Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1007/17.4T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
GRAVAÇÃO DA PROVA
DEPOIMENTO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
VIOLAÇÃO DE LEI
LEI PROCESSUAL
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
RECURSO DE APELAÇÃO
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
CONDENAÇÃO EM MULTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. Embora a imposição, no artigo 640.º, n.º 1, do CPC de ónus ao recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto represente um condicionamento ao direito de acesso aos tribunais e, em especial, ao direito ao recurso (ut artigo 20.º, n.º 1, da CRP), deve evitar-se leituras excessivamente formalistas que possam conduzir a restrições injustificadas do direito a um processo equitativo e convocar-se sempre, para o efeito da melhor interpretação da norma, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

II. O objectivo da indicação com exactidão da passagem da gravação em que se funda o recurso é evitar um desmesurado esforço de indagação ao recorrido e ao tribunal, o qual é incompatível com curtas extensões de depoimentos, como acontece em depoimentos com duração média de 30 a 40 minutos onde se integra já a identificação e informação sobre as ligações entre a testemunha e as partes, bem como o juramento legal.

III. O incumprimento ou cumprimento deficiente ou parcial da al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC pela parte não implica a imediata rejeição do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto, mas antes e tão só a sua rejeição nos casos em que dificulte, gravemente, a análise pelo tribunal de recurso e/ou o exercício do contraditório pela outra parte.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível


I. RELATÓRIO

AA instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda., BB, CC e DD, peticionando:

1. Ser declarado válido e eficaz o exercício do direito à redução do preço do contrato de compra e venda do imóvel por parte do autor, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º-A, n.º 1, 1.º-B, 2.º, n.ºs 1 e 2, 3.º, n.ºs 1 e 2, e 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 7/2003, de 8 de Abril, assim se declarando a redução do mesmo na quantia já líquida de € 120.841,44 e na que vier ainda a ser liquidada nos termos referidos nas alíneas infra; a. Em consequência da procedência do pedido precedente, devem os 1.º a 3.º Réus ser condenados a pagar a quantia já líquida de € 28.841,44 (vinte e oito mil oitocentos e quarenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos) ao autor, uma vez que o autor já pagou a quantia total de € 179.000,00 por conta do preço de venda do imóvel, que ascende a € 271.000,00 (€ 271.000,00 – € 120.841,44 = € 150.158,56; € 179.000,00 - € 150.158,56 = € 28.841,44), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos quanto a essa quantia de capital já líquida, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor, desde a data de vencimento de tal crédito indemnizatório, coincidente com a data da prática do facto ilícito (19.11.2014), até efectivo e integral pagamento, liquidando-se os vencidos até hoje em € 4.739,17 (quatro mil setecentos e trinta e nove euros e dezassete cêntimos) – devendo os 2.º e 3.º réus, quanto ao pagamento da quantia de € 28.841,44 (que excede a parte do preço do imóvel paga) e respectivos juros, ser condenados a título de indemnização por danos patrimoniais;

Ou, sem prescindir,

2. Caso assim não se entenda, devem os réus ser condenados a pagar ao autor a quantia já líquida e a que vier ainda a ser liquidada nos termos referidos nas alíneas infra necessárias para a reparação do imóvel, cifrando-se a já líquida em € 120.841,44 (cento e vinte mil euros oitocentos e quarenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos), a título de danos patrimoniais causados pela venda de um bem defeituoso, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (quanto ao 1.º, 2.º e 3.º réus) e 1225.º, n.º 1 do Código Civil (quanto ao 4.º réu), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor, desde a data de vencimento de tal crédito indemnizatório, coincidente com a data da prática do facto ilícito (19/11/2014), até efectivo e integral pagamento, liquidando-se os vencidos até hoje relativos à quantia já líquida em € 19.856,40 (dezanove mil oitocentos e cinquenta e seis euros e quarenta cêntimos);

Ou, sem prescindir,

3. Caso assim não se entenda, deve ser declarado válido e eficaz o exercício do direito do autor à reparação dos defeitos, desconformidades e vícios ocultos do dito imóvel, ao abrigo do disposto nos artigos 1º-A, n.º 1, 1º-B, 2.º, nºs. 1 e 2, 3.º, nºs. 1 e 2, e 4.º, nº 1 do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril e nos artigos 1221º e 1225º, nº 1, do Código Civil, e, em consequência, devem os Réus ser condenados a realizar tal reparação, necessariamente através da contratação de uma entidade terceira com profissionais devidamente habilitados para o efeito, nomeadamente dispondo do alvará de empreiteiro concretamente necessário face às obras que se afiguram necessárias realizar, bem como a pagar ao autor os juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor e sobre o valor de tal reparação, desde a data de vencimento de tal crédito indemnizatório, coincidente com a data da prática do facto ilícito (19.11.2014), até efectivo e integral pagamento, liquidando-se os vencidos até hoje relativos ao valor já liquidado da reparação (€ 120.841,44) em € 19.856,40 (dezanove mil oitocentos e cinquenta e seis euros e quarenta cêntimos);

Ou, sem prescindir,

4. Caso assim não se entenda, deve ser declarado válido e eficaz o exercício do direito à redução do preço do contrato de compra e venda do imóvel por parte do autor, ao abrigo do disposto nos artigos 913.º e 911.º do Código Civil, assim se declarando a redução do mesmo na quantia já líquida de € 120.841,44 e na que vier ainda a ser liquidada nos termos referidos nas alíneas infra; a. Em consequência da procedência do pedido precedente, devem os 1.º a 3.º réus ser condenados a pagar a quantia de € 28.841,44 (vinte e oito mil oitocentos e quarenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos) ao autor, uma vez que o autor já pagou a quantia total de € 179.000,00 por conta do preço de venda do imóvel, que ascende a € 271.000,00 (€ 271.000,00 – € 120.841,44 = € 150.158,56; € 179.000,00 - € 150.158,56 = € 28.841,44), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos quanto a essa quantia de capital já líquida, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor, desde a data de vencimento de tal crédito indemnizatório, coincidente com a data da prática do facto ilícito (19.11.2014), até efectivo e integral pagamento, liquidando-se os vencidos até hoje em € 4.739,17 (quatro mil setecentos e trinta e nove euros e dezassete cêntimos) – devendo os 2.º e 3.º réus, quanto ao pagamento da quantia de € 28.841,44 (que excede a parte do preço do imóvel paga) e respectivos juros, ser condenados a título de indemnização por danos patrimoniais;

Ou, sem prescindir,

5. Caso assim não se entenda, devem os réus ser condenados a pagar ao autores a quantia já líquida e a que vier ainda a ser liquidada nos termos referidos nas alíneas infra, necessárias para a reparação do imóvel, cifrando-se a já líquida em € 120.841,44 (cento e vinte mil euros oitocentos e quarenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos), a título de danos patrimoniais causados pela venda de um bem defeituoso que provocou danos no património do autor, ao abrigo do disposto nos artigos 483.º e seguintes, 798.º e seguintes, e 1225.º, n.º 1 do Código Civil, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor, desde a data de vencimento de tal crédito indemnizatório, coincidente com a data da prática do facto ilícito (19.11.2014), até efectivo e integral pagamento, liquidando-se os vencidos até hoje em € 19.856,40 (dezanove mil oitocentos e cinquenta e seis euros e quarenta cêntimos);

Ou, sem prescindir,

6. Caso assim não se entenda, deve ser declarado válido e eficaz o exercício do direito do autor à reparação dos defeitos, desconformidades e vícios ocultos do imóvel acima referidos, ao abrigo do disposto nos artigos 913º, 914º, 1221º e 1225º, n.º 1 do Código Civil, e, em consequência, devem os réus ser condenados a realizar tal reparação, necessariamente através da contratação de uma entidade terceira com profissionais devidamente habilitados para o efeito, nomeadamente dispondo do alvará de empreiteiro concretamente necessário face às obras que se afiguram necessárias realizar, bem como a pagar ao autor os juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor e sobre o valor de tal reparação, desde a data de vencimento de tal crédito indemnizatório, coincidente com a data da prática do facto ilícito (19.11.2014), até efectivo e integral pagamento, liquidando-se os vencidos até hoje relativos ao valor já liquidado da reparação (€ 120.841,44) em € 19.856,40 (dezanove mil oitocentos e cinquenta e seis euros e quarenta cêntimos);

7. Deve ser declarado válido e eficaz o exercício do direito à redução do preço do contrato de compra e venda do imóvel por parte do autor relativo às consequências danosas dos defeitos indicados nos pontos (iii) a (viii) do artigo 111.º, da petição inicial e à desvalorização que venha a ser provocada por outros danos que, durante a tramitação da presente acção judicial, todos os defeitos, desconformidades e vícios ocultos acima referidos venham a provocar no imóvel, e, em consequência, devem os 1.º a 3.º réus ser condenados a pagar a quantia pecuniária (ainda ilíquida, neste momento) equivalente a tal desvalorização, ou, caso assim não se entenda e sem prescindir, devem todos os réus ser condenados a pagar ao autor a quantia total necessária para custear a reparação de tais danos, a título de danos patrimoniais (com base nas normas já referidas a este respeito nas alíneas antecedentes), em qualquer caso, a quantia devida a título de capital deverá ser acrescida dos respectivos juros de mora vincendos, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor, até efectivo e integral pagamento, ao abrigo dos disposto nos artigos 556º, n.º 1, al. b), 1.ª parte do CPC, e nos artigos 569º do Código Civil e 556º, n.º 1, al. b), 2.ª parte do CPC;

Ou, sem prescindir,

8. Caso assim não se entenda, deve ser declarado válido e eficaz o exercício do direito do autor à reparação dos defeitos indicados nos pontos (iii) a (viii) do artigo 111º e de outros danos que, durante a tramitação da presente acção judicial, todos os defeitos, desconformidades e vícios ocultos acima referidos venham a provocar no imóvel, ao qual acrescerão os respectivos juros de mora vincendos, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor e sobre o valor de tal reparação, até efectivo e integral pagamento, ao abrigo do disposto nos artigos 556º, n.º 1, al. b), 1.ª parte do CPC, e nos artigos 569º do Código Civil e 556º, n.º 1, al. b), 2.ª parte do CPC;

9. Independentemente de qualquer um dos pedidos acima referidos – e em cumulação com os mesmos, devem ainda os réus, em qualquer caso, ser condenados a pagar ao autor, em virtude de outros danos por este sofridos em consequência dos defeitos, desconformidades e vícios ocultos do imóvel supra referidos, uma quantia nunca inferior a € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais, e a quantia de 7.389,47 (sete mil trezentos e oitenta e nove euros e quarenta e sete cêntimos) a título de danos patrimoniais já liquidados, acrescidas dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor, desde a data de vencimento de tais créditos indemnizatórios, coincidente com a data da prática do facto ilícito (19.11.2014), até efectivo e integral pagamento, liquidando-se os vencidos até hoje em € 3.286,36 (três mil duzentos e oitenta e seis euros e trinta e seis cêntimos) quanto à indemnização por danos não patrimoniais, e em € 1.214,23 (mil duzentos e catorze euros e vinte e três cêntimos) quanto à indemnização por danos patrimoniais já liquidada, bem como a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) por cada mês que o autor esteja privado do uso da casa em consequência da futura e necessária reparação da moradia acima referida, acrescida dos respectivos juros de mora vincendos, calculados à taxa de juros de mora comerciais sucessivamente em vigor, até efectivo e integral pagamento, ao abrigo do disposto nos artigos 556.º, n.º 1, al. b), 1.ª parte do CPC, e nos artigos 569º do Código Civil e 556º, n.º 1, al. b), 2.ª parte do Código de Processo Civil.

