Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3º SECÇÃO | ||
Relator: | PIRES DA GRAÇA | ||
Descritores: | DUPLA CONFORME VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL EXAME CRÍTICO DAS PROVAS IN DUBIO PRO REO PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA EXCESSO DE LEGÍTIMA DEFESA HOMICÍDIO TENTATIVA PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL DANO BIOLÓGICO DANO ESTÉTICO DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
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Data do Acordão: | 03/27/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / AUDIÊNCIA / PRODUÇÃO DE PROVA / SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DIREITO PENAL – FACTO / CAUSAS QUE EXCLUEM A ILICITUDE E A CULPA / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO. | ||
Doutrina: | - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol I, 10° Ed., p. 605; - Cesare Becaria, Dos delitos e das Penas, tradução de José de Faria Costa, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38; - Cristina Líbano Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997; - Eduardo Correia, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16; - Figueiredo Dias, Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121; - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, p. 294; - Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, p. 230. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 355.º, N.º 1, 374.º, N.º 2, 400.º, N.º 1, ALÍNEA F), 410.º, N.º 2 E 432.º, N.º 1, ALÍNEA B). CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 33.º, N.º 1, 50.º, N.ºS 1 E 2 E 53.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 16-02-2006, PROCESSO N.º 124/06; - DE 08-11-2006, PROCESSO N.º 3113/06; - DE 09-11-2006, PROCESSO N.º 4056/06; - DE 03-04-2008, PROCESSO N.º 2811/06; - DE 10-09-2008, PROCESSO N.º 1959/08; - DE 05-11-2008, PROCESSO N.º 3266/08. | ||
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Sumário : | I - Sendo as penas parcelares aplicadas ao arguido A todas inferiores a 8 anos de prisão e tendo sido integralmente confirmadas no acórdão da Relação de que se recorre, verifica-se a existência de dupla conforme, pelo que as mesmas são insusceptíveis de recurso em conformidade com o disposto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f), a contrario e art. 432.º, n.º 1, al, b), ambos do CPP. II - Os vícios constantes do art. 410.º, n.º 2, do CPP, apenas podem ser conhecidos oficiosamente e, não quando suscitados pelos recorrentes, pois que sendo o STJ um tribunal de revista, só conhece dos vícios aludidos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, de forma oficiosa, por sua própria iniciativa, quando tais vícios se perfilem, que não a requerimento dos sujeitos processuais. III - Aplicada aos tribunais de recurso, a norma do art. 374º nº 2 do CPP, não tem aplicação em toda a sua extensão, nomeadamente não faz sentido a aplicação da parte final de tal preceito (exame crítico das provas que serviram para formar a livre convicção do tribunal) quando referida a acórdão confirmatório proferido pelo Tribunal da Relação ou quando referida a acórdão do STJ funcionando como tribunal de revista. IV - Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, mantém a decisão da primeira instância, é suficiente que do respectivo acórdão passe a constar esse reexame e a conclusão de que, analisada a prova respectiva, não se descortinaram razões para exercer censura sobre o decidido. V - Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, nomeadamente quando tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o art. 355.º, n.º 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme art. 32.º, n.º 1 da CRP. VI - O vício de erro notório na apreciação da prova não supõe raciocínios ou considerações racionais da melhor metodologia empregue, mas sim a existência ou não de regras ilógicas ou contrárias à experiência comum, na definição dos factos. VII - É ilógico o acórdão da Relação atribuir nos factos provados ao arguido F uma resolução de tirar a vida ao arguido A, se resulta dos factos provados que o arguido F disparou na direcção do arguido A para o impedir de continuar a disparar na sua direcção e na direcção do seu veículo, onde se encontravam os seus filhos, porquanto, tal actuação traduz nas regras da experiência comum, uma acção de legítima defesa pelo arguido F que surge como consequência da acção primeiramente desencadeada pelo arguido A, para evitar que os seus filhos fossem atingidos pelos disparos do arguido A. VIII - O facto de que o arguido F se ir aproximando da viatura onde se encontrava o arguido A enquanto disparava (sendo que os últimos disparos foram efectuados a curta distância, inferior a 1 metro) configura apenas a situação de excesso de legítima defesa, prevista no art. 33.º, n.º 1, do CP, impondo-se assim, perante a ocorrência de tal vício de erro notório na apreciação da prova sanar a matéria de facto fixada pela Relação. IX - Considerando que ambos os arguidos são condenados por crime idêntico, de homicídio simples na forma tentada, deve a pena concreta reflectir, ainda, respeito pelos principias da proporcionalidade e igualdade por que se deve nortear o julgador ao sancionar condutas de vários agentes, merecendo o arguido A maior censura por lhe ter cabido a iniciativa do evento, pelo que, ponderando a intensidade do dolo, os ilícitos criminais verificados, as circunstâncias do crime de homicídio na forma tentada, procedendo o excesso de legítima defesa quanto ao arguido F, os desaguizados familiares existentes entre famílias comuns, a gravidade das consequências, e as fortes exigências de prevenção geral e fortes exigências de prevenção especial, atenta a culpa, algo mitigadas pela inerente a excesso de legitima defesa julga-se adequada a pena de 4 anos de prisão pelo crime de homicídio na forma tentada. VIII - Perante um concurso entre o crime de homicídio na forma tentada e o crime de detenção de arma proibida, com uma moldura penal abstracta de cúmulo entre 4 e 6 anos de prisão, valorando os factos e personalidade do arguido, há que condenar o arguido F na pena conjunta de 5 anos de prisão, que se suspende por igual período, por se concluir que atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, desde que submetida a regime de prova, conforme arts. 50.º, maxime n.ºs 1 e 2, e 53.º, ambos do CP. IX - Carece de fundamento a atribuição de um valor de indemnização a título de dano biológico se não se provou que as lesões sofridas pelo recorrente lhe tenham determinado alguma limitação funcional que lhe exija um maior esforço para o exercício das suas actividade diárias, pessoais ou profissionais. X - Quanto ao dano estético, provando-se que tem vergonha de expor o seu corpo devido à cicatriz e marcas de ferimentos que apresenta, mas situando-se as lesões em partes do corpo normalmente cobertas pelo vestuário usado pela generalidade das pessoas no dia-a-dia e não se tendo provado que o recorrente exerça qualquer actividade regular, profissional ou lúdica, que implique exibição do corpo não merece esse dano valoração especial, antes devendo ser incluído numa quantificação global dos danos não patrimoniais. XI - Ponderando contudo que, foi elevado o seu sofrimento, atentas as perfurações sofridas no seu corpo e o tratamento hospitalar supra descrito, com intervenção cirúrgica de emergência delicada e internamento hospitalar por dez dias, seguido de tratamentos e consultas, sofreu dores e receou pela sua vida, conclui-se não ser excessiva a quantia indemnizatória atribuída de € 25.000, que por adequadamente justa se mantêm, acrescendo a este valor, juros, à taxa dos juros legais, a contar do trânsito da decisão condenatória. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça <> Como consta do proc. nº 114/15.2GABRR.L2.da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: “Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº114/15.2GABRR, da Comarca de Lisboa (Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...), foram julgados, AA e BB, pronunciados, cada um deles, pela prática, em autoria e concurso efectivo, de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos arts.131, 22 e 23, todos do Cód. Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 2º, nº1, als. ae) e az), 3º, nº5, al. a) e 86º, nº1, al.c), da Lei nº5/2006, de 23/2. Os arguidos/ofendidos, constituiram-se assistentes nos autos e deduziram pedido de indemnização civil, um contra o outro. O tribunal, após julgamento, por acórdão de 21Dez.17, decidiu: "... a) Absolver o arguido BB da prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131º, 22º, 23º, do Cód. Penal, por que se encontra pronunciado; b) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131º, 22º, 23º, do Cód. Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão e, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art. 86º, nº1, al. c) da Lei nº5/2006, de 23/2, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; c) Condenar o arguido AA, ao abrigo do disposto no art. 77º, do Cód. Penal, na pena única de 7 (sete) anos de prisão; d) Condenar o arguido BB pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº3, da Lei nº5/2006, de 23/2, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo; e) …; f) Absolver o demandado BB do pedido de indemnização civil formulado contra si pelo demandante AA; g) Condenar o demandado AA no pagamento ao demandante BB da indemnização, por danos não patrimoniais sofridos, no valor de 10.000,00 € acrescidos de juros, à taxa legal, contados desde a data de trânsito da decisão condenatória e até integral cumprimento. h) Ao abrigo do disposto no art. 109º, nº1, do Cód. Penal, declaram-se perdidas a favor do Estado a totalidade das armas apreendidas aos arguidos, sendo-lhes devolvidos todos os demais bens. ....”.
2. Desta decisão recorre o arguido/assistente, AA, tendo apresentado motivações,[…]: […} 3. Admitido o recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, o Ministério Público respondeu, concluindo pelo seu não provimento. 4. Neste Tribunal, a Exma. Srª. Procuradora-geral Adjunta apôs visto. 5. Colhidos os vistos legais, realizou-se a audiência. 6. O recorrente AA (admitido a intervir como assistente a fls.827), além do mais, pede a condenação do arguido BB pelo crime de homicídio, na forma tentada, por que foi pronunciado a fls.904. Como decidiu o douto Ac. de Fix. Jurisprudência nº5/11 (de 9Fev.11, acessível em www.dgsi.pt), “Em processo por crime público ou semi-público, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu à acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia, em instrução requerida pelo arguido, e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público”. Assim, apesar do Ministério Público não ter recorrido da absolvição do arguido BB, tem o assistente AA legitimidade para o recurso que interpôs. O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respectivas conclusões, reconduz-se à apreciação das seguintes questões: -vício do art.410, nº2, al.c, CPP; -impugnação da matéria de facto; -qualificação jurídica dos factos; -indemnização civil;”
A final, veio a ser proferida a seguinte: Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após audiência, dando parcial provimento ao recurso do arguido/assistente, AA, acordam: a) Condenar o arguido BB, como autor material, de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos arts.131, 22,23 e 73, do Código Penal, na pena de cinco (5) anos de prisão; b) Em cúmulo jurídico desta pena com a pena de dois anos de prisão, em que foi condenado em 1ª instância pelo crime de detenção de arma proibida, condena-se o arguido BB, na pena úncia de seis (6) anos de prisão; c) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização formulado pelo demandante/assistente AA, condenando o demandado BB, a pagar-lhe a quantia de €25.000 (vinte e cinco mil euros), a título de inemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa dos juros legais, a contar do trânsito da decisão condenatória; d) Confirma-se o acórdão recorrido no restante; e) Tendo decaído integralmente quanto ao recurso que interpôs como arguido e parcialmente como assistente, condena-se o recorrente AA, em 4Ucs de taxa de justiça; Custas do pedido cível formulado pelo demandante AA, na proporção do decaimento.”
<> AA, Arguido e Assistente nos autos , notificado do acórdão do Tribunal das Relação de Lisboa de 5 de Junho de 2018, não se conformando, dele veio interpor recurso, ao abrigo dos arts. 399.º, 401.º, n.º 1, b), 407.º, n.º 2, a) e 408.º, n.º 1, a), e 432.º, n.º 1, b), todos do C.P.P., para o Supremo Tribunal de Justiça, Apresentou a motivação com as seguintes: IV - CONCLUSÕES
--- DA NULIDADE DO ACÓRDÃO --- A. Na sua parte decisória – parte III –, o acórdão recorrido aprecia a matéria de facto impugnada nos seguintes termos: · Em III.1, o acórdão recorrido avalia a matéria das conclusões D. a L. apenas no âmbito do art. 410.º, n.º 2, c), do C.P.P., o que o faz restringir a avaliação da argumentação apresentada apenas àquilo que seja “vício [que] resulte do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”; “do texto da decisão recorrida, porém, não resulta que o recorrente só efectuou três disparos”; “segundo o texto do acórdão recorrido, o AA efectou disparos”; “pois do texto da decisão recorrida resulta que se dirigiu ao local”; · Em III.2, o acórdão recorrido avalia a matéria das conclusões M. a T., considerando insubsistente a argumentação apresentada relativamente aos pontos da matéria de facto impugnados (factos provados n.ºs 5 a 10 e 16 a 18).
--- ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA --- G. O presente recurso funda-se igualmente na existência de erro notório na apreciação da prova, nos termos previstos no art. 410.º, n.º 2, c), do C.P.P.. H. Existindo alguma controvérsia sobre a possibilidade de ser o próprio Recorrente a arguir tal vício – uma vez que, segundo alguma jurisprudência, tal possibilidade seria apenas uma prerrogativa do Supremo Tribunal –, desde já se deixa arguida a inconstitucionalidade do entendimento normativo dado ao art. 410.º, n.º 2, do C.P.P., devidamente conjugado com o art. 434.º do C.P.P., no sentido de que os vícios identificados nas alíneas do art. 410.º, n.º 2 não podem ser invocados pelo Arguido ou Assistente em qualquer recurso (legalmente admissível) de acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, por violação do direito a um processo equitativo, consagrado no art. 20.º da C.R.P., bem como das garantias de defesa, asseguradas pelo art. 32.º, n.º 1, da C.R.P.. I. Ressalvado o devido respeito, in casu, o erro notório na apreciação da prova reporta-se a dois núcleos factuais: · Por um lado, aos factos provados n.ºs 16 e 17, no segmento em que foi estabelecido que o Arguido AA quis causar a morte ao Arguido BB, sabendo que os disparos efectuados eram aptos a causar a sua morte; · Por outro lado, aos factos provados n.ºs 5 a 10, nos segmentos em que se considera provado que foi o Arguido AA que começou a disparar sobre o Arguido BB, tendo continuado a disparar sobre ele quando o BB reagiu e avançou na direcção do Arguido AA, disparando sobre este.
