Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
753/16.4TBLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
BANCO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
BOA FÉ
CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INTERMEDIÁRIO
Data do Acordão: 04/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO / PRAZOS DA PRESCRIÇÃO – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR.
DIREITO MOBILIÁRIOS – INTERMEDIAÇÃO / EXERCÍCIO / CONTRATOS DE INTERMEDIAÇÃO / RESPONSABILIDADE CONTRATUAL.
Doutrina:
-Agostinho Cardoso Guedes, A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil, Revista de Direito e Economia, Volume XIV, p. 138-139;
-Gonçalo Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, Almedina, 2008, p. 76, 96 e 210;
-Almeno e Sá, Direito Bancário, Coimbra Editora, 2008, p. 10 e 19;
-Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume. I, 10.ª Edição, Almedina, 2003, p. 577, nota 2;
-Baptista Machado Tutela da Confiança e Venire contra Factum Proprium, RLJ, 117 (1984-5), p. 232;
-Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Coimbra, 2004, p. 19, nota 2;
-Fátima Gomes, Contratos de Intermediação Financeira, Sumário Alargado, Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, p. 580;
-Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 4.ª Edição, 2010, p. 368, 369 e 432 a 433;
-Menezes Cordeiro, Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade, publicado na muito recente obra, Estudos de Direito Bancário I, Fevereiro 2018, Almedina, p. 37;
-Paulo Câmara, Os deveres de categorização de clientes e de adequação dos intermediários financeiros, Direito Sancionatório das Autoridades Reguladoras, Coimbra Editora, p. 311;
-Rui Pinto Duarte, Contratos de intermediação no Código dos Valores Mobiliários, Cadernos do MVM, Coimbra Editora, n.º 7, 2000, p. 364.
Legislação Nacional:

CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 309.º, 483.º, N.º1 E 799.º, N.º 1.
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGOS 304.º N.º3, 304-A, N.º 2 E 324.º, N.º 2.

Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 17-03-2016, PROCESSO N.º 70/13.1TBSEI.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT:
Sumário :

I. A protecção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros implica, em relação a eles, que o intermediário financeiro indague sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer, ou, know your client no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente – nº3 do art. 304º do CVM – devendo observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

II. O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para se ajuizar se certa transacção é adequada ao cliente – suitablity test –, impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a professionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência mais acentuado, devendo actuar como “diligentissimus pater familias”, não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve.

III. O dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro,  no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa fé, constituindo um dever principal – a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro.

IV. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

V. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual – art. 483º, nº1, do Código Civil –, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º, nº1, do Código Civil, sendo claro o nº2 do art. 304-A do CVM quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.”

 VI. Os factos provados demonstram que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da actuação de boa fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo o interesse do investidor, seu cliente há 12 anos, e que, naturalmente confiava, como seria esperável dessa relação de confiança, uma informação que, obviamente, não era a de que a EE pudesse cair na insolvência,  mas que não deveria ser a que foi prestada: o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido como se fosse um produto do banco, o que foi razoavelmente entendido, como tão seguro e garantido como um depósito a prazo. 

 VII. Se nos deveres de informação não cabe, por exemplo, o dever de alertar para o risco de insolvência da entidade que coloca o produto financeiro no mercado, sobretudo se as circunstâncias não assinalarem no horizonte esse risco, já nos casos, como é o que nos ocupa, em que o cliente é induzido a investir pelo Banco, que toma a iniciativa de o contactar, o que revela confiança, não mesmo certo é que qualquer reticência de informação já é violadora do padrão de exigência informativa cometida ao intermediário financeiro.

VIII. O prazo de prescrição de dois anos, previsto no art. 324º, nº2, do CVM, só é aplicável nos casos de culpa leve ou levíssima do intermediário financeiro, como resulta da ressalva inicial “salvo dolo ou culpa grave”: sendo a culpa grave, não se aplica aquele prazo bianual, mas o prazo prescricional geral do art. 309º Código Civil.

Decisão Texto Integral:
Proc.753/16.4T8LSB.L1.S1

R-647[1]

Revista

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA e mulher, BB, instauraram, em 11.1.2016, na Comarca de Lisboa, Lisboa – Inst. Central -1ª Secção Cível – J2, acção declarativa, com processo comum, contra o réu:

 Banco CC, S.A.

Pedindo a condenação deste a pagar-lhes a quantia de € 52.481,99, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados sobre € 50.000,00, desde a citação e até integral e efectivo pagamento.

Alegam, em síntese, que o DD, repetindo uma operação de 2004, em 2006, lançou uma operação de emissão de obrigações subordinadas ..., a 10 anos, cujos valores captados serviram para reforçar os rácios de capital do DD.

Foram dadas instruções aos funcionários para não ser entregue aos clientes a nota informativa do produto e para ser vendido como um sucedâneo de um depósito a prazo.

Os autores acreditaram tratar-se de investimento seguro, 100% garantido e, em 12.04.2006, o autor marido subscreveu o boletim de subscrição de uma obrigação ..., no valor de € 50 000, pensando tratar-se de uma variante de depósito a prazo mas melhor remunerado.

Os funcionários do banco informaram que se tratava de produto sem qualquer risco, que o banco garantia o retorno dos valores em causa e que os podiam resgatar em qualquer altura, o que convenceu os autores.

Aos autores não foi dito, nem sabiam, que o empréstimo só poderia ser reembolsado a partir de 08.05.2016; se o soubessem, não teriam subscrito o produto, o que era do conhecimento dos funcionários do banco.

Os valores mobiliários em causa não estavam à data depositados em qualquer conta de valores mobiliários escriturais do DD ou da ...

O DD não forneceu informação sobre a relação que tinha com a ….

Citado, o réu contestou, invocando a excepção de prescrição do direito dos autores, ao abrigo do art. 324º do CVM, dizendo que eles tiveram conhecimento da alegada subscrição abusiva desde o início de 2009.

Mais invocou que o autor marido subscreveu uma Obrigação …, tendo perfeito conhecimento do produto e causa, tendo-lhe sido explicada a sua natureza, condições de remuneração, reembolso e liquidez; sabia que não estava a contratar um depósito a prazo ou sequer um produto equivalente.

Foi informado ao autor que a única forma de obter liquidez, antes do prazo de 10 anos, seria através de cedência das obrigações a um terceiro.

O autor recebeu sempre o extracto mensal no qual figuram as obrigações na sua carteira de títulos e recebeu os cupões de juros e nunca efectuou qualquer reclamação.

Convidados para o efeito, os autores responderam às excepções.

Em audiência prévia relegou-se para a decisão final o conhecimento da excepção de prescrição, foram enunciados o objecto do litígio e os temas de prova.

***

Foi proferida sentença com o seguinte teor na sua parte decisória:

Em face do exposto, julga-se a acção improcedente e, em consequência, absolve-se o réu do pedido.”

***

Inconformados, recorreram os autores, para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 19.9.2017 – fls. 363 a 391 –, julgou procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e condenando o Réu a pagar aos apelantes a quantia peticionada.

***

Inconformado, o Banco recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1. O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 3645, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do Código Civil.