Alegou, para o efeito e em síntese, que celebrou com a 1ª Ré um contrato de compra e venda de um imóvel acabado, pelo preço de € 271.000,00, a pagar em prestações apesar de ter sido declarado o valor de € 150.000,00 a solicitação da Ré, que procedeu ao pagamento do valor total de € 179.000,00 por conta do preço; que o imóvel apresenta diversas anomalias e desconformidades, ocultos à data da venda; que reclamou das anomalias junto dos Réus e que incorreu e incorrerá em prejuízos e danos morais em consequência do aludido cumprimento defeituoso nos valores acima computados e a computar, sendo eventualmente responsáveis pelos aludidos defeitos os 2º e 3ºs réus, caso se venha a comprovar terem celebrado com a 1ª Ré um contrato de cessão de créditos conforme alegam na acção ora apensa e o 4º Réu, caso se venha a comprovar ter reconstruído o imóvel a solicitação da 2ª Ré.

Citados, os 1º a 3ºs. Réus apresentaram-se a contestar, e, para além de terem invocado as excepções dilatórias de nulidade de todo o processo com fundamento na ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade dos 2ºs. a 4º Réus, impugnaram de forma motivada os factos alegados pelo Autor, dizendo que apenas lhe foi vendido um imóvel inacabado e em ruínas, não sendo da sua responsabilidade os danos invocados e que o autor apenas procedeu ao pagamento da quantia de €150.000,00, tendo alegado ainda a caducidade do direito invocado pelo autor. Terminaram pedindo a procedência das excepções e a improcedência da acção e a 1ª Ré deduziu reconvenção pedindo a condenação do Autor a pagar-lhe a quantia de € 130.812,16, acrescida de juros vincendos a contar sobre o capital de € 121.000,00 e até efectivo pagamento (cfr. fls. 608 a 646).

Requereram, ainda, a intervenção acessória de EE e M..., Lda.

No requerimento probatório requereram, entre o mais, a realização de “inspeção judicial ao local no dia da audiência de discussão e julgamento”.

O Réu DD também apresentou contestação onde, para além de invocar as excepções já referidas, impugnou na generalidade os factos invocados pelo Autor, invocando igualmente a excepção de caducidade.


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O Autor deduziu réplica, na qual pugnou pela improcedência das excepções invocadas pelos réus, mantendo o alegado na petição inicial e invocou as excepções de litispendência, compensação, excepção de não cumprimento e o pagamento parcial relativamente ao pedido reconvencional.

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As Chamadas, admitida a sua intervenção a título acessório, apresentaram articulado próprio.

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O Autor, através do articulado de 07.09.2018 (requerimento nº ......14), veio deduzir a ampliação do pedido, visando acrescentar aos montantes já peticionados e referentes aos orçamentos nos valores de € 114.411,00 e € 5.885,00, o valor de 23%, correspondente a IVA, ampliação que foi admitida por despacho proferido em sede de audiência prévia realizada em 12.09.2019 (referência nº ......81).

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Em sede de audiência prévia, de fls. 981 a 988 (referência nº ......50), o Autor apresentou um articulado superveniente, ampliando a causa de pedir e requerendo a ampliação do pedido, alegando que após janeiro de 2019 detectou novos defeitos ocultos na casa vendida pela ré, pedindo que se considere os danos ora invocados abrangidos pelos pedidos genéricos deduzidos nos pontos 7. e 8. do petitório da petição inicial.

A Ré Rustiâncora veio impugnar a factualidade alegada e pediu que o articulado superveniente fosse julgado improcedente.

Por despacho constante de fls. 1013 a 1015 (referência nº ......16) foram admitidos o articulado superveniente e a ampliação do pedido.


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O pedido reconvencional foi admitido por despacho de fls. 1015 a 1017 (referência nº ......16).

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Em sede de saneamento de processo, foram as excepções de nulidade de todo o processo com fundamento em ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade dos 2ºs. a 4º Réus julgadas improcedentes, bem como improcedente foi julgada a excepção de litispendência invocada pelo Autor relativamente ao pedido reconvencional deduzido pela 1ª Ré.

Em 6 de março de 2019, o Tribunal “a quo” proferiu despacho, através do qual, entre o mais, apreciou os requerimentos probatórios apresentados pelas partes, tendo deferido a inspeção ao imóvel requerida pelos RR., determinando que a mesma se realizaria “no início da audiência final” (ref.ª 43657716).


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Por despacho de fls. 1001 (cfr. acta de audiência prévia de 12/02/ - ref.ª ......99), foi ordenada a apensação aos presentes autos do processo n.º 638/16.4...

Nessa acção, BB e mulher, CC, proposta contra AA, peticionaram que este último fosse condenado a pagar-lhes a quantia de € 121.000,00, acrescida de juros de mora vencidos contados à taxa legal de 4% ao ano desde 12 de Novembro de 2015 até à respectiva propositura, no valor de € 3.816,96, e vincendos desde a data da propositura até efectivo e integral pagamento. Invocaram primordialmente, e em síntese, uma confissão de dívida e posteriormente uma cessão de créditos relativa ao valor em dívida no contrato de compra e venda celebrado entre o Autor, nesta acção Réu, e a Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda..

Citado, contestou o ali Réu, e aqui Autor, defendendo-se por impugnação motivada e por excepção (peremptória, de direito material).


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Foi proferido despacho saneador, definiu-se o objecto do processo e procedeu-se à selecção dos temas de prova.

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Procedeu-se a julgamento conjunto com observância de todas as formalidades legais.

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Em sede de audiência de julgamento, o Autor desistiu dos pedidos formulados contra o Réu DD, desistência essa homologada por sentença, de imediato, conforme consta da acta de fls. 1271 a 1277.

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Em 9/05/2022, data em que se realizou a última sessão da audiência final, sem que tivesse sido, ainda, realizada a referida inspeção ao local e/ou designado data para a sua realização, nem proferido qualquer despacho, a 1ª R. apresentou o requerimento, onde alegou que “a requerida inspecção ao local é conveniente, e necessária, desde logo porque, demanda uma perceção ou observação direta dos factos pelo Tribunal para melhor obter a perceção da realidade material”, concluindo que, «a não realização de uma diligência probatória, deferida e admitida, constitui uma nulidade processual, por omissão, a ex vi do disposto no artigo 195º 1 in fine, do Código de Processo Civil» (ref.ª ......03).

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Na referida sessão de audiência de julgamento de 9/05/2022, e apreciando o referido requerimento, o Mm.º. Juiz “a quo” proferiu o seguinte despacho:

Aquando da prolação do despacho saneador admitiu-se a realização de uma inspecção judicial ao local dos factos, a saber, à casa que faz parte do objecto dos presentes autos.

No entanto, e após tal momento foi produzida a prova pericial e documental, incluindo-se aqui reproduções fotográficas. Acresce, que as questões que emergem ou que poderão emergir da observação da referida casa são questões eminentemente técnicas relativamente às quais o Juiz não dispõe de conhecimentos especiais para as interpretar convenientemente, tendo, por isso, sido produzida a prova pericial. Por fim, deve registar-se o lapso de tempo que mediou entre a construção da casa e o surgimento dos defeitos, por um lado, e a data actual, por outro lado, ou seja, o que o Juiz poderia observar hoje não é a realidade de há, pelo menos, cinco anos atrás.

Pelo exposto, e considerando que a admitida inspecção judicial ao local se tornou supervenientemente inútil, dou a mesma sem efeito. Consequentemente, considero prejudicado o conhecimento da pretensão processual consubstanciada no requerimento de fls. 1295”.


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Posteriormente foi proferida sentença (cfr. fls. 1296 a 1318), nos termos da qual, se decidiu:

«Em face do exposto, julgo a acção proposta por AA contra Rustiâncora Construções Rústicas, Lda., BB e CC, em que são Intervenientes Acessórios EE e M..., Lda, parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente condeno a Rustiâncora Construções Rústicas, Lda. a ver reduzido o valor sobrante do preço devido, de 121.000,00, pela celebração do contrato mencionado na alínea a), do ponto II.1., em quantia a liquidar em execução de sentença, ao abrigo do disposto no artigo 608º, 2, do Código de Processo Civil, e que resultar a) da possibilidade de reparação, b) do custo da respectiva reparação e c) da eventual desvalorização do imóvel em face das seguintes patologias: (i) resistência do betão das vigas inferior à prevista no projecto (apenas 35,5%) atingindo a carbonatação 6,3 centímetros (quando o limite está fixado em 2 centímetros ao fim de 50 anos), apresentando as respectivas armaduras corrosão; (ii) uma resistência do betão da sapata inferior à prevista no projecto (90,5%); (iii) valores de resistência, rigidez de flexão, deformação de longo prazo, da laje instalada na sala inferiores aos previstos no projecto, conforme alíneas qq) e rr), do ponto II.1.; (iv) os pórticos 5 e 6 da laje do alpendre não têm resistência para suportar esta laje, uma vez que os pilares têm dimensões e estrutura diferentes das previstas no projecto e a disposição da laje foi modificada; (v) os pilares do alpendre estão previstos com a secção quadrada de 40x40 centímetros e foram construídos circularmente com o diâmetro de 20 centímetros, sendo a sua resistência inferior à prevista no projecto; (vi) a laje inclinada de cobertura tem uma espessura de 13 centímetros quando devia ter, de acordo com o projecto, uma espessura de 20 centímetros; (vi) ausência de elementos de ligação ente a viga do alpendre e a laje do alpendre, ao contrário do previsto no projecto; (vii) ausência de sapata para o pilar P6; (viii) execução deficiente e em violação do projecto da drenagem da fundação C2 (colocação do dreno 1 metro acima da cota do pavimento, impossibilitando a drenagem e colocando a parede em contacto com a humidade do solo); (ix) deficiente impermeabilização das paredes exteriores, não impedindo a entrada de água e humidade para o interior da casa; e (x) o pavimento da casa das máquinas executado com pendente contrária à grelha de drenagem, provocando a acumulação de água no seu interior.; acrescido de juros contados à taxa legal de 4% desde 04.10.2016 até integral e efectivo pagamento.

Condeno a Ré, Rustiâncora Construções Rústicas, Lda., a pagar ao Autor a quantia líquida de 7.500,00, acrescida de juros à taxa legal de 4%, contados a partir da data da presente decisão até integral e efectivo pagamento.

Absolvo a do demais peticionado.

Absolvo os Réus BB e CC dos pedidos contra si deduzidos.

Julgo a reconvenção deduzida pela sociedade parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente, condeno o Autor a pagar à reconvinte a quantia de 121.000,00, deduzida do valor que se apurar em liquidação de sentença e que corresponder à redução do preço nos termos supra decididos, acrescida de juros à taxa legal de 4% contados da data da notificação da reconvenção ao Autor até integral e efectivo pagamento.

Custas da acção e reconvenção em partes iguais.

Mais julgo a acção proposta por BB e CC contra AA improcedente, por não provada, e, consequentemente absolvo este do pedido contra si deduzido por aqueles.

Custas pelos Autores. (…)».


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Inconformada com a sentença, dela interpôs recurso e apelação a Ré RustiâncoraConstruções Rústicas, Lda (cfr. fls. 1319 a 1347 – ref.ª Citius ...09).

O Autor AA apresentou também recurso subordinado relativo à parte dispositiva da sentença que lhe foi desfavorável – cfr. fls. 1408 a 1451.


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A final, foi, em acórdão da Relação de Guimarães, proferida a seguinte

«DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:

i) rejeitar a junção do documento apresentado pela Ré/recorrente com as alegações de recurso;

ii) condenar a Ré/recorrente numa multa equivalente a 1 (uma) UC – art. 443º, n.º 1, do CPC e art. 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais;

iii) - Julgar improcedente o recurso de apelação independente interposto pela ré;

iv) - Julgar parcialmente procedente o recurso subordinado interposto pelo Autor e, em consequência, revogando parcialmente a sentença recorrida, decidem:

a) Julgar a acção proposta por AA contra Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda., BB e CC, parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condena-se a Ré Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda a ver reduzido o preço do contrato de compra e venda do imóvel por parte do autor, em quantia a liquidar em incidente póstumo à sentença, ao abrigo do disposto no artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, e que resultar do custo da respectiva reparação e da eventual desvalorização do imóvel em face das patologias elencadas nos factos provados sob as als. ll) a www) e als. eeee) a llll) da sentença recorrida, acrescido de juros contados à taxa legal de 4% desde 04.10.2016 até integral e efectivo pagamento152.

b) Julgar parcialmente procedente a parte final do pedido n.º 9 formulado na petição inicial e, em consequência, condena-se a R./Recorrida Rustiâncora a pagar ao A./Recorrente, por cada mês que o A./Recorrente esteja privado do uso do imóvel de que é proprietário e durante o período em que durar a reparação dos defeitos de que o mesmo padece, uma quantia a liquidar em incidente subsequente à sentença, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 609.º do CPC.

c) Julgar improcedente o pedido de condenação como litigantes de má-fé dos AA. do processo apenso n.º 638/16.4...;

v) - Quanto ao mais, confirmar a sentença


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Custas do recurso independente a cargo da Ré/recorrente.