--- DA MEDIDA DAS PENAS E DAS INDEMNIZAÇÕES CIVIS --- T. O Arguido AA viu mantida a pena única de 7 anos de prisão aplicada em 1.ª instância, bem como as respectivas penas parcelares (6 anos de prisão para o crime de homicídio simples na forma tentada, 2 anos e 6 meses de prisão para o crime de detenção de arma proibida). U. Verificados os erros notórios na apreciação da prova supra invocados, o Arguido AA deve ser absolvido do crime de homicídio na forma tentada, uma vez que não agiu com intenção de matar o Arguido BB, nem teve em mente essa consequência como possível, bem como do pedido civil formulado. V. Todavia, mesmo que assim se não entenda, relativamente às penas parcelares e à pena única aplicada, atendendo às circunstâncias do caso e tendo ainda em conta os problemas clínicos do Arguido AA, a sua boa inserção social, a sua actividade económica, a sua imagem positiva junto dos vizinhos, a coesão da sua ligação familiar e a ausência de antecedentes por crime da mesma natureza (quanto ao homicídio) – cfr. factos provados n.ºs 40 e 42 –, observando os critérios do art. 70.º, n.º 2, do C.P., devem ser reduzidas as penas em apreço, levando a que a pena única aplicada não seja superior a 5 anos e suspendendo-se a sua execução nos termos previstos no art. 50.º, do C.P.. W. Por outro lado, considerando a moldura penal aplicável ao crime de homicídio na forma tentada praticado pelo Arguido BB – cuja pena de prisão pode, em abstracto, ir até 10 anos e 8 meses, nos termos referidos pelo acórdão recorrido –, julga-se também que a pena parcelar que lhe foi aplicada de 5 anos de prisão peca por defeito, atendendo à gravidade das lesões causadas ao Arguido AA e às exigências de prevenção geral e especial que o caso justifica, razão pela qual se sustenta que aquela pena parcelar deve sempre situar-se bem acima de metade da respectiva moldura, determinando uma pena única não inferior a 7 anos de prisão. X. Por último, e quanto à indemnização civil arbitrada a favor do Assistente, ora Recorrente, ponderando as graves lesões que lhe foram infligidas – nos termos constantes dos factos provados n.ºs 24 a 32 –, bem como o sofrimento causado ao Recorrente, que receou pela sua vida e tem vergonha na exposição do seu corpo devido às marcas que apresenta por causa dos ferimentos que lhe foram causados – nos termos constantes dos factos provados n.ºs 33 e 34 –, continua o Recorrente a entender que é razoável fixar uma indemnização a seu favor, por danos não patrimoniais, de montante não inferior a € 40.000,00, julgando-se que peca igualmente por defeito a indemnização arbitrada pela Relação no valor de € 25.000,00, à luz dos critérios previstos no art. 496.º do C.C., por remissão do art. 129.º, do C.P..
Termos em que o recurso deve ser admitido e julgado procedente, levando à absolvição do Arguido AA quanto ao crime de homicídio na forma tentada e quanto ao pedido de indemnização civil contra ele formulado, bem como ao aumento das penas aplicadas ao Arguido BB e da indemnização arbitrada a favor do Arguido AA, nos termos constantes das conclusões supra formuladas.
Juntou Documento comprovativo do pagamento da multa prevista no art. 107.º-A, do C.P.P. (3.º dia).
<> BB, Arguido/Demandado nos autos, onde se encontra devidamente identificado, não concordando com a decisão do Tribunal da Relação, dela veio interpor o competente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, recorrendo, quer de direito quer igualmente da matéria de facto dada como assente, nos termos e com os fundamentos constantes da motivação do recurso terminada pelas seguintes:
“CONCLUSÕES: 1. O Arguido é inocente relativamente ao crime de homicídio, previsto e punido pelo artigo 131.° do Código Penal e irá demonstrá-lo sendo o acórdão de que se recorre, um enorme erro de julgamento, cavalgando numa errada apreciação dos factos. Afirmação que se escreve, sempre com o muito e devido respeito por opinião diversa, mas que com a qual se não concorda. 2. Em sede de alegações no tribunal da Relação de Lisboa, veio o Ministério Público face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, requerer a absolvição do arguido pelo crime de homicídio. 3. Assim, de acordo com o próprio Estatuto do MP, no seu artigo 3.°, n.°s 1, al. f) e 2, estamos em crer que o Ministério Público também irá recorrer da decisão proferida ou caso não o faça acompanhar nessa parte a posição do arguido porquanto também foi a sua. 4. Afirma o recorrente, e disso tem profunda convicção, que, a decisão recorrida, lida e relida a fundamentação de facto e consequente motivação da fundamentação, resulta evidente que a fundamentação não cumpre a exigência legal e constitucional, de traduzir rigorosamente, cotejando prova a prova, todas e não somente uma, de onde se firmam os factos assentes e em que provas se funda essa convicção. 5. É assim Nula a decisão por manifesta falta de fundamentação e por omissão de pronúncia. 6. Nulidades que se deixam arguidas e se querem ver declaradas. Como é de Lei, tendo sido violados, nesta parte, os artigos 127.°,374.°, n.° 2, do CPP. Sendo Nula a decisão nos termos do artigo 379.°, n .° 1, alíneas "a" e “c” e n.° 2, art.° 410.°, n.° 2, do CPP 7. É ainda Nula a decisão por violação grosseira, do princípio in dúbio pró reo, e não somente por falta de fundamentação. 8. Aliás, ambas as nulidades resultam de um mesmo facto: firmar o convencimento com base em prova que não é nem nunca pode ser dada como suficientemente esclarecedora e fora de qualquer dúvida e aquando existe prova, não cotejada, que aponta em sentido diametralmente oposto e convencimento esse que, de todo, não foi fundamentado na forma e modo imposto pela lei processual penal. 9. Mal andou o Tribunal a quo, ao assim decidir, tendo sido violado, entre outros, o artigo 127.°, bem como o artigo 374.°, todos do CPP. Sendo Nula a decisão nos termos do artigo 379.°, n .° 1, alíneas "a" e "c", 410, n.° 2, do CPP. 10. Sendo aliás inconstitucional o entendimento, rectius, interpretação dado pela decisão recorrida ao artigo 127.° do CPP, segundo a qual, a livre apreciação de prova permite afirmar um facto como provado, sem que prova material ou pessoal diretamente apreciada e clara e fundadamente esclarecida tenham existido, a não ser parte do que dizem os ofendidos (que nem tudo a decisão aproveitou, faltando saber porque acreditou numa parte e noutra não, daí a deficiente fundamentação, que acarretam as Nulidades já arguidas). 11. A interpretação do artigo 127.°, do CPP, feita pela decisão aqui posta em crise, não respeitou este princípio legal, de acordo com o disposto na Constituição da Republica, sendo por isso inconstitucional, por violação do artigo 32.°, n.° 2 da CRP. Inconstitucionalidade que desde já se arguiu, prevenindo a possibilidade de recurso ao Tribunal Constitucional, caso assim se não venha a entender, o que se refere, sem conceder e por dever de patrocínio. 12. O recorrente, aqui arguido, não tem dúvidas de que a decisão só poderia ter sido a absolvição por ausência de qualquer comportamento ilícito da sua parte, o que é por demais evidente nos presentes autos. Mas, no mínimo, deveria ter ficado firmado haver dúvidas relativamente ao crime de homicídio. A isso se opõe o artigo 32.° n.° 2 da CRP e as regras da experiência. 13. O artigo 127.° a permitir-se uma apreciação da prova, tal como a decisão recorrida o fez, coloca o ofendido, rectius, a acusação, a beneficiar da dúvida sobre o que terá acontecido, tendo o arguido falado e esclarecido tudo, mas sobre o arguido se duvidando, sem fundamento, tudo em clara e manifesta violação da garantia constitucional contra a auto incriminação (nemo tenetur se ipsum accusare). 14. Além das Nulidades invocadas, o arguido foi condenado com fundamento em errónea apreciação da prova. E por isso mesmo a prova deverá ser objeto de reapreciação, sendo certo que entende o recorrente que não precisará o Tribunal, ad quem, de recorrer ao princípio da imediação, posto que, as provas são inúmeras e todas elas apontam em sentido diametralmente oposto ao que chegou o Tribunal a quo e levará à absolvição do arguido relativamente ao crime de homicídio, que é e está inocente, posto que nenhum crime cometeu. 15. Existe, salvo o muito e devido respeito, além da alegada falta de fundamentação e contradição entre a fundamentação e a motivação, insuficiência da prova para a condenação; errada apreciação da prova e violação do princípio in dúbio pro reo, atento que toda a prova aponta em sentido diverso. 16. Foi violado o art.° 410.°, n.° 2, do CPP. 17. O princípio da livre apreciação da prova (art.° 127.° do CPP) encontra limite na prova concreta que somente pode ser apreciada segundo as regras da experiência e valorada numa direção e não em direções díspares e tem de ter como limite a dúvida razoável que sempre se deve ter na ausência de suporte probatório claro. 18. Existiu, por isso, flagrante contradição e, como supra se disse e a nosso ver, violação do princípio "in dúbio pró reo". 19. No caso sub júdice, o acórdão recorrido, ao formar como formou o livre convencimento do juiz, traduziu-se como uma autêntica limitação ao livre convencimento ou persuasão racional, porquanto a livre convicção do juiz, não pode ir ao ponto de desfavorecer o arguido (Art.°, 61°, n°l, alínea c) conjugado com o Art.° 343°, n°l, ambos do CPP), ferindo o princípio do in dúbio pro reu. 20. Pelo que, também por isso o acórdão que ora se recorre deve ser declarado nulo, como aliás se disse acima e aqui se reitera, que são inconstitucionais tais normas quando interpretadas no seguinte sentido: 21. "Ao formar o livre convencimento, o juiz, não se encontra limitado ao livre convencimento ou persuasão racional, porquanto a livre convicção do juiz, pode ir ao ponto de desfavorecer o arguido (Art.°, 61°, n°l, alínea c) conjugado com o Art.° 343°, n°l, ambos do CPP), ferindo o princípio do in dúbio pro reu" 22. Tal interpretação viola ainda o art.° 6º da Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais com as modificações introduzidas pelo Protocolo n° 11 acompanhada do Protocolo adicional e dos Protocolos nos 4, 6, 7 e 13, e os artigos 32°, n.° 2 e 18.°, n.° 1, ambos da C.R.P. Inconstitucionalidade que já igualmente se arguiu e se reitera. 23. Assim, a violação do princípio "in dúbio pro reo", traduz uma NULIDADE absoluta, e inconstitucionalidade, que vão assim arguidas com as legais consequências e prevenindo recurso de constitucionalidade, tudo como já acima se sindicou em sede de arguição de outras Nulidades, mas aqui e neste passo da motivação se reitera. 24. Foram violadas entre outras, as normas do artigo 127.° e artigo 374.°, n.° 2, ; 64.° e 357.°, do Código de Processo Penal; os artigos 131.° e 137.°, do CP, sendo Nula a sentença, nos termos do artigo 379.° do CPP. 25. Ao não atender ao princípio in dúbio pró reo, o Tribunal "a quo" violou os artigos 18.°; 25.°, n° 1; 26.°; 32.°, n.° 8; 34.°, n.° 3; e o artigo 204.° da Constituição da República. 26. Assim sendo, a matéria de facto que tem de se considerar assente, depois de corrigidos os vícios de que enferma e acima vão coligidos, deve levar a concluir pela inexistência de prova de cometimento do crime de ameaça pelo arguido recorrente, decretando-se a sua absolvição por este ilícito criminal. 27. Da fundamentação expendida pelo tribunal, relativamente aos pedidos de indemnização civil, o tribunal a quo, não explicitou a forma como chegou à conclusão que chegou, em condenar o demandado nas quantias que condenou. 28. Não foi feita uma única referência a qualquer meio de prova, de onde o tribunal a quo retirou que os factos típicos da obrigação de indemnizar. 29. O tribunal a quo, para além de invocar a legislação civil aplicável ao caso, nada mais acrescentou, pelo que, por falta de total fundamento legal, deve o arguido/demandado, ser absolvido dos pedidos de indemnização civil formulados nos autos e dos quais foi condenado. 30. Considerando o que se disse sobre os pontos de facto que se sindicaram acima, como é evidente, sendo corrigida a decisão no sentido propugnado pelo recorrente, obviamente, este terá de ser absolvido integralmente do crime de homicídio pelo qual foi agora condenado. 31. Nem outra pode ser, a nosso ver, a conclusão sob pena do erro e inerente injustiça se manter, no que se não acredita e se refere sem conceder e por dever de patrocínio. 32. Não se verifica pois a existência do elemento subjetivo do crime de homicídio. 33. Mesmo que se desse por assente a matéria factual dada como provada no acórdão recorrido (art.° 18), o que não se concorda, pois a matéria de facto assente com todo o respeito por opinião diversa, sempre deverá ser a que supra se referiu, no que ao crime de homicídio diz respeito, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá ainda o seguinte: 34. Entendemos nós, que o caso em apreço, a atuação do arguido BB, se enquadra numa situação de legítima defesa, nos termos do art° 32.°, do Código Penal, o que exclui a sua ilicitude, nos termos do art.° 31.°, n.