2. A alteração da resposta à matéria de facto, no que toca à alínea j), significa que a douta decisão recorrida considerou provada uma garantia com recurso meramente a prova testemunhal.

3. O sentido dessa alínea j) remete-nos, aparentemente, para uma fiança.

4. Tratando-se de uma fiança, estaria a mesma sujeita à mesma forma exigida para a obrigação principal, nos termos do art. 628º do Código Civil.

5. No caso, vale o disposto no art. 327º do Código dos Valores Mobiliários que prescreve que as ordens de subscrição podem ser dadas oralmente ou por escrito, sendo certo que as dadas oralmente devem ser reduzidas a escrito e se forem presenciais, devem ser subscritas pelo ordenador.

6. Da conjugação de ambas as disposições parece-nos manifesto que a garantia, para ser válida, teria necessariamente que constar do documento de subscrição, ou, no pior dos cenários, do prospecto da emissão ou outra documentação de suporte à mesma – fosse como fosse, teria de assumir a forma escrita.

7. Ao decidir como decidiu, preterindo a aplicação do disposto no referido art. 364º do Código Civil, o Tribunal a quo violou normas de direito probatório material, inquinando a decisão proferida de ilegalidade.

8. Merece, também por esta razão, reparo a decisão em crise, devendo ser reparada quanto à matéria do facto não provado j), que deve manter-se como não provado (tal qual sustentado pela 1ª Instância e contrariamente à alteração feita pela Relação na decisão aqui sob recurso).

9. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto de o Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma aplicação SEGURA semelhante a um depósito a prazo, configura a prestação de uma informação falsa.

10. Porém, tal afirmação do funcionário do Banco Réu não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

11. De facto, o uso de uma tal expressão apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.

12. É utópico pretender ver nesta singela referência qualquer espécie de garantia absoluta de investimento. Até porque essa garantia não existe!

13. O investimento efectuado era um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.

14. Temos para nós por evidente que, à data da subscrição das Obrigações, o Intermediário Financeiro não tinha obrigação legal de informar o investidor sobre os riscos do instrumento financeiro subscrito (Obrigações) e que, mesmo actualmente (depois de entrar em vigor o D.L. 357-A/2007 de 31/10), o intermediário financeiro não está obrigado a informar o investidor acerca dos efeitos do risco de insolvência dos emitentes ou do mero risco de não retorno do capital investido na data de maturidade do investimento, ou sequer de analisar a robustez financeira do emitente.

15. A putativa falta de entrega ao Recorrido da nota informativa não constitui qualquer falta ou irregularidade por parte do Recorrente. De facto, em lado algum o CdVM (na redacção anterior a 01/11/2007 e mesmo na redacção actual) exige a entrega desses elementos!

16. O que o CdVM exige é que seja prestada a informação, o que foi feito, como acabamos de ver e resulta da matéria de facto provada sob os pontos 10º, 11º e 14º.

17. Cumprido o dever de informação, e porque o diálogo e processo negocial é dinâmico, não estava o funcionário do Banco Réu impedido de – em boa fé acrescentar ao seu argumentário o seu juízo pessoal sobre a segurança do produto…

18. A recomendação do funcionário do Banco Réu e juízo de valor acerca da segurança do produto não constitui qualquer violação do dever de informação que impendia sobre o intermediário financeiro, em 2006, no que toca ao esclarecimento quanto ao risco da subscrição do produto “Obrigações”.

19. Quer o art. 314º do CdVM, quer os arts 798º e 799º do Código Civil estabelecem unicamente presunções de culpa dos devedores, como aliás decorre do próprio texto legal dos referidos preceitos.

20. Fica por isso, e nos termos do art. 342º do Código Civil, a cargo dos credores/autores alegar e provar a ilicitude que serve de esteio à pretensão que trazem a juízo!

21. Mesmo que se defendesse (juntamente com alguma doutrina) a existência de uma presunção de ilicitude, sempre diremos que essa presunção apenas poderá existir no caso de incumprimento dos deveres principais do contrato, mas já não assim no caso de incumprimento de deveres acessórios, como é o caso do dever de informação no contrato de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

22. No caso dos deveres acessórios, a ilicitude não pode surgir por automatismo, porque esse dever não se insere na prestação principal do contrato, porventura até realizada pelo devedor.

23. É que a origem dos deveres acessórios não radica no contrato, mas sim no princípio da boa fé na execução dos contratos, previsto no art. 762º nº2 do Código Civil.

24. E, uma vez que o dever acessório é decorrência deste princípio, que orbita em torno da obrigação principal, é necessário que o credor alegue e prove não só a existência desse dever acessório (como fonte de responsabilidade) como, sobretudo, o seu não cumprimento, pois a maioria das vezes não se pode socorrer da evidência da falta de resultado prefigurado (a prestação principal inserta no contrato) para implicar o raciocínio lógico-dedutivo da afirmação da licitude!

25. Assim, a violação do dever de informação no contrato de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens não implica qualquer (inexistente!) presunção de ilicitude.

26. E, portanto, tinha que ser o Autor a alegar e provar que concretas informações é que o Banco Réu estava obrigado a lhe ter dado, que não deu!

27. Sucede que, tal matéria não consta da matéria de facto provada, precisamente porque o Autor se demitiu de a alegar…

28. E, não o tendo feito, tem a presente acção necessariamente que claudicar!

29. Em lado algum do CdVM se levou tão longe a obrigação do intermediário financeiro e se lhe impôs a obrigação de se assegurar que o investidor compreendeu a informação que lhe foi prestada!

30. O art. 312º-A nº1 alínea c) obriga que a informação seja apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio! E este é um critério objectivo de prestar a informação.

31. O destinatário médio é um destinatário com o cuidado, zelo, e atenção médios, colocado na situação do destinatário concreto, nomeadamente no que toca às capacidades, conhecimentos e experiência deste.

32. Um declaratário normal e médio colocado no lugar do Autor, não teria depreendido daquelas singelas expressões utilizadas de “garantia e segurança” que era afinal o Banco quem caucionava as obrigações da … ou que o investimento estava imune a toda e qualquer vicissitude ou fracasso!

33. Não houve da parte do Banco Réu a prestação de qualquer informação falsa, ou a utilização de qualquer artifício falacioso ou subterfúgio ardiloso que fosse a apto a enganar o Autor.

34. O que nos parece a nós é que, quando muito, houve da parte do Autor um erro espontâneo, mas nunca um erro provocado!

35. Assim sendo, nenhuma culpa pode ser assacada ao Banco Réu.

36. A condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério teoria da diferença prevista no art. 566º, nº2 do Código Civil, uma vez que dá azo a que o Autor venha depois a receber o que lhe couber do emitente do título e que acrescerá ao valor da indemnização já porventura pago pelo Réu e equivalente ao montante por ele desembolsado na subscrição do valor mobiliário.

37. Do texto do art. 799º nº1 não resulta qualquer presunção de causalidade.

38. Parece-nos que esta construção – da existência de uma presunção de causalidade – é uma forma de tentar ver na lei, uma coisa que ela manifestamente não diz.

39. Do art. 563º do Código Civil não resulta qualquer presunção de causalidade.

40. Resulta sim o acolhimento, em parte, dos ensinamentos da causalidade adequada, na vertente em que arreda, como regra, a necessidade da absoluta confirmação do decurso causal: não há que provar tal decurso, mas simplesmente, a probabilidade razoável da sua existência.