Custas do recurso subordinado (quanto à parte líquida) a cargo do Autor; quanto à parte ilíquida, fixam-se as mesmas, provisoriamente, em partes iguais, a cargo do Autor e da Ré, a corrigir em função do que resultar da posterior liquidação.».


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Inconformado, o autor AA apresentou recurso de revista, nos termos dos arts. 671.º, n. º 1, 674.º, n.º 1, als. a) e c), 666.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, circunscrito à arguição de nulidade, por ambiguidade, da alínea a) do ponto iv) do segmento decisório do Acórdão recorrido, e/ou por oposição entre os fundamentos e a referida parte do segmento decisório (ou, ainda, subsidiariamente, caso assim não se entenda, circunscrito ao erro de julgamento constante dessa mesma parte do segmento decisório).

Remata o recurso com as seguintes

CONCLUSÕES

DA ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO

1. A presente Revista é admissível porquanto se encontram preenchidos todos os

requisitosqueanossaleiprocessualprescreveparaoefeito(cf.nosartigos671.º, n.º 1, 674.º, n.º 1, alínea c), 666.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, alínea c), 629.º, n.º1e671.º doCPC).

2. Com efeito, sempre que seja, em abstrato, admitido recurso ordinário, é por via de recurso que devem ser arguidas as nulidades, sendo que (i) o valor da presente ação é superior ao valor da alçada do Tribunal da Relação, (ii) o critério da sucumbência encontra-se preenchido, quer porque nos encontramos perante uma situação de impossibilidade (ou, pelo menos, fundada dúvida quanto à determinação do seu valor), devendo atender-se exclusivamente ao valor da causa, quer (sem prescindir) porque o A./Recorrente decaiu em pretensões deduzidas nos presentes autos de valor superior a metade da alçada da Relação,(iii) estamos perante um Acórdão da Relação, proferido sobre uma decisão de 1.ª instância, que conheceu do mérito da causa e pôs termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedidos deduzidos, e (iv) inexiste dupla conforme.

DAS NULIDADES / ERRO DE JULGAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO

3. Nos presentes autos, o A./Recorrente peticionou que fosse “declarado válido e eficaz o exercício do direito à redução do preço do contrato de compra e venda do imóvel por parte do A. (…) assim se declarando a redução do mesmo na quantia já líquida de € 148.509,52 e na que vier ainda a ser liquidada nos termos referidos nas alíneas infra”1, mais peticionando que a R./Recorrida fosse condenada a pagar / devolver ao A./Recorrente o excedente / diferença entre o valor da redução do preço do contrato de compra e venda do imóvel (a apurar em incidente de liquidação de sentença) e o valor dopreçoainda devidopeloA./Recorrente à R./Recorrida(€121.000,00), caso omesmo fosse superior ao segundo2.

4. A sentença proferida pelo douto Tribunal de primeira instância condenou a R./Recorrida a ser reduzido “o valor sobrante do preço devido, de € 121.000,00”, em valor cuja concretização remeteu para liquidação de sentença, e condenou “o Autor a pagar à Ré reconvinte a quantia de € 121.000,00, deduzida do valor que se apurar em liquidação de sentença e que corresponder à redução do preço (…)”.

5. Uma vez que a sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância limitou, de forma equivocada (e sem qualquer fundamento legal), o valor da redução do preço aos € 121.000,00 e não precaveu a hipótese – muitíssimo provável – de o valor da redução do preço vir a ser superior ao valor em que o A./Recorrente foi condenado (em virtude da procedência do pedido reconvencional) a pagar à R./Recorrida, o A./Recorrente, no recurso subordinado, peticionou expressamente (cf. ponto 18 das conclusões) que a sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância fosse revogada e substituída por outra que (i) expurgasse a referida limitação e (ii) condenasse a R./Recorrida a pagar / devolver ao A./Recorrente o excedente.

6. No Acórdão recorrido, o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, julgando procedente esta parte do recurso do A./Recorrente (e acautelando a hipótese de o valor da redução do preço do Imóvel que se vier a apurar em incidente de liquidação da sentença, poder vir a ser superior ao valor a que o A./Recorrente foi condenado a pagar àR./Recorrida(€121.000,00)), expurgou, integralmente, tal limitação, tendo condenado a R./Recorrida, na alínea a) do ponto iv) do segmento decisório, a “ver reduzido o preço do contrato de compra e venda do imóvel por parte do autor, em quantia a liquidar em incidente póstumo à sentença, ao abrigo do disposto no artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil, e que resultar do custo da respectiva reparação e da eventual desvalorização do imóvel em face das patologias elencadas nos factos provados sob as ls. ll) a www) e als. eeee) a llll) da sentença recorrida, acrescido de juros contados à taxa legal de 4% desde 04.10.2016 até integral e efectivo pagamento.”.

7. No entanto, e não obstante vir expressamente referido, na fundamentação jurídica do Acórdão recorrido, que “O remédio da redução do preço sendo especialmente útil nos casos em que o preço ainda não foi (total ou parcialmente) pago, não é de excluir nas situações em que o preço já foi integralmente pago” e que “Nestes casos, não tem oferecido dúvidas que o comprador, em função dos defeitos do bem adquirido, tem direito a requer a redução do preço, materializado mediante a condenação do vendedor na devolução do montante correspondente.”, a verdade é que a Relação, na parte dispositiva do Acórdão, não condenou expressamente a R./Recorrida a devolver ao A./Recorrente o eventual valor excedente.

8. Ora, ao não incluir uma referência expressa e inequívoca à condenação da R./Recorrida a pagar / devolver ao A./Recorrente o valor excedente, se o houver, o douto Acórdão presta-se a diferentes interpretações:

a. Interpretação 1: caso se venha a apurar, em sede de incidente de liquidação, que o valor correspondente à redução do preço excede o valor que o A./Recorrente foi condenado a pagar à R./Recorrida, a R./Recorrida está, automaticamente e por via da decisão proferida nos presentes autos, obrigada a pagar / devolver ao A./Recorrente a diferença.

Nesse caso, caso a R./Recorrida se recuse e/ou incumpra a sua obrigação de realizar tal pagamento / devolução, o A./Recorrente encontrar-se-ia munido de um título executivo, composto pela decisão proferida nos presentes autos e pela sentença que venha a ser proferia em sede de incidente de liquidação, que lhe permitiria avançar, de imediato, para a instauração de uma ação executiva.

b. Interpretação 2: a decisão proferida nos presentes autos não condenou a R./Recorrida a pagar / devolver ao A./Recorrente o eventual excedente, não sendo, portanto, apta a constitui um título executivo que permita ao A./Recorrente obter, coerciva e judicialmente, o pagamento do valor que lhe é devido, em caso de incumprimento por parte da R./Recorrida.

9. Ora, seja para evitar diferentes interpretações, seja porque tal foi peticionado expressamente pelo A./Recorrente na petição inicial (e nas alegações de recurso subordinado) – cf. pedidos 1, 1-a, 8 e 9 da petição inicial e conclusão 18 das alegações do recurso subordinado –, deveria – e deverá – incluir menção expressa à condenação da R./Recorrida no pagamento / devolução ao A./Recorrente do valor em questão, caso exista.

10. Face ao exposto, o Acórdão recorrido sofre, nesta parte, de nulidade:

a) Por ambiguidade (uma vez que se presta a interpretações diferentes, conforme acima referido); e/ou

b) Por contradição entre os fundamentos e a decisão (note-se que, na respetiva fundamentação, o Acórdão recorrido refere expressamente que “O remédio da redução do preço especialmente útil nos casos em que o preço ainda não foi (total ou parcialmente) pago, não é de excluir nas situações em que o preço há foi integralmente pago. Nestes casos, não tem oferecido dúvidas que o comprador, em função dos defeitos do bem adquirido, tem o direito a requerer a redução do preço, materializado mediante a condenação do vendedor na devolução do montante correspondente.” – negrito e sublinhado nossos)

11. Em consequência, deve ser parcialmente revogado e substituído por outro que,

eliminando a ambiguidade / contradição da alínea a) do ponto iv) do segmento decisório (cf. artigo 615.º, n.º 1, alínea c) e artigo 666.º, n.º 1 do CPC), condene expressamente a R./Recorrida a pagar / devolver ao A./Recorrente a diferença entre valor da redução do preço do contrato de compra e venda do imóvel (a apurar em incidente de liquidação de sentença) e o valor do preço ainda devido pelo A./Recorrente à R./Recorrida (€ 121.000,00), caso o primeiro seja superior ao segundo, aditando à decisão proferida o seguinte segmento condenatório:

“a.1) Se o valor da redução do preço do contrato de compra e venda do imóvel (a apurar em incidente de liquidação de sentença) for superior ao valor do preço ainda devido pelo A./Recorrente à R./Recorrida (€ 121.000,00), condenar a R./Recorrida a pagar / devolver ao A./Recorrente o excedente.”

Sem prescindir e subsidiariamente:

12. Caso se viesse a concluir não existirem as nulidades acima apontadas e arguidas, sempre estaríamos perante um erro de julgamento, pelos fundamentos acima expostos (designadamente pelo facto de a redução do preço poder obter-se pela diminuição do quantum a pagar ou pela exigência de devolução do que foi pago a mais3), resultante de errónea interpretação e aplicação do Direito, por violação do disposto nos artigos 1.º-A, n.º 1, 1.º-B, 2.º, n.ºs 1 e 2, 3.º, n.ºs 1 e 2, e 4.º, n.º 1 do DL 67/2003, de 8 de abril.

13. Em consequência, deve o Acórdão recorrido ser parcialmente revogado e substituído por outro que condene expressamente a R./Recorrida a pagar / devolver ao A./Recorrente a diferença entre valor da redução do preço do contrato de compra e venda do imóvel (a apurar em incidente de liquidação de sentença) e o valor do preço ainda devido pelo A./Recorrente à R./Recorrida (€ 121.000,00), caso o primeiro seja superior ao segundo, aditando à decisão proferida o seguinte segmento condenatório:

“a.1) Se o valor da redução do preço do contrato de compra e venda do imóvel (a apurar em incidente de liquidação de sentença) for superior ao valor do preço ainda devido pelo A./Recorrente à R./Recorrida (€ 121.000,00), condenar a R./Recorrida a pagar / devolver ao A./Recorrente o excedente.”


*


Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. muito doutamente suprirão, deve o presente recurso de revista ser recebido e conhecido, e, subsequentemente, ser julgado totalmente procedente no sentido das conclusões supra e, em consequência de tal provimento, ser parcialmente revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro, igualmente nos termos supra requeridos,

Com o que V. Exas. farão, como sempre, inteira e sã

JUSTIÇA!


*


Também a ré RUSTIÂNCORA – CONSTRUÇÕES RÚSTICAS, LDA. apresenta recurso de revista, no qual invocou nulidades, impugnou a matéria de facto e invocou erro de direito.

Remata o recurso com as seguintes (extensíssimas4)

CONCLUSÕES

1ª. Ao contrário do defendido pelo douto Tribunal da Relação, a necessidade da junção documento decorre, efectivamente do julgamento em Primeira Instância, e veio precisamente na sequência da inquirição da última testemunha inquirida em sede de julgamento, Eng. FF.