°s 1 e 2, al. a), também do Código Penal. 35. In casu, tendo em conta a os factos dados como provados na decisão proferida em primeira instância e respetiva fundamentação; a dinâmica dos factos e à forma como estes na realidade sucederam, impõe-se concluir que quando o arguido atuou o mesmo estava a ser alvo de uma agressão atual ou iminente, que era ilícita, não motivada por provocação do defendente e que a sua reação apenas foi motivada pelos disparos efetuados pelo arguido AA, que o visavam a si e à sua família. 36. Não restam dúvidas de que naquele momento inexistia a possibilidade de recurso à força pública pois o arguido BB estava encurralado, e mesmo que tentasse fugir, o perigo para os seus filhos que se encontravam dentro da viatura iria permanecer, pois crianças com 5 e 8 anos de idade, não conseguiriam fugir sozinhas daquele local. 37. Quanto ao animus defendendi, o arguido BB ao ver o arguido AA a desferir tiros na sua direção e na direção dos seus filhos menores que se encontravam dentro do carro, sentiu receio e quis e tentou defender-se, pelo que ao agir do modo descrito fê-lo com animus defendendi. 38. Estão assim verificados todos os pressupostos de que depende a verificação do instituto da legítima defesa, restando assim apreciar da necessidade racional do meio empregado. 39. Face à agressão atual com arma de fogo, é certo que o meio utilizado para repelir a agressão era idóneo e proporcional, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 32.° do CP, não por isso excessivo o uso da arma de fogo pelo arguido BB. 40. Quanto muito, e apenas por mera cautela de patrocínio, admitiremos estarmos perante um caso de excesso de legítima defesa, nos termos do art.° 33.° do Código Penal. 41. Mas mesmo que assim fosse, sempre teria aplicabilidade ao caso concreto, o n.° 2, do ora citado art.º 33.°, do CP, ou seja, o arguido não é punido se o excesso resultar de perturbação, medo ou susto não censuráveis. 42. Apenas por mera cautela de patrocínio se trará à colação a seguinte questão, uma vez que no entender do arguido, os factos por si praticados se encontram excluídos de ilicitude, porquanto agiu em legítima defesa, ou mesmo em excesso de legítima defesa, sem que possa ser punido, porquanto esse excesso resultou de perturbação, medo ou susto, não censuráveis. 43. Apenas por mera cautela de patrocínio se coloca a questão da qualificação jurídica do crime pelo qual o arguido foi agora condenado, e que se faz nos seguintes termos: 44. Não se conformando o requerente com a qualificação atribuída ao crime, porquanto nunca foi sua intenção praticar o mesmo, e a tê-lo praticado o fez de forma negligente. 45. O crime de homicídio negligente encontra-se tipificado no n.° 1 do art.l37° do Código Penal, sistematicamente integrado no capítulo dos crimes contra a vida. 46. Em conformidade a respetiva previsão incriminadora, "quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa". 47. Revertendo ao caso dos autos à luz de quanto vai dito, importa começar por determinar se, com a conduta por si empreendida, o arguido violou uma qualquer norma objetiva de cuidado, cuja inobservância se possa dizer causal do resultado obtido. 48. A resposta, afigura-se-nos afirmativa, pois o arguido, ao tentar defender-se da forma que fez, não previu que poderia causar a morte a terceiros, devendo desta forma, caso venha a ser condenado, o que não se concebe face á argumentação supra expendida, e se o for, por tudo o que supra se deixou consignado, pela da prática do crime de HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA NA FORMA TENTADA (artigo 131°, conjugado com o artigo 137°, ambos do Código Penal). 49. Foram violados as disposição legais já citadas supra e para as quais se remete, nomeadamente as normas do artigo 127.° e artigo 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal; os artigos 64.° e 358.° do mesmo CPP; os artigos 32.°; 33.°; 48.°; 50:°; 71 e 72.°, 131.° e 137.° todos do Código Penal, sendo Nulo o Acórdão, nos termos do artigo 379.° do CPP. 50. Ao não atender ao princípio in dúbio pró reo, o Tribunal "a quo" violou os artigos 18.°; 25.°, n° 1; 26.°; 32.°, n.° 8; 34.°, n.°3;eo artigo 204.° da Constituição da República. 51. É excessiva a medida da pena concretamente fixada ao arguido. 52. Aliás, trazendo à colação com todo o respeito as doutas alegações do Ministério Público, as quais uma vez mais subscrevemos com a devida vénia, o arguido BB, deveria efetivamente ter sido absolvido do crime de homicídio, o que se reitera. Isto porque, 53. Resulta do disposto nos artigos 40° e 71° do C.P., que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral especial ou individual, está já positiva ou negativa, porque, por um lado, ressocializadora, por outro também ainda dissuasora - tudo relativamente ao delinquente - funcionando a culpa, simultaneamente, como seu pressuposto e limite máximo. 54. A determinação da medida concreta das penas aplicadas aos arguidos ora recorrentes e da respectiva pena aplicada, não se encontra devidamente fundamentada pela sentença recorrida nos critérios definidos nos artigos 40° e 71° do CP, assim bem como dos art.°s 72.°, n.° 2, al. c) e 73.° também do CP. 55. Foram assim violados os art°s 40.°, 71.°, 72.° e 73.° do CP. 56. Incumbia ao tribunal recorrido não se limitar a ter em conta a pena aplicada ao outro arguido, mas também os antecedentes criminais, assim bem como deveria ter considerado as suas características humanas; as circunstâncias em que os factos ocorreram; o facto de o arguido ter confessado integralmente a sua; o facto do arguido se ter mostrado bastante arrependido; o facto do arguido ter demonstrado vontade de arrepiar caminho e mostrar à sociedade que pretende integrar-se na mesma e valorá-las positivamente, encontrando, na determinação da pena unitária a aplicar ao recorrente um ponto de equilíbrio entre as exigências de prevenção, a gravidade dos factos e a personalidade do agente. 57. Pelo que, a pena em concreto é desajustada à culpa do arguido aqui recorrente, quer individualmente, quer no cúmulo resultante destas. 58, Caso assim não se entenda, ou seja, pela absolvição relativamente ao crime de homicídio, e tendo em conta os mesmos fatores que supra se enunciaram, sempre o arguido deveria e ser condenado, em penas unitárias relativamente aos crimes de homicídio e de posse de arma inferiores a 5 anos, e em cúmulo jurídico, ser-lhe aplicada uma pena de prisão de 5 (cinco) anos suspensa na sua execução com regime de prova, o que se requer por mera cautela de patrocínio, pois apela à sua absolvição pelo crime de homicídio. Nestes termos e demais de Direito que V.ª s Exas. Doutamente suprirão, requer-se a V.ªs Ex.ªs que o presente recurso seja julgado em audiência e que, revoguem o acórdão recorrido pelos motivos de facto e de direito supra invocados. <> Respondeu a Dig.ma Magistrada do Ministério Público à motivação de recurso, do recorrente AA, alegando: (1.ªQUESTÃO PRÉVIA) Por nós entendemos que o Recurso do Arguido, motivado e concluído nos termos em que o foi, deverá ser rejeitado, nos termos do disposto no artigo 400º nº 1, al f) do C.P.P. 1. O Acórdão ora impugnado é irrecorrível para o S.T.J. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 432º nº 1º alínea b) e 400º nº 1º alínea f) do C.P.P. actualmente em vigor.
2. Na verdade, só é possível recorrer para o S.T.J. de decisões que, proferidas pelas Relações, em Recurso, sejam recorríveis nos termos do artigo 400º do C.P.P., como comanda o artigo 432º nº 1 alínea b) “a contrario”.
3. Ora, nos termos do disposto no artigo 400º nº 1º alínea f) do C.P.P. em vigor, não é admissível Recurso de Acórdãos condenatórios proferidos, em Recurso, pelas Relações, que confirmem decisão da 1ª Instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
4. Ora, o Acórdão impugnado confirmou a decisão proferida na 1ª Instância, a qual havia condenado o Recorrente, pela prática de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos arts.131.º, 22.º, 23.º, do Cód. Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão, e, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma p.e p. pelo art.º86.º, n.º1, al.c) da Lei n.º 5/2006, de 23/2, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e na pena única de 7 (sete) anos de prisão.
5. Pelo que o Acórdão ora impugnado não é passível de Recurso.
(2.ªQUESTÃO PRÉVIA) II (CONCLUSÃO)
TERMOS EM QUE SE CONCLUI pela rejeição do Recurso, assim se fazendo como é de JUSTIÇA!
<> Por sua vez, AA, Arguido nos autos à margem indicados, veio dizer e requerer: 1. Na passa terça-feira, dia 16/10, através de contacto telefónico efectuado para o escritório do mandatário signatário, foi-lhe solicitado o envio, em formato word, do recurso interposto pelo ora Requerente para o Tribunal da Relação de Lisboa, o que foi satisfeito por email de 17/10/2018; 2. Tal pedido criou no signatário a presunção de que os autos já teriam subido ao Supremo Tribunal de Justiça, a qual se veio a confirmar através da consulta à tabela da distribuição da área criminal disponível no site www.stj.pl, tendo o signatário constatado que o processo foi distribuído a esta 3.ª Secção no passado dia 16/10/2018; 3. Acontece que o ora Requerente ainda estava em prazo para responder ao recurso interposto peio Arguido BB, tendo-o feito na data de hoje, aproveitando o prazo suplementar previsto no art. 107.°-A do C.P.P., sendo que remeteu tal resposta ao Tribunal da Relação de Lisboa, como lhe competia; 4. De qualquer forma, e por cautela, junto se remete a resposta ao recurso apresentada no Tribunal da Relação de Lisboa. JUNTA: Resposta ao recurso.
Tribunal da Relação de Lisboa 5.ª Secção Proc. n.° 114/15.2GABRR.L2 RESPOSTA DE AA AO RECURSO INTERPOSTO POR BB 1. O Arguido BB pretende a revogação do acórdão da Relação na parte em que o condena pelo crime de homicídio na forma tentada e num pedido de indemnização a favor do ora Respondente, simultaneamente Arguido e Assistente. 2. Neste contexto, tem o ora Respondente direito a pronunciar-se sobre o recurso interposto - sendo certo que para isso foi notificado, nos termos do art. 413.°, n.° 1 do C.P.P. -, uma vez que a sua posição processual é susceptível de ser afectada pelo recurso interposto pelo Arguido BB. 3. O Arguido BB sustenta que agiu em legítima defesa de forma a repelir a agressão do ora Respondente, que sobre ele teria disparado, assim se defendendo a ele e aos filhos que se encontravam no carro que também teria sido atingido. 4. Todavia, mesmo em face dos factos dados como assentes, não se aceita que a acção do Arguido BB se possa configurar num contexto de uma mera acção defensiva. 5. Nessa parte, o acórdão da Relação fundamentou de forma adequada a razão pela qual considerou inconsistente a tese de que o Arguido BB agiu em legítima defesa, posição em que nos louvamos. 6. Como se diz no acórdão recorrido, a intensidade e a determinação da investida do Arguido BB não é compatível com uma simples intenção defensiva. 7. Porém, o problema dos autos reside na circunstância das instâncias se terem manifestamente equivocado quanto à sequência dos tiros disparados pelos Arguidos. 8. Como já se escreveu no recurso interposto, a tese das instâncias ofende as leis da lógica e as regras da experiência comum. 9. Bastará recordar as seguintes incongruências: • A um tempo, porque, só se tendo apurado que o Arguido AA disparou três tiros, como é que se pode dar como assente que, depois de ter tido a iniciativa de ter disparado tais tiros antes da reacção do Arguido BB, o Arguido AA continuou a disparar sobre o BB após a reacção deste? • A outro tempo, porque, tendo o Arguido BB "despejado" 7 tiros na direcção do Arguido AA, 5 dos quais atingindo-o em zonas vitais, chegando a disparar a menos de lm de distância, e estando o Arguido AA imóvel, dentro da carrinha, a "receber" tais disparos, como é possível que o Arguido AA, após a reacção do BB e tendo um carregador ainda cheio de munições, não tenha atingido o corpo do Arguido BB com qualquer disparo?
10. A verdade é que, à luz dos factos assentes, não é plausível que tenha sido o Arguido AA a tomar a iniciativa dos disparos, e muito menos que, após a reacção do BB, tenha continuado a disparar sobre ele, como mais de espaço se procurou demonstrar no recurso interposto pelo Arguido e Assistente AA, que se deve dar por reproduzido. 11. In casu, a bem da verdade material e da justiça, o Supremo Tribunal de Justiça não pode deixar de fazer uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 410.°, n.° 2 do C.P.P. e, reconhecendo a existência de manifesto erro na apreciação da prova, desde já absolver o ora Respondente do crime de homicídio na forma tentada por que foi condenado ou, caso entenda não ter os elementos suficientes para estabelecer a absolvição do Arguido AA, reenviar o processo para novo julgamento, nos termos previstos no art. 426.° do C.P.P.. Termos em que não procede o recurso interposto pelo Arguido BB. Juntou Documento comprovativo do pagamento da multa prevista no art. 107.°-A do C.P.P. (3.° dia).