41. Porém, a substituição de uma prova absoluta por uma prova de probabilidade razoável, não faz com que desse downgrade de exigência probatória se possa concluir existir uma inversão do ónus da prova, como afirma o acórdão da Relação, ao estabelecer abertamente a existência de uma presunção de causalidade.

42. Tal, o que significa, é que o julgador se terá que bastar em sede causalidade, com um juízo de razoável probabilidade de que o dano foi originado por aquele facto!

43. Mas já não significa que tenha que ser o agente a provar que o facto não é adequado a provocar aquele dano ao lesado (situação esta que seria própria de uma presunção)!

44. O Autor não logrou provar – como era seu ónus, por não gozar de qualquer presunção de causalidade – que, se a informação lhe fosse prestada, não teria subscrito a aplicação financeira em Obrigações …!

45. Repare-se aliás que foi dado como não provado: alínea p) que o Autor marido não teria subscrito o produto se lhe tivesse sido mostrada a nota informativa.

46. Destarte, não sabemos nem alcançamos o que é que o Autor não sabia que, se porventura soubesse, teria determinado a sua recusa em efectuar o investimento!

47. O que se passa é que a falta de informação está agora a servir de bode expiatório a um investimento que se veio a revelar ser um mau investimento.

48. Assim, ou o Autor alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teria realizado o investimento, ou então, tem que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade — the risk lies where it falls!

49. A censura da conduta do Banco Réu nunca poderá ser reconduzida a um dolo ou a uma culpa grave.

50. O funcionário do Banco Réu nem sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado.

51. O funcionário do Banco Réu estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do Autor. Esta ideia resulta evidente do ponto 8º da matéria de facto provada. 

52. Uma tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência – a negligência inconsciente -, pois revela que o agente agiu por imprevidência, descuido, imperícia ou ineptidão, não chegando sequer a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida.

53. De acordo com os pontos 10º, 11º e 14º da matéria de facto provada, parece-nos evidente e manifesto que o Autor sabe, pelo menos desde 12/04/2006, “da conclusão do negócio e dos respectivos termos” (art. 324º, nº2 do CdVM), maxime das exactas características do produto.

54. Não obstante, a acção apenas foi proposta em 11 de Janeiro de 2016! E portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu!

55. E não se diga, como se infere do acórdão recorrido, que a questão tem que ver com a errada percepção que o Autor tinha do risco do produto, em virtude da recomendação de segurança do produto que lhe foi feita pelo funcionário do Banco Réu.

56. De facto, como vimos supra, tal circunstância nada tem que ver com a ignorância da conclusão do negócio e dos seus termos, mas unicamente com uma previsão de reembolso total do investimento, que se veio a revelar gorada, mas que era imprevisível à data da subscrição!

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a sentença recorrida substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente, absolvendo, em consequência, o Réu e assim fazendo a mais inteira e sã Justiça!

Os Réus contra-alegaram, pugnando pela confirmação do Acórdão.

Atempadamente – arts. 651º, nº2, e 680º, nº2, do Código de Processo Civil – o Recorrente fez ingressar nos autos dois Pareceres de eminentes Professores de direito – fls. 651 a 712 e 713 a 754.

***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

 

1º- Banco CC, S.A., réu, é um banco comercial, que girava anteriormente sob a denominação DD - …, S.A.

2º- Até à nacionalização do DD - …, S.A. (operada pela Lei n.º62-A/2008, de 11 de 2011), a totalidade do seu capital social era detida pela sociedade então denominada EE, …, S.A.

3º- EE, …, S.A. e DD - …, S.A., à data dos factos relatados neste processo, tinham por Presidente do Conselho de Administração, FF.

4º- DD - …, S.A., até à data da nacionalização do seu capital, era, simultaneamente, uma instituição de crédito e um intermediário financeiro.

5º- Os autores são há mais de 12 anos clientes do banco réu na agência de …, Leiria.

6º- A EE, SA, emitiu 1000 obrigações subordinadas, sob a forma escritural, ao portador, com o valor nominal de € 50 000, com reembolso a 10 anos, amortização ao par, de uma só vez em 08/05/2016.

7º- Aos clientes era dito que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo.

8º- Os funcionários do balcão em que os autores tinham depositadas as suas quantias acreditavam que as Obrigações ... que vendiam era produto seguro e não oferecia risco para os subscritores.

9º- Os autores detinham depositados no réu em Abril de 2006, € 50 000.

10º- O autor marido subscreveu, em 12/04/2006, o boletim de subscrição de uma Obrigação ..., no valor de € 50 000.

11º- Foi dito ao autor marido que poderia resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da Obrigação ... a terceiros.

12º- A Operação foi lançada em Abril de 2006.

13º- A EE pagou os juros referentes às Obrigações ....

14º- O autor marido foi informado que ao balcão do réu que a Obrigação seria remunerada a uma taxa de juro anual nominal bruta de 4,5% no primeiro semestre, e à taxa Euribor a 6 meses mais 1,15% nos nove cupões seguintes e à taxa Euribor mais 1,50% nos restantes cupões.

15º- Na altura o produto tinha muita procura por os juros serem superiores aos dos depósitos a prazo.

j) Os funcionários do banco asseguraram ao autor marido que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco.

 

l) Não foi facultada aos autores nota informativa do produto.

Factos não provados:

a) - Pontos 1º a 4º da petição inicial (p.i.), relativos às profissões dos autores, estatuto de ex-emigrantes e fontes de rendimentos;

b) - Que os autores não tenham realizado operações nos mercados dos valores mobiliários, pelo menos 10 nos últimos quatro trimestres nem que tivessem uma carteira de valores superior a € 500 000, ou prestado funções no sector financeiro;

c) - Que os autores eram simples aforradores;

d) - Que em 2006 o Banco de Portugal ordenou ao DD que reforçasse capitais próprios;

e) - Que as administrações do DD e da EE se confundissem;

f) - Que foi elaborado um plano pelos dirigentes do banco com vista ao desapossamento de grande parte das quantias que os seus clientes tinham depositadas;

g) - Que tenham sido dadas instruções aos funcionários para não mostrarem ou não entregarem a nota informativa do produto;

h) - Que os capitais obtidos com a operação de emissão e colocação das obrigações ... serviu para reforçar os capitais próprios do banco;

i) - Que o documento de subscrição da obrigação, de fls. 86, tenha sido colocado à frente do autor marido, já preenchido, limitando-se ele a assiná-lo;

j)- Que os funcionários do banco tivessem assegurado ao autor marido que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco; a Relação considerou provado este facto com a redacção que consta do elenco dos factos provados.

l)- Que não foi facultada aos autores nota informativa do produto; a Relação considerou provado este facto com a redacção que consta do elenco dos factos provados.

m) - Que os funcionários do banco sabiam que os autores nunca haviam investido em produtos diferentes de depósitos a prazo;

n)  - Que os funcionários do banco sabiam que os autores nunca subscreveriam obrigações;

o) - Que o autor marido desconhecesse que o empréstimo (obrigacionista) só poderia ser reembolsado em 08/05/2016;

p) - Que o autor marido não teria subscrito o produto se lhe tivesse sido mostrada a nota informativa respectiva;

q)- Que os autores vivem com contínuo terror e receio de terem perdido o capital do seu investimento;

r)- Que somente após a nacionalização do DD foi entregue aos autores informações sobre o produto investido;

s)- Que os gestores de conta ofereciam o produto aos clientes sem terem a noção de que produto se tratava;

t)- Que os autores não tinham intenção de adquirir Obrigações ...;

u)- Que as Obrigações ... não estavam depositadas em qualquer conta de valores mobiliários escriturais.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso –, importa saber:

- se o Acórdão recorrido, ao considerar provado o facto j), violou regras de direito probatório material;

- se o Banco não violou os deveres de informação, no contexto da venda aos recorridos, do produto financeiro que adquiriram;

- se a acção está prescrita.

