no processo de decisão, o Tribunal não apreciou, não ponderou nem teve em conta o que quer que fosse da resposta apresentada pelo arguido recorrido ao recurso do Mº Pº!!!

11. Tal facto constitui exuberante nulidade do acórdão de 9 de Setembro de 2020, consubstanciada em omissão de pronúncia sobre questões que devia apreciar, suscitadas pelo recorrido BB naquela sua sobredita resposta, conforme expressamente cominada no art.º 379º nº 1 alínea c) do CPP, a qual se arguí, para os devidos efeitos e legais consequências.

12. Como se referiu já naquela ignorada mas existente resposta do Recorrente ao recurso do Ministério Público, não concordou este com a decisão do Tribunal de 1ª Instância quanto à escolha e à medida da pena de prisão de quatro anos e seis meses aplicada ao arguido BB, propugnando a sua condenação a seis anos e seis meses de prisão, e afirmando que, mesmo que se mantivessem as medidas das penas aplicadas aos arguidos AA e BB, jamais estas poderiam ser suspensas.

13. Ora, como se confirma particularmente no ponto IV. 2 – Determinação da espécie e da medida da pena da douta sentença de 30 de Dezembro de 2019 do Tribunal de 1ª instância, este fundamentou-a bem em conformidade com o disposto no artigo 71º do Código Penal.

14. Na prática, está o Recorrente em profundíssimo desacordo com a decisão do Tribunal da Relação ….. em agravar a pena de prisão de quatro anos e seis meses que lhe foi aplicada em 1ª instância, elevando-a para seis anos de prisão, em circunstâncias e com fundamentos que em concreto são contrários aos fins das penas e às concretas necessidades de prevenção geral e especial, acrescendo que, por falta de pressuposto formal, aquela agravação prejudicou a apreciação da suspensão da execução da pena que também lhe fora determinada, em justa observância do prescrito no art.º 50º do CP.

15. Atente-se, a propósito, que a acusação imputava também ao arguido ora Recorrente (e aos arguidos CC, AA, EE e DD) a prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art.º 28º nº2 do DL 15/93 de 22/01, grupo assente numa estrutura organizada, em forma de pirâmide, no topo da qual se situava, como chefe, CC, e AA e BB como seus braços direitos!

16. Contudo, ao longo das várias sessões de audiência de discussão e julgamento, a prova produzida a tal respeito foi de tal modo inexistente que a digna representante do Mº Pº, em alegações finais, assumiu claramente a não verificação dos respectivos pressupostos, o que levou o tribunal à decisão de absolvição, sem necessidade de maiores desenvolvimentos a respeito da matéria, referindo, por todos, o Ac. do STJ de 27/05/2010 (proc. 18/07.2GAAMT.P1S1).

17. Não obstante, da leitura atenta do acórdão recorrido quanto à determinação da medida da pena, refulge que o Tribunal da Relação não conseguiu deixar de considerar o caso dos autos como de uma terrível associação criminosa.

18. Ainda, a acusação imputava a todos os catorze arguidos a prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º nº 1 do DL 15/93 de 22/01. Ora, perante a manifesta insuficiência da prova produzida, atenta a concreta factualidade provada, o Tribunal de 1ª instância, referindo o Ac. do STJ de 29/03/2006, não teve dúvidas em enquadrá-la na previsão do art.º 25º daquele diploma, tráfico de menor gravidade, nada menos do que em relação a oito arguidos!

19. Diga-se ainda que se a aplicação da pena visa a proteção dos bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), como prescreve o art.º 40º do CP, entende-se como claramente abusiva (como, com todo o respeito, transparece no acórdão recorrido) a prevalência da prevenção geral sobre a prevenção especial, na medida em que tal preceito não a determina, antes resultando da conjugação dos dois vectores (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus). Na verdade, quando o legislador fixou a moldura penal a aplicar ao crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21 do DL 15/93, entre quatro e doze anos de prisão, teve já em conta as necessidades de prevenção geral, isto é, não deixou de admitir que aquele limite mínimo da moldura constituísse suficiente defesa da ordem jurídica e que a pena concretamente aplicada pudesse ainda, por virtude do instituto da suspensão da sua execução, levar à real opção por uma pena não privativa da liberdade!

20. É entendimento do Recorrente que deverá, na sequência da justa procedência do presente recurso no que respeita à manutenção da pena aplicada pelo tribunal de 1ª instância, ser a mesma suspensa na sua execução.

21. O acórdão recorrido, com todo o respeito, que é muitíssimo, não chegando a tão escandaloso tanto como o do Mº Pº (cujo jamais viola frontalmente o disposto no art.º 50º nº 1 do CP), afirma que “Daí que, por regra, as finalidades de prevenção geral negativa e positiva só se assegurem, quando estejam em causa crimes de tráfico de estupefacientes, com imposição de penas de prisão efectiva, dada a profusão deste tipo de criminalidade e as suas consequências devastadoras, mesmo tratando-se de um tráfico de menor gravidade, pois como é sabido, os pequenos dealers de rua que recorrem à venda de droga a retalho a outros consumidores são elementos fulcrais na cadeia de distribuição de tais substâncias e de fomento e disseminação dos consumos. Trata-se de uma actividade que, corresponde, em muitos casos, à fonte de rendimentos, não só para assegurar a própria adicção, mas para fazer face a todas as despesas e que não cessa, antes se repete, com a simples ameaça da pena e a censura do facto subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão, a qual nem sequer é percepcionada como uma verdadeira condenação, mas antes como uma espécie de “livre-trânsito” para continuar a praticar este crime, como se se tratasse de uma bagatela penal e criando um sentimento de impunidade no próprio e de alarme social pelos sentimentos de insegurança e de impotência que desencadeiam, no seio das comunidades onde este pequeno tráfico de rua se desenvolve.”

22. É o exemplarmente bastante para revelar a persistência do anquilosado paradigma apocalíptico ainda infelizmente persistente em algumas concepções ufanamente ultra justiceiras, mas que na realidade, além de crudelíssimas, são geradoras de males e injustiças muitíssimo mais gravosas do que aquelas que alegadamente apregoam evitar!

23. Tal como o arguido recorrido BB afirmou na resposta apresentada em 23 de Junho de 2020 ao recurso interposto pelo Mº Pº, por si proclamada inexistente e consequentemente por si absolutamente ignorada para a prolação do acórdão recorrido, também tal paradigma esquece o elementar “que, na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se reintegrar na sociedade… Trata-se de uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança fundada e não uma certeza – assumida sem ausência de risco – de que a socialização em liberdade se consiga realizar, que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência séria e solene e que, em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito.

24. O douto acórdão fundamenta exuberantemente a razão do que justamente decidiu, reproduzindo o relatório social elaborado pela DGRSP e concluindo depois “o arguido BB cresceu num ambiente familiar coeso e idóneo à transmissão de valores socialmente ajustados. Teve um percurso escolar marcado pela dislexia, tendo concluindo apenas o 7º ano de escolaridade. Fez uma formação na área da …, tendo trabalhado em vários restaurantes durante 4 anos. Encetou uma união de facto aos 22 anos de idade da qual viria a nascer um filho em 2013, que terminou um ano antes de ser detido, tendo nessa altura o arguido voltado a integrar o agregado familiar dos pais. Revela capacidade de entendimento e juízo critico sobre os factos de natureza idêntica aos que se encontram em causa nos autos. Sofreu uma condenação em pena de multa pelo crime de consumo de estupefacientes e nunca tinha experienciado uma situação de reclusão.” e, adiante “BB não apresenta antecedentes criminais e passou agora, tal como a arguida AA, pela sua primeira experiência de reclusão. No que respeita ao produto estupefaciente, apenas quanto ao haxixe se encontra descrito envolvimento em actividade de venda, ainda que a mera detenção já integre o crime de tráfico.”

25. “ Na verdade, quem, melhor do que o colectivo, no decorrer das longas sessões da audiência, atento à produção de prova, em contacto e observação directa com o arguido, poderia sustentar a justiça da prognose decidida, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, por essa via concluindo que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realização de forma adequada e suficiente as finalidades da punição?”

26. Olvidou “que o regime da suspensão da execução de pena enquadra-se na filosofia consagrada no sistema punitivo do Código Penal, no sentido de que a pena de prisão constitui a ultima ratio da politica criminal devendo sempre que possível ser aplicada pena não detentiva. Esqueceu-se de que aquele instituto não constitui uma faculdade discricionária do julgador, mas se trata de um poder-dever funcional do mesmo, de um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidade da punição, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos, como no caso indubitavelmente se verificam”.

27. “O arguido está positivamente enquadrado familiar e socialmente, trabalha e tem meios e projectos de vida, vinculação afectiva ao filho, e revela capacidade de entendimento e juízo crítico sobre a ilicitude e gravidade dos factos. E, facto que o MP jamais deveria ter esquecido, e que justamente não escapou à clarividência do tribunal, passou cerca de um ano e meio em dura reclusão de prisão preventiva, que sobejamente o determinam a de todo não querer repetir tão penosa experiência!”

28. Pelo exposto, o acórdão recorrido violou as disposições referidas supra, nomeadamente o art.º 379º nº1 alínea c) do CPP, os art.º s 40º, 50º, 70º e 71º do CP e os art.º s 18º nº 2 e 32º nºs 1 e 5 da CRP.

29. Termos em que, se deverá revogar o acórdão recorrido pelas razões e fundamentos supra expendidos, sempre e em todo o caso se mantendo a pena de prisão aplicada ao arguido BB em 1ª instância, e suspensa na sua execução. (…).

5. Os recursos foram admitidos por despacho de 20.10.2020.

6. A Magistrada do Ministério Público junto do TR……, na sua resposta, pugnou pela improcedência de ambos os recursos. E, no que toca à invocada nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia suscitada pelo arguido BB, entende que não colhe razão por entender que tratando-se de processo urgente, com arguidos em situação de prisão preventiva, os prazos judiciais não se suspenderam, nos termos do disposto no n.º 7, do artigo 7.º da Lei 1-A/2020 de 19.03 (Medidas excepcionais por força da Covid-19).

7. Subiram os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, onde a Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer nos termos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, acompanhando na íntegra a alegação do MP junto do tribunal recorrido, no que toca à invocada nulidade do acórdão recorrido e sustentando a improcedência dos recursos.

8. Cumprido o disposto no n.º 2, do artigo 417.º, do CPP, veio o recorrente BB responder, mantendo, em síntese, o alegado no seu recurso.

9. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e os Ilustres Mandatários dos recorrentes, foi designada data para a realização de audiência, nos termos do artigo 421.º, 4 do CPP.

10. O arguido BB, representado pelo seu Ilustre Mandatário, não deu o seu acordo ao prosseguimento do processo, que é não urgente, pelo que ficou sem efeito a designação do dia  para a realização da audiência de recurso, nos termos do artigo 6.º-B, n.º 5, alíneas a) e c), da Lei n.º 1-A/2020.

11. Foi designada nova data para audiência, nos termos do disposto no artigo 3.º, da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, publicada no DR 1.ª série, 2.º Suplemento, de 5 de abril de 2021.

12. Realizou-se a audiência nos termos do disposto no artigo 423.º do CPP.

13. Após deliberação nos termos do disposto no 424.º, do CPP, foi proferido o seguinte acórdão.

II.

14. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º, do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, e a nulidades processuais não sanadas, a que se refere o artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, bem como quanto a nulidades da sentença prevista no artigo 379.º, n.º 2, do CPP, com a alteração introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro.

As questões colocadas em recurso são as seguintes:

- Do recurso da arguida AA:  

i. da medida da pena, considerando por ajustada e proporcional a pena aplicada pelo Tribunal de 1.ª Instância, fixada em 5 anos de prisão, suspensa na sua execução;

- Do recurso do arguido BB:

i. da nulidade do recorrido acórdão de 9 de Setembro de 2020, consubstanciada em omissão de pronúncia sobre questões que devia apreciar, suscitadas pelo recorrido BB na sua resposta apresentada ao recurso interposto pelo MP, junto do tribunal de 1.ª Instância, conforme expressamente cominada no artigo 379.º, nº 1, alínea c), do CPP;

ii. da medida da pena, considerando por ajustada e proporcional a pena aplicada pelo Tribunal de 1.ª Instância, fixada na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa, na respectiva execução.

15.Trataremos, em 1.º lugar, da invocada nulidade do acórdão recorrido, suscitada pelo arguido BB, que a proceder, precludirá o conhecimento das restantes questões.