<> Neste Supremo, o Ministério Público emitiu douto Parecer onde assinala: “1. Recurso do arguido AA (1852-1867): Este arguido requereu a realização de audiência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 435.º, do CPP. Assim, e porque a vista ao Ministério Público «destina-se apenas a tomar conhecimento do processo» [artigo 416.º, n.º 2 do CPP], reserva-se a nossa alegação sobre a admissibilidade e mérito do recurso para então. 2. Recurso do arguido BB (1904-1936): Recurso próprio, com os efeitos fixados (1941), nada obstando ao seu conhecimento, da competência deste Supremo Tribunal – art. 432.º, 1, al. b) do Cód. Proc. Penal. ** Não foi requerida audiência, pelo que o recurso deverá ser julgado em conferência - art. s 411.º, 5 e 419.º, 3, al. c) do Cód. Proc. Penal). ** Parecer: 1. Como decorre das respectivas conclusões, são as seguintes as questões submetidas a reexame: a) Nulidade do acórdão: Alega manifesta falta de fundamentação e omissão de pronúncia, posto que «a fundamentação não cumpre a exigência legal e constitucional de traduzir rigorosamente, cotejando toda a prova, todas e não somente uma, de onde se firmam os factos assentes e em que prova se funda essa convicção»; b) Violação dos princípios da livre apreciação da prova, in dubio pro reo, e vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP (contradição entre a fundamentação e a motivação, insuficiência da prova para a condenação, e erro na apreciação da prova); c) Legítima defesa/excesso de legítima defesa; d) Homicídio por negligência; e) Medida da pena. 2. Respondeu o Ministério Público (1945-1955) defendendo a procedência do recurso, considerando que o arguido actuou em legítima defesa, o que exclui a ilicitude do facto. 3. 3.1. No que respeita à nulidade do acórdão por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, importa referir que, concordando-se, ou não, com a decisão, verifica-se que esta fundamentou suficientemente a alteração da matéria de facto (n.º 18), como decorre do exposto a fls. 1834 v., III a 1837, mais concretamente de fls. 1835 v. a 1837. Com efeito, mostra-se explicitada a convicção dos julgadores, que procederam à reavaliação da prova produzida em julgamento, atendendo, nomeadamente, às declarações de ambos os arguidos, prova pericial, documentação clínica e prova testemunhal. 3.2. É pacífico que as questões relativas à matéria de facto mostram-se definitivamente resolvidas pela Relação, escapando aos poderes de cognição do STJ. Incluem-se neste grupo as questões constantes da alínea b) do ponto 1. E na vertente em que a violação do princípio in dubio poderia ser sindicada, constata-se que os julgadores não manifestaram qualquer dúvida na fixação dos factos, nomeadamente na alteração do n.º 18, como referimos no ponto 3.1, o que, desde logo, arreda a pretensão do recorrente. 3.4 Já no que respeita à situação de legítima defesa, acompanhamos a pretensão do recorrente, nos termos que se passam a desenvolver. A Relação alterou o n.º 18 da matéria de facto, do qual constava O arguido BB quis impedir o arguido AA de continuar a disparar na sua direcção e na direcção do seu veículo, onde se encontravam os seus filhos, sabendo que ao actuar da forma descrita poderia causar a morte ao arguido AA e conformando-se com tal possibilidade, passando à seguinte redacção: O arguido BB quis causar a morte ao arguido AA, agindo com essa intenção ao efectuar os referidos disparos na direcção do mesmo, o que fez de forma livre, deliberada e consciente, só não tendo alcançado aquele objectivo por circunstâncias alheias à sua vontade E partindo desta intenção de matar, conclui estarem preenchidos todos os elementos do crime de homicídio simples, na forma tentada, por que foi pronunciado, considerando: «Agiu depois de ter sido procurado pelo AA e ele ter disparado contra si, contudo, não agiu com intenção de repelir a agressão daquele, antes aproveitou essa acção para formular uma resolução clara de investir contra a vida do mesmo, não sendo possível, por isso, reconhecer nos factos provados qualquer causa de exclusão da ilicitude da sua conduta, nomeadamente legítima defesa. Vale por dizer que o acórdão recorrido, contrariamente ao que sucedera em 1.ª instância, afastou a legítima defesa, considerando que o arguido BB não agiu para repelir o ataque com arma de fogo do arguido AA, mas sim para o matar. Porém, cremos, tal como a Ex.ma Procuradora-Geral Ajunta na sua resposta, a fls. 1552-1555, que o facto dado como provado sob o n.º 18, conjugado com os constantes dos n.º s 2 a 7 e 12 a 14, não permite o afastamento da referida causa de exclusão da ilicitude. E julgamos que a provada intenção de matar por parte do arguido BB não constitui obstáculo a tal conclusão. Com efeito, na dinâmica do acontecimento, resulta provado: O arguido AA, apercebendo-se da presença do arguido BB, que se encontrava encostado à parte traseira do seu próprio veículo, no interior do qual se encontravam dois filhos menores deste, imobilizou o automóvel que conduzia, em contramão, de forma a ficar o mais próximo possível do referido BB; E do interior do veículo, com o propósito de o matar (e sem qualquer provocação do visado), começou a disparar a pistola de calibre 7,65 mmm, em direcção ao BB; O arguido BB dirigiu-se ao interior do seu veículo donde retirou uma pistola, também de calibre 7,65 mm, «enquanto este [AA] continuava a empunhar e a disparar a arma na sua direcção… e efectuou disparos. 7 – À medida que foi disparando, o arguido BB foi-se aproximando da viatura onde se encontrava o arguido AA», encontrando-se a menos de 1 metro de distância quando efectuou os últimos disparos; O arguido AA efectuou um número de disparos não inferior a 3 e o BB, não inferior a 7. O AA sofreu cinco perfurações, quatro no flanco esquerdo e uma no antebraço direito. O BB esfacelamento, escoriações e ferida perfurante na mão direita. Um dos disparos efectuados pelo arguido AA perfurou a porta da bagageira do veículo do arguido BB e outro a porta lateral direita de um outro veículo estacionado ao lado do automóvel do BB. Desta súmula extrai-se que o arguido AA actuou com intenção de matar o arguido BB e que este, perante tal ataque, que pôs em perigo a sua vida e a dos seus filhos, ripostou, avançando contra o agressor, com disparos que o visavam, enquanto a agressão ilícita perdurava. Assim, tratando-se de uma agressão ilícita (por parte do AA), actual, no sentido de constituir um perigo concreto para a vida e/ou integridade física do BB e seus dois filhos, justificou-se a necessidade de defesa, como meio preventivo da lesão esses bens jurídicos. E, no caso, nem sequer ocorre qualquer desadequação do meio utilizado para defesa. Perante um ataque persistente contra a vida do defendente, com arma de fogo, a reacção defensiva com arma de fogo, contra bens idênticos do agressor não é desproporcional, como exige parte da doutrina (cfr. Teresa Quintela de Brito, in Homicídio Justificado em legítima defesa e em estado de necessidade, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Coimbra Editora, 2001, pág. 185-215). É este, aliás, o sentido da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 2.º, n.º 2, alínea a), ao admitir o homicídio do agressor para assegurar a defesa do defendente contra violência ilícita. Retomando o caso concreto, importa relembrar que o acórdão afastou a legítima defesa, considerando que o BB não agiu com intenção de repelir a agressão daquele, antes aproveitou essa acção para formular uma resolução clara de investir contra a vida do mesmo. Trata-se de uma interpretação excludente, assente, com toda a consideração, no que julgamos ser um pressuposto errado. Aceitando-se que a legítima defesa tenha por subjacente a consciência do defendente de uma situação defensiva, acompanha-se integralmente Maria Fernanda Palma, in Casos e Materiais de Direito Penal, Almedina, pág. 167 e 168, quando pondera: «Não será exigível, propriamente, um animus defendendi, no sentido de a defesa ser a exclusiva motivação do defendente, mas é necessário que a conduta que se opõe à agressão ilícita seja explicável como defesa na linguagem social – o que impõe uma acção conscientemente dirigida à defesa, em que a agressão seja motivo determinante do agir». Ora, como se viu na matéria de facto provada, a conduta do arguido BB é determinada e explicada pela agressão ilícita de que foi e estava a ser vítima (com perigo para a vida dos seus filhos), ou seja, como acto de defesa, nem sequer se verificando ter ocorrido algum excesso desta. Deverá, pois, e em conclusão, por verificação de causa de exclusão da ilicitude, proceder o recurso <> Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2, do CPP, <> Tendo sido requerida audiência, por um dos arguidos recorrentes, realizou-se a mesma, colhidos os vistos legais, e com as devidas formalidades da lei, após ter sido oportunamente designada pelo Exmo. Presidente, <> Consta do acórdão recorrido: “IIº A decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respectiva fundamentação, é do seguinte teor: A) FACTOS PROVADOS Com interesse para a decisão a proferir, provaram-se os seguintes factos: 1 – No dia 13 de Março de 2015, pelas 20H30, o arguido AA, juntamente com a sua companheira, CC, fazendo-se transportar no veículo de marca Ford, modelo Transit, de cor branca e com a matrícula ...-FF-..., dirigiu-se à Rua ...; 2 – Aí chegado, ao aperceber-se da presença do arguido BB na mesma rua, desviou repentinamente a trajectória da viatura que conduzia para a esquerda e imobilizou-a em contramão, junto aos veículos que aí se encontravam estacionados e em perpendicular a estes, sensivelmente junto ao lote 17 daquela rua, por forma a ficar o mais próximo possível do arguido BB. 3 – O arguido BB, ao momento, encontrava-se a fumar um cigarro, virado para a via pública onde o veículo conduzido pelo arguido AA circulava, encostado à parte traseira do seu veículo automóvel de matrícula ...-LE-..., o qual se encontrava estacionado em perpendicular a essa mesma rua, nas proximidades do prédio nº 17 (onde vivem os seus pais). 4 – Nessa ocasião os filhos do arguido BB, à data com 5 e 8 anos de idade, encontravam-se no interior do mencionado veículo de matrícula 04-LE-71. 5 – Ao imobilizar a sua viatura nos moldes supra descritos, o arguido AA empunhou a pistola que trazia consigo – semiautomática, de calibre 7,65 mm browning, marca CZ, modelo 83 com o nº de série rasurado – com a qual começou a efectuar disparos em direcção ao arguido BB. 6 – Nessa sequência, o arguido BB dirigiu-se ao interior do seu veículo – ao qual se encontrava encostado – daí retirando uma pistola semiautomática, de marca star, de calibre 7,65 mm, browning, com o nº de série 468123, que apontou na direcção do arguido AA - enquanto este continuava a empunhar e a disparar a arma na sua direcção - e efectuou disparos. 7 – À medida que foi disparando, o arguido BB foi-se aproximando da viatura onde se encontrava o arguido AA sendo que os últimos disparos foram efectuados a curta distância, inferior a 1 metro. 8 – Por as munições da sua arma terem acabado, o arguido BB arremessou-a contra o arguido AA, tendo ficado caída no interior do veículo deste. 9 – Por seu turno, também o arguido AA deixou cair a sua arma no chão, a qual foi apanhada e guardada por outras pessoas que aí acorreram. 10 – O arguido AA efectuou um número de disparos não apurado, num mínimo de 3, na direcção do arguido BB. 11 – O arguido BB efectuou um número de disparos não apurado, em número não inferior a 7. 12 – AA sofreu cinco perfurações produzidas pelos projecteis disparados por BB, quatro no flanco esquerdo (duas anteriores e duas posteriores) e uma no antebraço direito, das quais resultaram lesões intra-abdominais e do membro superior direito, que conduziram a choque hipovolémico, hemoperitoneu, perfuração de ansas do jejuno, perfuração cólica, ferida esplénica e do rim esquerdo, fractura do rádio direito, tendo sido sujeito a esplenectomia, ressecção segmentar do delgado, rafia cólica e hemóstase. Sofreu um período de 180 dias de doença com incapacidade para o trabalho. 13 – BB sofreu esfacelamento, escoriações e ferida perfurante da mão direita. 14 – Um dos disparos efectuados pelo arguido AA perfurou a parte traseira do veículo de matrícula ...-LE-..., de propriedade do arguido BB, designadamente a porta da bagageira. Um outro disparo efectuado pelo arguido AA atingiu a parte lateral direita do veículo que se encontrava estacionado ao lado do do arguido BB. 15 – Existiam, à data dos factos, desentendimentos entre a família do arguido AA e a do arguido BB, relacionados com a relação marital estabelecida entre uma sobrinha daquele e um irmão deste. 16 – Ao actuar da forma descrita cada um dos arguidos sabia que os disparos efectuados eram aptos a causar a morte do outro. 17 – O arguido AA quis causar a morte ao arguido BB, agindo com esse propósito o qual apenas não alcançou por circunstâncias alheias à sua vontade. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punível. 18 – O arguido BB quis causar a morte ao arguido AA, agindo com essa intenção ao efectuar os referidos disparos na direcção do mesmo, o que fez de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punível, só não tendo alcançado aquele objectivo por circunstâncias alheias à sua vontade. 19 – Nenhum dos arguidos é portador de licença de uso e porte de arma, bem sabendo que o uso e porte das armas que detinham e com as quais efectuaram os disparos não é permitida por lei. Agiram ambos de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Das contestações dos arguidos 20 – Após os factos o arguido BB dirigiu-se a uma clínica em ..., onde, cerca das 22H00, recebeu tratamento médico por apresentar lesões na mão direita, esfacelamento, escoriações e ferida perfurante. 21 – O veículo do arguido AA, apresentava perfurações de bala na porta esquerda da frente e o vidro da mesma porta estava partido. 22 – O arguido AA foi seguido em consultas de psiquiatria no período compreendido entre 12/11/2008 e 10/12/2010. Sofreu os seguintes internamentos psiquiátricos: - no período de 3 a 11 de Setembro de 2013 por queixas e sintomas de dissónias, alterações de humor, ideação e projecto suicida, - no período de 19 a 26 de Novembro de 2013, por agravação do seu estado de saúde psíquico, - no dia 4 de Fevereiro de 2014 e até data não apurada, - no período de 14 de Janeiro de 2015 e até 6 de Março de 2015. 23 – O arguido BB trata-se de pessoa depressiva que apresenta um humor instável e crises de personalidade com fases de depressão. É seguido em consultas de psiquiatria com diagnóstico de perturbação de ansiedade. Dos Pedidos cíveis 24 – Em consequência dos disparos efectuados pelo arguido BB, o ofendido AA foi conduzido ao Centro Hospitalar .... 25 – O arguido foi sujeito a intervenção cirúrgica de emergência com: - esplenectomia total, - ressecção segmentar de aproximadamente 30 cm do intestino, englobando 4 perfurações; - colocação de ráfia com colon e hemóstase. 26 – Foi sujeito a analgesia, fluidoterapia, hemoterapia, antibioterapia, profilaxia antitrombótica e antiulcerosa, cinesiolerapia respiratória e fisioterapia do aparelho locomotor. 27 – Foi-lhe colocado dreno que manteve durante todo o internamento. 28 – No pós-operatório apresentava quadro de dificuldade respiratória que exigiu terapêutica de oxigenioterpia, analgesia, broncodilatadores, profilaxia antitrombotica. 29 – Apresentava quadro de agitação psicomotora. 30 – No membro superior direito foi-lhe colocada uma tala gessada. 31 – A nível abdominal exterior apresentava ferida cirúrgica com discreto rubor denotando queixas de dores na ferida operatória. Para encerramento da parede em plano foram colocados agrafos na pele. 32 – Teve alta hospitalar em 23 de Março de 2015, continuando a ser seguido em tratamentos e consultas. 33 – Sofreu dores e receou pela sua vida 34 – Tem vergonha de expor o seu corpo devido à cicatriz e marcas de ferimentos que apresenta. 35 – O arguido/demandante AA era, à data dos factos, comerciante de roupas e de imóveis, auferindo um vencimento anual líquido de cerca de 100.000,00 €. 