2ª- E nesse sentido devia, como deve o documento ser admitido, à luz do disposto no na parte final do nº 1 do Artigo 651º e artigo 425º ambos do Código de Processo Civil. e nessa parte revogada a decisão do Tribunal da Relação, incluindo condenação arbitrada em termos de custas, por também ela pecar por excesso

3ª- Entente a Ré/Recorrente, que no caso em apreço a requerida inspecção ao local era, como é de todo conveniente, e necessária a boa decisão da causa, desde logo porque a mesma, demanda uma perceção ou observação real e direta dos factos pelo Tribunal para melhor obter a perceção da realidade material.

2ª- Trata-se de um poder dever, que só poderia deixar de ser exercido no caso da diligência requerida, se mostrar de todo desnecessária ou inútil para a descoberta da verdade, o que não é o caso.

3ª A não realização de uma diligência probatória, deferida e admitida em sede de despacho saneador transitado em julgado, constitui uma nulidade processual, por omissão, a ex vi do disposto no artigo 195º nº 1 in fine, do Código de Processo Civil;

5ª- Sem todos os elementos que o meio probatório que de resto foi admitido em sede de despacho saneador – a inspeção judicial – é deficiente e obscura a resposta dada à matéria de facto, pelo que deve ser anulada a sentença recorrida e atos subsequentes e determinada a realização da inspeção judicial, nos termos dos nºs. 2 e 3 do artº 662º do Código de Processo Civil.

6ª- Existe nulidade da sentença ou despacho, quando se verifica omissão de pronúncia em relação a um requerimento probatório conduz à nulidade da decisão.

7ª- Tese e posição, defendida por Miguel Teixeira de Sousa publicada em 21/09/2020 no blogue do Instituto Português de Processo Civil (IPCC), na qual critica o Ac. da Relação de 19/03/2020 supra referido, e nas publicações do mesmo autor no mesmo blogue, designadamente na de 17/04/2018, em que se pronuncia acerca do conceito de nulidade processual aí referindo que esta se reporta ao “acto pertencente a uma tramitação processual” e não ao “acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal” ou ao conteúdo do acto, sendo que esta consubstancia uma nulidade da decisão.

8ª-- Neste sentido vide Ac. da R.C. de 08/07/2021 (Moreira Carmo), in dgsi.pt.

9º-Sufragamos, pois, posição uma vez que a admissão ou não do meio de prova inspecção judicial é uma pretensão, uma questão, acerca da qual o tribunal tem que de pronunciar fundamentadamente tanto mais que a decisão em causa, não assentando no exercício de um poder discricionário do julgador (quanto a nós), é susceptível de recurso.

10ª.- No caso em apreço, é um vício de conteúdo da sentença e do acórdão recorridos uma vez que se pronuncia sobre o mérito antes de praticar o acto omitido (até à prolacção daquela não há vício contra o qual os autores pudessem reagir e apenas com a mesma é que o mesmo se manifesta e constitui).

10ªA- E salvo o devido respeito, o Tribunal de Primeira Instância, ao deixar de fora matéria de facto com interesse e relevância, para aferir da alegada excepção de abuso de direito, nomeadamente no Arts. 180º, 182º e 223º a 225º, , do Articulado de Contestação/Reconvenção.

11ª.- Pelo que nesse sentido a douta a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito.

12ª. O Tribunal de Primeira Instância, devia ter levado em consideração, os factos supra evidenciados, na aplicação da matéria de direito.

13ª- Nem curou o Tribunal de Primeira Instância, de demonstrar, ainda que sumariamente, em que argumentos e circunstâncias se baseou, para omitir esse facto essencial, à matéria que se discute nos presentes autos, o que desde logo configura causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto no Artigo 615º nº 1 alínea b) do C.P.C. e que expressamente se invoca.

14ª-A sentença proferida, pelo Tribunal de Primeira Instância, no que respeita à matéria da acção, carece da devida fundamentação, o que a torna nula, a ex vi do disposto no alínea b) do Nº 1 do Artigo 615º do Código de Processo Civil.

15ª- Assim como é nulo o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, ao secundar tal posição.

16ª- Assim como erro de julgamento (error in judicando), como bem transparece do douto acórdão Tribunal da Relação, o que se deixa aqui alegado para os devidos e legais efeitos.

17ª- Uma vez que é notório que existe para além de nulidade processual, erro de julgamento, pelo que se impunha ao Tribunal da Relação, oficiosamente corrigir determinando a anulação julgamento, tanto mais que existe nos autos prova documental e e constam de prova gravada.

18ª-- Ao contrário do defendido pelo Tribunal da Relação, a R./Recorrente, cumpriu com o triplo ónus, de acordo com as orientações predominantes no Supremo Tribunal de Justiça, que é bem mais consentânea, com os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade.

19ª- Quer no que tange ao meios de prova gravados, quer relativamente a prova documental.

20ª- Acresce que ao contrário do defendido no douto acórdão, sempre devia existir por parte do Tribunal da Relação de Guimarães a prolação de um despacho convite para aperfeiçoamento..

21ª-Uma vez que o despacho convite, não pode ser apenas reservado para a matéria de direito, sob pena de violação grave do princípio do dever cooperação para a descoberta da verdade a ex vi do disposto nos Artigos 411º e 7º nº 1 do Código de Processo Civil)

22ª- E ainda do disposto no –Artigo 6º º 2 do C.P .C. que rege: 2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.

23ª- E nesse sentido, não distingue a lei quais os prossupostos processuais, (de facto ou direito), que impõe o despacho convite, não pode sem mais o Tribunal da Relação, assumir de forma discricionária, que tal despacho convite esteja exclusivamente reservado aos recursos em matéria de direito.

24ª- Pelo que deve de acordo com o supra exposto, ser revogado a douta decisão do Tribunal da Relação quanto a esta matéria, o que aqui se deixa expressamente alegado para os devidos e legais efeitos., nomeadamente, para que se proceda da prolação do despacho convite em falta.

25ª- E de todo o modo, seja, considerada o vertido nas páginas 27 a 37 das alegações de recurso de apelação, bem como os pontos 7 a 26 das conclusões, que aqui por economia, se dão por integralmente reproduzidas.

26ª-Acresce que, na esteira do Tribunal de 1ª. Instância, o Tribunal da Relação, manteve com provada o vertido na alínea cccc), dos factos provados ou seja, “O Autor tem sofrido transtornos e desgosto por ter humidades, acumulações de água e fungos em casa, não conseguindo usufruir da habitação de forma total e sem condicionamentos;

27ª- Porém, ao contrário do defendido pelo Tribunal da Relação, não é irrelevante, saber se o A./Apelado possui ou não licença de utilização.

28ª- Uma vez que se o A./Recorrido não concluiu as obras, e não estiver legalmente autorizado a utilizar o imóvel como habitação, não poderá invocar desgostos e transtornos, por não usufruir de forma total e sem condicionalismo.

29ª- Salvo o devido respeito, o primeiro e maior dos condicionalismos, para utilização plena de um imóvel poder ser legalmente utilizado como habitação, é possuir licença de utilização válida e em vigor.

30ª-O A./Recorrido só poderia alegar sofrer transtornos, se o imóvel em questão estivesse apto a ser legalmente utilizado para o fim a que se destina.

31ª- Ora está demonstrado nos autos, que o imóvel, carece de licença de utilização pelo que assim, sendo não pode ser habitado e nesse pressuposto, não pode dar-se como provado a existência de transtornos e desgostos, conforme foi dado como provado soba alínea cccc).

32º- Quantos aos factos aditados pelo Tribunal da Relação de Guimarães.- Pág. 74 do douto Acórdão, que infra se transcrevem

- eeee) Nem no acabamento, nem na soleira foi aplicado o isolamento térmico previsto no projeto.

- ffff) No projeto estava prevista uma piscina em betão armado, mas foi construída uma piscina em betão simples.

- gggg) O muro que delimita o prédio referido em a) não possui drenos de drenagem de águas infiltradas.

- hhhh) O muro que delimita o prédio referido em a) a nascente apresenta um aspecto tosco com pouca confiança quanto à sua estabilidade.

33ª- Salvo o devido respeito, a matéria de facto aditada pelo Tribunal da Relação, encontra-se em contradição com a matéria fáctica dada com provada sob as alíneas o), p), r) e hh), qqq), rrr) e sss) dos factos provados, que para que não restem dúvidas se transcrevem infra:

34ª-o Tribunal da Relação, laborou em erro de julgamento, porquanto a resposta, mencionada sob a alínea eeee), está contida, já na alínea p) dos factos provados, o mesmo se verificando quanto as demais alíneas aditadas.

35ª- Do mesmo erro, padecem os factos aditados pelo Tribunal de Relação, sob as alínea iiii) e jjjj),com o seguinte teor:

iiii) Verifica-se o escorrimento de água pelo beirado.

jjjj) No terraço da parte superior da casa que comunica com a cozinha a divisão não está bem isolada, o que provoca infiltrações de água e humidade

36ª- Diga-se em particular que o matéria aditada pelo Tribunal da Relação sob a alínea iiii), é salvo o devido respeito totalmente inócua, porque é absolutamente normal a água escorrer pelos beirados, quando chove, inexistindo caleiras aplicadas à data da venda, como é o caso, veja-se as fotografias juntas aos autos sob os documentos nº 5, 6, 7 e 8 juntos com o articulado de contestação/reconvenção.

37ª- Quanto a matéria aditada sob alínea jjjj) pelo Tribunal da Relação, salvo o devido respeito também não deve ser dada como provada, pois como consta dos autos, essa parte da casa, ainda não se encontrava totalmente acabada.

38ª-E foi o A/Recorrido, que procedeu ao seu acabamento, mas também aqui o Tribunal da Relação, circunscreveu a sua visão apenas e só para o relatório pericial, sem atender a toda a demais prova produzida, documental, e que se encontra gravada.

39ª- No que tange, a matéria de facto aditada sob as alíneas: kkkk) Os níveis de humidade na casa provocam danos nos móveis e roupa.

llll) No inverno, o A./Recorrente tem de ter desumidificadores na casa ligados 24h por dia.

40ª-Salvo o devido respeito, o Tribunal da Relação, quanto à matéria vertida nas alíneas supra mencionadas, fundamentar uma resposta positiva, apenas e só nas declarações de uma única testemunha, totalmente interessada, como é a testemunha GG, é extrapolar o principio da livre apreciação da prova.

41ª- Inexistindo qualquer prova objectiva, nomeadamente documental, da existência de um único móvel ou de uma única peça de roupa danificada, desde ocupação, ainda que ilegal do imóvel em causa desde pelos menos finais do ano de 2015.

42ª-E sem que sobre esta matéria, tenha sido uma relação directa de causa efeito.

43ª- Deve assim tal matéria de facto ser pura e simplesmente ser dada como não provada, como de resto bem andou o Tribunal de Primeira Instância.

44ª- Entende a R./Recorrente, que não são aplicáveis ao caso concreto, os prazos previstos na Lei da Defesa do Consumidor e no Decreto-lei 67/03 de 8 de Abril (Regime de Venda de Bens de Consumo), com as alterações introduzidas pela Lei 84/08 de 21 de Maio, uma que à data dos factos, era essa legislação em vigor, e atendendo a que o imóvel em causa foi transmitido para o A./Recorrido em 19 de Novembro de 2014, conforme facto a) dos factos provados.

45ª- Entende a R./Recorrente, uma vez que como foi dado como provado sob alínea a) dos factos provados, encontramos perante um prédio misto, composto por artigo 73º urbano e pelo artigo 1059º rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 497 da freguesia de ....

46ª-- E como tal não pode ser considerado de forma automática um bem de consumo, como foi entendimento do Tribunal de Primeira Instância, também secundado pelo Tribunal da Relação.

47ª- Não pode ser aplicada, mais uma vez de forma automática, ao caso dos autos, porque estamos perante um prédio INACABADO, conforme alíneas o) a jj dos factos provados.