16. Vem este arguido invocar a nulidade por omissão de pronúncia do acórdão do TR…, com fundamento no facto de no acórdão recorrido, se ter afirmado que, e transcreve-se: "Nenhum dos arguidos recorridos respondeu a este recurso ", o que, segundo alega, não corresponde á verdade, dado que: " conforme consta do portal CITIUS- Ref. ….. e documento que junta), o arguido respondeu em 23.06.2020 ao recurso que o Ministério Público havia interposto.”.

Segundo a resposta da Sra. Procuradora-Geral Adjunta ao recurso no Tribunal recorrido e o Parecer da Sra. Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Supremo Tribunal, ambas entendem que, tratando-se de processo urgente, com arguidos em situação de prisão preventiva, os prazos judiciais não se suspenderam, nos termos do disposto no n.º 7, do artigo 7.º, da Lei 1-A/2020 de 19.03 (Medidas excepcionais por força da Covid-19), pelo que não colhe razão a pretensão do ora recorrente.

17. Vejamos.

Compulsados os autos resulta, entre o mais, o seguinte:
1. No decurso do julgamento, o arguido CC, encontrava-se preso à ordem do Processo 1/17……, situação que se mantém, os ora recorrentes AA e BB, encontravam-se em  situação de prisão preventiva; os arguidos EE, FF, GG, II, LL, encontravam-se em  situação de prisão preventiva, DD e MM encontravam-se com medida de obrigação de permanência na habitação; HH, JJ, NN e OO com prestação de TIR.
2. Por despacho de 19.12.2019 (fls. 6950) foram declaradas cessadas as medidas de coacção de prisão preventiva de BB (ora recorrente), DD, II, LL e MM.
3. Por despacho de 20.12.2019 (fls. 6958) foram declaradas cessadas as medidas de coacção de prisão preventiva de AA (ora recorrente) e de GG.
4. Por despacho de 20.12.2019 (fls. 6962) EE e FF mantiveram-se na situação de prisão preventiva.
5. O Acórdão de 1.ª instância foi proferido em 30.12.2019.
6. O arguido EE, em 24.01.2020, veio renunciar ao prazo para interposição de recurso (fls. 7119).
7. O arguido FF, em 27.01.2020, veio renunciar ao prazo para interposição de recurso (fls. 7119).
8. Vieram interpor recurso para o Tribunal da Relação:
i. O Ministério Público, em 28.01.2020, por não se conformar com as penas dos arguidos CC, AA e BB (fls. 7125 a 7149).
ii. O arguido CC, em 29.01.2020 (fls. 7150 a 7156).
iii. O arguido GG, em 02.02.2020 (fls. 7159 a 7166), tendo pago multa por apresentar o recurso no 3.º dia útil seguinte (fls. 7197 e 7242).
9. Pelo Tribunal de 1.ª instância foi proferido despacho de admissão dos recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo arguido CC em 19.02.2020 (fls. 7178).
10. Os Defensores/Mandatários dos arguidos GG, CC, BB e AA foram notificados do despacho de admissão do recurso, por notificação datada de 04.03.2020 (fls. 7199, 7202, 7203 e 7204).
11. O Ministério Público foi notificado da admissão do recurso do arguido CC, em 05.03.2020 (fls. 7231).
12. Pelo Tribunal de 1.ª instância foi proferido despacho de admissão do recurso do arguido GG em 19.03.2020 (fls. 7243).
13. Os Defensores/Mandatários dos arguidos BB, AA, CC e GG foram notificados do despacho de admissão do recurso, por notificação datada de 25.03.2020 (fls. 7248, 7249, 7250 e 7251).
14. O Ministério Público foi notificado do despacho de admissão do recurso do arguido GG, em 25.03.2020 (fls. 7253).
15. Em 03.04.2020, o Ministério Público respondeu ao recurso do arguido CC (fls. 7265 a 7279).
16. Em 11.04.2020, o Ministério Público respondeu ao recurso do arguido GG (fls. 7283 a 7302).
17. Por despacho de 18.05.2020 foram admitidas as respostas aos recursos e foi ordenada, oportunamente, a subida dos recursos ao TR…...
18. Por despacho de 18.05.2020 (fls. 7312) foi homologada a liquidação da pena dos arguidos EE e de FF.
19. Considerou-se o acórdão transitado em julgado em 29.01.2020 (certidão de fls. 7316), relativamente a estes arguidos e aos não recorrentes.
20. Os Defensores/Mandatários dos arguidos BB, GG, AA e CC foram notificados daquele despacho (de 18.05.2020), por notificação datada de 21.05.2020 (fls. 7340, 7341, 7342 e 7343), bem como o Ministério Público, em 25.05.2020 (fls. 7345).
21. Em 23.06.2020, foi apresentada resposta ao recurso do Ministério Público, por banda do arguido BB (fls. 7393 a 7396)
22. Em 24.06.2020, procedeu-se à remessa do processo para o TR…. (fls. 7398).
23. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer (fls. 7401).
24. Todos os arguidos foram notificados deste Parecer e para, querendo, responder (artigo 417.º, n.º 2 do CPP).
25. Por despacho de 11.08.2020, foi designada conferência para dia 09.09.2020 (fls. 7417).
26. Em 09.09.2020 foi proferido Acórdão (de que agora se recorre) (fls. 7421 a 7492).
27. No acórdão ora recorrido, consta que: “Nenhum dos arguidos recorridos respondeu a este recurso.”

18. Apreciemos.

Do exposto resulta que o ora recorrente BB foi notificado, na pessoa do seu mandatário constituído, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413. º, n° 1, do CPP, por carta datada de 04.03.2020.

Apenas em 23.06.2020 (no dia anterior à remessa do processo ao TR…) apresentou a sua resposta à motivação (cfr. fls.7393).

Para além do transcrito em supra 4. deste acórdão, resulta ainda da sua resposta ao n.º 2, do artigo 417.º, do CPP, cumprido neste Supremo Tribunal de Justiça, o seguinte:

(…) 4. Dada a pressa e turbulência legislativa provocada pela grave pandemia que nos assola e atormenta, não é seguramente pacífica a interpretação do legislado quanto à suspensão dos prazos judiciais.

5. Com efeito, nos termos do disposto no nº 5 do art.º 7 da Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março, a regra era que, mesmo nos processos urgentes, os prazos se suspendiam, salvo nas circunstâncias previstas nos nºs 8 e 9 do mesmo artigo.

6. E, não sendo claramente a circunstância do nº 9, também a do nº 8 tão só admite a prática de actos processuais e procedimentais através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente por teleconferência ou vídeochamada.

7. O que indica, pelo menos, que o sentido teleológico do dispositivo se reportava aos actos processuais que não implicassem a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde, que não é manifestamente o caso da interposição de recurso.

8. E mesmo o disposto na alínea c) do nº 7 do art.º 7 da Lei 4-A-2020 de 6 de Abril reforça a suspensão dos prazos prevista no nº 1.

9. Acresce, e no caso em apreço que, inequivocamente, consta da linha 14 da página 10 do Acórdão do TR… que “nenhum dos arguidos respondeu a este recurso”, o que é muito diferente do que respondeu, embora intempestivamente…

10. Aliás, ainda, desconhece o arguido, ora Recorrente, qualquer despacho que tenha considerado intempestiva tal sua resposta ao recurso do MP junto à 1ª instância, e, se porventura proferido, dele não foi notificado.

11. O que, pelas implicações decorrentes na apreciação do recurso pelo TR…. (tida como inexistente, por intempestiva, a resposta ao recurso do MP), e pelas implicações decorrentes na elaboração e conteúdo da motivação do recurso interposto pelo Recorrente para este S.T.J., afectou necessariamente a defesa do arguido.

12. Com o que, sempre, por não ter assegurado todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, do arguido e recorrente, violou o consagrado no nº 1 do art.º 32º da Constituição da República Portuguesa. (…).

19. Como se referiu supra em 14. deste acórdão, o recorrente BB vem arguir a nulidade do recorrido acórdão de 9 de Setembro de 2020, consubstanciada em omissão de pronúncia sobre questões que devia apreciar, e suscitadas na sua resposta apresentada ao recurso interposto pelo MP, junto do tribunal de 1.ª Instância, conforme expressamente cominada no artigo 379.º, nº 1, alínea c), do CPP. Alega, para tal, o arguido que neste acórdão, e após a transcrição das conclusões do recurso do MP, se diz que “Nenhum dos arguidos recorridos respondeu a este recurso.”. E mais acrescenta que: (…) de todo, não corresponde à realidade. (…).

20. Vejamos.

Verifica-se a nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre questão ou questões que lhe são colocadas, ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar - alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP.

E, de acordo com o disposto no n.º 2 deste preceito: “As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º”.

No caso dos autos, alega o recorrente, invocando a Constituição da República Portuguesa (CRP) - artigo 32.º, n.º1 -, que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, consagrando expressamente no seu n.º 5, o princípio do contraditório, princípio esse, integrante do núcleo essencial do processo criminal, que em sede de recurso se traduz na reapreciação da questão por um tribunal superior, tendo os juízes o dever de ouvir as razões de acusação e da defesa em relação a assuntos sobre os quais tenham de proferir uma decisão.

Ora, compulsados os autos não se vislumbra que a resposta do arguido ao recurso do Ministério Público, interposto em 1.ª Instância, tenha sido objecto de qualquer despacho judicial, quer no Tribunal de 1.ª Instância, quer no Tribunal da Relação e, nomeadamente, no momento de elaboração do acórdão.

E só pode ser equacionada a verificação da nulidade do artigo 379.º, nº 1, al. c), do CPP, relativamente a vício de que enferme a decisão recorrida, ou seja, in casu, o acórdão do TR…….

A omissão de pronúncia/decisão referida a um despacho não passa de uma irregularidade. Havendo resposta de um arguido a recurso interposto contra si pelo MP, o tribunal de recurso deve tê-la em conta, inteirando-se, nomeadamente, da argumentação oposta à motivação do Ministério Público. Mas não tem de proferir oficiosamente decisão sobre a sua tempestividade. Só no caso de considerar intempestiva a sua apresentação é que se impõe decisão nesse sentido.

Decisão que, com propriedade, deve ser do relator, fora do acórdão que decide o recurso, e só impugnável por meio de reclamação para a conferência, nos termos do artigo 652.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, ex vi artigo 4.º, do CPP. Se na resposta não é suscitada qualquer questão diferente das suscitadas pelo recorrente, limitando-se o respondente a contrariar os argumentos utilizados na motivação de recurso, a ausência de referência expressa por parte da Relação, no seu acórdão, ao conteúdo da resposta não integra a nulidade de omissão de pronúncia - artigos 379.º, nº 1, al. c) e 425.º, nº 4, - uma vez que a única ou as únicas questões suscitadas são as do recorrente e a nulidade apontada só se configura com a falta de decisão na sentença ou acórdão de questão suscitada ou de conhecimento oficioso.

No presente caso, o TR……, no seu acórdão, ignorou, no pressuposto errado de que não fora apresentada, a resposta oposta pelo arguido BB à motivação de recurso do MP. Não se suscitando nessa peça qualquer questão diferente das suscitadas na motivação de recurso, das quais o TR…… conheceu, a ignorância, por erro, da resposta do arguido BB não representa falta de decisão sobre qualquer questão que devesse ser decidida, havendo apenas uma irregularidade, à luz do disposto no artigo 118.º, nºs 1 e 2, do CPP, a qual, por não ter sido arguida no prazo de 3 dias a contar da notificação do acórdão, se sanou.

Este entendimento não representa qualquer compressão desproporcionada do direito de defesa do arguido BB, uma vez que nada mais se lhe exigia, por intermédio do seu defensor, do que, depois de lida a parte do acórdão que se lhe referia, vir ao processo dizer que não era exacta a afirmação de que não houvera resposta, arguindo a respectiva irregularidade. O que não fez.

Improcede, deste modo, a nulidade por omissão de pronúncia invocada pelo arguido BB.

21. São os seguintes os factos provados nas instâncias (no que interessa aos recursos interpostos), que assim se mostram assentes:

(…) II. 1 - Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

I. CC, AA, BB, EE e DD.

O arguido CC, encontrava-se a aguardar trânsito em julgado da condenação no processo Comum Coletivo n.º 1/17…, do Tribunal da Comarca ……, em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional……, em …...

O arguido CC conhecia bem a arguida AA, com quem mantinha uma relação amorosa, e os arguidos BB e EE, este último irmão de AA.