36 – Para o exercício da sua actividade profissional o arguido/demandante AA conduzia diariamente percorrendo, por vezes, grande parte do País. 37 – O arguido/demandante BB sentiu angústia e dores com as lesões sofridas. 38 – Sentiu dificuldades em adormecer. 39 – Receou pela sua vida e pela dos seus filhos. 40 – O arguido AA sofreu as seguintes condenações: - pela prática, em 2000, de um crime de roubo a pena de 7 anos de prisão – a decisão transitou em julgado em 30/12/2005. O arguido cumpriu a pena de prisão, sendo-lhe concedida liberdade condicional em 17/1/2007 e até ao termo da pena, 15 de Maio de 2007; - pela prática, em 8/12/2009, de um crime de detenção de arma proibida, em pena de multa – por decisão transitada em julgado em 12/11/14; - pela prática, em 4/6/14, de um crime de detenção de arma proibida, em pena de multa – por decisão transitada em julgado em 2/1/17. 41 – O arguido BB sofreu as seguintes condenações: - pela prática, em 2003, de um crime de condução sem habilitação legal, em pena de multa – por decisão transitada em julgado em 18/3/2003; - pela prática, em 2002, de um crime de condução sem habilitação legal, em pena de multa – por decisão transitada em julgado em 17/8/2002; - pela prática, em 2003, de um crime de aproveitamento de obra contrafeita, em pena de multa – por decisão transitada em julgado em 28/7/2006; - pela prática, em 2006, de um crime de falsidade de depoimento, em pena de multa – por decisão transitada em julgado em 31/7/2007; - pela prática, em 2011, de um crime de dano qualificado, em pena de multa – decisão transitada em julgado em 29/6/12; - pela prática, em 2008, de um crime de aproveitamento de obra contrafeita, em pena de multa – por decisão transitada em julgado em 28/6/2013; - pela prática, em 20/7/13, de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, em pena de multa – por decisão transitada em julgado em 8/6/16. Condições pessoais e sociais dos arguidos 42 – Arguido AA O arguido nasceu na zona de ... onde cresceu integrado no agregado dos avós. Frequentou a escola até ao 3º ano. Posteriormente, já em adulto voltou a frequentar o 1º ciclo de escolaridade. Desde pequeno que acompanhava os avós nas feiras onde eles eram vendedores ambulantes, seguindo um estilo de vida comum na etnia cigana, a que pertence. Casou muito jovem, segundo a tradição cigana, com CC, a sua actual companheira. O casal ficou a viver com os sogros do arguido, igualmente vendedores em feiras e, algum tempo depois, autonomizou-se, dedicando-se, até hoje, à mesma actividade. Sensivelmente em 1993, o casal passou a viver em ..., tendo alcançado uma situação económica estável. Sofreu um período de reclusão durante o qual a companheira passou a viver na zona do ... onde habitavam alguns familiares. Aquando da sua libertação, o arguido ficou a viver na zona com a família nuclear. Após a ocorrência dos factos aqui em causa o arguido passou a viver no Concelho de .... AA apresenta problemas do foro psiquiátrico há vários anos. Mantém acompanhamento médico da especialidade. Trata-se de pessoa com imagem positiva junto dos vizinhos. Existe uma ligação muito forte e coesa entre o arguido e os membros do seu agregado nuclear. 43 – Arguido BB O arguido é natural da zona do ..., sendo oriundo de uma família numerosa, de etnia cigana, que residia num bairro de barracas. Os pais dedicavam-se à venda ambulante e tinham uma condição económica precária pelo que contavam com apoios sociais da Segurança Social. Na sequência da demolição do bairro de barracas onde vivia a família, o agregado familiar foi realojado no bairro social camarário .... O arguido ingressou na escola na idade normal mas revelou sempre uma fraca adesão à escola e muito insucesso escolar associado a um absentismo elevado. Apenas completou o 3º ano de escolaridade. Acompanhava os pais na venda ambulante. Começou a namorar DD aos 19 anos de idade e passaram a viver em união de facto aos 20 anos. O casal tem 3 filhos, de 10 anos, 7 anos e 7 meses de idade. O arguido sofre de depressão desde os 20/21 anos de idade. O casal dedicou-se à venda ambulante mas como a rentabilidade do negócio era baixa abandonaram tal actividade. Vivem exclusivamente dos apoios sociais. À data o arguido vivia com os filhos e a companheira, tal com actualmente, na mesma residência. A família alargada, pais, irmãos e cunhados, residem no mesmo bairro. O agregado dispõe de RSI no valor de 500,00 € e abonos de família dos filhos no montante de 350,00 €, contando também com a ajuda dos pais do arguido. * B) FACTOS NÃO PROVADOS:Não se provaram os seguintes factos que poderiam ter relevo para a decisão a proferir: - que a irmã do arguido AA, EE, à data dos factos, residia na ...; - que, no dia em causa o arguido AA se deslocou, juntamente com a sua companheira, ao local onde os factos ocorreram, a fim de entregar uma quantia monetária à sua irmã, EE; - que, quando se aproximou do nº..., da rua em causa, um veículo ligeiro de cor cinzenta, marca Ranault, modelo Mégane, saiu do estacionamento existente do lado esquerdo da via, no sentido descendente e, bruscamente atravessou-se na via, impedindo a passagem do veículo conduzido pelo arguido AA, isto enquanto surgiu o arguido BB, que após retirar do interior do seu veículo uma pistola e apontou-a na direcção do arguido AA disparando contra ele. - que o arguido BB apontou a arma em direcção da companheira do arguido AA, sendo este que a protegeu, colocando um braço à frente; - que após deixar cair a arma, o arguido BB dirigiu-se ao respectivo carro onde foi buscar outra arma e dirigindo-se de novo ao veículo do arguido AA apontando-lhe a arma; - que só neste momento o arguido AA pegou na pistola que detinha na sua posse, que a apontou ao braço do arguido BB e disparou contra ele. - que vários indivíduos, familiares do arguido, apontaram armas ao arguido AA e que o desarmaram. - que o arguido AA, devido aos medicamentos que tomava durante os tratamentos de natureza psiquiátrica permanecia, durante um período de cerca de 2 meses, num estado de letargia e acamado e que o efeito das doses de medicação tomadas se prolongava no tempo; - que o arguido AA, à data dos factos, se encontrava a tomar medicação que lhe provocava um estado de astenia e prostração. Dos pedidos civeís - que o demandante AA devido às lesões sofridas ficou com dores e incómodos fisiológicos que se manterão para o resto da vida, que a digestão e o trânsito intestinal ficaram alterados e que tem que comer frequentemente e em pequenas quantidades e que necessita de evacuar com muito frequência. - que o demandante AA se viu obrigado a mudar de residência por força dos factos objecto dos presentes autos. - que por força dos factos aqui em causa o demandante AA ficou com a sua mobilidade/capacidade funcional da mão extremamente reduzida, apresentando dificuldade em efectuar as tarefas básicas diárias, em pegar em pesos, em conduzir. - que apenas consegue conduzir 45 minutos após o que é obrigado a fazer uma pausa. - que após os factos aqui em causa o demandante AA sentiu medo de sair à rua durante vários meses e que só retomou a sua vida normal em meados de Setembro de 2015. - que durante 6 meses não exerceu qualquer actividade profissional. - que quando necessita de comprar roupa no Norte, cerca de 2 vezes por mês, contrata uma pessoa para conduzir a quem paga 50,00 € por dia. - que gastou 500,00 € na reparação do seu veículo. - que o arguido/demandante BB se sentiu humilhado com a lesão que sofreu e que deixou de sorrir passando a ser uma pessoa triste e desconfiada.
<> Apreciando e decidindo Tendo em conta os termos do ordenamento jurídico-.processual penal português imediatamente surge a questão prévia de inadmissibilidade legal do recurso criminal, interposto por AA para o Supremo tribunal de Justiça.
É que: O referido recurso foi interposto de decisão já proferida posteriormente à data da entrada em vigor da Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, que procedeu à alteração do Código de Processo Penal (CPP).
Somente é admissível recurso para o Supremo Tribunal de justiça, nos casos contemplados no artigo 432º e, sem prejuízo do artº 433º, do CPP.
No que aqui importa, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: “De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º” (artº 432º nº 1 al. b) do CPP)
Face ao art. 400., n.1, f) do Código de Processo Penal na redacção anterior à lei 48/2007 de 29 de Agosto, era jurisprudência concordante do Supremo (v. Ac. de 08-11-2006, Proc. n. 3113/06 - desta Secção, entre outros - que não era admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmassem decisão de 1ª instância, em processo por crime a que fosse aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções, face à denominada "dupla conforme". Entendia-se que a expressão «mesmo em caso de concurso de infracções», constante da al. f) do n.º 1 do art. 400.° do CPP, significava que, apesar de no caso se configurar um concurso de infracções, a regra primária da referida norma continuava a valer, incluindo nela também as situações em que os crimes do concurso se integrem nos limites da primeira referência a «pena aplicável», isto é, em que uma das penas aplicáveis a um dos crimes do concurso não ultrapassasse 8 anos de prisão havendo identidade de condenação nas instâncias. Nesta ordem de ideias, desde que a pena abstractamente aplicável independentemente do concurso de infracções, não fosse superior a oito anos, não seria admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, (na tese usualmente seguida pelo Supremo), sendo que uma outra tese, não seguida por esta Secção, entendia que na interpretação mais favorável para o recorrente, apenas seria admissível recurso da pena conjunta que correspondesse ao concurso de crimes a que fosse aplicável pena de prisão superior a oito anos.
Com a revisão do Código de Processo Penal operada pela referida Lei a al. f) do artº 400º passou a dispor: “ De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”
Deixou de subsistir o critério do “crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos”, para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a 8 anos. Daí que se eliminasse a expressão “mesmo no caso de concurso de infracções.” Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo, se a condenação confirmada, não ultrapassar 8 anos de prisão. Ao invés se ao crime não for aplicável pena superior a 8 anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar oito anos de prisão, decorrente de cúmulo e restrito então o recurso à pena conjunta.
Por efeito da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, foi alterada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, tendo-se limitado a impugnação daquelas decisões para este Supremo Tribunal, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos – redacção dada à al. f) do n.º 1 art. 400.º do CPP –, quando no domínio da versão pré-vigente daquele diploma a limitação incidia relativamente a decisões proferidas em processo por crime punível com pena de prisão não superior a 8 anos v. Ac. deste Supremo e desta Secção de 10-09-2008, in Proc. n.º 1959/08 - 3.ª Secção Há que ter como abrangida na expressão legal "confirmem decisão de primeira instância", constante do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, também as hipóteses de confirmação apenas parcial da decisão, quando a divergência da Relação com o decidido se situa apenas no quantum (em excesso) punitivo advindo da 1.ª instância. (v. Ac. deste Supremo de 29-03-2007 Proc. n.º 662/07 - 5.ª Secção) Como se decidiu no Ac. deste Supremo e, desta Secção, de 11-07-2007, Proc. n.º 2427/07,se a dupla conforme pressupõe, além do mais, uma confirmação de penas, por maioria de razão, ela não deixa de ocorrer se a decisão posterior melhora os efeitos sancionatórios da anterior decisão. É posição jurisprudencial deste Supremo Tribunal segundo a qual se deve considerar confirmatório, não só o acórdão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância, mas também aquele que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta ao recorrente, sendo o argumento decisivo fundamentador desta orientação o de que não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica do facto, o arguido tivesse que conformar-se com o acórdão confirmatório da pena mas já pudesse impugná-lo caso a pena fosse objecto de redução.
De qualquer modo a jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional antes e depois de Setembro de 2007 é no sentido de não considerar ser inconstitucional a circunstância de haver dupla conforme depois de ter havido redução da pena num acórdão da relação, nos termos do art. 400° n° 1, al. f) do CPP e por isso não poder haver recurso para o STJ em terceiro grau de jurisdição em matéria penal - Acórdãos do Tribunal Constitucional n° 2/06 de 13.1.2001, Ac. n° 20/2007 de 17/01.2007, o ac. n° 645/2009 de 15.12.2009.” Aliás, também o acórdão de 15 de Dezembro de 2009, proferido no processo n.º 846/09, 2ª Secção, do Tribunal Constitucional decidiu: “a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. b) Não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, e artigo 5.º, n.º 2, do mesmo Código, interpretada no sentido de que, em processos iniciados anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, proferida após a entrada em vigor da referida lei, e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”
Com efeito, no caso dos autos […] E, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após audiência, dando parcial provimento ao recurso do arguido/assistente, AA, acordaram: a) Condenar o arguido BB, como autor material, de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos arts.131, 22,23 e 73, do Código Penal, na pena de cinco (5) anos de prisão; b) Em cúmulo jurídico desta pena com a pena de dois anos de prisão, em que foi condenado em 1ª instância pelo crime de detenção de arma proibida, condena-se o arguido BB, na pena úncia de seis (6) anos de prisão; c) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização formulado pelo demandante/assistente AA, condenando o demandado BB, a pagar-lhe a quantia de €25.000 (vinte e cinco mil euros), a título de inemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa dos juros legais, a contar do trânsito da decisão condenatória; d) Confirma-se o acórdão recorrido no restante; a) Condenar o arguido BB, como autor material, de um crime de homicídio simples, na forma tentada, p. e p. pelos arts.131, 22,23 e 73, do Código Penal, na pena de cinco (5) anos de prisão; b) Em cúmulo jurídico desta pena com a pena de dois anos de prisão, em que foi condenado em 1ª instância pelo crime de detenção de arma proibida, condena-se o arguido BB, na pena úncia de seis (6) anos de prisão;
O acórdão da Relação de que foi interposto recurso pelo arguido AA é, pois, pelo exposto, irrecorrível, na parte criminal, quanto à sua condenação em termos criminais. <> Por acórdão de 4 de Abril de 2013, proferido no processo nº 543/12, da 1ª Secção, o Tribunal Constitucional decidiu: a) Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão
O critério da gravidade da pena aplicada é, pois, determinante na conformação da competência do STJ, o qual intervirá apenas se e quando tiver sido aplicada pena superior àquele limite.”
4- As posteriores leis de alteração do Código de Processo Penal,. não alteraram esse entendimento, o qual não é inconstitucional, uma vez que o artº 32º nº 1 da Constituição da República ao garantir o direito ao recurso, garante o duplo grau de jurisdição mas não duplo grau de recurso, sendo este determinado pela forma prevista no diploma legal adjectivo (v. aliás preâmbulo – 1.III. c) - do Código de Processo Penal)
5- A situação jurídica exposta não traduz qualquer diminuição das garantias de defesa nem prejudica o arguido, ou limita o exercício do direito ao recurso, pela recorrente, uma vez que a referida Lei ao não ampliar o direito ao recurso, também o não restringiu, mantendo-se o âmbito legal do direito ao recurso, como vinha sendo entendido. E, como se referiu, o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não confere a obrigatoriedade de um duplo grau de recurso, ou terceiro grau de jurisdição, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.