48º Salvo o devido respeito, a Lei de Defesa do Consumidor, não se aplica, nem pode aplicar de forma linear ao caso sub iudice, uma vez que esta foi pensada para prédios/bens imóveis ou fracções autónomas totalmente acabados, ou dito de outra forma, para bens imóveis prontos ou aptos a consumir, no caso concreto habitar.

49ª- Ora o prédio misto objecto do contrato de compra e venda celebrado entre o A. Recorrido e a Ré/Recorrente, não estava pronto a consumir, não tinha licença de habitabilidade, e faltavam executar todos os trabalhos mencionados nas alíneas o), a jj) da matéria de facto dada como provada.

50ª- Não pode, o vendedor de um prédio inacabado, ser responsável, como se fosse um prédio acabado.

51ª- Não é possível dar garantia legal, de um bem móvel ou imóvel, que se encontra inacabado, uma vez que existindo a intervenção de uma terceira pessoa no bem em causa, e no caso concreto foram vários os intervenientes, como o próprio A./Recorrido confirmou em sede de depoimento e declarações de parte que se encontram gravadas no sistema Habilus Meia Studio das 15h:18:54 as 16.45.47 onde refere expressamente:

“EU CONTRATEI DISTINTAS EMPRESAS. EU ADMINISTREI A OBRA DIRECTAMENTE. EU ESTAVA LÁ NÃO HAVIA ENGENHEIROS. FOI A ÚNICA FORMA LÓGICA PARA ACABAR A CASA E POUPAR DINHEIRO. 52ª-O A./Recorrido executou obras de monta, das várias especialidades que o imóvel ainda carecia à data da celebração da compra e venda, as quais de resto eram do seu conhecimento.

53ª Introduzindo-lhe depois, o A/Recorrido no imóvel que lhe foi vendido múltiplas e variadas alterações/modificações.

54ª- É consabido que existindo introdução de modificações e/ou alterações no bem (no caso concreto imóvel), por parte de terceiros que não o obrigado pela prestação da garantia, esta perde-se.

55ª-Uma vez que não estamos jamais, perante o mesmo bem que foi vendido, mas sim perante um bem alterado, modificado, um bem objectiva e substancialmente diferente daquele que foi transacionado entre as partes.

56ª-O que obsta aplicação, de forma cega e automática, da Lei de Defesa do Consumidor e do Regime Jurídico da Venda de Bens de Consumo, não é tanto a qualificação do A./Recorrido, como consumidor, ou Ré/Recorrente como um vendedor.

57º Mas sobretudo por estarmos perante a compra e venda de um bem inacabado, conforme o supra exposto, e sobre esta questão o Tribunal da 1ª Instância nem sequer a aflorou.

58ª De resto, e neste particular o venerando Tribunal da Relação, como que fugiu a questão, ao apenas escreve de forma sumária e resumida, e sem qualquer fundamentação válida, que “ Tão pouco colhe o facto de se tratar de um prédio inacabado, posto que essa circunstância não obsta a aplicação do regime legal da Defesa do Consumidor”

59ª Existindo também uma omissão de pronúncia e erro de julgamento, quer pela Tribunal de 1º Instância, quer do Tribunal da Relação, o que se deixa aqui alegado para os devidos e legais efeitos.

60ª- Acresce que é entendimento da R./Recorrente que estamos perante um contrato de compra e venda de bem imóvel-prédio misto, cujo o regime aplicável, não pode ser outro que não o previsto no Artigos 916º e 917º do Código Civil, e o disposto no Artigo 1225º do Código Civil.

61ª- E nessa conformidade serem aplicáveis, os direitos que se acham estruturados de forma sequencial e escalonada bem como os prazos de caducidade.

62ª- Os vários meios jurídicos facultados ao comprador de coisa defeituosa pelos arts. 913.º e seguintes do Código Civil não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária e/ou ao seu livre arbítrio, os mesmos acham-se estruturados de forma sequencial e escalonada.

63ª-Ora como se pode verificar pelo documento nº 12 junto com a petição inicial, o A/Recorrido tinha na sua posse o relatório pericial da empresa E......., pelo menos desde o dia 14 de Dezembro de 2015, facto que de resto o Tribunal da Relação de Guimarães, aditou sob o alénea mmmm) dos facto por esta aditados como provados.

64ª-Não obstante, o A/Recorrido, só faz a denúncia dos defeitos, conforme resulta também do documento nº 18 junto com a petição inicial, com data de 29 de Setembro de 2016, que a Ré/Recorrente recebeu no dia 4 de Outubro de 2016, conforme consta da alínea e) da matéria de facto dada como provada.

65ª- Ou seja, o A./Recorrido só procede à denúncia dos defeitos muito para além dos prazos, consignados no disposto no Artigo 917º do Código Civil.

66ª- Pelo que na data em que o A./Recorrido intentou a presente acção, já tinham caducados os seus direitos, o que se deixa aqui alegado para os devidos e legais efeitos.

67ª- O Tribunal DA Relação, considerou aplicável o regime previsto na Lei da Defesa do Consumidor, e nessa conformidade, atendeu à escolha da redução do preço, olvidando-se contudo de aflorar a questão do abuso do direito, alegada pela Ré./Recorrente.

68ª Neste particular considerou o Tribunal da Relação, que a R/Recorrente, não indica circunstancialmente,, na apelação, qualquer factualidade ou argumento jurídico que fundamente tal excepção perentória.

69ª- Salvo o devido, respeito por melhor opinião, tudo o que ficou supra evidenciado, no que respeita, a tratar-se de um imóvel inacabado, e o A/Recorrido, pretender o tratamento igual como tivesse adquirido um produto acabado e apto a consumir, não são argumentos por si só suficientes para o Tribunal oficiosamente, conhecer dessa questão.

70ª- Parece-nos que de forma cristalina, o Tribunal de 1º Instância e o Tribunal da Relação, tinham que conhecer da questão do abuso do direito.

71ª-De resto, também não se compreende que o Tribunal da Relação, defenda no seu douto acórdão, que o despacho convite, se circunscreve a matéria de direito.

72ª- Ora questão do abuso do direito, é também uma questão de direito, e não apenas uma questão de facto. E não se vê que o Tribunal da Relação, tha lançado mãe do despacho convite ao aperfeiçoamento.

72ªNa interpretação do Tribunal da Relação, o facto de o A/Recorrido, sem qualquer hierarquia, opte por o direito à redução do preço, sem que essa opção lhe pareça um exercício abusivo do direito.

73ª Mas é efectivamente um exercidio abusivo do direito, porquanto o A/Recorrido adquiriu o imóvel, no estado de inacabado, por um valor muito inferior aos seu valor real.

74ºE não exerceu o direito à resolução do negócio porquê ? Uma vez que desde inicio a R/Recorrente, lhe retomava o imóvel, sem qualquer problema.

75ªÉ simples, A./Recorrido tem perfeito conhecimento que o valor real do imóvel, é mais do dobro pelo qual o adquiriu (271.000 €) e que de resto não pagou na totalidade, faltando pagar 121.000,00 €.

76ª O que significa que o A/Recorrido até à presente data procedeu apenas ao pagamento de 55,35% do preço, e não obstante, se encontra a gozar da totalidade do imóvel, desde finais do ano de 2015.

77ªSucede que este segundo se consta, prepara-se, para como pessoa singular, não profissional, proceder a venda do imóvel em causa, pelo triplo do valor que o adquiriu.

76^ª Não é a mesma coisa, receber o montante de 121.000,00 em 2015, e vir a receber o mesmo montante em 2023, ou em data posterior.

77ª-Temos por mais acertado, que se o Tribunal da Relação, não conheceu da invocada questão do abuso do direito, como podia e devia, incorreu na nulidade do acórdão, para além do mais por omissão de pronuncia.

78ª-Reitera-se que essa falta, configura causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto no Artigo 615º nº 1 alínea b) e d) do C.P.C. e que expressamente se invoca.

79ª Quanto ao valor excessivo arbitrado pelo Tribunal de 1º Instância, a titulo de danos não patrimoniais, entende, a R/Recorrente que o mesmo não é equitativo, mas antes exagerado e desproporcional, tanto mais está demonstrado nos autos, que o imóvel, carece de licença de utilização pelo que assim, sendo não pode ser habitado.

80ª Devidamente cotejado, o supra exposto, deve ser reduzida ou mesmo eliminada a condenação do pagamento da quantia de 7500,,00 € a titulo de dano não patrimoniais, por excessiva e desajustada ao caso concreto

81ª Quanto à reconvenção, o Tribunal de 1º Instância, entendeu que não devia condicionar o pagamento da quantia de 121.000,00 €, ao valor apurar em liquidação de sentença e que corresponder à redução do preço.

82ª-Uma vez que conforme o supra exposto, não deve ser aceite, de forma discricionária a redução do preço.

83ª- Acresce que os juros contados à taxa legal, devem contar-se desde o dia 14 de Novembro de 2014, como ficou alegado no contestação/reconvenção, e não apenas desde a data notificação da reconvenção.

84ª Sendo que relativamente a esta questão, contagem dos juros, o Tribunal da Relação, não se pronunciou, incorrendo por isso em nulidade por omissão de pronuncia, nos termos do disposto no Art. 615º nº 1 d) , o que se deixa aqui alegado para os devidos e legais efeitos.

85ª Quanto à questão da nulidade de julgamento da sentença por condcionar a determinação da redução do preço à possibilidade de reparação dos defeitos.

86ª Entende neste particular o Tribunal da Relação, que a redução deve ser equivalente à desvalorização do bem, ou sua menor rentabilidade, provocada pelo vicio ou desconformidade existente.

87º Concluindo que a sentença de Primeira Instância, padece de erro de julgamento impondo-se em consequência a sua revogação e substituição por outra que não conicione a redução do preço à possibilidade de reparação dos defeitos do imóvel, sem condudo concluir- Vide pag. 116 do douto Acórdão. .

88ª- Entende porém, a R/Recorrente que o Tribunal da Relação, neste particular andou mal, porquanto a decisão do Tribunal de 1º Instânca, foi acertada, e não carece de fundamento legal, inexistindo erro de julgamento.

89ª- Deve pois manter-se a este respeito a Decisão proferida em 1ª. Instância, com a qual se concorda.

90ª- De resto, ao contrário do defendido pelo A./Recorrido, não existe qualquer quantia já liquida, que não aquela a que foi condenada a pagar em sede de reconvenção à R./Recorrente.

91ª Uma vez que como bem decidiram ambas as instâncias, ao concluir e declarar de forma explicita pela improcedência dos pedidos de indemnização, por ausência de factualidade que o sustentem.

92ª Decidindo, como decidiu, o douto acórdão da Relação, fez errada apreciação da prova e violou, designadamente, o disposto nos artigos 496º, 566º, nº1, nº 3,, 799º, 801º, 804º, 805º, 806º, 913º, 916º 917º e 1225º todos do Código Civil, e assim como o disposto nos Artigos 6º, 7º, 195º nº 1 in fine, 411º, 417º, 490º e seguintes, 607º Nº 4, 608º, 615º alínea d), 662º nº 2 e 3 do Código de Processo Civil e o artigo 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, assim como os Artigos 2º e seguintes da Lei Defesa do Consumido e do Regime Jurídico da Venda de Bens de Consumo.

- Pelo que o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, deverá ser revogado e substituído por outro Acórdão que julgue a acção improcedente, e procedente a reconvenção.


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O autor apresentou contra-alegações, na qual pugnou pela inadmissibilidade parcial do recurso de revista da ré quanto à totalidade das matérias constantes dos capítulos B), C), D) e E) (quanto a este, com exceção da matéria atinente ao recurso subordinado apresentado pelo aqui A./Recorrido) das alegações da R./Recorrente e, no mais, pela sua improcedência.

Por acórdão de 21-09-2023 foram indeferidas as nulidades invocadas quer pelo autor quer pela ré.