Vejamos a 1ª questão:

Entende o Recorrente que o Acórdão, ao considerar, no âmbito do julgamento da matéria de facto, provado o facto j) os funcionários do banco asseguraram ao autor marido que o retorno da quantia subscrita era garantida pelo próprio banco, o fez com base em prova testemunhal, quando o facto só poderia ser provado documentalmente, do ponto em que, implicitamente, deu como provado que o Banco prestou uma fiança e, como a operação financeira em apreciação, apenas se poderia provar por escrito, nos termos do art. 317º do Código dos Valores Mobiliários (doravante CVM); sendo nulo o contrato, é nula a fiança – arts. 628º, nº1 e 632º do Código Civil.

O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, tem muito restrita competência no que respeita ao julgamento da matéria de facto, apenas podendo intervir se a Relação, como instância que reaprecia em segundo grau a matéria de facto, tiver violado regras de direito probatório material. Tratando-se de recurso de revista, não tem, pois, este Tribunal, por regra, competência para censurar a Relação no seu juízo probatório – arts. 674º, nº3, e 682º, nº2, do Código de Processo Civil.

O Supremo Tribunal de Justiça não julga da matéria de facto a não ser excepcionalmente, como também decorre do art. 46º da Lei 62/2013 de 26.8 – “fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito”.  

 

Dito isto, impõe-se afirmar que a Relação, ao dar como provado o facto questionado pelo Recorrente, não considerou que o banco prestou uma fiança, que seria nula, por dever obedecer à forma escrita prescrita para o negócio principal e, que na tese do recorrente, foi prestada pelo Banco.

Com efeito, nos termos do art. 327º do CVM: “1. As ordens podem ser dadas oralmente ou por escrito. 2.            As ordens dadas oralmente devem ser reduzidas a escrito pelo receptor e, se presenciais, subscritas pelo ordenador.” No caso, como o Autor teria adquirido ao balcão do Banco, agindo este como intermediário financeiro, o produto financeiro Obrigação ... e a ordem dada presencialmente não foi escrita, como a Relação considerou provado que os funcionários do banco asseguraram ao autor marido que o retorno da quantia subscrita era garantida pelo próprio banco, prestaram uma fiança, também nula nos termos do art. 628º do Código Civil.

Mas não é assim, com o devido respeito.

 O Tribunal da Relação, analisando a prova testemunhal produzida em 1ª instância, alterou-a, no livre uso da sua convicção própria, dando agora como provado o facto que, de modo algum, se pode considerar a assunção de uma fiança: seria até desconcertante que os funcionários do Banco prestassem garantias deste tipo.

 

O Recorrente, partindo da alteração da matéria de facto, pretende um efeito de natureza diferente que a lógica interpretativa e a boa fé processual não comportam.

A 2ª questão: violação dos deveres de informação pelo Banco, sim ou não?

Esta a questão crucial.

Apreciaremos a questão à luz do vigente CVM porque, tal como se afirma no douto Parecer de fls. 651 a 712: “Não deixaremos de considerar a redacção actual do CVM neste estudo, dado o entendimento (que parece vingar) de que a densificação dos deveres de informação que ela levou a cabo teria servido “apenas para tornar mais claros e completos [esses deveres], que já podiam ser derivados da redacção [anterior] do art 312 do CVM”.

O texto refere-se aos deveres de informação impostos pelo CVM, quer, na redacção anterior à entrada em vigor do DL. Nº357-A/2007, de 31.10, quer na actual.   

A resposta a esta questão relaciona-se, indissociavelmente, com a questão da prescrição pelo que não há ilogicidade na prévia apreciação.

Antes, importa analisar e qualificar o negócio jurídico celebrado entre o Banco e o Autor/cliente.

O Banco CC, S.A., réu/recorrente, é um banco comercial, que girava anteriormente sob a denominação DD-…, S.A.

Até à nacionalização do DD – …, S.A. (operada pela Lei n.°62-A/2008, de 11 de 2011), a totalidade do seu capital social era detida pela sociedade então denominada EE – …, …, S.A.

O DD – …, S.A., até à data da nacionalização do seu capital, era, simultaneamente, uma instituição de crédito e um intermediário financeiro.

 Os autores, há mais de 12 anos, eram clientes do réu, na agência de …, Leiria, e aí detinham depositados, em Abril de 2006, € 50 000.  

O autor subscreveu, em 12.04.2006, o boletim de subscrição de uma Obrigação ..., no valor € de 50 000. Foi dito ao autor marido que poderia resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da Obrigação ... a terceiros.

Provou-se no que concerne à informação prestada ao recorrente:

Os funcionários do banco asseguraram ao autor marido que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco.

Não foi facultada aos autores nota informativa do produto. 

Aos clientes era dito que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo.  

Os Autores vieram a perder o capital investido na obrigação subscrita ..., no valor de € 50 000, para a qual mobilizaram o total depositado no Banco.

Entre o Banco DD, agora Banco CC, e o Autor foi celebrado um contrato de intermediação financeira.

Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, págs. 572/573, afirma: “Designamos genericamente por contratos financeiros os negócios jurídicos relativos ao mercado de capitais: entre eles, destacam-se os contratos de intermediação financeira e os contratos derivados…Denominam-se contratos de intermediação financeira os negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira”.

O DD, agora Banco GG, era até à data da sua nacionalização (2008), uma instituição de crédito e um intermediário financeiro estando, pois, autorizado a realizar a operação que acertou com o Autor. A totalidade do capital social do banco era detida pela EE.

Os intermediários financeiros estão sujeitos a princípios e deveres que decorrem da sua exigente actividade, no que respeita à negociação de operações financeiras executadas pelos Bancos, onde os clientes têm os seus depósitos e investem em produtos financeiros, visando maior rentabilidade.

Se entre o Banco e o seu cliente existe, em regra, uma relação de confiança, maior deve ser o cuidado do Banco no oferecimento de produtos financeiros e na captação de investimentos, sobretudo nos casos de iliteracia financeira: o cliente tem, razoavelmente, motivo para confiar.

Como afirma Agostinho Cardoso Guedes, in “A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil” – Revista de Direito e Economia, Volume XIV, pp. 138-139, “no caso do banco, o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objectivamente possuem.”