A partir do estabelecimento prisional onde se achava, CC formulou o propósito de, com a colaboração dos arguidos BB e AA, organizarem meios para proceder a aquisição de canábis (em bolota) a partir de …. e também do …. e posterior distribuição a terceiros, a troco de dinheiro.

O grupo funcionava de forma encabeçado por CC que procedia aos contactos com indivíduos que se achavam no estrangeiro, como seja em ……. e ……, procedendo às encomendas e instruindo AA e BB, quanto aos envios das quantias monetárias para pagamento do estupefaciente.

Assim, AA estava encarregue de, a mando de CC, recolher dinheiro e envio de dinheiro, contactos, apoio e transmissão das estratégias delineadas por aquele.

AA, face à situação de reclusão de CC, tinha ainda a incumbência de receber o canábis e posterior distribuição a terceiros, recebendo ainda o dinheiro e o seu depósito. Cabia-lhe ainda comprar e entregar telemóveis e efetuar carregamento dos aparelhos e acesso à internet, destinados a CC e àqueles que faziam o transporte do canábis, como foi o caso de DD e EE.

CC dava ordens e instruções a AA, quer por telefone (utilizando os cartões telefónicos ….551, …….169) quer nas visitas desta ao estabelecimento Prisional de ….., como sucedeu nos dias 18/04/2018, 25/04/2018, 28/04/2018, 02/05/2018, 05/05/2018, 9/05/2018, 12/05/2018, 16/05/2018 e 30/06/2018, onde, pessoalmente, combinaram as estratégias para aquisição de estupefacientes.

AA seguiu "à risca" as instruções de CC, seja na entrega de estupefaciente e recebimentos de dinheiro, seja quanto à data em que ocorriam as deslocações, seja na aquisição de veículo automóvel (cumprindo as especificações quanto ao ano e modelo e condições da bagageira), seja quem fazia as deslocações e quanto e onde ocorriam.

Por seu turno, AA procedia à distribuição de estupefaciente a BB, FF e NN, e outros não identificados, recebendo destes o respetivo valor monetário.

Na posse de canábis, os acima indicados procediam a sua entrega a terceiros que os procurassem, recebendo dinheiro.

Por seu turno, FF mantinha uma relação de grande amizade e confiança com GG e companheira deste, a arguida HH, entabulando entre eles, desde, pelo menos, desde o ano de 2017, um esquema de venda de canábis.

Assim, FF entregava o canábis que havia recebido de AA e antes desta, do arguido EE, que tratava por "cunhado", e de NN, entregando uma parte a GG, que, por seu turno, ficava com uma parte para si e entregava o restante a LL e companheira MM, a II e JJ.

Estes - LL e MM, II e JJ - procediam ã venda de canábis a consumidores que os procurassem, entregando-lhe a respetiva contrapartida monetária.

Nos moldes supra descritos e sob orientação de CC, no dia 21 de Abril de 2018, AA começou a organizar a aquisição de uma grande quantidade de canábis (bolotas), encetando contactos com BB e o seu irmão EE, encontrando-se na residência deste, sita na morada acima indicada, pelas 11.32 horas, agendando com estes a deslocação a …, no ……., para aquisição de estupefacientes.

Após instrução de CC quanto ao dia e local onde haviam de recolher o estupefaciente e após confirmação que os "fornecedores" já estavam em ….", no dia 23/04/2018, AA telefonou ao irmão EE, dizendo-lhe que era nesse dia, e "que vai e vem mas sem coiso", e que posteriormente seria a própria a recolher o canábis em casa dele, dizendo-lhe ainda fica "lá tudo", ou seja, que “fica 132”, confirmando EE o número “132”, (s. 23272, 23273, 23274, 23276/Alvo 97042050/MP).

Pelas 12.35 horas, BB telefonou a EE, dizendo-lhe para fazer a mala que o vai buscar, combinando ainda AA encontrar-se com EE nas bombas de combustíveis da BP de ……, a fim de lhe entregar o dinheiro. (s. 23280/ Alvo 97042050/MP)

Pelas 13.50.22 horas, AA, acompanhada pela filha PP, chegou às Bombas de Combustível da BP, fazendo-se transportar num veículo ……, ……, matrícula …-…-BG, estacionou num local mais afastado e telefonou a EE, informando que se encontrava no local, dizendo-lhe que PP ia ao seu encontro para lhe entregar o dinheiro.

Assim, PP, filha de AA, dirigiu-se ao encontro de EE, no interior da loja do Posto de Abastecimento, entregando-lhe quantia não concretamente apurada, regressando ao carro, onde se encontrava AA.

De seguida, BB, na condução do veículo com a matrícula …-IB- …, acompanhado de EE tomaram a direção da Ponte …, seguindo pela Autoestrada …, até ao ……, mais concretamente até à localidade de …, onde, indivíduos não identificados, lhes entregaram quantidade não apurada de bolotas de canábis, mas correspondente a pelo menos 132 bolotas.

De seguida, e na posse das bolotas de canábis, EE e BB fizeram o percurso de regresso a …….., passando, cerca das 18.54.06 horas, pela Autoestrada n.º …., na zona de ….., regressando a …., ficando a guarda de EE a canábis destinado a AA.

Pelas 21.05 horas, AA, na companhia da filha menor QQ e fazendo-se transportar no indicado veículo, dirigiu-se à residência EE, onde chegou pelas 21.40.52 horas.

Já na residência de EE, AA recebeu deste a quantidade de 132 bolotas de canábis, que, depois, transportou, no ...……, até à sua residência, onde chegou pelas 23.32.13 horas.

Sob instrução de CC, e para pagamento de parte do canábis acima indicado, no dia 24 de Abril de 2018, AA fez uma transferência a partir da conta bancária n.º ……, titulada pela filha menor RR, do Banco Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, para a conta com o IBAN …….., do Montepio, no montante de € 500,00.

As indicadas bolotas de canábis foram posteriormente distribuídas por AA e BB, a FF e outros indivíduos não identificados.

No início do mês de Maio de 2018, CC, com o apoio de AA e BB, começou a organizar nova viagem para aquisição de canábis - bolotas.

Assim, no dia 12/05/2018, CC orienta AA, dizendo-lhe para "orientar os papéis", ou seja, para juntar o dinheiro, e para receber de BB o dinheiro que ele tenha consigo, dando-lhe indicação para se deslocar ao aeroporto, para se encontrar com aquele. CC combina ainda nessa noite que a viagem será realizada pelo arguido DD, "sobrinho" de AA (companheiro da sua sobrinha SS).

Entre as 18.43 e as 19.07 horas desse dia, CC entabula várias conversações com AA e envia mensagens, dando-lhe instruções para se encontrar com o arguido BB nas Bombas da BP de …, a fim de lhe entregar € 550,00.

Assim, pelas 20.00 horas do dia 12, AA deslocou-se ao encontro de BB, na estação de serviço da BP, em …, entregando-lhe a quantia de € 550,00.

Entre os dias 13 e 17 de Maio de 2018, CC deu instruções a AA para recolha do dinheiro, designadamente a quantia de € 250,00, a levantar da conta do Montepio Geral, o dinheiro do irmão de CC que AA tinha guardado em casa, o dinheiro de BB, recolher o dinheiro de uma tal de "KK" e de TT e da irmã UU, e combinar com o arguido DD a viagem para o dia 18, aquisição de uma máquina de fechar sacos em vácuo e os telemóveis para a viagem.

Em execução de tais preparativos, AA instruiu a sobrinha SS e depositou dinheiro na conta bancária desta, com o NIB …….., do Millennium, para comprar a máquina para fechar os sacos em vácuo, pedindo-lhe ainda esta que lhe "leve um ovo para a miúda", que depois lhe dá o dinheiro no fim do mês".

A arguida AA depositou a quantia de € 100,00, na conta da sobrinha SS, e esta comprou a máquina e os sacos.

Pelas 12.31.42 horas, AA enviou uma mensagem a CC a dar-lhe conta do dinheiro que entrou na conta bancária e dos preparativos para a viagem (s. 5274, 5276, 5277/Alvo 99113040/PP e doc. bancária a fls. 2328), encontrando-se, cerca das 19.58 horas, com BB, nas traseiras do Hotel ……, em …….., entregando-lhe este a quantia de € 1.500,00, em numerário.

No final da noite, AA reportou a CC o dinheiro recebido para a viagem do dia seguinte, dizendo a este que recebeu € 1.500,00 de BB e tem mais € 480,00, confirmando CC “se são 2000”, o que AA confirma, fazendo aquele as contas ao dinheiro que dispõem e as despesas com a viagem, dizendo “500 são para a outra, 200 para o transporte, para pagar a ida e volta, o comer” e que “tem de dar mais dinheiro ao outro rapaz que é para trazer alguma coisa mais”, instruindo ainda AA acerca dos telemóveis.

No dia 18/05/2018, pelas 9.23 horas, AA dirigiu-se a ……, em …, a fim de se encontrar com SS, DD e VV.

De seguida, AA, DD, SS e VV dirigiram-se ao Terminal Rodoviário …, onde aquela comprou duas passagens de autocarro, em nome de DD e VV, com destino a …, entregando a DD o dinheiro, quatro telemóveis e carregadores, instruindo-o para comunicar apenas pela internet.

Pelas 13.30 horas, o arguido DD, acompanhado por individuo de nome VV, entraram na camioneta, com destino a …, onde chegaram cerca das 22.00 horas (hora …) 21.00 horas, hora portuguesa.

No decurso da viagem, pelas 20.22 horas, o arguido CC indicou a AA a morada onde DD se devia dirigir para recolher o canábis, que esta transmitiu a DD, indicando a morada "……".

Posteriormente e uma vez no local, DD pediu instruções a AA, dizendo-lhe esta, após contacto com CC, para esperar que fossem ter com ele, o que veio a acontecer, transportando aquele, de regresso a Portugal, quantidade não apurada de bolotas de canábis, mas superior a 179.

Pelas 4.00 horas, a arguida AA, na condução do veículo matrícula …-…-BG, dirigiu-se à residência de DD, acima indicada, que lhe entregou as bolotas de canábis, sendo, pelo menos, 180 mais 82 bolotas de canábis para BB, transportando-as de volta à sua residência, onde aguardou instruções de CC.

CC dá instruções a AA quanto à entrega de dinheiro e distribuição das bolotas de canábis provenientes de …, dizendo-lhe “quando sobrinho de AA voltou, deixou tudo nas mãos de AA e eram mais de 2000 euros”, que foram 82 bolotas para o BB, 3 bolotas para a TT, mais 26 e mais 30 bolotas. Das 179 bolotas tiraram 20 para o WW e 10 bolotas para o NN".

No dia 28/05/2018, AA informou a CC que o irmão NN ficou com "aquelas todas", e que vai levar ao preço que lhe tinha dito;

Dia 29/05/2018, CC questiona AA acerca da quantidade de estupefaciente que ainda tem na sua posse, concluindo que “tem as 30 e as 250”, mas separadas" e diz a esta que tem de programar a próxima viagem e que tem de comprar um carro ou dois, especificando que tem de ser carros do ano de 99, referindo um …. ou um …, senão um ….., com características especificas acerca do lugar onde vai esconder a droga, dizendo “isso se abre da parte de dentro, se abre o cofre, tira-se os parafusos, abre aquilo, tira a lâmpada onde está aquela cena toda, espreita em baixo, debaixo disso está aquela cena onde está o risco vermelho”, dizendo-lhe para confirmar se o carro tinha as mesmas características e para o sobrinho verificar se tinha o compartimento.

Entre o dia 2 e 3/06/2018, AA entregou a NN 30 bolotas de canábis, recebendo quantia não apurada, informando CC que deu ao irmão NN entre 22 e 23 bolotas de canábis e que as trinta já estavam pagas, fazendo CC as contas "tiraram 20 para o WW, 5 para o NN, retificando AA que foram 10, o que totaliza 30, e que no total eram 180, retificando AA 179. AA diz ainda que tem 6 à parte para levar, mais 3, concluindo aquele que "são 82 para BB e mais 3 à parte para TT, e que está “mais 26 e mais 30 de coiso".

No mês de Junho de 2018, o arguido CC organizou uma terceira viagem, a concretizar após o ..., recebendo dinheiro de vários indivíduos.

No dia 8/06/2018, AA encontrou-se com BB que lhe entregou a quantia de € 3.000,00, que, nesse mesmo dia enviou, pela Western Union, a que foi atribuído a n.º …, com destino a … e em nome de XX, que veio a ser levantado no dia 9/06/2018.