Por acórdão de 02-11-2023, na sequência de requerimento do autor, foi indeferido pedido de rectificação de erros materiais por lapso manifesto do acórdão de 21-09-2023.

Por despacho datado de 10-09-2023, o relator no Tribunal da Relação:

- admitiu o recurso de revista interposto pelo autor;

- admitiu o recurso de revista interposto pela ré no tocante aos itens A), C), D) e E) e F (excluindo as conclusões 3.ª a 10ª da revista), através do requerimento apresentado em 9/06/2023;

- rejeitou o recurso de revista interposto pela ré relativamente ao item B) “Quan[t]o a nulidade processual e/ou nulidade da sentença por falta de realização da def[e]rida inspeção judicial ao local”, por legalmente inadmissível.


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II. DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Importa analisar separadamente cada uma das revistas apresentadas e bem assim os segmentos decisórios constantes das decisões das instâncias.

Do confronto da sentença com o acórdão recorrido, verificamos que o recurso de apelação da ré Rustiâncora foi totalmente improcedente, ocorrendo dupla conformidade decisória na fundamentação jurídica nestes dois arestos.

Ocorre, porém, divergência na fundamentação jurídica na parte do recurso subordinado do autor e que determinou a revogação de parte do segmento decisório, uma vez que na sentença foi determinado que «a quantia a liquidar em execução de sentença», para efeitos de redução do preço do imóvel, deverá ter por referência certas e determinadas patologias que especificamente enunciou.

Mas, entendeu o acórdão recorrido que uma vez que as patologias elencadas na sentença não correspondem, na sua totalidade, aos defeitos, vícios e desconformidades incluídos no elenco dos factos dado como provados e, para além disto, em face da procedência da impugnação da matéria de facto por banda do autor, resultaram provados outros defeitos, vícios e desconformidades, os quais deverão ser tidos em consideração para efeitos de redução do preço do imóvel a liquidar em execução de sentença.

E mais considerou o acórdão recorrido, dando provimento à apelação do autor, que a redução do valor não ficaria condicionada à possibilidade de reparação dos defeitos, pois tal não havia sido peticionado por qualquer das partes, sendo de acolher o entendimento maioritário que defende a inexistência de hierarquia entre os vários direitos de que o consumidor dispõe em caso de desconformidade (sem prejuízo da limitação pela impossibilidade ou pelo abuso de direito).

Aqui chegados, impõe-se concluir que dos dois segmentos decisórios constantes da sentença, houve um que se manteve intocável, o segmento respeitante aos danos não patrimoniais, e cuja fundamentação é essencialmente idêntica entre as instâncias.

Todavia, o segmento decisório respeitante à redução do preço é distinto na sentença e no acórdão, sendo a sua fundamentação igualmente distinta, conforme supra explanámos, porquanto ocorreu uma revogação deste segmente decisório.

O autor pugna pela inadmissibilidade do recurso da ré, em virtude de existir dupla conformidade decisória nas instâncias, nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC, relativamente às nulidades e questões de direito atinentes à qualificação do contrato celebrado entre a R./Recorrente e o A./Recorrido e do regime jurídico aplicável; à caducidade do exercício dos direitos do A./Recorrido; ao abuso do direito; e ao valor dos danos não patrimoniais.

Importa, assim, antes de mais, esclarecer que, de acordo com a jurisprudência dominante e mais avisada deste STJ a dupla conformidade decisória não se afere perante as questões jurídicas decididas, mas antes pelos segmentos decisórios5.

Desta forma, relativamente ao recurso do autor, uma vez que decaiu num dos pedidos que deduziu no recurso subordinado de apelação, e vem, agora, em sede de revista, invocar erro de direito sobre a parte em que decaiu, não se mostrando possível quantificar o montante da sua sucumbência, devemos, por força do disposto no art. 629.º, n.º 1, in fine, atender ao valor da causa, por existir dúvidas quanto à sua sucumbência, pelo que, inexistindo dupla conforme (porquanto não ocorreu pronúncia na sentença) quanto a esta parte que recorre, entendemos ser de admitir o recurso de revista do autor, nos termos do para os efeitos do disposto nos arts. 671.º, n.ºs 1 e 3, e 674.º, n.ºs 1, als. a) e c), do CPC, apesar de no acórdão recorrido ter ficado favorecido relativamente à sentença.

No que tange ao recurso de revista da ré Rustiâncora, cumpre, desde já, referir que, pelo relator no Tribunal da Relação, foi rejeitado o ponto B) do recurso de revista da ré, correspondente às conclusões 3.ª a 10.ª (nulidade processual por ter sido admitido em sede de despacho saneador a realização de inspecção judicial e posterior não realização, cfr. art. 195.º, n.º 1, in fine, do CPC, bem como nulidade da sentença por omissão de pronúncia ao não ser admitida a inspecção judicial requerida), não tendo havido reclamação por banda ré, cfr. art. 641.º, n.º 6, do CPC, pelo que transitou em julgado o referido despacho.

Quanto ao demais, impõe-se, igualmente, realçar que são as conclusões que delimitam o recurso, nos termos do art. 635.º do CPC, pelo que, analisando em confronto a motivação de recurso com as conclusões, concluímos que o recurso de revista da ré não é admissível relativamente ao segmento decisório dos danos não patrimoniais, por existir dupla conformidade decisória.

Impõe-se, ainda, realçar que relativamente às questões atinentes à caducidade do direito do autor e do abuso do direito, por se tratar de excepções peremptórias que, apesar de não constarem do dispositivo, poderiam ter sido aí consideradas e, como tal, integram um segmento decisório autónomo e cindível, verificando-se existir dupla conformidade decisória nas instâncias, não pode o recurso de revista da ré ser admissível quanto a estes dois segmentos: caducidade do direito do autor e abuso do direito.

Relativamente ao demais, ou seja, quanto ao segmento decisório da redução do preço, à violação dos ónus previstos no art. 640.º do CC, à impugnação da matéria de facto, e nulidades invocadas, é o recurso de revista da ré admissível.

III. FACTOS PROVADOS

Nos autos foram considerados provados os seguintes factos (consta a itálico o que foi alterado e aditado pelo acórdão recorrido):

a) Por acordo redigido a escrito em 19 de Novembro de 2014, e autenticado por termo, a sociedade Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda., representada pela sócia-gerente CC, declarou vender, e AA declarou comprar, pelo preço de 150.000,00, o prédio misto, composto por casa de rés-do-chão, com dependência, coberto aberto, rossio, espigueiro, eira e terreno de pastagem, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 497-..., registado a favor da parte vendedora, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 73º, da freguesia de ..., e na matriz predial rústica sob o artigo 1059º, da mesma freguesia, conforme se retira da cópia junta aos autos de fls. 53v a 57 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

b) BB e CC, como primeiros outorgantes, e AA, como segundo outorgante, celebraram, por escrito, em 19 de Novembro de 2014, o acordo que apelidaram de contrato de confissão de dívida, nos termos do qual este se confessou devedor àqueles da quantia de € 121.000,00, cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 58v a 59 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

c) Em 09.12.2015, o Autor recebeu a missiva, enviada pelos Réus BB e CC, cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 9v a 12 do apenso A e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido

d) Em 04.10.2016, a Ré Rustiâncora, Lda. recebeu a missiva, enviada pelo Autor, AA, cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 212v a 215 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

e) Em 04.10.2016, os Réus BB e CC receberam a missiva, enviada pelo Autor, AA, cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 216 a 219 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

e-A) A Ré Rustiâncora, Lda respondeu à missiva aludida na al. d) através da carta datada de 14/10/2016, cuja cópia consta de fls. 228 v.º a 230.

f) Os Réus BB e CC são sócios da sociedade Rustiâncora – Construções Rústicas, Lda., dedicando-se esta à actividade de compra, reconstrução e venda de bens imobiliários, conforme se retira da cópia da certidão permanente junta aos autos de fls. 46v a 47 e da informação com a referência nº 40887626, cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;

g) Apesar de terem declarado no título referido em a) que o preço a pagar pela venda do imóvel aí descrito seria de € 150.000,00, as partes contratantes – AA e Rustiâncora - acordaram que o preço a pagar seria de € 271.000,00;

h) E, por isso, celebraram e assinaram o acordo descrito em b);

i) Não tendo os Réus BB e CC entregado ao Autor a quantia que surge mencionada no título descrito em b);

j) Pretendendo as partes, com tal acordo, descrito em b), acordar quanto ao valor do preço que faltava pagar, a forma e o tempo de pagamento, tendo por referência o valor global acordado de compra e venda do imóvel descrito em a) de € 271.000,00;

k) E, declarando o que declararam no título descrito em a), evitar o pagamento de imposto devido à Fazenda Nacional, sobre a parcela do valor acordado para lá do declarado;

l) O Autor AA pretendeu e utiliza o imóvel descrito em a) como sua residência;

m) A negociação entre as partes e que antecedeu a celebração dos acordos descritos em a) e b) durou cerca de um ano;

n) Tendo o Autor AA visitado o imóvel várias vezes;

o) O prédio foi vendido com a casa no estado em que se encontrava, sem condições de habitabilidade, com paredes, telhado, estrutura de betão construída pela Ré, Rustiâncora, e outros elementos que infra se aludirão, tendo o preço acordado reflectido essa circunstância, ou seja, a necessidade de o comprador de terminar a sua construção;

p) Quando foi celebrado o acordo descrito em a), a casa de habitação existente no prédio aí descrito, não tinha janelas, portas, isolamento térmico e sistema de aquecimento de águas de banho;

q) Faltava colocar as caleiras e o rufo em volta da chaminé;

r) Faltava impermeabilizar pelo interior as paredes exteriores (por serem de pedra seca);

s) Faltava colocar toda a caixilharia exterior, nomeadamente, aros, portas e janelas;

t) Faltava colocar os dois portões de entrada exteriores;

u) Faltava executar a carpintaria interior e exterior, nomeadamente, aros guarnições, portas, contras em madeira, apainelados, roupeiros, soalho e rodapés;

v) Faltava colocar os móveis de cozinha e os móveis das casas de banho;

w) Faltava acabar e revestir as escadas a madeira;

x) Faltava executar partes de pichelaria, nomeadamente, o esgoto no interior dos wc e faltava instalar as redes de água quente, rede de água fria, aplicação de louças e torneiras;

y) Faltava instalar as máquinas terminais do aquecimento central;

z) Faltava revestir o piso e as paredes das casas-de-banho;

aa) Faltava revestir o piso da cozinha, sendo que as paredes estavam rebocadas com cal e cimento;

bb) As restantes paredes da casa estavam rebocadas com cal e cimento;

cc) Faltava fazer todos os tectos;

dd) Quanto à parte eléctrica já estavam instalados os tubos onde posteriormente seriam colocados os cabos eléctricos, sendo que estes não estavam instalados;

ee) No pavimento do rés-do-chão faltava o revestimento final pois só tinha a caixa e a betonilha;

ff) As escadas encontravam-se em betão;

gg) O pavimento do primeiro andar encontrava-se em cimento;

hh) Encontrava-se construída/escavada uma cavidade destinada a piscina em betão;

ii) Faltava a pintura interior;

jj) Faltava executar a calçada exterior em cubo;

kk) Na data referida em a), a estrutura em betão da casa existente no prédio aí mencionado já estava construída;

ll) A resistência do betão das vigas é de 35,5% da prevista no projecto;

mm) A resistência do betão da sapata é de 90,5% da prevista no projecto;

nn) Para a presente estrutura, o betão deve ter uma classificação de classe de exposição ambiental no mínimo de XC1 (Quadro 1 da norma NP EN 206-1), e esta classificação obriga e um recobrimento mínimo de 2 cm (recobrimento é a distância da armadura à superfície de betão), sendo que este recobrimento é a profundidade máxima aceitável que a carbonatação deve atingir ao fim dos 50 anos previsto na norma;

oo) No caso do betão utilizado na construção em causa, a carbonatação atinge a profundidade de 6,3 centímetros (o limite é de 2 centímetros);

pp) E as armaduras apresentam corrosão devido à carbonatação do betão, corrosão que não deveria acontecer até aos 50 anos previstos na norma supra-referida;

qq) A laje existente e instalada na sala apresenta os seguintes valores quando comparados com os valores previstos no projecto:

Previsto no projecto Instalada em obra Unidades

Resistência aos momentos flectores (Msd) 83,15 45,8 KN.m

Resistência ao esforço transverso (Vsd) 47,62 44,4 KN

Momento de formação de fendas (Mfctk) 60,70 25,7 KN.m

Rigidez de flexão (EI) 26971 13635 KN.m2

Deformação de longo prazo 2,6 4,5 Cm

Número de ferros inferiores da vigota 6 4

rr) Em face destes valores, a laje não cumpre os coeficientes de segurança exigidos pelas normas aplicáveis;

ss) A direcção da vigota na laje do alpendre não corresponde à prevista no projecto, uma vez que no projecto a laje do alpendre apoia-se no pórtico 3 e na parede de pedra da casa, enquanto que a laje existente em obra foi rodada, passando a apoiar-se nos pórticos 5 e 6, conforme imagem 3 da página 9, do relatório pericial junto aos autos de fls. 1214 a 1253 (referência nº 3317933);

tt) Os pórticos 5 e 6 não têm resistência para suportar esta laje, uma vez que não foram dimensionados para uma função de suporte, mas para travamento da laje;

uu) A chaminé existente no meio da sala está prevista no projecto de arquitectura, mas não está prevista no projecto de estruturas, pelo que em projecto não foi considerada como elemento de suporte da laje do tecto da sala;

vv) Como a chaminé está construída até à laje do tecto da sala e a deformação a longo prazo da laje construída é de cerca de 4, 5 cm, a chaminé vai acabar por dar apoio à laje, porque esta não está livre de se deformar;

ww) No entanto, como a chaminé não possui fundação (cimentação) para transmitir a carga ao solo, deveria ser um mero elemento decorativo, e não estrutural, porque em projecto não foi considerada como elemento de suporte da laje do tecto da sala;

xx) No projecto, a laje inclinada de cobertura tem uma espessura de 20 cm e em obra tem uma espessura de 13 cm;

yy) No projecto os pilares do alpendre estão previstos com a secção quadrada de 40x40cm, e em obra um dos pilares (P6) é circular com o diâmetro de 20 cm;

zz) A resistência do betão do pilar P6 é de 7,1 MPa, sendo este um valor de resistência inferior ao valor de resistência prevista no projecto que é de 20 MPa;

aaa) No projecto a viga do alpendre tem dimensões 20x45, correspondendo a 20cm de largura e 45cm de altura, sendo que em obra a viga tem a dimensão de 20x40cm, tendo a viga, portanto, menos 5 cm de altura em obra do que o previsto no projecto;

bbb) A viga e a laje foram fundidas em alturas distintas e pelas fissuras inclinadas na junta (fissuras de esforço de corte) verifica-se que não existem elementos de ligação entre a viga e a laje, originando a fissura entre os dois elementos, verificando-se, igualmente, que não foi executada conforme o projecto, uma vez que estava prevista a sua execução monolítica;

ccc) A carbonatação nas vigas do alpendre atinge a profundidade máxima de 6,3 cm, sendo que o recobrimento para esta estrutura não devia ir para além de 2 cm;

ddd) A viga “V+1” (pórtico 5 do projecto) tem uma armadura inferior com dois ferros de 10 mm;

eee) No entanto, como no projecto o pórtico 5 foi dimensionado sem a função de suporte da laje e neste momento está a suportar a laje, as armaduras são insuficientes para a nova função (deveriam ter sido objecto de redimensionamento, necessitando de, pelo menos, dois ferros de 16mm e de um de 12mm), não cumprindo as exigências de segurança;

fff) O projecto prevê para o pilar P6 uma sapata com 0.6mx1,3m e 60 cm de altura, para o pilar P5 uma sapata com 0.95x0.95 com 60 cm de altura, e uma viga de fundação entre as sapatas dos pilares P5 e P6, sendo que no projecto, estes elementos têm armaduras;

ggg) Em obra, apenas se observa um bolbo de betão com cerca de 1,1m, a fundação do pilar não existe conforme previsto no projecto e não tem armaduras, sendo que a resistência do betão utilizada ascende a 18,1 MPa, enquanto que no projecto se prevê uma resistência de 20 MPa;

hhh) Relativamente à fundação C2, no projecto a drenagem está prevista abaixo da cota do piso de rés-do-chão, de modo a recolher as águas que surjam do solo, prevendo-se, igualmente, uma caixa de brita envolvida em geotêxtil de modo a encaminhar as águas do solo rapidamente para o dreno para que a água nunca fique numa cota superior à cota do dreno, mantendo a parede sem humidade;

iii) Em obra, o dreno foi instalado a cerca de 1 metro acima da cota do pavimento, levando a que o solo abaixo da cota do dreno não seja drenado e colocando a parede em contacto com a humidade do solo;

jjj) Como a parede não foi impermeabilizada, não existe nenhum elemento a impedir a água de entrar na parede de pedra;

kkk) Consequentemente, verifica-se a existência de humidade na parede, infiltrações de água no interior da habitação sob a forma de eflorescências e danos no reboco e nos rodapés;

lll) Bem como a existência de um teor elevado de humidade no ar dentro da habitação e alguns fungos nas zonas interiores da parede de pedra;

mmm) A estrutura exterior da casa (paredes) foi construída com uma parede de pedra no lado exterior, uma caixa de ar e uma parede de tijolo pelo lado interior;

nnn) Foi colocado um plástico transparente sob a base da parede de tijolo e um plástico preto sob o pavimento térreo;

ooo) O tipo e a forma como os elementos estão colocados não é eficaz para isolar as paredes de humidades porque se trata de materiais frágeis, pouco duráveis e sem estanqueidade nas juntas de sobreposição

ppp) Também não existe qualquer isolamento para impedir a passagem da humidade da parede exterior em pedra para a parede interior em tijolo, porque como o tijolo é um material poroso, transmite essa humidade para o ar interior da sala;

qqq) No prédio existem dois muros exteriores: um que delimita a propriedade da via pública; outro que delimita o prédio do Autor com a prédio do vizinho a nascente;

rrr) Estes muros estão previstos no projecto de arranjos exteriores, onde está prevista a sua reconstrução em alvenaria de granito;

sss) À data referida em a), os referidos muros não tinham sido objecto de qualquer intervenção;

ttt) A supra-referida corrosão das armaduras implica uma diminuição da capacidade de resistência dos elementos, uma menor durabilidade e a necessidade de realização de uma reparação a curto prazo de forma a repor a segurança;

uuu) No tecto do primeiro piso existem dois pontos de humidade com origem no telhado: um no tecto do quarto; outro, no tecto do corredor;

vvv) O pavimento da casa das máquinas tem pendente contrária à grelha de drenagem, acumulando água no seu interior;

www) Existe infiltração de água no tecto da casa das máquinas;

xxx) A reconstrução da estrutura da casa, realizada antes da data referida em a), foi executada por HH, contratado pela Ré Rustiâncora, tendo aquele iniciado as obras sem a orientação de qualquer projecto, e ao abrigo do processo de licenciamento de obras nº 22/08, ao abrigo do qual foi emitido o Alvará de Licença de Construção nº 116/09, em 01.09.2009, registado na Câmara Municipal de ... em nome da Ré, Rustiâncora, Lda.;

yyy) O Réu DD não teve qualquer intervenção na construção da casa existente no prédio referido em a);

zzz) O Réu DD emprestou o seu alvará de empreiteiro à Ré Rustiâncora para que esta procedesse às obras na casa existente no prédio supra-referido;

aaaa) A casa existente no prédio referido em a), esteve sem janelas e portas, cerca de um ano antes data do negócio aí referido;

bbbb) O Autor continuou as obras de construção da casa cerca de 3 meses depois da data referida em a);

cccc) O Autor tem sofrido transtornos e desgosto por ter humidades, acumulações de água e fungos em casa, não conseguindo usufruir da habitação de forma total e sem condicionamentos;

dddd) Para reparar e corrigir as situações elencadas de ll) a www), a casa deverá ser esvaziada e durante as obras não poderá ser habitada.

eeee) Nem no acabamento, nem na soleira foi aplicado o isolamento térmico previsto no projeto.

- ffff) No projeto estava prevista uma piscina em betão armado, mas foi construída uma piscina em betão simples.

- gggg) O muro que delimita o prédio referido em a) não possui drenos de drenagem de águas infiltradas.

- hhhh) O muro que delimita o prédio referido em a) a nascente apresenta um aspecto tosco com pouca confiança quanto à sua estabilidade.

iiii) Verifica-se o escorrimento de água pelo beirado.

jjjj) No terraço da parte superior da casa que comunica com a cozinha a divisão não está bem isolada, o que provoca infiltrações de água e humidade.

kkkk) Os níveis de humidade na casa provocam danos nos móveis e roupa.

llll) No inverno, o A./Recorrente tem de ter desumidificadores na casa ligados 24h por dia.

mmmm) O A./Recorrente teve conhecimento de que o imóvel padecia de vícios, desconformidades e defeitos ocultos em 14/12/2015, através do relatório pericial realizado pela sociedade E..., S.A.

nnnn) O Autor solicitou à “E..., S.A.” que analisasse o estado da construção da moradia que adquiriu à Ré Rustiâncora, para verificar se a mesma padecia de algum

vício de construção ou qualquer outro defeito e que elaborasse o relatório pericial correspondente.

oooo) A “E..., S.A.” elaborou o relatório pericial junto como Documento n.º 12 da petição inicial.

pppp) O custo do relatório referido em oooo) ascendeu a € 7.389,47.


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IV. THEMA DECIDENDO

Em face das conclusões apresentadas pelos recorrentes, as questões as decidir são as seguintes:

I – Do recurso do autor:

a. Das nulidades do acórdão recorrido (conclusões 3. a 11.);

b. Do erro de direito na da alínea a) do ponto iv) do segmento decisório do acórdão recorrido (conclusões 12. e 13.);

II – Do recurso da ré:

c. da admissão do documento apresentado na fase da apelação, bem como a revogação da condenação em custas, por excesso (conclusões 1.ª e 2.ª);

d. da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, pois deixou de fora da matéria de facto os arts. 180.º, 182.º, 223.º a 225.º da contestação/reconvenção, necessários para aferir do abuso de direito, bem como erro de julgamento de facto e de direito (conclusões 10.ªA a 13.ª);

e. da nulidade da sentença por falta de fundamentação, tal como o acórdão recorrido, nos termos da al. b), do n.º 1 do art. 615.º do CPC (conclusões 14.ª a 16.ª);

f. da nulidade do acórdão por não conhecimento da questão relativa ao abuso de direito, nos termos do art. 615.º, n.º 1, als. b) e d), do CPC (conclusões 77.ª e 78.ª);

g. da nulidade do acórdão por não se pronunciar acerca da contabilização de juros, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC (conclusões 83.ª e 84.ª)

h. da violação dos ónus previstos no art. 640.º do CPC e do convite ao aperfeiçoamento (conclusões 17.ª a 25.ª);

i. da impugnação da matéria de facto, (conclusões 26.ª a 43.ª)

j. da inaplicabilidade do regime previstos na Lei de Defesa do Consumidor e no DL 67/03 de 08-04 por se tratar de móvel inacabado (conclusões 44.ª a 66.ª) e da redução do preço condicionada à reparação dos defeitos (conclusões 81.ª, 82.ª e 85.ª a 91.ª).

k. do abuso do direito por parte do autor (conclusões 67º a 76º).


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V. DO MÉRITO DO RECURSO

Antes de mais, e por ora, uma vez que no recurso da Ré, além do mais, é invocado o erro de direito na interpretação do art. 640.º do CPC, na parte em que rejeitou de imediato a reapreciação da prova testemunhal gravada, impõe-se, desde já, o seu conhecimento – por aqui começando a apreciação dos autos – bem como da questão relativa à admissibilidade da junção de documento em sede de apelação.