As legítimas expectativas criadas pelo exercício do direito ao recurso, foram acauteladas constitucionalmente, na situação concreta, com o recurso interposto para um tribunal de 2ª instância, o tribunal da Relação, por força da conjugação do artº 432º nº 1 al. c) e 427º, ambos do CPP, e o contraditório inerente, quer por força do disposto no artº 414º nº 1 do CPP, quer por força do artº 417º nº2, ambos do CPP.
Não há qualquer violação de normas constitucionais.
Parafraseando o Acórdão nº 424/2009, do Tribunal Constitucional, de 14 de Agosto: “ Não se pode, assim, considerar infringido o nº 1 do artigo 32º da Constituição pela norma que constitui o objecto do presente recurso, já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.
<> A concluir, refira-se o artigo 2º do protocolo nº 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 22/90, 27 de Setembro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 51/90, da mesma data), cujo texto é o seguinte: Artigo 2º 1 – Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados por lei. 2 – Este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição.
Como se vê, o nº 1 doa rtº 2º ressalva, precisamente, a hipótese em apreciação no presente recurso, da irrecorribilidade da decisãp. <> Óbvio é, por isso que as questões que lhe subjazem, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, enfim das questões referentes às razões de facto e direito assumidas, não poderá o Supremo conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo Tribunal.
<> Por outro lado, o mesmo recorrente AA não beneficia de interesse em agir ao recorrer sobre a pena aplicada ao arguido BB, pois que: Conforme Artigo 401.ºdo CPP, sobre Legitimidade e interesse em agir “1 - Têm legitimidade para recorrer: a) O Ministério Público, de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido; b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas; c) As partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas; d) Aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código, ou tiverem a defender um direito afectado pela decisão. 2 - Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.”
Por sua vez de harmonia com o Assento n.º 8/99, publicado em Diário da República n.º 185/1999, Série I-A de 1999-08-10 ”O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir”
Como bem salienta o Ministério Público, em sua resposta:
Com efeito como se disse a dado passo, no supra referido assento “se o assistente não demonstrar um real e verdadeiro interesse, um seu pedido de agravação da pena (em termos de espécie ou de medida) tem um cunho, ou, pelo menos, aparenta tê-lo, de regresso à vindicta privada, o que de há muito felizmente desapareceu das nossas leis - ainda quando elas admitem a acção directa ou a legítima defesa nunca se as quis como e enquanto sinal de vindicta, mas enquanto acção de justiça dentro de um apertado e rigoroso condicionalismo que concretamente se previu e o qual o agente não deve voluntariamente provocar.”
Não se afigura correcto confundir legitimidade processual com interesse em agir.
Nestes casos, aparece com uma nitidez, bem demarcada, a ideia - exacta - de que o domínio da acção penal cabe ao MP.
As expectativas do recorrente, no exercício do direito ao recurso, foram acauteladas com a interposição de recurso para a Relação.
O facto de ser admitido o recurso, não vincula o tribunal superior - artº 414º nº 3 do CPP.
Há pois que rejeitar o recurso, em tal âmbito, nos termos dos artºs 414º nº 2 e 420ºnº1 do CPP., por inadmissibilidade legal, , Assim se cumprindo a lei constitucional e a lei ordinária processual penal portuguesa. <> Relativamente ao recurso interposto por BB: Alega “falta de fundamentação e contradição entre a fundamentação e a motivação, insuficiência da prova para a condenação; errada apreciação da prova e violação do princípio in dúbio pro reo, atento que toda a prova aponta em sentido diverso.”
Este recorrente alega a legítima defesa na acção dos seus disparos e entende que deve ser absolvido do crime de homicídio “pois o arguido, ao tentar defender-se da forma que fez, não previu que poderia causar a morte a terceiros, devendo desta forma, caso venha a ser condenado, o que não se concebe face á argumentação supra expendida, e se o for, por tudo o que supra se deixou consignado, pela da prática do crime de HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA NA FORMA TENTADA (artigo 131°, conjugado com o artigo 137°, ambos do Código Penal). Por outro lado, aduz que “Incumbia ao tribunal recorrido não se limitar a ter em conta a pena aplicada ao outro arguido, mas também os antecedentes criminais, assim bem como deveria ter considerado as suas características humanas; as circunstâncias em que os factos ocorreram; o facto de o arguido ter confessado integralmente a sua; o facto do arguido se ter mostrado bastante arrependido; o facto do arguido ter demonstrado vontade de arrepiar caminho e mostrar à sociedade que pretende integrar-se na mesma e valorá-las positivamente, encontrando, na determinação da pena unitária a aplicar ao recorrente um ponto de equilíbrio entre as exigências de prevenção, a gravidade dos factos e a personalidade do agente. Pelo que, a pena em concreto é desajustada à culpa do arguido aqui recorrente, quer individualmente, quer no cúmulo resultante destas. Caso assim não se entenda, ou seja, pela absolvição relativamente ao crime de homicídio, e tendo em conta os mesmos fatores que supra se enunciaram, sempre o arguido deveria e ser condenado, em penas unitárias relativamente aos crimes de homicídio e de posse de arma inferiores a 5 anos, e em cúmulo jurídico, ser-lhe aplicada uma pena de prisão de 5 (cinco) anos suspensa na sua execução com regime de prova, o que se requer por mera cautela de patrocínio, pois apela à sua absolvição pelo crime de homicídio.”
Apreciando:
Relativamente a vícios previstos no artº 410º nº 2 do CPP, O nº 1 do artº 410º do CPP, refere que: “Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, e o artº 434º do CPP determina que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410º nºs 2 e 3.
Certo é também que o artigo 410º:do CPP dispõe no seu nº 2 que: Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.
Mas, como vem sendo entendido por este Supremo, os vícios constantes do artigo 410º nº 2 do CPP, apenas podem ser conhecidos oficiosamente e, não quando suscitados pelos recorrentes, pois que sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, só conhece dos vícios aludidos no artigo 410º nº 2, de forma oficiosa, por sua própria iniciativa, quando tais vícios se perfilem, que não a requerimento dos sujeitos processuais. Mesmo nos recursos das decisões finais do tribunal colectivo, o Supremo só conhece dos vícios do art. 410º, nº 2, do CPP, por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente, que, para o efeito, sempre terá de se dirigir à Relação. Esta é a solução que está em sintonia com a filosofia do processo penal emergente da reforma de 1998 que, significativamente, alterou a redacção da al. d) do citado art. 432., fazendo-lhe acrescer a expressão antes inexistente "visando exclusivamente o reexame da matéria de direito", filosofia que, bem vistas as coisas, visa limitar o acesso ao Supremo Tribunal, sob pena do sistema vigente comprometer irremediavelmente a dignidade deste como tribunal de revista que é.(v Acórdão deste Supremo Tribunal de 09-11-2006 Proc. n. 4056/06 - 5.a Secção) Com tal inovação, o legislador claramente pretendeu dar acolhimento a óbvias razões de operacionalidade judiciária, nomeadamente, restabelecendo mais equidade na distribuição de serviço entre os tribunais superiores e garantir o desejável duplo grau de jurisdição em matéria de facto. Esta posição nada tem de contraditório, já que a invocação expressa dos vícios da matéria de facto, se bem que algumas das vezes possa implicar alguma intromissão nos domínios do conhecimento de direito, leva sempre ancorada a pretensão de reavaliação da matéria de facto, que a Relação tem, em princípio, condições de conhecer e colmatar, se for caso disso, sendo claros os benefícios em sede de economia e celeridade processuais que, em casos tais, se conseguem, se o recurso para ali for logo encaminhado. Como referiu por ex. o Acórdão de 8-11-2006, deste Supremo Tribunal, in Proc. n. 3102/06- desta 3.a Secção: Os vícios elencados no art. 410º, nº 2, do CPP, pertinem à matéria de facto; São anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito. Também o apelo ao princípio in dubio pro reo respeita à matéria de facto. Se o agente intenta ver reapreciada a matéria de facto, esta e a de direito,, recorre para a Relação; se pretende ver reapreciada exclusivamente a matéria de direito recorre para 0 STJ, no condicionalismo restritivo vertido nos arts. 432º e 434º do CPP, pois que este tribunal, salvo nas circunstâncias exceptuadas na lei, não repondera a matéria de facto. É ao tribunal da relação a quem cabe, em última instância, reexaminar e decidir a matéria de facto. - arts. 427º e 428º do CPP. Quer a reforma do Código de Processo Penal operada pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, quer as reformas posteriores, não alteraram, esse entendimento.
In casu, o Tribunal da Relação pronunciou-se sobre tal matéria, sendo que o acórdão recorrido mostra-se fundamentado de forma crítica e valorativa, nas decisões que tomou, inexistindo pois nulidades, , A decisão recorrida conheceu da matéria de facto impugnada, fez uma análise fundamentada do que perante os seus poderes de cognição processualmente delimitados, poderia conhecer, de forma a que ficasse segura de um juízo de convicção, socorrendo-se nessa ponderação das provas, das regras da experiência comum, e explicitando como tribunal de recurso, as razões por que acolheu a decisão da 1ª instância. Em síntese e como se disse no Ac. deste Supremo de 03-04-2008, Proc. n.º 2811/06 - 5.ª Secção. O facto de a Relação conhecer de facto não significa que tenha de proceder a um novo julgamento de facto, em toda a sua extensão, tal como ocorrera em 1.ª instância. No recurso de matéria de facto, haverá que ter por objectivo o passo que se deu, da prova produzida aos factos dados por assentes, e/ou o passo que se deu, destes à decisão. O recorrente poderá insurgir-se contra o modo como teve lugar um ou ambos os momentos deste trânsito, desde logo, impugnando a matéria de facto devido ao confronto entre a prova que se fez e o que se considerou provado, lançando mão do disposto no n.º 3 do art. 412.º do CPP, e podendo mesmo ser pedida a renovação de prova, ou, então, invocando um dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP. Neste caso, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado (al. c) do n.º 2 do art. 410.º), como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu (als. a) e b) do n.º 2 do art. 410.º). Em qualquer das hipóteses, haverá que ter em conta que, uma coisa é considerar objecto do recurso ordinário a questão sobre que incidiu a decisão recorrida e, outra, ter por objecto do recurso essa decisão ela mesma. No primeiro caso, haverá que decidir de novo a questão que foi levada a julgamento, podendo inclusive atender-se a factos novos e produzir prova nunca antes produzida. No segundo caso, haverá que apreciar da bondade da decisão recorrida só a partir dos dados de que o(s) julgador(es) recorrido(s) dispôs(useram). Acresce que a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Não um novo julgamento global de todo o objecto do processo. Importa ainda ter em consideração, quanto ao julgamento de facto pela Relação, que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detectar-se no processo de formação da convicção do julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.
Ora, as questões suscitadas pelo recorrente relativamente à sua discordância em relação à forma como o tribunal de 1.ª instância decidiu a matéria de facto, constituem matéria especificamente questionada, integrando-se em objecto de recurso em matéria de facto, que foi exercido, tendo a Relação fundamentado a decisão, estranha aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, que sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do CPP, efectua exclusivamente o reexame da matéria de direito.- artº 434º do CPP. O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2ª instância, mas dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que lhe tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa e não indiscriminadamente todas as provas produzidas em audiência. O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127.° do CPP. O Processo Penal fundamenta-se e, é conduzido, de harmonia com as exigências legais da produção e exame de provas legalmente válidas, com vista à determinação da existência de infracção, identificação do seu agente e definição da sua responsabilidade criminal. A actividade probatória consiste na produção, exame e ponderação dos elementos legalmente possíveis a habilitarem o julgador a formar a sua convicção sobre a existência ou não de concreta e determinada situação de facto. Como se sabe, no sistema processual penal, vigora a regra da livre apreciação da prova, em que conforme artº 127º o CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. São admissíveis as provas que não forem admitidas por lei.- artº 125º do CPP Costuma distinguir-se entre prova directa e prova indiciária, referindo-se aquela ao thema probandum, aos factos a provar, e respeitando a prova indirecta ou indiciária a factos diversos (instrumentais) do tema probatório, mas que possibilitam, pelo uso das regras da experiência, extrair ilações no domínio do thema probandum, de convicção racional e objectivável do julgador. A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em 1.ª instância. O citado art. 127.° indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.