Nos termos do art. 304º do CVM, a actuação do intermediário financeiro deve pautar-se por cinco princípios fundamentais que, segundo Gonçalo Castilho dos Santos, in “A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente”, pág. 76, 2008, Almedina, são:

“1) O princípio da protecção dos legítimos interesses dos clientes;

 2) O princípio da eficiência do mercado;

 3) O princípio da observância dos ditames da boa-fé (de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência);

4) O princípio da recolha da informação sobre a situação financeira, experiência e objectivos dos clientes; e

 5) O princípio do segredo profissional.”

A protecção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros implica, em relação a eles, que o intermediário financeiro indague sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer, ou, know your client, no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente – nº3 do art. 304º do CVM – devendo observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

Gonçalo Castilho dos Santos, obra citada, pág. 96, sobre a boa fé e a conduta devida pressupostas no art. 304º, nº2, do CVM:

“A referência ao princípio da boa fé para efeitos de conformação da relação do intermediário financeiro com os restantes intervenientes no mercado é complementada com a indicação do que tem vindo a ser considerado pela doutrina como “vinculações acessórias” daquele princípio: a diligência, a lealdade e a transparência.

No entanto, a possível recondução, também pacífica, da boa fé a um sentido ético normativo e, dessa forma, à sua definição como regra de conduta, permite-nos constatar que a conduta diligente, leal e transparente ex bona fide, no âmbito jusmobiliário, surge densificada como dever principal, como efeito principal da relação jurídica de intermediação financeira, no sentido de que essa conduta é, afinal a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro.”

 

Nos termos do art. 304º-A do CVM:

  “1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

 2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Decorre da Directiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF), que foi transposta para a ordem jurídica portuguesa, pelo Decreto-Lei n.º357-A/2007, de 31de Outubro, que procedeu à transposição, igualmente, da Directiva n.º2006/73/CE, da Comissão, de 10 de Agosto, da Directiva n.º 2004/109/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro e da Directiva n.º 2007/14/CE, da Comissão, de 8 de Março, o “dever de assegurar a adequação do serviço a prestar ao cliente”.  

Os arts. 312º, 314º e 317º do CVM consagram o essencial dos princípios e deveres da Directiva.

O artigo 312.º - Deveres de informação

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:

 a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;

 b) À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de protecção que tal implica;

 c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adoptadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;

 d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;

 e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;

 f) À sua política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral;

 g) À existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

 h) Ao custo do serviço a prestar.

 2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

[…]”

Nos termos do artigo 314.º - Princípio geral

1 - O intermediário financeiro deve solicitar ao cliente informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro ou ao serviço considerado, que lhe permita avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos.

 2 - Se, com base na informação recebida ao abrigo do número anterior, o intermediário financeiro julgar que a operação considerada não é adequada àquele cliente deve adverti-lo, por escrito, para esse facto.

 3 - No caso do cliente se recusar a fornecer a informação referida no n.º 1 ou não fornecer informação suficiente, o intermediário financeiro deve adverti-lo, por escrito, para o facto de que essa decisão não lhe permite determinar a adequação da operação considerada às suas circunstâncias.

 4 - As advertências referidas nos n.ºs 2 e 3 podem ser feitas de forma padronizada.

 O artigo 317.º - Disposições geraisimpõe ao intermediário financeiro a categorização dos seus clientes como “investidor não qualificado”, “qualificado” ou “contraparte elegível”, discriminação que visa a protecção do investidor tendo em conta o seu grau de conhecimento, o seu perfil económico e aptidão para operações arriscadas – dever de adequação.

1 - O intermediário financeiro deve estabelecer, por escrito, uma política interna que lhe permita, a todo o tempo, conhecer a natureza de cada cliente, como investidor não qualificado, qualificado ou contraparte elegível, e adoptar os procedimentos necessários à concretização da mesma.

 2 - O intermediário financeiro pode, por sua própria iniciativa, tratar:

 a) Qualquer investidor qualificado como investidor não qualificado;

 b) Uma contraparte elegível, assim qualificada nos termos do n.º1 do artigo 317.º-D como investidor qualificado ou como investidor não qualificado.   

O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo, nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para ajuizar se certa transacção é adequada ao cliente – suitablity test –, impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a professionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência muito mais acentuado, devendo actuar como “diligentissimus pater familias” não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve.

 O intermediário financeiro tem sobre si um dever de iniciativa: deve informar-se sobre o cliente e proporcionar-lhes informação clara, cabal e relevante para a opção que pretende tomar.

 

 Como decorre do art. 312º-A, nºs 1 als. c) e d) do CVM, a informação divulgada pelo intermediário financeiro deve ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio; e ser apresentada de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes. 

Gonçalo Castilho dos Santos, na obra citada, pág. 141, acerca do dever de informação contratual, considera-o um dever de conduta secundário com “relevância na relação obrigacional para, em termos de autonomia e de influência sobre a prossecução do interesse do cliente, justificar, por exemplo, a aplicação dos meios de relação perante o não cumprimento da obrigação.”

O dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa fé, constituindo um dever principal – a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro.

Nos termos do art. 7º, do CVM:

 1. A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.

2. O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.

O art. 77.º, n.º1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – Decreto-Lei nº298/92, de 31 de Dezembro, dispõe:

“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelo fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.

A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré- contratual e contratual: informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

 O não cumprimento dos deveres de informação é sancionada no quadro da responsabilidade civil contratual – art. 483º, nº1, do Código Civil – impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º, nº1, do Código Civil, sendo claro o nº2 do art. 304-A do CVM quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.”

Os factos provados demonstram que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da actuação de boa fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo, o interesse do investidor, seu cliente há 12 anos, e que, naturalmente, confiava, como seria esperável dessa relação de confiança, uma informação que, obviamente, não era a de que a EE pudesse cair na insolvência, como o recorrente afirma, mas que não deveria ser a que foi prestada: o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido como se fosse um produto do banco, o que foi razoavelmente entendido, como tão seguro e garantido como um depósito a prazo.  

Almeno e Sá, in “Direito Bancário” – Coimbra Editora 2008 – abordando os traços relevantes daquilo que denomina de “relação contratual bancária”, com os inerentes “deveres gerais de conduta” e de “contratação”, escreve – págs. 19 e 10:

            “Em primeiro lugar, o seu conteúdo essencial projecta-se num dever de prestação de serviços, com toda a densificação de sentido inerente a esta tradicional categoria jurídica.

Como se compreenderá, a afirmação deste dever será, em muitos casos, determinante para a correcta resolução de certo tipo de litígios, frequentes na prática.

Saliente-se, de modo particular, que faz parte do referido dever, na leitura aqui sustentada, a obrigação de a entidade bancária colocar à disposição do cliente a respectiva estrutura organizativo-funcional, em ordem a execução de tarefas de tipo variado, ligadas, de um modo ou de outro, à actividade bancário-financeira.

Em segundo lugar, este contrato faz nascer, para a instituição bancária, em razão da sua profissionalidade e competência específica, uma obrigação de acautelamento de interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de carácter bancário-financeiro.

Esta obrigação implica, não uma pura atitude passiva, mas antes uma actividade de continuada promoção e vigilância dos interesses do cliente, no particular domínio considerado.