Dia 18/06/2018, CC em conversa com AA, diz-lhe que têm € 2.500,00, mais € 500,00 do NN, o que perfaz € 3.000,00 a que acresce € 3.000,00 do BB, mais € 750,00 do "YY" e outros € 750,00 do outro, num total de € 7.500,00.

Com o dinheiro amealhado da venda de canábis, AA, seguindo as instruções de CC quanto ao tipo de veículo a adquirir, no dia 18/06/2018 comprou um veículo da marca ….., do ano 2000, com a matrícula …-…- OZ (34081, 34085, Alvo 99113040/PP), e no dia 30/06/2018, visitou CC no Estabelecimento Prisional, a fim de ultimarem os pormenores da viagem ao …., para aquisição de estupefacientes.

A fim de ultimar os preparativos da viagem, AA encontrou-se em …. com o irmão EE, combinando a viagem do dia seguinte.

Dia 1/07/2018, pelas 6.00 horas, AA saiu de casa com as filhas, deixou duas com uma irmã e outra com FF. De seguida, dirigiu-se à residência de EE, e, com este e na condução do veículo com a matrícula …-…-OZ, tomaram o rumo da Autoestrada …, sentido sul/…...

Uma vez no ……, os arguidos encontraram-se com indivíduos desconhecidos e, após acondicionarem as bolotas de canábis, iniciam a viagem de regresso a …, transportando 5.350,00 quilogramas (peso bruto) de bolotas de haxixe, e uma bolota de haxixe com o peso (bruto) de 9,84 gramas, sendo detidos pela GNR, cerca das 17.30 horas, na zona de ….

(…) A arguida AA foi companheira de FF, sendo este pai de duas das suas filhas, encontrando-se separados desde o ano de 2017, altura em que FF viveu em condições análogas à dos cônjuges com a arguida OO.

(…) Desde data não apurada, mas certamente desde Fevereiro de 2018, AA aproximou-se de FF, pai das suas filhas, estabelecendo ligação entre este e NN, seu irmão, com vista a aquisição de canábis, em placas e bolotas, para posterior entrega e venda, a FF e outros, recebendo destes dinheiro.

AA no referido período temporal utilizou, entre outros, os cartões telefónicos n.º …439, …….026, ……632, para contacto com os outros suspeitos nos autos.

Assim, em Fevereiro de 2018, AA enviou uma mensagem a FF dizendo-lhe "vai buscar o q e teu para não haver mais filmes FF e tenta safar te noutro lado".

A arguida AA tinha conhecimentos quanto aos locais e indivíduos conotados com o tráfico de estupefaciente, iniciando ela própria, deslocações a …, nomeadamente ao Bairro ……, onde adquiriu placas e bolotas de canábis, que depois entregou a FF, a troco de quantias monetárias e dai retirando algum rendimento para si.

Assim, no dia 20/02/2018, FF enviou uma mensagem a AA dizendo-lhe que EE lhe está a “dar um baile do caralho e nem dinheiro vejo", respondendo-lhe ela “olha da lhe um tiro, ele cmg vai trabalhar mas cu no chão dinheiro na mão. Isso te garanto".

Nessas circunstâncias:

Pelo menos, a partir do dia 20 de Fevereiro de 2018, a arguida AA "tomou as rédeas do negócio" com FF, assumindo o lugar que antes pertencia a EE, ou seja, passou a "fornecer" canábis a FF, dizendo-lhe no dia 21/02/2018, “quando tiveres dinheiro para a vida falamos qd tiveres dinheiro eu tenho a vida", respondendo AA que “diz q dinheiro tens ei digo o q te posso arranjar com esse dinheiro", e que “50 nem para a cova do dente dó" exigindo que este lhe entregue, pelo menos, € 70,00.

AA combinou então com FF que este lhe entregava 70 euros, e que lhe arranjava "duas grandes e duas pequenas", e que posteriormente lhe entregava mais 200 euros (s. 10164, 10165, 10169 Alvo 96317040/BB).

No dia seguinte, AA, na condução do veículo VW acima indicado, dirigiu-se à zona da …, em …, adquirindo duas placas e duas bolotas de canábis, entregando-as, de seguida a FF, pelo valor de € 270,00.

No dia 23/02/2018, AA e FF dirigem-se a …, mais concretamente ao Bairro …, adquirindo quantidade não apurada de bolotas de canábis, que entregou a FF, para que as transportasse no seu carro.

Nesse momento, ao sair de …, FF, que se achava na posse do indicado canábis, enviou uma mensagem a AA, dizendo-lhe “desligas o carro amor fogo a polícia tá aqui nas portagens".

Dia 24/02/2018, AA exigiu mais 200 euros a FF, dizendo que ele só lhe deu 100 euros, que está a perder dinheiro com ele e que "este faz 600 pelo que é justo que lhe dê 300, pois ganha metade e dá-lhe mais 30 para as despesas".

No dia 26/02/2018, AA dirige-se novamente a …… onde adquiriu canábis para entregar a FF, dizendo a este que tem de lhe entregar 275 euros, que 15 bolotas a € 25,00 cada, perfazia o indicado valor, dizendo-lhe ainda para entregar à filha PP.

No dia 1/03/2018, FF depositou na conta bancária de AA (NIB …/cf. fls. 2326), a quantia 170 euros, confirmando logo de seguida com a mesma que o recordou “falta desta vida 105 e depois ainda me deves 20 euros q foi 10 q te emprestei mais 5 de uma vez e mais 5 de outra".

Nesse mesmo dia, AA enviou uma mensagem a FF dizendo-lhe “eu não te posso tar a vender ao preço q compro filho isto para mim não é negócio nenhum entendes", respondendo este “trata lá da vida AA por favor o cota também me ligou e ele tá maluco paga logo e quer uma cena tipo grande entendes".

A arguida AA passou a vender cada bolota de canábis a FF pelo preço de € 30,00, que este aceitou.

No dia 9/03/2018, FF dirigiu-se a …. (Bairro ……) para adquirir haxixe, enviando-lhe AA uma mensagem dizendo-lhe “não te vás embora sem a pistola", respondendo-lhe este "tu dás mesmo cana a uma pessoa";

No dia 23/04/2018, AA, nos moldes acima descritos, ou seja, após ir buscar as 132 bolotas a casa de EE, pelas 22.08.00 horas, enviou uma mensagem a FF com o seguinte texto: “prepara-te fogoooo", dizendo-lhe que demora vinte minutos a chegar a casa e que ele podia preparar “a volta", ou seja, a distribuição de canábis.

O arguido NN é irmão de AA, que, numa primeira fase, o contactava por telefone indicando-lhe as quantidades de estupefacientes que FF pretendia, e combinando o encontro entre eles.

Para o efeito, NN utilizava os contactos telefónicos n.ºs ……412 e …237, recebendo chamadas da sua irmã e de outros indivíduos que pretendiam adquirir estupefaciente.

No dia 19 de Março de 2018, após vários contactos telefónicos por parte de AA, FF dirigiu-se ao Bairro …, em ……, encontrando-se com NN que lhe entregou canábis, em quantidade não apurada, e recebendo daquele dinheiro.

Todavia, ao sair do Bairro ……, FF deparou-se com uma operação "STOP" da PSP a saída do Bairro, e ao telefone com AA perguntou-lhe se o automóvel (…) tinha seguro, dizendo-lhe ainda que “que está carregado” e, após passar o bloqueio policial, enviou uma mensagem àquela dizendo “credo isto aqui vou te dizer é uma bomba".

No dia 23 de Março de 2018, FF deslocou-se novamente a casa de NN, entregando-lhe este placas de canábis em quantidade não apurada. No caminho de volta, FF enviou uma mensagem a AA, com o seguinte texto “a ver se isto não arde".

No dia 27/03/2018, AA telefonou ao irmão NN, questionando FF, que ouvia a conversa, “se aquele estava à patrão", perguntando NN se “a comida que o teu marido levou se era boa".

No dia 10 de Abril de 2018, pelas 18.00 horas, FF dirigiu-se à residência de NN, que lhe entregou, pelo menos, 4 placas de canábis, recebendo deste dinheiro.

No exercício da atividade de venda e cedência de estupefacientes, designadamente para contacto com os arguidos AA, NN, EE, GG e HH, e consumidores de tais substâncias psicotrópicas, o arguido FF utilizou os cartões telefónicos …861 e ….494.

(…) b) A AA

Na residência de AA, sita em Estrada …, foram encontrados e apreendidos os seguintes objetos:

-Um documento de transferência monetária, no valor de 3000€, através da empresa Western Union.

-Um telemóvel de marca …, modelo …, de cor …, com os IME"S …. e ……;

-Três cartuchos de caçadeira, calibre 12;

-Um telemóvel de marca ……, modelo …, de cor ……, com os IMEIS …. e …;

-Um talão do banco Caixa de Crédito Agrícola, referente à conta ……, em nome de RR.

No automóvel conduzido por AA (e sua propriedade), …..., de …, com a matrícula …-…-OZ, foram encontrados e apreendidos:

-Uma mochila de senhora, de cor ……, contendo no seu interior 527 “bolotas" de canábis/resina, com o peso líquido de 4.920,00 gramas (grau de pureza de 20,6%), suficientes para efetuar 20.270 doses individuais.

-Um telemóvel de marca …..., de cor …, com o IMEI …, o qual se encontrava na consola do carro.

-Dois manuscritos, contendo num deles a inscrição acerca dos preços de produto estupefaciente, tendo o outro inscrito um contacto telefónico, que se encontravam na consola central.

-Um telemóvel de marca …, de cor …., com PIN …., com o código de desbloqueio …., que se encontrava na porta do passageiro.

-Três telemóveis sendo um deles de marca ….., modelo ….., de cor ….., com os IMEI'S …. e ….; Outro de marca ….., modelo …., de cor …., com os IMEI'S … e …. que se encontrava envolvido em pelicula aderente; e ainda um telemóvel de marca … de cor ….. com o IMEI ….., estando estes telemóveis na bagageira do veiculo.

- Três caixas, de 15 unidades cada, de sacos de congelação com fecho ZIP, intatas, estando essas na bagageira do veículo.

- A arguida tinha ainda na sua posse, escondido no sutiã, a quantia monetária de € 305,00 (sete notas no valor facial de € 20,00, dezasseis de € 10,00, e uma de € 5,00).

No veículo ……, de cor ….. com a matrícula …-…-BG, propriedade de AA, foram localizados e apreendidos os seguintes objetos:

-Documento de depósito bancário, do Banco Millennium/BCP, no valor de 100€ (centos euros) na conta .... em nome de SS, companheira do arguido DD.

(…) g) A BB

Em cumprimento dos mandados de detenção, e efetuada revista pessoal de segurança ao arguido BB, foi encontrada na sua posse:

. 740 € em numerário no bolso dos calções da perna e 55€ no bolso detrás do lado esquerdo.

Em cumprimento de busca domiciliária à residência de BB, sita em Rua …., em ….., foram encontrados na sua posse e apreendidos:

.12 (doze) sacos de plástico com resíduos de liamba;

.1 (uma) caixa de plástico com resíduos de liamba, que se encontravam na primeira gaveta do móvel.

. 2 (duas) “bolotas" de canábis/resina com o peso líquido de 15,818 gramas, no interior do bolso de um roupão de senhora que se encontrava pendurado na porta da casa de banho.

. 1 (um) Telemóvel de marca …, modelo …., com o IMEI …, com 1 (um) cartão SIM da operadora …, ao qual é respeitante o PIN ….;

. 1 (um) telemóvel de marca ….., modelo …., de cor ….., com o IMEI ….., com o PIN de ecrã ….. e PIN do cartão SIM …..;

. 1 (uma) chave de um veículo de marca …, modelo ….., matrícula …-…-TR, que se encontravam ambos em cima do camiseiro;

. 1 (uma) chave de um veículo de marca …, que se encontrava em cima do camiseiro;

. 1 (uma) faca com o cabo de madeira, com 9 centímetros de lâmina, com resíduos supostamente inerentes ao corte de produto estupefaciente.

. 1 (um) panfleto de cocaína (cloridrato) com peso líquido de 0,667 gramas (pureza de 98,8%) suficiente para 3 doses individuais, que se encontrava em cima do camiseiro.

. 1 (um) chapéu em cortiça que se encontrava em cima da mesa do quarto.