Por outro lado, os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, reexaminando decisões proferidas por jurisdição inferior. Ao tribunal superior pede-se que aprecie a decisão à luz dos dados que o juiz recorrido possuía. Para tanto, aproveita-se a exigência dos códigos modernos, inspirados nos valores democráticos, no sentido de que as decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, sejam fundamentadas. Desse modo, com tal exigência, consegue-se que as decisões judiciais se imponham não em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 230) Ao mesmo tempo, permite-se, através da fundamentação, a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo, desse modo, o tribunal superior verificar se, na sentença, se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294), sem olvidar que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância aquele que está em condições melhores para fazer um adequado usado do princípio de livre apreciação da prova- ( Ac. do STJ de 17-05-2007 Proc. n.º 1608/07 - 5.ª Secção). Com efeito, por força do artº 205º nº 1 da Constituição da República: As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. E, determina o artº 374º nº 2 do Código de Processo Penal sobre os requisitos da sentença que: Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se assim, com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. (v. Ac. do STJ de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 - 5.ª Secção) Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. (Ac do STJ de 12 de Abril de 2000, proc. nº 141/2000-3ª; SASTJ, nº 40. 48.) Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão. Como decidiu este Supremo e, Secção, no Ac. de 3-10-07 , in proc 07P1779 ), a fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. A integração das noções de “exame crítico” e de “fundamentação” facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos. Aplicada aos tribunais de recurso, a norma do artº 374º nº 2 do CPP, não tem aplicação em toda a sua extensão, nomeadamente não faz sentido a aplicação da parte final de tal preceito (exame crítico das provas que serviram para formar a livre convicção do tribunal) quando referida a acórdão confirmatório proferido pelo Tribunal da Relação ou quando referida a acórdão do STJ funcionando como tribunal de revista. Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, mantém a decisão da primeira instância, é suficiente que do respectivo acórdão passe a ccnstar esse reexame e a conclusão de que, analisada a prova respectiva, não se descortinaram razões para exercer censura sobre o decidido (Ac. do STJ de 13 de Novembro de 2002, SASTJ, nº 65, 60) Na verdade, como se elucida no Ac. deste Supremo, de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 – 5ª Secção, se a Relação sindicou todo o processo, fundamentou a decisão sobre a improcedência do recurso em matéria de facto nas provas examinadas no processo, acolhendo, justificando-o na parte respectiva, a fundamentação do acórdão do tribunal colectivo que se apresenta como detalhada, então as instâncias cumpriram suficientemente o encargo de fundamentar
Não há que convocar o princípio in dubio pro reo, pois que: A violação do princípio in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto é um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, e só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, nomeadamente quando tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355º nº 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme artº 32º nº 1 da Constituição da República. Como se sintetiza no Ac. deste Supremo de 28-06-2007, Proc. n.º 1409/07 - 5.ª Secção: «Na aplicação da regra processual da “livre apreciação da prova” (art. 127.º do CPP), não haverá que lançar mão, limitando-a, do princípio in dubio pro reo exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida [ainda que «indirecta»] não conduzir, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, “à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto” (cf. Cristina Líbano Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra, 1997). A decisão recorrida ficou convicta e não com dúvidas, da posição assumida
Por outro lado, como já salientava o Acórdão deste Supremo de 13 de Fevereiro de 1991, (in AJ, nºs 15/16, 7), se o recorrente alega vícios da decisão recorrida a que se refere o nº 2 do artº 410º do CPP, mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no artº 127º do CPP. Inexiste qualquer inconstitucionalidade no âmbito desta norma - artº 127º do CPP - quer na sua fórmula, quer na interpretação formulada pelo acórdão recorrido. e não se enxergam inconstitucionalidades. <>, Somente perante a factualidade apurada, definitivamente fixada se pode aplicar o direito.
Relativamente às circunstâncias de actuação, vem provado que: “Quanto à intenção com que agiu o arguido BB, o tribunal considerou provado que “…quis impedir o arguido AA de continuar a disparar na sua direcção e na direcção do seu veículo, onde se encontravam os seus filhos…” (facto provado nº18). Estando provado, apenas, que o arguido AA disparou na direcção do BB (nºs5,6 e 10, dos factos provados), não se apresenta lógica a intenção do BB de impedir que o arguido AA continuasse a disparar “…na direcção do seu veículo, onde se encontravam os seus filhos…”, pois só é compreensível uma acção defensiva em relação a uma agressão, que no caso nada aponta existisse em relação ao carro do BB ou filhos deste (embora um dos disparos efctuados pelo AA tenha perfurado a parte traseira do veículo do BB – nº14, dos factos provados, apenas se provou a intenção de atingir o BB). Por outro lado, encontrando-se o arguido AA ao volante do seu veículo automóvel, que acabara de imobilizar depois de manobra repentina, não se compreende que tendo o arguido BB agido com intensão de se defender “…impedir o arguido AA de continuar a disparar na sua direcção…”, por que razão não procurou um melhor ângulo de defesa (o que seria fácil, pois nada condicionava os seus movimentos, enquanto o AA permanecia sentado no banco do condutor do veículo que conduzia) e, de peito feito, tenha avançado em direcção ao AA efectuando disparos até que esgotou as munições, a última disparada na direcção do AA a distância inferior a 1 metro. A intensidade e determinação desta investida, corroborada pelas lesões provocadas pelos disparos no corpo do AA (cinco perfurações, quatro no flanco esquerdo -duas anteriores e duas posteriores- e uma no antebraço direito - nº12, dos factos provados), não é compatível com uma simples intenção defensiva. Perante a reacção do BB aos disparos do AA (total ausência de atitude defensiva que lhe era fácil adoptar, procurando abrigo perto ou fugindo do ângulo de acção do AA que permanecia sentado no interior de veículo imobilizado) e a acção do mesmo (muniu-se de pistola semiautomática que retirou do seu veículo estacionado no local, apontou-a em direcção ao AA, efectuou disparos, enquanto disparava foi-se aproximando da viatura onde se encontrava o arguido AA sendo que os últimos disparos foram efectuados a curta distância, inferior a 1 metro, com o resultado já referido), a conclusão de ter agido com intenção de “…impedir o arguido AA de continuar a disparar na sua direcção e na direcção do seu veículo, onde se encontravam os seus filhos…” apresenta-se ilógica face às regras da experiência comum, reveladora de falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pela leitura minimamente atenta e ponderada do texto da decisão recorrida. Reconhece-se, deste modo, em relação a estes factos, relativos à intenção com que agiu o arguido BB, a ocorrência do apontado vício do erro notório na apreciação da prova. Encontrando-se a prova documentada é possível a este tribunal sanar o vício em causa, nos termos do art.426, nº1, CPP, através da reapreciação de toda a prova, assim se evitando o reenvio do processo para novo julgamento. Contudo, perante os descritos elementos factuais, reveladores de uma intensa e determinada acção do BB contra a pessoa do AA (desencadeada pela acção deste), não é seguro concluir que a acção inicial do AA, levou o BB a formular a resolução de tirar a vida ao AA, com a qual agiu ao efectuar os mencionados disparos. Estamos perante o erro notório na apreciação da prova. Como refere o acórdão recorrido:
O vício de erro notório na apreciação da prova não supõe raciocínios ou considerações racionais da melhor metodologia empregue, mas sim a existência ou não de regras ilógicas ou contrárias à experiência comum, na definição dos factos. Ora é evidente que se o arguido BB disparou, , em consequência da acção primeira desencadeada pelo arguido AA, e tendo aquele os seus filhotes no seu carro, traduz nas regras da experiência comum, uma acção de legítima defesa, pars evitar que fossem atinidos pelos disparos do arguido AA. Sendo lógico concluir que o arguido BB visasse impedir o arguido AA de continuar a disparar na sua direcção e na direcção do seu veículo, onde se encontravam os seus filhos… O facto de o arguido BB enquanto disparava foi-se aproximando da viatura onde se encontrava o arguido AA sendo que os últimos disparos foram efectuados a curta distância, inferior a 1 metro, configura apenas a situação de excesso de legítima defesa. Na verdade, conforme Artigo 32.º do Código penal (CP) Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro. Por seu lado nos termos do Artigo 33.ºdo mesmo diploma legal, sobre Excesso de legítima defesa 1 - Se houver excesso dos meios empregados em legítima defesa, o facto é ilícito mas a pena pode ser especialmente atenuada. 2 - O agente não é punido se o excesso resultar de perturbação, medo ou susto, não censuráveis.
In casu, não resulta que excesso resultasse de perturbação, medo ou susto, não censuráveis. Assim, sanando o apontado vício, é de eliminar a redacção do nº18 dos factos provados,como foi considerada pel Relação, para continuar a subsistir a redacção fixada na 1ª instância: O arguido BB quis impedir o arguido AA de continuar a disparar na sua direcção e na direcção do seu veículo, onde se encontravam os seus filhos, sabendo que ao actuar da forma descrita poderia causar a morte ao arguido AA e conformando-se com tal possibilidade
Atenta a matéria fáctica provada, há que aplicar o direito, ou seja determinar a medida concreta da pena relativamente ao ilícito criminal por que foi condenado o arguido BB, por o mesmo decorrer da matéria fáctica apurada, com excesso de legítima defesa. <> Sobre a medida da pena A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal. O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Escrevia CESARE BECARIA –Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38, sobre a necessidade da pena que “Toda a pena que não deriva da absoluta necessidade – diz o grande Montesquieu – é tirânica.” (II); - embora as penas produzam um bem, elas nem sempre são justas, porque, para isso, devem ser necessárias, e uma injustiça útil não pode ser tolerada pelo legislador que quer fechar todas as portas à vigilante tirania...” (XXV) Mas, como ensinava EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16, “Ao contrário do que pretendia Beccaria, uma violação ou perigo de violação de bens jurídicos não pode desprender-se das duas formas de imputação subjectiva, da responsabilidade, culpa ou censura, que lhe correspondem. E neste domínio tem-se verificado uma evolução que seguramente não nos cabe aqui, nem é possível, desenvolver. Essa solução está, de resto, ligada ao quadro que se vem tendo do homem, às necessidades da sociedade que o integra, aos fins das penas a que se adira e à solidariedade que se deve a todos, ainda que criminosos.” Como se refere no sumário do Acórdão de 01.04.98, deste Supremo, in CJ. - AC. STJ - Ano VI - tomo 2- fls. 175, “As expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o rigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício”
Na lição de Figueiredo Dias ( Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121): “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
Tal desiderato sobre as penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo o nº 1 que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade E determinando o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal. As penas como instrumentos de prevenção geral são “instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução”, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar (idem, ibidem, p. 84) Por outro lado, como salienta o mesmo Distinto Professor a pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais. Porém, “não constitui todavia por si mesma uma finalidade autónoma de pena apenas podendo” surgir como um efeito lateral (porventura desejável) da necessidade de tutela dos bens juridicos.” (ibidem, p. 118) Mas, em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena. Deve-se a Günther Jakobs , na sequência do pensamento de Luhmann, a expressão de que finalidade fundamental ou primordial da pena encontra-se na estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada. E, é esta função primária da pena faz concluir pela existência de uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos “ e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar”, medida óptima essa, porém que não fornece ao julgador o quantum exacto da pena.
A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, ibidem, p. 117)
O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por execelência no âmbito das medidas de segurança. Ensina o mesmo Ilustre Professor –As Consequências Jurídicas do Crime, §55 que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’” Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.” Como resulta, v. g. do Ac. deste Supremo de 15-11-2006, Proc. n.º 3135/06 - 3.ª Secção, o modelo de prevenção acolhido pelo CP - porque de protecção de bens jurídicos - determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano. Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.
O n ° 2 do artigo 71º do Código Penal, estabelece, que: Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência: c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
A velhíssima ideia – sufragada pela doutrina oitocentista espanhola face ao artº 74º do seu CP de 1848 – da imposição da pena “no grau médio”, sempre que faltassem circunstâncias agravantes e atenuantes, tinha de ser abandonada, como efectivamente foi,, logo que os Códigos Penais começaram a conter critérios gerais da medida da pena, tendo-se compreendido que não é previamente dado ao juiz, antes da consideração da culpa e da prevenção, qualquer “ponto”, médio ou outro, da moldura penal, donde aquele deva “partir”. (v. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do crime, § 278, p. 210 e 211.)
A decisão recorrida considerou: “4. Ao crime de homicídio simples, na forma tentada, praticado pelo arguido BB, corresponde pena de prisão de 1 ano, 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses de prisão (arts.131, 22, 23 e 73, do CP). Como é sabido, a determinação da medida concreta da pena faz-se em função da culpa do agente e entrando em linha de conta com as exigências de prevenção de futuros crimes. A culpa é um referencial que o julgador nunca pode ultrapassar. Até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que vai determinar a medida da pena, criando-se uma moldura de prevenção geral, cujo limite máximo é a protecção máxima pensada para os bens jurídicos da comunidade e cujo limite mínimo é aquele abaixo do qual já não há protecção suficiente dos bens jurídicos. Dentro destes limites intervêm, para a concretização, a prevenção geral e a ideia de ressocialização. Quanto às exigências de prevenção geral, dizem respeito à confiança da comunidade na ordem jurídica vigente que fica sempre abalada com o cometimento dos crimes, têm a ver com a protecção dos bens jurídicos, com o sentimento de segurança e a contenção da criminalidade, em resumo, visam a defesa da sociedade. Já as exigências de prevenção especial se prendem com a capacidade do arguido de se deixar influenciar pela pena que lhe é imposta, estão ligadas à reintegração do agente na sociedade. No caso, o grau de ilicitude é elevado, tendo o BB atentado contra uma vida humana, atingindo o corpo do visado com cinco disparos, dos quais resultaram lesões intra-abdominais e do membro superior direito, que conduziram a choque hipovolémico, hemoperitoneu, perfuração de ansas do jejuno, perfuração cólica, ferida esplénica e do rim esquerdo, fractura do rádio direito, tendo o AA sido sujeito a esplenectomia, ressecção segmentar do delgado, rafia cólica e hemóstase, sofrendo 180 dias de doença com incapacidade para o trabalho. O grau da culpa também tem de se considerar como elevado, apesar da acção do AA, pois as circunstâncias em que se encontrava permitiam-lhe facilmente optar por uma atitude defensiva com êxito, […] As exigências de prevenção geral são prementes, como forma de dar um sinal claro à comunidade da inadmissibilidade deste tipo de actos, geradores de elevados sentimentos de insegurança. O BB sofreu já sete condenações anteriores, sempre em pena de multa, por crimes de natureza diversa e menor gravidade do que o dos presentes autos (condução sem habilitação, aproveitamento de obra contrafeita, falsidade de depoimento, dano qualificado, venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos), no entanto, a forte intensidade e determinação da sua resolução criminosa tornam as necessidades de prevenção especial também prementes. Considerando que ambos os arguidos são condenados por crime idêntico, deve a pena concreta reflectir, ainda, respeito pelos princípios da proporcionalidade e igualdade por que se deve nortear o julgador ao sancionar condutas de vários agentes[1]. No caso, o AA merece maior censura por lhe ter cabido a iniciativa do evento, o que justifica a graduação da pena do BB em cinco anos de prisão. Em cúmulo jurídico desta pena, com a pena de dois anos de prisão por que foi condenado pelo crime de detenção de arma proibida (art.77, CP), apresenta-se adequada a pena única de seis anos de prisão, ficando prejudicada a suspensão da execução da pena determinada em 1ª instância, por não ser legalmente admissível em relação à medida da pena única por que vai condenado (art.50, CP).”