 Em terceiro lugar, desta compreensão contratualista resulta que também a relação de confiança inerente a toda a vinculação bancária é colocada num plano contratual, e não meramente legal, com todas as implicações dogmático-práticas que daí necessariamente resultam.

Finalmente, pode dizer-se que é com base nesta global dimensão contratual que se “mede” e se conforma o dever geral do banco de executar as diversas operações solicitadas pelo cliente ao longo do tempo, e mesmo os singulares negócios bancários acordados, os quais, a serem isoladamente considerados, poderiam eventualmente ter um “tratamento” jurídico menos favorável aos interesses deste último.” 

           Essenciais, na relação Banco-cliente, são procedimentos de confiança, lealdade e transparência, sendo de exigir do intermediário financeiro actuação adequada e vigilante, em ordem a preservar os interesses legítimos do seu cliente, sobretudo, quando é não qualificado.

           Nas palavras de Baptista Machado - “Poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens (…) é condição básica da própria possibilidade de comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação (logo, da paz jurídica).”

 Através do acto comunicativo criam-se expectativas legítimas no outro e o direito tem de tutelar a confiança engendrada nessas relações comunicativas de interacção pessoal” -Tutela da Confiança e Venire contra Factum Proprium”, RLJ, 117 (1984-5), pág. 232.

 

            Carneiro da Frada, in Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Coimbra, 2004, pág. 19, nota 2, afirma que “a observação da realidade demonstra (…) que a interacção humana requer um mínimo de confiança. Sem ela não se compreende.(idem, p. 346).

            Nas expressivas palavras de Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito Bancário”, 4ª edição, 2010, págs. 368/369:

           “O Direito bancário é um Direito de informações. É certo que essa afirmação vale, em grande parte, para todos os sectores sócio-económicos das modernas sociedades pós-industriais: afinal, a extrema divisão do trabalho só é pensável perante uma teia permanente de informações entre todos os intervenientes.

        Mas no Direito bancário, em face da perfeita predeterminação dos intervenientes – banqueiro e cliente – e tendo em conta o valor das operações e a necessidade extrema da precisão, as informações redobraram de valor e assumem um papel pioneiro, em termos de regulação.

       Digamos que, no Direito bancário, as informações há muito perderam a sua natureza instrumental e secundária: antes surgem como objecto principal de muitas obrigações, como as derivadas de um contrato de acompanhamento ou de aconselhamento. Mas mesmo acessórias, elas assumem um peso particular pelo sector onde ocorrem.

       Um banqueiro dá informações inexactas a um cliente que assim, adquire um mau produto e tem prejuízos. Um cliente engana o seu banqueiro quanto às suas possibilidades económicas. Banqueiros emitem informações preliminares ou trocam informações inexactas. Nuns casos houve engano de boa fé; noutros, negligência; noutros, finalmente, uma vontade directa, necessária ou eventual de enganar.

      Em suma: temos, aqui, múltiplas hipóteses de responsabilidade, cujos contornos devem ser previamente determinados.” (destaque nosso)

           Depois de referir que os deveres de informação a cargo do banqueiro podem ter como fonte cláusulas gerais ou a lei estrita geral ou específica – arts. 573º do Código Civil e 75º, nº1, do RGIC, com relevo para a boa fé in contrahendo e na execução do contrato – arts. 227º, nº1, e 762º, nº3, do Código Civil, o Ilustre Professor escreve mais adiante, na pág. 374:

           Sem entrar em exageros, podemos considerar que, mercê dos valores sociais, económicos e mesmo éticos, aqui envolvidos, o banqueiro deve desenvolver uma certa actuação pedagógica, junto dos clientes: uma postura reforçada pela crise de 2007/2010.

        Essa actuação não irá ao ponto de descaracterizar a actividade bancária, como comercial e lucrativa. No entanto, ela terá de ser suficientemente efectiva para levar, como exemplo, o banqueiro a recomendar, ao cliente particular interessado num determinado produto, uma solução diversa que, em concreto, se mostre mais interessante, para este.

          O banqueiro deve também ponderar bem o que diga quando saiba que, na base disso, o seu cliente irá tomar importantes decisões.

        Em suma: a informação bancária distingue-se da comum por ser tendencialmente – técnico-jurídica, simples, directa e eficaz. Ela é muito diversificada, segundo os produtos a que respeite, dobrando –se, ainda, de deveres de acompanhamento e atingindo novos níveis, com a automação”.  

O banco assegurou que o produto financeiro, Obrigação ..., no qual os Autores mobilizaram, investindo a totalidade de um depósito bancário de € 50 000,00 era tão seguro como um depósito e que poderiam resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da Obrigação ... a terceiros.

Uma questão que se coloca é a de saber se, num negócio de intermediação financeira, onde avulta a imposição para o intermediário financeiro, de deveres de informação exigentíssimos, sobretudo no interesse do cliente, o intermediário cumpre o seu dever considerando que o cliente, seu interlocutor negocial, deve apreender o sentido declarativo negocial como o faria um declaratário normal colocado na posição do real declaratário investidor, ou seja, se o padrão de diligência do intermediário deve pressupor o standard do declaratário normal – art. 236º,nº1, do Código Civil – sem a especificidade própria de um negócio de risco.

Atenta a natureza do negócio em causa, o intermediário financeiro, estando perante um cliente/investidor que, no caso, é não qualificado, (não deixa de ser um consumidor de produtos de risco), tem o dever de informar nos termos dos arts. 7º, nº1, 312º, nº1, als. a) e 312º-A c) e d) do CVM que assume, mais que a natureza de um dever acessório de conduta, por constituir um dever principal.

Acerca dos deveres de informação, previstos nos arts. 312º, nº1, 312º-D e 345º a) do CVM, Gonçalo Castilho dos Santos, na obra citada, pág. 141, afirma:

 “Na esteira das classificações das obrigações apresentadas pela doutrina civilista consideramos que se trata de deveres secundários de prestação, funcionalizados, é certo, à prestação principal (objecto da obrigação decorrente de específico contrato de intermediação financeira), mas ainda assim com relevância na “relação obrigacional” para, em termos de autonomia e de influência sobre a prossecução do interesse do credor (leia-se cliente), justificar, por exemplo, a aplicação dos meios de reacção perante o não cumprimento da obrigação. A configuração legal e regulamentar dos deveres secundários de prestação de informação mobiliária no âmbito da relação de intermediação financeira comporta desvios significativos à habitual dogmática em torno destes deveres.”

Na pág. 278: “Todos os deveres de conduta do intermediário financeiro podem ser reconduzidos à prossecução de uma conduta diligente, leal e transparente perante o cliente. A diligência, a lealdade e a transparência não são deveres acessórios de conduta, mas antes deveres de prestação fundados na boa fé. O dever de assegurar uma conduta diligente desempenha, simultaneamente, uma função integradora, promotora e de imputação em relação à conduta do intermediário financeiro. A regra da adequação do serviço prestado ao perfil do cliente não sofre qualquer desvio em virtude do meio de contratação utilizado.