. 1 (um) Tablet de marca …., modelo …., que se encontrava no interior da primeira gaveta do camiseiro.

. 1 (Um) documento único automóvel, correspondente ao veículo matrícula …-PP-…, que se encontrava na carteira do visado em cima do camiseiro;

Dentro de uma mochila de cor … foi encontrado:

-Dez (10) “bolotas" de canábis/resina com o peso líquido de 90,636 gramas (grau de pureza de 24,8%), suficiente para realizar 449 doses individuais;

-Três (3) “bolotas" de heroína, com o peso líquido de 37,880 gramas (grau de pureza de 34,4%), suficiente para efetuar 130 doses individuais;

-Três (3) rolos de fita adesiva, para acondicionamento de produto estupefaciente;

- Um saco com o peso líquido de 454,000 gramas, de produto supostamente de corte;

-Um cofre de cor verde com chave, contendo no seu interior os seguintes artigos:

-Uma meia de cor azul com € 450,00, no seu interior;

- Um Bloco de apontamentos relacionados com o tráfico de estupefacientes;

- Uma bolsa de cor rosa e estrelas cinzentas, contendo no seu interior:

-Um rolo de pelicula aderente;

-Diversos recortes de sacos de plástico, vulgos panfletos;

-Uma balança digital de cor cinza, sem marca ou modelo;

-820 Euros em numerário, no interior de um porta notas de cor preta;

-Meia (1/2) “bolota" de canábis/resina, com o peso líquido de 5,666 gramas (grau de pureza de 28,3%), suficiente para efetuar 32 doses individuais;

-Um (1) saco contendo Cocaína, com o peso líquido de 64,369 gramas (grau de pureza de 96,7%), suficiente para efetuar 311 doses individuais;

- Um (1) saco com 5 panfletos de MDMA, com o peso líquido de 3,992 gramas (grau de pureza de 66,2%), suficiente para efetuar 26 doses individuais;

-Um (1) cartão de sócio da ……, utilizado para corte do produto estupefaciente;

-Um (1) Saco contendo MDMA, com o peso líquido de 44,390 gramas (grau de pureza de 72,9%), suficiente para efectuar 323 doses individuais;

-Cinco panfletos, de diversas dimensões, contendo Cocaína, com o peso líquido de 23,093 gramas (grau de pureza de 31,7%), suficiente para efetuar 36 doses individuais; um panfleto com substância de corte, acondicionados num frasco com arroz;

-Um telemóvel de marca "……..", de cor ….. modelo ……;

-Um Telemóvel de marca …. de cor …. modelo …., com IMEI desconhecido com cartão da Operadora …., sendo que ambos se encontravam numa prateleira do móvel da dispensa;

-Uma soqueira em ferro e uma faca de abertura automática (ponta em mola) com 10 centímetros de lâmina, que se encontravam no móvel da despensa;

-Uma Pistola automática de marca …., calibre 7,65 mm, com carregador municiado com sete munições, fabricada em ...….., dentro de uma bolsa de cintura de padrão camuflado em cima do móvel da despensa;

Na viatura com a matrícula …-…-TR, utilizada por BB, foram localizados e apreendidos dois GPS da marca ……, com número de série ….., ….. e respetivo carregador.

(…) A arma de fogo apreendida na residência de BB (7.65mm) possui modo de funcionamento semiautomático de movimento simples, sistema de percussão central e direta, com peso do gatilho (ação simples) de 2,77kg, com cano de 102 mm, com seis estrias de sentido dextrogiro no seu interior, com carregador com capacidade para sete munições, ranhura de mira e ponto de mira fixo, encontrando-se em boas condições de funcionamento para efetuar disparo.

As munições encontravam-se em boas condições de utilização.

A faca de ponta e mola apreendida na residência do arguido BB, trata-se de uma faca de abertura automática, com lâmina de ponta caída, de comprimento de 98 mm e largura total de lâmina de 17 mm, de cabo em plástico de 122 mm de comprimento e em posição aberta com comprimento total de 220 mm, e sistema de segurança por fecho.

(…) Toda a canábis de que falam estes autos foi providenciada e transportada, com o apoio dos restantes arguidos (BB, AA, DD e EE), pelo arguido CC, que tudo supervisionou.

Os arguidos AA e BB, colaboraram com o arguido CC, nomeadamente nos assuntos de recolha e envio de dinheiros, contactos, apoio, transmissão e estratégias delineadas por CC.

A mando de CC e sob a supervisão deste, AA procedeu a depósitos bancários e a envio de dinheiros via Western Union e a aquisição do veículo com a matrícula …-…-OZ, dias antes da deslocação a …… e da sua detenção.

Os automóveis supra indicados foram utilizados pelos arguidos no transporte de estupefacientes.

Nas circunstâncias supra descritas, agiram os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que era penalmente proibido guardar, deter, comprar, vender, transportar ou por qualquer modo ceder a terceiros as referidas substâncias (canábis, heroína, cocaína, MDMA) e não obstante conhecerem, como conheciam, a natureza estupefaciente do produto mencionado e a ilegalidade do comportamento, os arguidos não se eximiram de atuar do modo descrito, visando obter vantagens económicas que sabiam não lhes serem devidas.

(…) Mais se provou: (…)

A arguida AA nasceu em....-1979, tendo anos de idade a data da prática dos factos.

Do Relatório Social elaborado pela DGRSP, cujo teor, por facilidade de exposição, aqui se reproduz consta o seguinte quanto as suas condições pessoais, características e percurso de vida:

“I - Dados relevantes do processo de socialização

A socialização decorreu essencialmente junto da progenitora e do companheiro desta. Integrava o agregado familiar da arguida, uma irmã germana e um irmão uterino, filho do casal. Fruto da sobreocupação laboral da mãe, a arguida passava muito tempo junto da avó paterna, incluindo a maioria dos fins- de-semana e das férias escolares. O clima familiar é descrito como coeso, mas pouco afectuoso. AA estudou até aos 18 anos, com motivação e bom desempenho, quando concluiu o 12° ano de escolaridade na área de …... Não prosseguiu para o nível de estudos superiores por impossibilidade económica e iniciou a sua vida laboral que decorreu de modo regular durante vários anos até recentemente.

No campo da afectividade e dos relacionamentos, merece destaque o casamento cerca dos 20 anos de idade, no âmbito do qual nasceram as suas primeiras 3 filhas, ora com 18 anos (PP), 12 anos (QQ) e 10 anos (ZZ) anos de idade. O casal acabaria por se separar cerca de 11 anos depois, pouco depois da terceira filha nascer, ZZ, portadora de uma anomalia genética (...).

A partir dessa altura, a arguida dedicou-se quase inteiramente aos cuidados a esta filha, deslocando-se para consultas e tratamentos, nomeadamente em ……., onde a criança passou a ser seguida. Aos 31 anos, AA separou-se do marido, ao que referido dado ao afastamento do casal e as diferenças inconciliáveis quanto às opções de vida de ambos. Viveu cerca de cinco anos dedicada às filhas, especialmente à mais nova, até conhecer FF, seu co-arguido, o pai das duas filhas mais novas RR (6 anos) e AAA (18 meses), que se encontra na "...." neste EP com a reclusa.

Na opinião da arguida, este segundo relacionamento marital, que se prolongou desde 2012, revelou-se instável, apesar de haver uma boa e forte relação entre ele e todas as três filhas mais velhas da arguida, especialmente com ZZ, como acima referido, portadora de uma condição especial. A separação ocorreria no final de 2017, quando a arguida se encontrava grávida da filha mais nova do casal, ao que nos referem num quadro de agressões físicas e psicológicas daquele face à arguida.

No campo sócio-profissional, é de referir que começou a trabalhar, cerca dos 14 anos, nos períodos de pausas e férias escolares e a recolher alguns proventos disso para ajudar a família. Contudo, o primeiro emprego formalizado surge quando deixou a escolaridade, no departamento …. e uma empresa na área do …, onde permaneceu cerca de 14 anos, até rescindir o contrato laboral por mútuo acordo. Nessa altura, AA optou por trabalhar na organização e gestão de uma exploração …, por conta da empresa "V......", onde dispunha de maior flexibilidade de horários e podia acompanhar mais proximamente a filha ZZ. Vivia inserida na exploração com as filhas e o co-arguido, FF.

Nos seus registos biográficos não identificamos associabilidades nem práticas socialmente desviantes, surgindo investida da sua relação com a família de origem e com as cinco filhas, bem como com o mundo laboral, onde aparentemente se mostrava como uma colaboradora responsável. No campo da saúde mental, merece apenas destaque o relato de uma depressão pós-parto na sequência da gravidez da terceira filha, portadora de ..., que se manteve cerca de um ano, findo o que recebeu alta médica.

II- Condições sociais e pessoais

À data das circunstâncias relacionadas com o presente processo, AA residia na morada dos autos junto das filhas, uma habitação arrendada. A filha mais nova nasceu em ... de 2018, num quadro de marcadas dificuldades financeiras, dado que se encontrava desempregada desde Dezembro de 2017.

Na área socio-económica, merce destaque que todo o agregado dependia apenas das prestações da segurança social, nomeadamente o subsídio da gravidez de risco no valor de 400€ acrescido dos montantes relativos aos abonos devidos às cinco filhas menores, no total de 500€.

Na sequência do termo da relação afectiva com o co-arguido FF, no final de 2017, conheceu o namorado, também seu co-arguido, CC, como diz através de uma rede social e visitou-o várias vezes no EP onde ele estava preso, pela primeira vez em 18 de Abril e a última na véspera da sua prisão, em 30 de Junho.

De modo geral, identifica-se nas condições pessoais e sociais de AA, um quadro de precaridade socioeconómica e de instabilidade afectiva, refletidos num défice de competências da arguida para gerir responsabilidades, num contexto de ausência e precaridade de recursos disponíveis.

Neste EP, a arguida tem mostrado capacidade de ajustamento e adequação às regras, bem como competências maternais, estabelecendo uma boa vinculação com a filha. De modo aparentemente maduro e coerente, é capaz de racionalizar e superar as emoções negativas relacionadas com a presente situação.

As suas perspetivas de reinserção social estão condicionadas pela presente situação jurídico-penal.

Mesmo assim, veicula um aparente processo de mudança, responsabilizando a sua anterior inserção socio-económica precária pelo seu envolvimento na presente situação. AA pretende reunir e residir junto das suas cinco filhas. Reconquistar o anterior posto de trabalho na empresa "V......." é também um objetivo central da arguida. No final de 2017, auferia cerca de 920€ mensais e tinha casa de função gratuita, na... onde trabalhava.

III- Impacto da situação jurídico-penal

Não manifesta dificuldades em avaliar os seus problemas judiciais e esforça-se por transmitir algum criticismo. Assim, quanto aos factos constantes na presente acusação, quando solicitado que reflita abstratamente sobre os mesmos, a arguida é capaz de perspetivar a sua ilicitude e gravidade.

A presente medida coativa foi impactante na organização familiar da arguida. A filha mais velha, ficou aos cuidados da irmã mais velha da arguida, na …. A segunda e terceira filhas da arguida foram com o pai e a madrasta, para …, embora a terceira, portadora de ... tivesse recentemente regressado a casa dos avós paternos, que se destacam pelo apoio que têm dado à reclusa neste EP. A quarta filha de AA está também ao cuidado dos avós paternos, pais do co-arguido FF.

Em relação à nova estrutura familiar, a reclusa mostra-se ambivalente: por lado, está apreensiva com os impactos do seu afastamento e reclusão no desenvolvimento de todas, separadas também umas das outras, mas por outro, está tranquila em relação à prestação de cuidados que recebem dos diversos familiares com quem vivem.

No EP, AA recebe visitas dos familiares e está colocada a trabalhar, desde Novembro de 2018, o que favorece o seu estado de equilíbrio e estabilidade.

IV- Conclusão

Do que é possível constatar e avaliar, o desenvolvimento psicossocial da arguida decorreu com aparente normalidade, tendo conquistado a sua autonomia e identidade na fase adulta de modo regular e responsável.

O percurso social, nas áreas escolares e laborais, reflecte essa aparente adequação comportamental da arguida.

A condição genética da terceira filha da arguida, a subsequente depressão pós-parto e o relacionamento marital instável que se seguiu com o co-arguido, FF destacam-se como eventuais factores perturbadores da sua organização pessoal e social.

Tudo indica que a fragilidade de competências manifestada mais recentemente pela arguida, concretamente ao nível da gestão dos recursos disponíveis, estará associada a alguma instabilidade afectiva-emocional e à situação de desemprego que vivenciava.