Tendo em conta a fundamentação exposta, a intensidade do dolo, os ilícitos criminais verificados, as circunstâncias do crime de homicídio na forma tentada, procedendo o excesso de lgítima defesa quanto ao arguido BB, os desaguizados familiares existentes entre famílias comuns, a gravidade das consequências, e que, como vem provado:
<> Relativamente ao recurso interposto pelo demandante AA, tendo por objecto o pedido de indemnização civil O demandante AA, em consequência da actuação ilícita do BB, também sofreu danos, e formulou pedido de indemnização civil (fls.642 e segs.), por danos patrimoniais (€35.600) e não patrimoniais (€44.000). A 1ª instância decidiu: Absolver o demandado BB do pedido de indemnização civil formulado contra si pelo demandante AA; g) Condenar o demandado AA no pagamento ao demandante BB da indemnização, por danos não patrimoniais sofridos, no valor de 10.000,00 € acrescidos de juros, à taxa legal, contados desde a data de trânsito da decisão condenatória e até integral cumprimento.
O tribunal da Relação decidiu: Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização formulado pelodemandante/assistente AA, condenando o demandado BB, a pagar-lhe a quantia de €25.000 (vinte e cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa dos juros legais, a contar do trânsito da decisão condenatória; d) Confirma-se o acórdão recorrido no restante;
<> O artº 129º do C.Penal ao referir-se à responsabilidade civil emergente de crime, dispõe: “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.” Isto significa que a indemnização é regulada, quantitativamente e no seus pressupostos, pela lei civil, não tratando de questões processuais, que são reguladas na lei adjectiva. Embora o processo civil defina vários aspectos do regime da acção enxertada, como da definição da legitimidade. das partes, é a acção penal que verdadeiramente suporta, orienta e conforma todo o rito processual, marcando definitivamente a cadência de intervenção dos demandantes civis na causa e os principais aspectos de forma a observar no seu desenrolar, sem esquecer a diligência para que conflui todo o processo: a audiência de julgamento
Nos termos do artº 400º nº 3, do CPP. Mesmo que não seja admissível recurso quanto á matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil. Segundo o nº 2 deste preceito: Sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada. Formulou pedido de indemnização (fls.642 e segs.), por danos patrimoniais (€35.600) e não patrimoniais (€44.000).
A decisão recorrida é passível de recurso para o Supremo Tribunal uma vez que a alçada da Relação é de 30.000€ conforme artº 31º da Lei nº 52/2008 de 28-08-2008 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e Artigo 44.º da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, e o recorrente no recurso interposto para a Relação obteve a condenação em 25000,00€ , sendo pois, a decisão impugnada desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da referida alçada.
Como se sabe, de harmonia com o artigo 496º nº 1 do Código Civil: na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, segundo o nº 3 do preceito, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º;. O artº 494º alude ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso justificativas. Na indemnização pelo dano não patrimonial o pretium doloris deve ser fixado, por recurso a critérios de equidade, de modo a proporcionar ao lesado momentos de prazer que, de algum modo, contribuam para atenuar a dor sofrida.( Ac. deste Supremo, de 7-11-2006 in 3349/06, 1ª secção) A expressão “em qualquer caso”, tanto abrange o dolo como a mera culpa (v. C.J. 1986, 2º, 233 e, Vaz Serra in Rev. Leg. Jur., 113º-96). Demais circunstâncias do caso é uma expressão genérica que se pretende referir a todos os elementos concretos caracterizadores da gravidade do dano, incluindo a desvalorização da moeda. Sobre o entendimento do conceito de que já supra se referiu, no sentido de que não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim, um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto. E, como se disse no Acórdão deste Supremo de 18 de Dezembro de 2007, in www.dgsi.pt, a gravidade do dano deve medir-se por um padrão objectivo, e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria e embotada do lesado, e deve ser apreciada em função da tutela do direito: o dano deve ter gravidade bastante para justificar a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Por outro lado, estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida», conforme exposto no Acórdão do STJ de 17-06-2004, Proc. n.º 2364/04 - 5.ª Secção,- (v Ac.,do STJ de 3-7-2008 in prc. 122&708 da 5ª secção, e de 05-11-2008, in Proc. n.º 3266/08 desta Secção) Acresce que, não pode olvidar-se, como já se entendia no Acórdão do S.T.J. de 11 de Setembro de 1994 (in Col. Jur. Acs do S.T.J. ano II tomo III -1994 p. 92), “a indemnização por danos não patrimoniais, para responder, actualizadamente, ao comando do artº 496º do Cód. Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa.” Em síntese: A indemnização, porque visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido, deve ser significativa, e não meramente simbólica, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”. "Da restrição do artigo 496° extrai-se indirectamente outra lição: a que o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, do bom sendo prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida. É este, como já foi observado por alguns autores, um dos domínios onde mais necessário se tornam o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir" Antunes Varela. Das Obrigações em Geral, Vol I, 10° Ed., págs. 605, nota 4.
Como fundamenta o Acórdão da Relação: “O demandante AA, em consequência da actuação ilícita do BB, também sofreu danos. Formulou pedido de indemnização (fls.642 e segs.), por danos patrimoniais (€35.600) e não patrimoniais (€44.000). Em relação a danos patrimoniais, alegou que ficou impedido de exercer a sua actividade comercial durante seis meses, que para a continuar a exercer teve de contratar outra pessoa para conduzir o seu veículo, do que vai necessitar até à reforma e teve de reparar o veículo atingido por disparos efectuados pelo BB. Contudo, como resulta dos factos descritos no acórdão recorrido como não provados, não logrou provar factos integradores destes danos. Provou-se, porém, que em consequência dos disparos efectuados pelo arguido BB, foi conduzido ao hospital, foi sujeito a intervenção cirúrgica de emergência (com esplenectomia total, ressecção segmentar de aproximadamente 30 cm do intestino, englobando 4 perfurações e colocação de ráfia com colon e hemóstase), foi sujeito a analgesia, fluidoterapia, hemoterapia, antibioterapia, profilaxia antitrombótica e antiulcerosa, cinesiolerapia respiratória e fisioterapia do aparelho locomotor, foi-lhe colocado dreno que manteve durante todo o internamento, no pós-operatório apresentava quadro de dificuldade respiratória que exigiu terapêutica de oxigenioterpia, analgesia, broncodilatadores, profilaxia antitrombotica, apresentava quadro de agitação psicomotora, no membro superior direito foi-lhe colocada uma tala gessada, a nível abdominal exterior apresentava ferida cirúrgica com discreto rubor denotando queixas de dores na ferida operatória, para encerramento da parede em plano foram colocados agrafos na pele, teve alta hospitalar em 23 de Março de 2015, continuando a ser seguido em tratamentos e consultas, sofreu dores e receou pela sua vida, tem vergonha de expor o seu corpo devido à cicatriz e marcas de ferimentos que apresenta. É, pois, indiscutível que sofreu danos que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art.496, nº1, do Código Civil). Quantifica em €14.000 o dano biológico/ estético. Como refere o Ac. do S.T.J. de 20Jan.11 (Relator Cons. Souto Moura, acessível em www.dgsi.pt ) “… V - O chamado dano biológico aflorou em termos legislativos na Portaria 377/2008, de 26-05, em cujo preâmbulo se diz que “ainda que não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial, o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”, sendo certo que o art. 3.º, al. b), deste diploma, considera indemnizável o dano biológico, resulte dele, ou não, perda da capacidade de ganho. … VII - Entende-se ser autonomizável, devendo ser contabilizado, um prejuízo futuro de componente mista, patrimonial e não patrimonial, enquadrado como dano biológico, e que contemple, para além do resto, a maior penosidade e esforço no exercício da actividade corrente e profissional do lesado….”. No mesmo sentido, o Ac. do S.T.J. de 29Set.11 (Relator Cons. Isabel Pais Martins, sumário acessível em www.stj.pt ) “… II - O demandante sofreu um dano corporal, em sentido estrito, também chamado dano biológico, «consistindo este na diminuição ou lesão da integridade psico-física da pessoa, em si e por si considerada, e incidindo sobre o valor homem em toda a sua concreta dimensão» – João Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Almedina, 2001, pág. 272. III - A jurisprudência tem vindo, maioritariamente, a considerar o dano biológico como de cariz patrimonial, indemnizável nos termos do art. 564.º, n.º 2, do CC (cf. Ac. de 27-10-2009, Proc. n.º 560/09.0YFLSB - 1.ª), afirmando-se repetidamente que «a afectação da pessoa do ponto de vista funcional na envolvência do que vem sendo designado por dano biológico, determinante de consequências negativas ao nível da sua actividade geral, justifica a sua indemnização no âmbito do dano patrimonial». IV - Em abono deste entendimento, a tónica é posta nas energias e nos esforços suplementares que uma limitação funcional geral implicará para o exercício das actividades profissionais do lesado. O critério orientador na determinação do valor da indemnização relativa a danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente parcial, muito particularmente no caso de não haver perda imediata de rendimentos, é o da equidade – art. 566.º, n.º 3, do CC. …”. No caso, porém, não se provou que as lesões sofridas pelo recorrente AA lhe tenham determinado alguma limitação funcional que lhe exija um maior esforço para o exercício das suas actividades diárias, pessoais ou profissionais. Quanto ao dano estético, provou-se que tem vergonha de expor o seu corpo devido à cicatriz e marcas de ferimentos que apresenta, mas situando-se as lesões em partes do corpo normalmente cobertas pelo vestuário usado pela generalidade das pessoas no dia-a-dia e não se tendo provado que o recorrente exerça qualquer actividade regular, profissional ou lúdica, que implique exibição do corpo, não merece esse dano valoração especial, antes devendo ser incluído numa quantificação global dos danos não patrimoniais. Quantificou também um dano por se ter visto forçado a nova vivência, mas ao contrário do alegado, não provou que tenha mudado de residência. Contudo, foi elevado o seu sofrimento, atentas as perfurações sofridas no seu corpo e o tratamento hospitalar supra descrito, com intervenção cirúrgica de emergência delicada e internamento hospitalar por dez dias, seguido de tratamentos e consultas, sofreu dores e receou pela sua vida.
5 Como decidiu o Ac. do S.T.J. de 13Julho06 (Pº nº2046/06, 5ª Secção, Relator Simas Santos, sumário acessível em www.stj.pt) “…V - A reparação dos danos não patrimoniais não tem por fim, por ser isso impossível, colocar o lesado no statu quo ante, mas apenas compensá-lo, indirectamente, pelos sofrimentos, pela dor e pelos desgostos sofridos, atribuindo-lhe uma quantia em dinheiro que lhe permita alcançar, de certo modo, uma satisfação capaz de atenuar, na medida do possível, a intensidade do desgosto sofrido. VI - E na formação do juízo de equidade, devem ter-se em conta também as regras de boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida, como se devem ter em atenção as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes e nos tempos respectivos….”.
Tendo em conta a fundamentação exposta com a qual se concorda, a natureza, variedade, e características das lesões produzidas, a condição pessoal e económica do lesante constante da matéria de facto provada, conclui-se não ser excessiva a quantia indemnizatória atribuída, que por adequadamente justa se mantêm, acrescendo a este valor, juros, à taxa dos juros legais, a contar do trânsito da decisão condenatória
<> Termos em que, decidindo:
Acordam os deste Supremo – 3ª Secção – em Rejeitam o recurso em matéria criminal, interposto por AA, por inadmissibilidade legal- artº 400º nº 1 al. f e 420º nº 2, do CPP Custas por este recorrente com 6 UC de taxa de justiça indo condenado na importância de 4UC, nos termos do nº 3, do artº 420º do CPP
Negam provimento ao recurso sobre o pedido de indemnização civil e confirmar o acórdão recorrido. Custas do decaimento pelo recorrente
Dão parcial provimento ao recurso interposto por BB e, consequentemente em função do excesso de legítima defesa. reduzem a pena aplicada pelo crime de homicídio na forma tentada, para quatro anos de prisão, atento o disposto nos artºs 33º. Nº1, e 73º, do C Penal, e, em cúmulo, fixam a pena conjunta em cinco anos de prisão, que suspendem na sua execução por igual período, subordinada ao regime de prova, nos termos dos artºs 50º e 53º do CPenal, Sem custas
Lisboa, Escadinhas de São Crispim, Elaborado e revisto pelo relator. Pires da Graça (Relator) ------------------------------ [1] Como decidiu o Ac. do STJ de16-02-2006 (Proc. n.º 124/06 - 5.ª Secção, Relator Cons. Simas Santos): "... III - O princípio da igualdade, no domínio da aplicação do direito significa que nessa aplicação não há lugar a discriminação em função das pessoas; todos beneficiam por forma idêntica dos direitos que a lei estabelece, todos por forma idêntica se acham sujeitos aos deveres que ela impõe. IV - Um dos princípios fundamentais do direito penal é o da igualdade nas decisões de justiça, preocupando quase todas as sociedades democráticas o problema conexo das disparidades na aplicação das penas. Com efeito, a desigualdade no sistema de justiça penal é uma questão fundamental pois que, mal é notada, perturba não só a paz social mas também as infracções a que pretende responder, problema a abordar de maneira operacional, pois seria uma operação vã confrontar os sistemas de justiça penal com um ideal absoluto e mítico - por essência, inacessível. V - Na individualização da pena o juiz deve procurar não infringir o princípio constitucional de igualdade, o qual exige que, na individualização da pena, não se façam distinções arbitrárias. Sem deixar de reconhecer que considerações de justiça relativa impõem que se considerem na fixação de penas, em caso de comparticipação, as penas dos restantes co-autores, importa notar que a questão das disparidades injustificadas nas penas deve gerar essencialmente uma resposta sistémica, tendente a, em geral, compreender e reduzir o fenómeno. VI - No plano constitucional, ao lado do princípio da igualdade, ao menos no mesmo plano, situam-se os princípios da proporcionalidade, da adequação, da necessidade e da justiça e devem ser especialmente considerados os princípios da legalidade e da culpa, uma vez que devem ser respeitados os critérios e valores legais e a pena deve ser ajustada à culpa, que constitui um limite inultrapassável...". Assim decidindo, Vª Ex.ªs farão, com a conhecida sapiência e riquíssima experiência, a costumada Justiça! |