O juízo de adequação deve ser formulado segundo um critério subjectivo (auto-determinação pelo investidor-cliente).” (destaque e sublinhado nosso)

Os deveres de informação, em regra, visam finalidade não coincidente com os deveres de prestar; já na intermediação financeira, sendo exigências pré-contratuais e contratuais geradoras, se violados, de culpa presumida – art. 304, nº2, do CVM – não podem ser encarados como num vulgar contrato onde o risco é mínimo. Aquilo a que seríamos tentados a considerar, na intermediação financeira, deveres acessórios de conduta – o dever de informar de forma diligentíssima - é o essencial do dever principal de prestar porque incindível da boa execução do contrato, mais a mais ante um cliente não qualificado.

Os deveres de informação impostos pelo CVM visam a protecção dos legítimos interesses, não só do cliente, como do intermediário financeiro e também a eficiência do mercado, como decorre do art. 304º, nº1, do CVM.

Se nos deveres de informação não cabe, por exemplo, o dever de alertar para o risco de insolvência da entidade que coloca o produto financeiro no mercado, sobretudo se as circunstâncias não assinalarem no horizonte esse risco, já nos casos, como é o que nos ocupa, em que o cliente é induzido a investir pelo Banco que toma a iniciativa de o contactar, o que revela confiança, não mesmo certo é que qualquer reticência de informação já é violadora do padrão de exigência informativa cometida ao intermediário.

Como antes referimos, citando Menezes Cordeiro, o direito bancário é um direito de informações, diremos que no domínio da intermediação mobiliária o dever de informação, a cargo do intermediário financeiro, é indissociável do dever de prestar.

Os juízos do intermediário financeiro acerca da complexidade dos produtos financeiros mobiliários que pretende colocar nos seus clientes não deve ser feito à luz dos seus padrões, mas antes competindo, previamente, conhecer o padrão do seu cliente (know your client) para lhe proporcionar a informação que os conhecimentos dele, adequadamente, demandam.

Um dos deveres do intermediário financeiro, na sua relação com o cliente, é o de se inteirar dos objectivos que este prossegue com o investimento – art. 394º, nº3, do CVM – para lhe assegurar o melhor serviço, pelo que deve conhecer o perfil, sobretudo, quanto à sua disponibilidade para suportar o risco, o chamado suitability test.

Paulo Câmara, in “Os deveres de categorização de clientes e de adequação dos intermediários financeiros”, Direito Sancionatório das Autoridades Reguladoras, Coimbra Editora, pág. 311, é de opinião que o intermediário financeiro deve não só recolher toda a informação que respeita ao cliente como ainda “recolher toda a informação sobre o instrumento financeiro que é proposto ao cliente.

Tendo-se provado que os funcionários do banco asseguraram ao autor marido que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco e que aos clientes era dito que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo, cumpre perguntar se um cliente bancário, há doze anos, desejando melhorar a rentabilidade de um depósito a prazo que aí tinha, no valor de € 50 000,00, sendo informado que a obrigação ... que lhe era proposta seria remunerada a uma taxa de juro anual nominal bruta de 4,5% no primeiro semestre, e à taxa Euribor a 6 meses, mais 1,15% nos nove cupões seguintes e à taxa Euribor mais 1,50% nos restantes cupões, ficaria com a convicção que se investisse, o faria num produto com a solidez e confiança de um depósito a prazo melhor remunerado.

Os depósitos a prazo, desde há muitos anos e pelo menos até ao início da crise de 2006, constituíram reduto de investimento de clientes não propensos ao risco ou iletrados, pelo que o depósito a prazo, o seu regime, a sua solidez são a pedra de toque da segurança e da ausência de risco: por isso, a apelativa comparação feita pelo Réu.

Adoptando o padrão do declaratário normal cliente bancário – art. 236º, nº1, do Código Civil – dado à segurança do seu aforro e, menos ou nada, ao risco de investimento, obter do banco, em que depositava confiança, a informação que a obrigação ... tinha retorno garantido pelo próprio banco, sendo que até proporcionava remuneração superior, seria entendida tal declaração como informação que, em relação ao crucial aspecto do “retorno”, incutia a confiança na ausência de risco como se fosse um depósito bancário.

Os funcionários do Réu não prestaram informação completa e leal acerca do produto que venderam ao Autor, que estava muito longe de ter o retorno assegurado como se fosse um produto do Banco.

Em 2006, à data da celebração do negócio, não se entrevia[2], ao menos publicamente, o futuro financeiro da EE, …, S.A., e do DD, S.A., mas seria de crucial importância que não tivesse sido fornecida a falsa informação que a obrigação ..., que foi vendida ao Autor, era semelhante a um depósito a prazo[3] e tinha a garantia de retorno dos produtos do banco.

 A representação, razoavelmente feita pelos Autores, tendo como paradigma de segurança o depósito bancário, a garantia dada pelo réu, foi falsa e violou o dever de informação leal e verdadeira, não correspondendo aos “ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”, assinalados no art. 304º, nº1, do CVM.   

Foi omitida relevante informação que os factos demonstraram ser crucial: a segurança não era semelhante à de um depósito bancário, nem o banco, ante a insolvência da EE, reembolsou o Autor, que perdeu o valor investido, o que exprime o prejuízo sofrido de € 50 000,00.

Não foram fornecidas ao Autor informações de posse do Réu, para compreensão do risco do investimento proposto. O dever de adequação implica não só o conhecimento do cliente, o seu perfil, como também a capacidade de risco do investidor para aquele produto financeiro: “know your client”, “know your security.

Não foi ilidida pelo Réu a presunção de culpa que sobre si impende, como intermediário financeiro e banco – art. 304º-A, nº2, do CVM – in casu a culpa deve ser aferida pelo padrão do diligentissimus pater familias, culpa leve ou levíssima, como decorre do art. 304º, nº2, do CVM “para efeitos de conduta negligente, estão em causa os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam.” – Gonçalo Castilho dos Santos, obra citada, pág. 210.    

A culpa não deve ser aferida pelo critério do art. 487º, nº2, do Código Civil, do bom pai de família.

Concluímos, assim, pela actuação culposa do Banco, que co-envolve a ilicitude da sua actuação, conforme ensina Menezes Cordeiro, in “Direito Bancário”, págs. 432-433:

 “Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade.

Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado”.

O Ilustre Professor, no Estudo “Responsabilidade bancária, e nexo de causalidade”, publicado na muito recente obra, “Estudos de Direito Bancário I” – Fevereiro 2018 – Almedina, pág. 37, ensina:

“Como foi adiantado, na responsabilidade contratual, os diversos pressupostos da responsabilidade civil mostram-se fortemente adaptados à presença de um vínculo estrito entre as partes. Essa ocorrência não pode deixar de se reflectir no nexo de causalidade.

 Numa obrigação contratual, o devedor está, antes do mais, adstrito a realizar a prestação principal. Não o fazendo, há incumprimento. Incorre na “presunção de culpa” prevista no artigo 799º, presunção essa que, inevitavelmente, envolve uma presunção de ilicitude. Quando não cumpra a prestação principal, entende-se que foi violado o contrato e a norma que manda respeitar o contratado: artigo 406º/1, do Código Civil. Apenas em face de uma causa de justificação poderá o devedor eximir-se a esse juízo de ilicitude.