A presente situação poderá ajudar a arguida a resolver o seu perfil de necessidades de reinserção social, concretamente pensamento consequencial, ajudando-a quiçá a ponderar opções e as alternativas no processo de decisão".

(…) O arguido não tem quaisquer condenações averbadas no seu registo criminal.

O arguido BB nasceu em ...-1990, tendo anos de idade à data da prática dos factos.

Do Relatório Social elaborado pela DGRSP, cujo teor, por facilidade de exposição, aqui se reproduz consta o seguinte quanto às suas condições pessoais, características e percurso de vida:

“I - Dados relevantes do processo de socialização

BB é o mais novo de uma fratria de três irmãos, sendo a mais velha proveniente de um relacionamento anterior por parte do progenitor. O pai era …. e a mãe …. no ..., sendo a situação económica descrita como desafogada.

O processo de desenvolvimento do arguido decorreu no seio de uma família que lhe permitiu interiorizar regras e valores socialmente ajustados.

O seu percurso escolar foi marcado pela .... que lhe foi diagnosticada logo no início do primeiro ciclo do ensino básico, tendo apenas concluído o 7° ano de escolaridade, com cerca de 16 anos. Já em adulto, frequentou curso de …, que o habilitou com o 9° ano de escolaridade.

Trabalhou em atividades indiferenciadas ligadas à ... para …. (…), na montagem de …. e como aprendiz de …. Posteriormente à formação de …, passou a trabalhar na área da …. e …. em vários ..., situação que se verificou durante cerca de quatro anos.

BB estabeleceu, aos 22 anos de idade, um relacionamento de união de facto, no âmbito do qual foi pai de um rapaz, BBB, nascido a ....2013. Este relacionamento terminou cerca de um ano antes da prisão do arguido.

Iniciou o consumo de haxixe, segundo refere, com cerca de 21 anos de idade, afirmando que manteve até à data da prisão um consumo esporádico, apenas em situações de lazer.

BB não apresenta anteriores contactos com o Sistema de Justiça.

II- Condições sociais e pessoais 

Anteriormente à prisão, o arguido integrava o agregado familiar dos pais, ele com 75 anos e ela com 66 anos de idade, ambos reformados.

O agregado familiar reside em casa própria, situada na morada já referida, uma moradia ...., composta por quatro quartos, sala, cozinha e três casas de banho, descrita como oferecendo boas condições de habitabilidade. A família dispõe de uma situação económica desafogada.

À altura, o arguido tinha-se separado da companheira há cerca de um ano e o filho de ambos permanecia em semanas alternadas, ora em casa da mãe, ora em casa do pai e avós. Atualmente, o menor vive com a mãe em ..……., para onde aquela se deslocou, alegadamente para poder beneficiar do apoio da sua progenitora. O menor continua a conviver com os avós paternos que o trazem ao Estabelecimento Prisional para visitar e interagir com o pai.

Segundo a progenitora do arguido, esta companheira terá tido uma influência negativa no percurso de vida do arguido e terá contribuído para alguma instabilidade no seu percurso profissional, sobretudo ao nível da mobilidade. Refere ainda que a companheira do arguido protagonizava episódios de violência doméstica sobre este, situação que este procurava esconder dos pais, mas que terá sido presenciado pelo filho do casal.

Anteriormente à prisão, BB estava desempregado.

O arguido é descrito como um individuo que apresenta alguma permeabilidade à influência de terceiros.

No seio familiar e na vizinhança, mantinha uma atitude ajustada. No meio de residência, onde sempre viveu, a família goza de uma imagem positiva que se estende ao arguido e, apesar da sua atual situação jurídico-penal ser do conhecimento público, não existem indicadores de rejeição à sua presença. O arguido encontra-se no Estabelecimento Prisional de ….. desde 05/07/2018, preso preventivamente à ordem do presente processo. Da sua ficha biográfica não constam outros processos pendentes.

BB tem mantido comportamento de acordo com as normas da instituição, não apresentando registo de infrações disciplinares. A nível ocupacional, frequentou curso de formação profissional modular de "….." com a duração de 340 horas.

O arguido recebe visitas assíduas dos pais e do filho e regulares dos irmãos e alguns amigos.

Os progenitores manifestam disponibilidade para o apoiarem incondicionalmente.

O arguido tem como projeto de vida, quando for restituído à liberdade, voltar a integrar o agregado familiar dos progenitores. A nível laboral pretende, logo que tal seja possível dedicar-se à ……, dispondo de hipótese de se inserir numa exploração de …. de um amigo da família e mais tarde montar a sua própria exploração ……, contando com o apoio dos progenitores para a sua realização.

III - Impacto da situação jurídico-penal

BB manifesta apreensão com o desfecho do presente processo, e em termos abstratos, revela capacidade de entendimento e juízo crítico sobre factos de natureza idêntica aos que lhe deram origem, reconhecendo a sua ilicitude e gravidade.

A atual situação jurídico-penal não teve impacto negativo na situação familiar do arguido que continua a contar com o apoio dos elementos da sua família de origem.

 IV- Conclusão

O percurso de socialização do arguido decorreu no seio de uma família estruturada e que lhe proporcionou condições para a interiorização de regras e valores socialmente ajustados.

Apresenta um percurso escolar marcado pela dislexia e dificuldades de aprendizagem. Já em adulto terminou o 9° ano de escolaridade e uma formação profissional de …….

O arguido apresenta como fator positivo o apoio dos pais e irmãos, com estilos de vida ajustados e pró-sociais e a vinculação afetiva ao filho.

Face aos dados disponíveis, parece-nos que em caso de condenação, qualquer que seja a pena, a intervenção deverá ser dirigida para a melhoria das competências profissionais e para o reforço da consciência crítica".

No registo criminal do arguido encontram-se averbadas as seguintes condenações:

Foi condenado por decisão transitada em 06-06-2016, no âmbito do Proc. 42/16…., do Juízo Local Criminal de …., J……, na pena de 50 dias de multa, à taxa de €5,00, pela prática, em 17-04-2016, de factos consubstanciadores de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40°, n° 2 do DL 15/93, de 22 de janeiro.

A pena aplicada encontra-se declarada extinta pelo pagamento. (…).

22. Apreciemos a medida da pena aplicada pelo TR…. aos ora recorrentes, objecto do seu recurso.

23. Ora, como bastamente se disse nas instâncias, nos termos do artigo 40.º do CP, que dispõe sobre as finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no artigo 71.º do mesmo diploma.

Como se tem reiteradamente afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, segundo o qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos – adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva[5].

24. A projecção destes princípios no modelo de determinação da pena justifica-se pelas necessidades de protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras violadas (finalidade de prevenção geral) e de ressocialização (finalidade de prevenção especial), em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, avaliada, em concreto, por factores ou circunstâncias relacionadas com este e com a personalidade do agente, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele (artigos 40.º e n.º 1, do 71.º, do CP).

Como se tem reafirmado, para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, n.º 2, considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, e os factores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de protecção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e de prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e)], com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial (sobre estes pontos, para melhor aproximação metodológica na determinação do sentido e alcance da previsão do artigo 71.º do Código Penal[6].

Há que, como se acentuou, ponderar as exigências antinómicas de prevenção geral e de prevenção especial, em particular as necessidades de prevenção especial de socialização “que vão determinar, em último termo, a medida da pena”, seu “critério decisivo”, com referência à data da sua aplicação (assim, acentuando estes pontos, Figueiredo Dias, ob. cit., §309, p. 231, §334, p. 244, §344, p. 249), tendo em conta as circunstâncias a que se refere o artigo 71.º do CP, nomeadamente as condições pessoais do agente e a sua situação económica e a conduta anterior e posterior ao facto, especialmente quando esta tenha em vista a reparação das consequências do crime, que relevam por esta via.

25. Diga-se, ainda que, o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato, protector de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública. Ou, mais precisamente, como se define no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91[7] : “o escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia. Assim, o tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes; e, demais, afecta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos”; ou, nas palavras de Lourenço Martins[8]: “o bem jurídico primordialmente protegido pelas previsões do tráfico é o da saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade, mais sinteticamente a saúde pública. (…) Em segundo lugar, estará em causa a protecção da economia do Estado, que pode ser completamente desvirtuada nas suas regras (…) com a existência desta economia paralela ou subterrânea erigida pelos traficantes”.

A criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes tem um efeito devastador sobre a saúde e mesmo sobre a vida dos consumidores, relevando ainda como potencialmente desestruturante da tranquilidade social comunitária.

O reconhecimento do fenómeno e da comoção social que provoca, ansiando a sociedade por uma diminuição deste tipo de criminalidade e a uma correspondente consciencialização de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas para os efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas, faz salientar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas nos crimes em referência, como garantia da validade das normas e de confiança da comunidade.

As exigências de prevenção geral são, pois, de acentuada intensidade.

As imposições de prevenção especial, por seu lado, devem ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores.

Elementos de referência na determinação da pena são o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das consequências.

Em síntese: A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização, de harmonia com o disposto com os artigos citados (40.º e 71.º), deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente.

26. Feitas estas considerações de carácter genérico, recordemos o que se diz no acórdão recorrido, no tocante à determinação da medida das penas aplicadas aos ora recorrentes:

(…) A arguida AA foi condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma, na pena de 5 (cinco) anos de prisão suspensa, na respectiva execução, por igual período, com regime de prova, de acordo com Plano de Reinserção Social a elaborar pelos serviços da DGRSP e o arguido BB pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22-01, com referência às tabelas I-A, I-B, I-C e II-A, anexa ao mesmo diploma, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa, na respectiva execução, por igual período, cm regime de prova, de acordo com Plano de Reinserção Social a elaborar pelos serviços da DGRSP.

Porém, estas medidas concretas das penas não podem manter-se, pois que ficam muito aquém do grau de ilicitude da conduta, do grau de culpa de cada um destes arguidos e das finalidades de prevenção geral e especial, sendo certo que, nos casos dos arguidos AA e BB, também as razões de prevenção geral, que são as determinantes na aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, são fortes contra indicadores do cumprimento da pena em liberdade, ainda que com o regime de prova.

(…) Quanto às exigências de prevenção geral as mesmas são elevadas. O alarme social que, cada vez mais, este tipo de criminalidade suscita no seio da comunidade, com repercussões negativas em sede de prevenção geral de integração, traduzidas na necessidade de uma efectiva punição por forma a restabelecer a confiança geral na validade da norma violada. Não se podendo escamotear que o tráfico de estupefacientes põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos, sendo por demais conhecidos os efeitos devastadores provocados pelo consumo de drogas, quer nos próprios consumidores, quer nas famílias e na sociedade. E que o consumo de drogas está directamente relacionado com a prática de muitos outros crimes» (Ac. do STJ de 19.02.2014, proc. 490/12.9PDPRT.P1. S1, in http://www.dgsi.pt).

Nos crimes de tráfico de estupefacientes as finalidades de prevenção geral impõem-se com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que os consubstanciam. A comunidade conhece as gravíssimas consequências do consumo de estupefacientes, particularmente das chamadas “drogas duras”, desde logo ao nível da saúde dos consumidores, mas também no plano da desinserção familiar e social que lhe anda, frequentemente, associada e sente os riscos que comporta para valores estruturantes da vida em sociedade.

(…) No caso vertente, acrescem a intensidade dolosa, na modalidade de dolo directo com carácter agravante em relação a todos os arguidos, a que se soma o grau de ilicitude e a eficácia e determinação de todos eles, desdobrando-se em contactos, viagens a …. e ao …., no caso dos arguidos AA e BB, seguindo ordens e instruções dadas a partir do estabelecimento prisional onde se encontrava em prisão preventiva, o arguido CC.

O modo de execução do crime, revelador de eficácia e determinação, com actos de venda de cannabis a terceiros que, dentro da pluralidade de condutas que o art. 21º do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro qualifica como modos de execução típica do crime de tráfico de estupefacientes, são os que de forma mais directa e intensa lesam o bem jurídico visado com a incriminação, assim como o período em que esta actividade foi levada a cabo, intensificam a ilicitude, assim como as enormes quantidades de cannabis que compraram e revenderam, com expressiva componente lucrativa, .

Há, ainda, outras circunstâncias que agravam a imagem global do facto no que concerne a estes três arguidos.

Para além da sofisticação de meios, da estrutura organizativa hierarquizada, envolvendo catorze pessoas e com divisão de tarefas perfeitamente estabelecida entre todos, ocupando o arguido CC a posição de líder do grupo e os arguidos AA e BB os lugares de coadjuvantes do primeiro e de elo de ligação, entre os fornecedores, o arguido CC e entre este e os arguidos que vendiam a cannabis e outras substâncias estupefacientes a retalho aos consumidores, a quantidade de droga adquirida e revendida, o período de tempo – mais de um ano – em que conseguiram comprar e revender milhares e milhares de doses individuais de cannabis a um conjunto indiscriminado de pessoas, mediante deslocações para aquisição de grandes quantidades de droga a …. e ao …., usando estratagemas para assegurarem o sucesso das aquisições para posterior revenda como seja a compra de veículos automóveis antigos e com determinadas características que lhe permitissem acondicionar a droga sem correr riscos de a mesma vir a ser encontrada pelos OPC, o que revela uma tal eficácia e determinação incompatíveis com a manutenção das penas concretas aplicadas a estes três arguidos.

(…) No que se refere aos arguidos AA e BB, dado o seu papel igualmente preponderante no exercício da actividade de tráfico, a sua postura de total desprendimento crítico em relação aos crimes que cometeram, as enormes quantidades de droga que transaccionaram e que colocaram nos circuitos de revenda e consumo onde actuavam os demais arguidos, além das muitas centenas e/ou dezenas de milhares de doses individuais que a droga que lhes foi apreendida era apta a produzir – no caso da arguida AA, 527 bolotas de canábis/resina, com o peso liquido de 4.920,00 gramas (grau de pureza de 20,6%), suficientes para efectuar 20.270 doses individuais e € 305,00 (trezentos e cinco euros) e, o arguido BB, duas bolotas de canábis/resina com o peso líquido de 15,818 gramas; um panfleto de cocaína (cloridrato) com peso líquido de 0,667 gramas (pureza de 98,8%) suficiente para 3 doses individuais; dez bolotas de canábis/resina com o peso líquido de 90,636 gramas (grau de pureza de 24,8%), suficiente para realizar 449 doses individuais; três bolotas de heroína, com o peso líquido de 37,880 gramas (grau de pureza de 34,4%), suficiente para efectuar 130 doses individuais; meia (1/2) bolota de canábis/resina, com o peso líquido de 5,666 gramas (grau de pureza de 28,3%), suficiente para efectuar 32 doses individuais; um saco contendo cocaína, com o peso líquido de 64,369 gramas (grau de pureza de 96,7%), suficiente para efectuar 311 doses individuais; um saco com 5 panfletos de MDMA, com o peso líquido de 3,992 gramas (grau de pureza de 66,2%), suficiente para efectuar 26 doses individuais; um saco contendo MDMA, com o peso líquido de 44,390 gramas (grau de pureza de 72,9%), suficiente para efectuar 323 doses individuais e cinco panfletos, contendo cocaína, com o peso líquido de 23,093 gramas (grau de pureza de 31,7%), suficiente para efectuar 36 doses individuais.

Acrescem, no caso da arguida AA, as circunstâncias muitíssimo censuráveis de se fazer acompanhar pelas filhas ou usar contas bancárias por elas tituladas para efectuar pagamentos relacionados com aquisições de droga.

Neste contexto acabado de descrever, as finalidades das penas, designadamente, as de prevenção geral e especial negativa, só poderão ser atingidas através da aplicação de penas mais graves do que as aplicadas, na primeira instância.

Tudo ponderado, afiguram-se adequadas e proporcionais à gravidade global dos factos e ao grau de culpa dos arguidos, as seguintes penas:

(…). À arguida AA a pena de seis anos de prisão;

Ao arguido BB a pena de seis anos de prisão, ficando assim prejudicada a apreciação da suspensão da execução das penas de prisão impostas aos arguidos AA e BB, em face do limite máximo da pena de prisão agora imposta ser superior a cinco anos. (…).

27. Resulta do que ficou transcrito que o acórdão recorrido teve em conta, no essencial, as exigências de prevenção geral, que considera muito elevadas.

O que vai na linha da corrente jurisprudencial dominante, a qual também partilhamos (cfr. supra 24.).

No entanto, lido o acórdão recorrido, que transcreveu a matéria assente em 1.ª Instância, verifica-se que o mesmo não ponderou as circunstâncias, relativamente a cada um dos ora recorrentes, das imposições de prevenção especial, apenas lhes dedicando um parágrafo genérico. A este respeito, recorde-se o que se lê no acórdão recorrido:

(…) “Porém, estas medidas concretas das penas não podem manter-se, pois que ficam muito aquém do grau de ilicitude da conduta, do grau de culpa de cada um destes arguidos e das finalidades de prevenção geral e especial, sendo certo que, nos casos dos arguidos AA e BB, também as razões de prevenção geral, que são as determinantes na aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, são fortes contra indicadores do cumprimento da pena em liberdade, ainda que com o regime de prova.”.

Ora, como atrás se disse, esta questão deve ser tida em conta para a determinação da pena em concreto, num esforço exigido pela lei de encontrar um equilíbrio entre a culpa e as exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização, e que deve, em cada caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente. As imposições de prevenção especial dirigem-se, sobretudo, à prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores.

Assim, se estamos de acordo com a fundamentação do acórdão recorrido no que respeita às considerações sobre as finalidades da pena no tocante às necessidades de prevenção geral, há que analisar, em concreto, o que o acórdão recorrido não escalpelizou sobre as condições pessoais de cada um dos recorrentes.

28. Questão esta de conhecimento deste Supremo Tribunal, e que passaremos a analisar.

Vejamos cada um dos recursos.

28.1. Do recurso de AA.

Alega a recorrente, em síntese, que não tem antecedentes criminais averbados no seu CRC, e que resulta do relatório social que desenvolveu a sua personalidade num ambiente familiar coeso e estudou até ao 12.º ano de escolaridade, não tendo prosseguido por falta de meios económicos, sempre trabalhou e tem cinco filhas, constituindo a figura de referência, que se encontra plenamente integrada socialmente, exercendo a figura de pilar familiar para as filhas. Entende que deve ser feito um juízo de prognose favorável à sua reinserção e manter a pena que lhe foi aplicada em sede de 1.ª Instância.

Vejamos o que consta dos autos (factualidade assente):

A arguida AA nasceu em ..1979, tendo 38/39 anos de idade à data da prática dos factos.

Não apresenta antecedentes criminais, sendo este o primeiro contacto com o sistema judicial e prisional, tendo estado em situação de prisão preventiva 1 ano e 6 meses.

Tem cinco filhas, a quem se tem dedicado, sendo-lhe reconhecidas competências enquanto mãe, no relatório social elaborado pela DGRSP.

AA estudou até aos 18 anos, com motivação e bom desempenho, quando concluiu o 12° ano de escolaridade na área de ……, tendo desenvolvido a sua personalidade num ambiente familiar coeso.

Não prosseguiu para o nível de estudos superiores por impossibilidade económica e iniciou a sua vida laboral que decorreu de modo regular durante vários anos até recentemente.

No campo da afectividade e dos relacionamentos, merece destaque o casamento cerca dos 20 anos de idade, no âmbito do qual nasceram as suas primeiras 3 filhas, ora com 18 anos (PP), 12 anos (QQ) e 10 anos (ZZ) anos de idade. O casal acabaria por se separar cerca de 11 anos depois, pouco depois da terceira filha nascer, ZZ, portadora de uma anomalia genética (....).

A partir dessa altura, a arguida dedicou-se quase inteiramente aos cuidados a esta filha, deslocando-se para consultas e tratamentos, nomeadamente em …., onde a criança passou a ser seguida. Aos 31 anos, AA separou-se do marido.

Viveu cerca de cinco anos dedicada às filhas, especialmente à mais nova, até conhecer FF, seu co-arguido, o pai das duas filhas mais novas, RR à data com 6 anos, e AAA com 18 meses, e do qual se viria a separar no final de 2017, quando a arguida se encontrava grávida da filha mais nova do casal, ao que nos referem num quadro de agressões físicas e psicológicas daquele face à arguida.

Começou a trabalhar, cerca dos 14 anos, nos períodos de pausas e férias escolares e a recolher alguns proventos disso para ajudar a família.

O primeiro emprego formalizado surge quando deixou a escolaridade, no departamento … e uma empresa na área do ……., onde permaneceu cerca de 14 anos, até rescindir o contrato laboral por mútuo acordo. Optou por sair para se dedicar a uma ocupação laboral com horário mais flexível e que poderia melhor adequar às exigências dos cuidados a prestar à sua filha com necessidades especiais, passando a trabalhar na organização e gestão de uma exploração …, por conta da empresa "V…….". Vivia inserida na exploração com as filhas e o co-arguido, FF, auferindo cerca de 920€ mensais e detendo casa de função gratuita.

Encontrava-se desempregada desde Dezembro de 2017, dependendo todo o agregado das prestações da segurança social, nomeadamente o subsídio da gravidez de risco no valor de 400€ acrescido dos montantes relativos aos abonos devidos ás cinco filhas menores, no total de 500€.

Na sequência do termo da relação afectiva com o co-arguido FF, no final de 2017, conheceu o namorado, também seu co-arguido, CC, como diz, através de uma rede social e visitou-o várias vezes no EP onde ele estava preso, pela primeira vez em 18 de Abril e a última na véspera da sua prisão, em 30 de Junho.

Tem apoio familiar, sendo que quando esteve no EP, recebia visitas dos familiares.

28.2. Ponderando estes factos e todos os outros assentes nas instâncias, resulta que:

- a natureza da droga traficada (canábis/resina), que a arguida colocou nos circuitos de revenda e consumo onde actuavam os demais arguidos e a quantidade da mesma, 527 bolotas (canábis/resina), com o peso liquido de 4.920,00 gramas (grau de pureza de 20,6%), suficientes para efectuar 20.270 doses individuais e € 305,00 (trezentos e cinco euros);

- o modo de execução dos crimes praticados que revela uma considerável preparação técnica, sendo o tráfico efectuado com utilização de logística sofisticada, usando estratagemas para assegurar o sucesso das aquisições para posterior revenda, como seja, a compra de veículos automóveis antigos e com determinadas características que lhe permitisse acondicionar a droga sem correr riscos de a mesma vir a ser encontrada pelos OPC;

- a duração da actividade delituosa que ocorreu entre Fevereiro e Julho de 2018 (mais precisamente a 1 de Julho, data em que foi detida, (e não cerca de um ano como se refere no acórdão ora recorrido);

- o grau de ilicitude do facto, a intensidade muito elevada da actividade desenvolvida, desdobrando-se em contactos, com viagens a ….. e ao ….;

- o dolo, que no caso em apreço, é muito intenso;

- os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, ou seja, obtenção de proveitos económicos e o modo de execução do crime, revelador de eficácia e determinação, com actos de venda de cannabis a terceiros;

- as necessidades de prevenção geral deste tipo de comportamentos, que se impõem com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que os consubstanciam;

- as condições pessoais da arguida e a sua situação económica: desenvolveu a sua personalidade num ambiente familiar coeso e estudou até ao 12.º ano de escolaridade, não tendo prosseguido por falta de meios económicos. Teve uma relação marital que perdurou por 11 anos, da qual nasceram 3 filhas, uma das quais com problema congénito de .... Viveu cinco anos exclusivamente dedicada às suas filhas, principalmente a mais nova, que suscita particulares cuidados até conhecer FF, com quem se envolveu e de quem teve duas filhas, a mais nova das quais esteve junto de si durante o período em que se encontrou em situação de prisão preventiva. Trabalhou durante cerca de 14 anos no departamento …. de uma empresa, tendo optado por sair para se dedicar a uma ocupação laboral com horário mais flexível e que poderia melhor adequar às exigências dos cuidados a prestar à sua filha com necessidades especiais. No termo da sua relação com FF conheceu CC com quem se viria a envolver. Identifica-se nas condições pessoais da arguida um quadro de precariedade socioeconómica e de instabilidade afetiva refletidos num défice de competências para gerir responsabilidades, num contexto de ausência e precariedade de recursos disponíveis. Mostra-se capaz de racionalizar e superar as emoções negativas relacionadas com a presente situação e de perspetivar a ilicitude dos factos que cometeu.

Acrescem ainda as circunstâncias altamente censuráveis de se fazer acompanhar pelas filhas ou usar contas bancárias por elas tituladas para efectuar pagamentos relacionados com aquisições de droga.