Por outra via: se o artigo 799º estabelece uma presunção de culpa, é porque, em paralelo, pressupõe a ilicitude: não há culpa sem ilicitude. Pela nossa parte, damos o passo subsequente: a presunção de culpa do artigo 799º é, na realidade, uma presunção de “culpa-ilicitude”: de faute na terminologia francesa. Evidentemente: a presunção de ilicitude não é uma presunção de não-cumprimento. Este deve ser provado, nos termos gerais, por quem, dele, se queira prevalecer: em regra, o credor.

 Quanto à causalidade: ocorrendo um inadimplemento contratual, o devedor é (logo) responsável pelo valor da prestação principal frustrada. Não há margem para mais discussão: o dever de indemnizar é, pelo menos, decalcado do de prestar.

Por isso, temos anunciado que a presunção culpa do artigo 799º envolve uma presunção de causalidade. A falta da prestação principal – e, daí, a necessidade de a indemnizar – decorre do mero facto de incumprimento. Recorrendo à técnica do escopo da norma violada: o bem jurídico protegido, frustrado pelo inadimplemento é, precisamente, o da prestação principal.”

Tendo o banco réu violado o dever de prestar ao Autor a informação completa, leal e diligente - que os seus deveres profissionais impunham - é ele responsável pela obrigação de indemnizar o prejuízo causado; não só o Réu não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia, nos termos dos arts. 314º, nº2, do Código Civil e 799º, nº1, do Código Civil, como se provou a sua culpa efectiva.

Perfilhando a lição de Menezes Cordeiro “ocorrendo um inadimplemento contratual, o devedor é (logo) responsável pelo valor da prestação principal frustrada. Não há margem para mais discussão: o dever de indemnizar é, pelo menos, decalcado do de prestar.”

Existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido, que, afinal, não foi garantido pelo Banco (nem seria, dada a natureza do produto), bem como nexo de causalidade entre a actuação culposa e inadimplente do Réu, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar nos termos do art. 483º, nº1, do Código Civil.

Como se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 17.3.2016 – Proc.70/13.1TBSEI.C1.S1 – Relatora Maria Clara Sottomayor, in www.dgsi.pt:

 Pese embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido.”

O Banco é, pois, responsável pelas obrigações assumidas competindo-lhe reembolsar o capital investido € 50 000,00 e os juros, nos termos peticionados.

Quanto à prescrição:

O art.324º, nº2, do CVM estabelece um prazo de prescrição de dois anos: “Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão o do negócio e dos respectivos termos”. O prazo de dois anos é aplicável nos casos de culpa leve ou levíssima como resulta da ressalva inicial, “salvo dolo ou culpa grave”.

Na definição de Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª, Edição, Almedina, 2003, pág. 577, nota 2:

 “A culpa lata (a que mais frequentemente se chama culpa grave) consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos em princípio adoptam. A culpa leve seria a omissão da diligência normal (podendo o padrão da normalidade ser dado em termos subjectivos, concretos, ou em termos objectivos, abstractos). A culpa levíssima seria a omissão dos cuidados especiais que só as pessoas mais prudentes e escrupulosas observam”. (destaque nosso)

Atento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro, no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua actuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, o Réu é passível de um acentuado grau de censura: o seu dever de informar, integrando o cerne da prestação, implicava um escrupuloso dever de diligência, pelo que a actuação, intencionalmente omissiva de informação, que era devida, exprime culpa grave.

Sendo a sua culpa grave, não se aplica o prazo bianual do art. 342º, nº2, do CVM, mas o prazo geral do art. 309º Código Civil, neste sentido o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, que citámos.

No sentido de que deve aplicar-se, fora dos casos previstos no art. 324º, nº2, do CVM, o prazo geral de prescrição do Código Civil, Fátima Gomes, no Estudo “Contratos de Intermediação Financeira, Sumário Alargado” pág. 580, in Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa:

“Quanto aos prazos de prescrição da responsabilidade contratual, o Cód.VM introduz um prazo de dois anos, a contar da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos, nas situações de negligência do intermediário financeiro (art. 324º/2), omitindo-se qual o prazo aplicável às restantes hipóteses. No silêncio do legislador seremos forçados a utilizar as normas subsidiárias aplicáveis, por força das regras de interpretação e integração, que conduzem ao direito comum do Código Civil [Serão aplicáveis os arts. 309º e ss. quanto ao prazo de prescrição. Rui Pinto Duarte, “Contratos de intermediação no Código dos Valores Mobiliários”, in Cadernos do MVM, Coimbra Editora, nº7, 2000, p. 364 aponta para o prazo de 20 anos. Se a responsabilidade for extracontratual vigora o disposto no art. 398º do Código Civil].[4]”  

Pelo quanto se disse o Acórdão recorrido não merece censura.

Sumário – arts. 663º, nº7 e 679º do Código de Processo Civil:

Decisão:

Nega-se a revista.

Custas pelo Réu/recorrente.

                                            

Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Março de 2018

Fonseca Ramos (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

______________
[1] Relator – Fonseca Ramos
Ex.mos Adjuntos:
Conselheira Ana Paula Boularot
Conselheiro Pinto de Almeida
[2] A turbulência financeira começou a sentir-se “globalmente” a partir de Agosto de 2007.
[3] No Acórdão recorrido, a fls. 383, na fundamentação da decisão quanto à alteração da matéria de facto, [passando o facto não provado j)] a provado consta o seguinte:
 “Ora, compulsados os depoimentos prestados, resulta da inquirição da testemunha AA, bancário na data dos factos, que o produto em apreço era garantido pelo Banco. Tratava-se de um sucedâneo do depósito a prazo, sendo esta a mensagem que passava. Era um produto estratégico para o Banco e para os clientes era um produto garantido. Directamente a testemunha não vendeu estas acções, mas sim os comerciais e os gestores. A venda deste produto tinha a ver com os objectivos à época. O produto era apetecível e era colocado á venda com facilidade. Havia até alguma pressão da hierarquia para colocar o produto, já que era estratégico para o Banco.
 Não assistiu à conversa aquando da compra do autor, seu primo, mas sabe que se tratava de um produto garantido pelo Banco.
A mensagem que passava de cima para baixo é que o produto era garantido pelo Banco. O cliente entendia aquilo como se fosse um depósito a prazo.
Não se colocava a hipótese de não ser pago. O risco era DD e a taxa era atractiva.
Por seu turno, resulta do depoimento da testemunha HH, bancário, actualmente a trabalhar no Banco CC, que foi quem vendeu o produto ao autor, depois de lhe ter feito um contacto telefónico a dar-lhe conhecimento que tinha um produto interessante e com rentabilidade interessante.
Recorda-se de dizer a todos os clientes que era um produto com risco equivalente a um depósito a prazo, com risco banco.
Mais aludiu que podia ser cedido a terceiros antes da maturidade dos 10 anos.
Porém, não explicava que era uma obrigação subordinada, não tendo na altura bem presentes as diferenças entre a subordinada e a normal.
Nunca disse a cliente nenhum que o dinheiro estaria em risco, tendo vendido o produto no contexto de garantido pelo banco.
Nem em momento algum da venda foi posta sequer a possibilidade do produto não ser pago, pois, era um produto banco com risco banco.”
[4] Nota de rodapé 34.