A favor da arguida regista- se, apenas, o facto de não ter antecedentes criminais.

28.3. Dito isto,

A ora recorrente não apresenta antecedentes criminais, sendo esta a primeira advertência formal que recebe do sistema.

Experienciou a situação de reclusão, o que constitui bastas vezes marco determinante para inflexão num percurso disruptivo face às normas que vigoram na ordem jurídica.

Tem cinco filhas, a quem se tem dedicado, sendo-lhe reconhecidas competências enquanto mãe no relatório social elaborado pela DGRSP.

Os factos assumem uma gravidade muito elevada, não tendo a arguida manifestado qualquer arrependimento.

As exigências de prevenção geral são, pois, de acentuada intensidade.

As imposições de prevenção especial, por seu lado, devem ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores.

No entanto, há que encontrar o justo equilíbrio entre as imposições de prevenção especial e as exigências de prevenção geral, sendo que, neste caso em concreto, estas se sobrepõem àquelas.

Assim.

Recorde-se que a pena abstracta pela prática deste ilícito (tráfico de estupefacientes) é fixada entre 4 e 12 anos de prisão. E que lhe foi aplicada na 1.ª Instância a pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução (com regime de prova), revertida para 6 anos de prisão efectiva na Relação.

Tendo em conta tudo o exposto e ponderando cada uma das circunstâncias em que ocorreram os factos, aliadas ao percurso pessoal da recorrente AA, concluímos que a pena adequada, proporcional e justa, no seu caso em concreto, é de 6 anos de prisão, pena esta que cumpre a medida necessária para se realizarem as finalidades da punição.

Improcede assim, a pretensão da recorrente, mantendo-se a pena aplicada pelo Tribunal da Relação …...

28.4. Nos termos do disposto no artigo 50.º, do CP não há lugar à suspensão da pena.

29.1. Do recurso de BB

Alega o recorrente, em síntese, que não tem antecedentes criminais averbados no seu CRC, que esteve em situação de prisão preventiva 1 ano e 6 meses, e que resulta do relatório social que está positivamente enquadrado familiar e socialmente, trabalha e tem meios e projectos de vida, vinculação afectiva ao filho, e revela capacidade de entendimento e juízo crítico sobre a ilicitude e gravidade dos factos. Entende que deve ser feito um juízo de prognose favorável à sua reinserção e manter a pena que lhe foi aplicada em sede de 1.ª Instância.

Vejamos o que consta dos autos (factualidade assente):

O arguido não tem quaisquer condenações averbadas no seu registo criminal.

O arguido BB nasceu em ....1990, tendo 28 anos de idade à data da prática dos factos.

Passou pela sua primeira experiência de reclusão.

Do Relatório Social elaborado pela DGRSP, consta o seguinte quanto às suas condições pessoais, características e percurso de vida: o processo de desenvolvimento do arguido decorreu no seio de uma família que lhe permitiu interiorizar regras e valores socialmente ajustados.

O seu percurso escolar foi marcado pela dislexia que lhe foi diagnosticada logo no início do primeiro ciclo do ensino básico, tendo apenas concluído o 7.º ano de escolaridade, com cerca de 16 anos. Já em adulto, frequentou curso de …….., que o habilitou com o 9.º ano de escolaridade.

Trabalhou em atividades indiferenciadas ligadas à montagem de estruturas para …... (…), na montagem de …. e como aprendiz de …. Posteriormente à formação de …, passou a trabalhar na área da …. e …. em vários restaurantes, situação que se verificou durante cerca de quatro anos.

Estabeleceu, aos 22 anos de idade, um relacionamento de união de facto, no âmbito do qual foi pai de um rapaz, BBB, nascido a ....2013. Este relacionamento terminou cerca de um ano antes da prisão do arguido.

Iniciou o consumo de haxixe, segundo o mesmo refere, com cerca de 21 anos de idade, afirmando que manteve até à data da prisão um consumo esporádico, apenas em situações de lazer.

BB não apresenta anteriores contactos com o Sistema de Justiça.

Anteriormente à prisão, o arguido integrava o agregado familiar dos pais, o pai com 75 e a mãe com 66 anos de idade, ambos reformados.

O agregado familiar reside em casa própria descrita como oferecendo boas condições de habitabilidade. A família dispõe de uma situação económica desafogada.

À altura, o arguido tinha-se separado da companheira há cerca de um ano e o filho de ambos permanecia em semanas alternadas, ora em casa da mãe, ora em casa do pai e avós. Atualmente, o menor vive com a mãe.

Segundo a progenitora do arguido, esta companheira terá tido uma influência negativa no percurso de vida do arguido e terá contribuído para alguma instabilidade no seu percurso profissional, sobretudo ao nível da mobilidade. Refere, ainda, que a companheira do arguido protagonizava episódios de violência doméstica sobre este, situação que este procurava esconder dos pais, mas que terá sido presenciado pelo filho do casal.

Anteriormente à prisão, o arguido estava desempregado.

O arguido é descrito como um individuo que apresenta alguma permeabilidade à influência de terceiros. No seio familiar e na vizinhança, mantinha uma atitude ajustada. No meio de residência, onde sempre viveu, a família goza de uma imagem positiva que se estende ao arguido e, apesar da sua atual situação jurídico-penal ser do conhecimento público, não existem indicadores de rejeição à sua presença.

Durante o período em que esteve preso preventivamente, o arguido manteve comportamento de acordo com as normas da instituição, não apresentando registo de infrações disciplinares. A nível ocupacional, frequentou curso de formação profissional modular de "……" com a duração de 340 horas.

O arguido recebe visitas assíduas dos pais e do filho e regulares dos irmãos e alguns amigos.

Os progenitores manifestam disponibilidade para o apoiarem incondicionalmente.

O arguido tem como projeto de vida voltar a integrar o agregado familiar dos progenitores. A nível laboral pretende, logo que tal seja possível dedicar-se à …, dispondo de hipótese de se inserir numa exploração de …. de um amigo da família e mais tarde montar a sua própria exploração …...., contando com o apoio dos progenitores para a sua realização.

Revela capacidade de entendimento e juízo crítico sobre factos de natureza idêntica aos que lhe deram origem, reconhecendo a sua ilicitude e gravidade. A atual situação jurídico-penal não teve impacto negativo na situação familiar do arguido que continua a contar com o apoio dos elementos da sua família de origem.

29.2. Ponderando estes factos e todos os outros assentes nas instâncias, resulta que:

- a natureza da droga traficada: duas bolotas de canábis/resina com o peso líquido de 15,818 gramas; um panfleto de cocaína (cloridrato) com peso líquido de 0,667 gramas (pureza de 98,8%) suficiente para 3 doses individuais; dez bolotas de canábis/resina com o peso líquido de 90,636 gramas (grau de pureza de 24,8%), suficiente para realizar 449 doses individuais; três bolotas de heroína, com o peso líquido de 37,880 gramas (grau de pureza de 34,4%), suficiente para efectuar 130 doses individuais; meia (1/2) bolota de canábis/resina, com o peso líquido de 5,666 gramas (grau de pureza de 28,3%), suficiente para efectuar 32 doses individuais; um saco contendo cocaína, com o peso líquido de 64,369 gramas (grau de pureza de 96,7%), suficiente para efectuar 311 doses individuais; um saco com 5 panfletos de MDMA, com o peso líquido de 3,992 gramas (grau de pureza de 66,2%), suficiente para efectuar 26 doses individuais; um saco contendo MDMA, com o peso líquido de 44,390 gramas (grau de pureza de 72,9%), suficiente para efectuar 323 doses individuais e cinco panfletos, contendo cocaína, com o peso líquido de 23,093 gramas (grau de pureza de 31,7%), suficiente para efectuar 36 doses individuais.

- o modo de execução dos crimes praticados que revela uma considerável preparação técnica, sendo o tráfico efectuado com utilização de logística já sofisticada, usando estratagemas para assegurar o sucesso das aquisições para posterior revenda, como seja, a compra de veículos automóveis antigos e com determinadas características que lhe permitisse acondicionar a droga sem correr riscos de a mesma vir a ser encontrada pelos OPC;

- a duração da actividade delituosa que ocorreu entre Abril a Julho de 2018 (e não cerca de um ano como se refere no acórdão ora recorrido);

-o grau de ilicitude do facto, a intensidade muito elevada da actividade desenvolvida, desdobrando-se em contactos, com viagens a …. e ao ……;

- o dolo que, no caso em apreço, é muito intenso;

- os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, ou seja, obtenção de proveitos económicos e o modo de execução do crime, revelador de eficácia e determinação, com actos de venda de cannabis, heroína e cocaína a terceiros;

- as necessidades de prevenção geral deste tipo de comportamentos, que se impõem com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que os consubstanciam;

- as condições pessoais do arguido e a sua situação económica: o arguido encontra-se desempregado, residindo com a mãe; os progenitores manifestam disponibilidade para o apoiarem incondicionalmente.

A favor do arguido regista- se, apenas, o facto de não ter antecedentes criminais.

29.3. Dito isto,

O ora recorrente não apresenta antecedentes criminais, sendo esta a primeira advertência formal que recebe do sistema.

Experienciou a situação de reclusão, o que constitui bastas vezes marco determinante para inflexão num percurso disruptivo face às normas que vigoram na ordem jurídica.

No entanto, os factos assumem uma gravidade muito elevada.

As exigências de prevenção geral são, pois, de acentuada intensidade.

Como se teve a oportunidade de dizer quanto à sua co-arguida AA, as imposições de prevenção especial, por seu lado, devem ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores. E ainda que, há que encontrar o justo equilíbrio entre as imposições de prevenção especial e as exigências de prevenção geral, sendo que, também no caso em concreto do recorrente BB, estas se sobrepõem àquelas.

Recorde-se que a pena abstracta pela prática deste ilícito (tráfico de estupefacientes) é fixada entre 4 e 12 anos de prisão.

E que lhe foi aplicada na 1.ª Instância a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução, por igual período, cm regime de prova, de acordo com Plano de Reinserção Social a elaborar pelos serviços da DGRSP, revertida para 6 anos de prisão efectiva por decisão, agora em recurso, do Tribunal da Relação …….

Ponderando tudo o exposto, concluímos que a pena adequada, proporcional e justa, no caso em concreto do recorrente, é de 6 anos de prisão, a qual cumpre a medida necessária para se realizarem as finalidades da punição.

Improcede, deste modo, a pretensão do recorrente.

29.4. Nos termos do disposto no artigo 50.º, do CP não há lugar à suspensão da pena.

30. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça, que é individual, quando ocorra condenação na instância recorrida e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Nestes termos, considera-se adequada a condenação, de cada um dos recorrentes, em 5 (cinco) UC.

III.

31. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se:
a) Negar provimento aos recursos interpostos por AA e BB;
b)  Condenar os arguidos em custas, cada um deles, que se fixam em 5 UC, – ressalvado apoio judiciário e nos estritos termos de tal benefício.

22 de Abril de 2021

Processado e revisto pela relatora, nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP, e assinado eletronicamente pelos signatários.

Margarida Blasco (Relatora)

 Eduardo Loureiro (Adjunto)

 António Clemente Lima (Presidente)

_______________________________________________________

[1] CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, LL, MM, NN, e OO.

[2] Por despacho de 20 de dezembro de 2019, foi a arguida /recorrente restituída à liberdade, passando a aguardar os ulteriores termos do processo submetida a TIR. A arguida encontrava-se sujeita à medida de coacção de prisão preventiva desde 05.07.2018, tendo tal medida sido revista e mantida por despachos de 03.10.2018, 26.12.2018 e 26.03.2019.

[3] Por despacho de 19 de dezembro de 2019, foi o arguido /recorrente restituído à liberdade, passando a aguardar os ulteriores termos do processo submetido a TIR. O arguido encontrava-se sujeito à medida de coacção de prisão preventiva desde 05.07.2018, tendo tal medida sido revista e mantida por despachos de 03.10.2018, 26.12.2018 e 26.03.2019.

[4] Todos os arguidos foram absolvidos do crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º, n.ºs 1 e 2, do DL 15/93, de 22/01, pelo qual vinham pronunciados.
[5] cfr. Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º.
[6] cfr. Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, em particular pp. 475, 481, 547, 563, 566 e 574, e Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 3.ª reimp., 2011, pp. 232-357
[7] http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19910426.html
[8] Droga e direito, Lisboa: Æquitas/Ed. Notícias, 1994, p. 122.