Com efeito, a proceder esta questão suscitada pela Ré, impor-se-á a baixa dos autos à Relação para conhecimento integral da impugnação da matéria de facto, dessa forma ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nas revistas.

Acresce que, conforme é jurisprudência assente neste STJ, a rejeição da impugnação da matéria de facto pela Relação, com base em incumprimento do ónus do art. 640.º do CPC, pode configurar uma violação da lei processual que, por ser imputada ao tribunal da Relação, afasta uma eventual dupla conformidade decisória das instâncias6.


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a. Da admissão do documento apresentado na fase da apelação, bem a revogação da condenação em custas, por excesso (conclusões 1.ª e 2.ª)

A ré, com as alegações do recurso de apelação, requereu a junção aos autos de documento que intitulado “Ensaios de Caracterização de Betão”.

O acórdão recorrido decidiu não admitir a junção do documento, por considerar ser o mesmo extemporâneo, uma vez que os factos que este documento visa provar são factos que já antes da decisão sabia a ré estarem sujeitos a prova e tão só por sua culpa ou inércia não foi junto atempadamente nos autos.

Na revista, em concreto nas conclusões 1.º e 2.º, a ré invoca, à luz do disposto nos arts. 651.º, n.º 1, e 425.º do CPC, que: 1ª- Ao contrário do defendido pelo douto Tribunal da Relação, a necessidade da junção documento decorre, efectivamente do julgamento em Primeira Instância, e veio precisamente na sequência da inquirição da última testemunha inquirida em sede de julgamento, Eng. FF. 2ª- E nesse sentido devia, como deve o documento ser admitido, à luz do disposto no na parte final do nº 1 do Artigo 651º e artigo 425º ambos do Código de Processo Civil. e nessa parte revogada a decisão do Tribunal da Relação, incluindo condenação arbitrada em termos de custas, por também ela pecar por excesso.

Nos termos do n.º 1 do art. 651.º do CPC, As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

A razão de ser deste normativo prende-se, também, com a natureza do regime de recursos no nosso sistema jurídico, que é um regime de revisão ou reponderação da decisão e não um reexame da causa, o que desta forma justifica a fixação de condições restritivas de junção de documentos em sede de recursos7.

Por força do disposto nos arts. 651.º, n.º 1, e 415.º, do CPC, na apelação, apenas é permitida a junção de documentos se não foi possível até ao encerramento da discussão, caso se tenha tornado necessária “em virtude do julgamento proferido na l.ª instância”.

É esta última previsão legal que a ré recorrente invoca para a junção de documento, isto é, que se impõe a sua junção por força do julgamento em 1.ª instância, acrescentando que esta necessidade surgiu na sequência da inquirição da última testemunha em sede de julgamento, Eng. FF.

Ora, como é bom de ver, a ratio deste normativo não permite a junção de documentos que se mostraram necessários e passíveis de junção no decurso da audiência de julgamento, mas antes e tão só aqueles que se revelaram indispensáveis após a prolação da sentença. Este é o único entendimento admissível na interpretação deste normativo, o qual é de carácter excepcional.

Se a ré, conforme alega, considerou a relevância da junção deste documento após a inquirição desta testemunha, verificamos que, nesse momento, a audiência ainda não se mostrava encerrada, sendo a sua junção possível ainda no decurso do julgamento em 1.ª instância.

Tal como se mostra asseverado no acórdão recorrido, o documento em questão é tão só hábil a provar factos que já se mostravam controvertidos no decurso do julgamento, não tendo a ré procedido à sua junção tão só por inércia ou culpa da sua parte.

Mais acresce que o documento junto com o recurso de apelação não é documento completo, mas sim um excerto sem qualquer data aposta, pelo que, igualmente, não podemos confirmar a sua superveniência.

Pelo indeferimento da junção do documento, o acórdão recorrido condenou a ré numa multa processual no montante de 1 (uma) UC, ao abrigo do disposto nos arts. 443.º, n.º 1, do CPC e 27.º, n.º 1, do RCP.

A ré recorrente invoca que tal condenação deve ser revogada por se mostrar excessiva.

Considerando que nestes autos foi mantido o despacho de indeferimento da junção do documento, importa tão só aferir se tal condenação em multa se mostra excessiva.

Por força do disposto no art. 443.º, n.º 1, do CPC, Juntos os documentos e cumprido pela secretaria o disposto no artigo 427.º, o juiz, logo que o processo lhe seja concluso, se não tiver ordenado a junção e verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários, manda retirá-los do processo e restitui-os ao apresentante, condenando este ao pagamento de multa nos termos do Regulamento das Custas Processuais.

Nos termos do art. 27.º, n.º 1, do RCP a multa processual é fixada entre 0,5 e 5 UC’s.

Ora, considerando que a moldura legal da multa aplicável, não se afigura excessiva condenação em 1 UC, porquanto se mostra muito próxima do limite legal mínimo da condenação.

Assim improcede esta parte do recurso.

b. DA VIOLAÇAO DOS ÓNUS PREVISTOS NO ARTº 640º DO CPC E DO CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO (conclusões 17.ª a 25.ª)

Iremos desde já apreciar esta parte do recurso, uma vez que o seu desfecho poderá determinar a baixa dos autos ao tribunal recorrido, caso se entenda que não ocorreu violação do ónus previsto no art. 640.º do CPC, por banda da ré recorrente.

O acórdão recorrido, no que se refere à impugnação da matéria de facto, decidiu rejeitar parcialmente o recurso da ré relativamente à prova gravada, pois entendeu que a ré não cumpriu o ónus secundário de indicação das passagens da gravação em que funda o seu recurso, cfr. art. 640.º, n.º 2, a), do CPC.

Antes de mais, anote-se que dúvidas inexistem na jurisprudência do STJ que não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento quando estamos no âmbito da impugnação da matéria de facto8, pelo que nesta parte não merece qualquer reparo o acórdão recorrido ao não ter feito qualquer convite ao aperfeiçoamento da impugnação da matéria de facto.


*


Lançando mão do recurso de apelação da ré, verificamos que a ré não indica nas conclusões nem nas alegações quais as concretas passagens dos depoimentos das testemunhas que a ré impugna.

Será tal suficiente para a rejeição do recurso?

Apenas no início de 1995 a legislação processual civil portuguesa garantiu o duplo grau de jurisdição em matéria de facto com o DL 39/95, de 15 de Fevereiro, em cujo preâmbulo se lia que:

Visa o presente diploma consagrar, na área do processo civil, uma solução legislativa que, embora corrente noutros ordenamentos jurídicos, é, no nosso, substancialmente inovadora, ao prever e regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida, (…)

Tal admissibilidade do registo das provas produzidas ao longo da audiência de discussão e julgamento permitirá alcançar um triplo objectivo:

Em primeiro lugar, na perspectiva das garantias das partes no processo, as soluções ora instituídas implicarão a criação de um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais - e seguramente excepcionais - erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito.

(…) Finalmente, o registo das audiências e da prova nelas produzida configura-se ainda como instrumento adequado para satisfazer o próprio interesse do tribunal e dos magistrados que o integram, inviabilizando acusações de julgamento à margem (ou contra) da prova produzida, com os benefícios que daí poderão advir para a força persuasiva das decisões judiciais e para o necessário prestígio da administração da justiça.

O estabelecimento desta inovadora garantia das partes - consistente na possibilidade de requerer e obter a integral registo das audiências e a consequente efectividade de um 2.º grau de jurisdição na apreciação dos pontos questionados da matéria de facto - suscita, desde logo, a questão da sua articulação com a tradicional garantia decorrente da colegialidade da decisão sobre a matéria de facto. (…)

A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. (…)

A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.

Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712.º) - e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância - possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.

Daí que se estabeleça, no artigo 690.º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto.

Tal ónus acrescido do recorrente justifica, por outro lado, o possível alargamento do prazo para elaboração e apresentação das alegações, consentido pelo n.º 6 do artigo 705.º

(…)

Por outro lado - e como resulta claramente das considerações antecedentes -, o objecto do 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova (…).”

Duma fase inicial em que o recorrente teria de proceder à transcrição escrita das passagens da gravação em que se fundava passou-se a um período em que teria que ser identificado “o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento” que se mostravam registados na acta de audiência, com o DL183/2000, de 10 de Agosto, para, finalmente com o DL 303/2007, de 24 de Agosto, deixou de ser exigida, quer a transcrição dos depoimentos, quer a referência ao assinalado na acta, para ser necessário somente “indicar, com exactidão, as passagens da gravação em que a impugnação se baseie.

Chegados ao art.º 640º do actual Código de Processo Civil verificamos que os ónus a suportar pelo recorrente para beneficiar da garantia de duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto são os seguintes:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;”

É entendimento dominante neste Supremo Tribunal que o ónus previsto no art. 640.º do CPC se desdobra em dois tipos:

• Um ónus primário que respeita à obrigação de indicação dos concretos pontos de facto impugnados, por se tratar de uma imposição de delimitação do objecto do recurso (n.º 1 do art. 640.º do CPC);

• Um ónus secundário que visa possibilitar um mais facilitado acesso aos meios de prova gravados pertinentes para a apreciação da impugnação da matéria de facto (n.º 2 do art. 640.º do CPC).

Ciente de que a imposição de ónus de impugnação representa um condicionamento ao direito de acesso aos tribunais e, em especial, ao direito ao recurso (cfr. artigo 20.º, n.º 1, da CRP), este Supremo Tribunal de Justiça tem-se esforçado por interpretar o disposto na norma com certa cautela, evitando leituras excessivamente formalistas que possam conduzir a restrições injustificadas das garantias associadas ao processo equitativo e convocando sempre, para o efeito da melhor interpretação da norma, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Assim, de acordo com a orientação maioritária (e em crescendo) da jurisprudência deste Supremo Tribunal, a interpretação do art. 640.º do CPC não deve ser pautada por uma perspetiva formalista, mas antes por critérios preferencialmente materiais, em função do princípio da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, princípio que constitui uma manifestação do princípio da proporcionalidade das restrições, consagrado no art. 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição, e da garantia do processo equitativo, consagrada no art. 20.º, n.º 4, da Constituição9. Devendo o tribunal fazer uma análise conjugada quer das conclusões quer das alegações de recurso, no sentido em que haja uma complementaridade entre ambas e que permitam o exercício do contraditório pela parte contrária e a apreensão do seu teor pelo tribunal de recurso, sem grande esforço10.

Verificamos que a ré indica, quer nas conclusões quer nas alegações da apelação, o início e o fim das gravações dos depoimentos das quatro testemunhas e que os referidos depoimentos têm uma duração média de 30 a 40 minutos, nunca ultrapassando 60 minutos de gravação de depoimento, conforme se comprova pelas seguintes indicações:

- Isto sem atender a restante prova testemunhal, nomeadamente, ao depoimento de II, industrial de betão, constante da gravação no sistema Habilus Media Studio das 10h:14:55 a 10h.49.18 (…) E este garantiu que o betão, que foi fornecido tinha qualidade e era o betão B-25, e todo o betão era analisado antes de ir para obra, pelo que era uma barbaridade, só ter uma resistência de 35,5 %, que era impossível.- Vide Habilus Media Studio das 10h:20:56 a 10h.49.18;

- Sobre esta matéria depuseram também as testemunhas, JJ, Engenheiro Civil, cujo o depoimento se encontra gravado no sistema Habilus Media Studio das 11h:37:05 a 12h.18.40 e ainda a testemunha HH, cujo o depoimento se encontra gravado no sistema Habilus Media Studio das 15h:54:47 a 15h.54.47;

- E principalmente a testemunha, FF, Eng. Civil e ... de Engenharia do IPVC, cujo o depoimento se encontra gravado no sistema Habilus Media Studio das 14h:13:50 as 15h.02.56.

Ora – em conformidade com o já supra referido –, é entendimento maioritário na jurisprudência do STJ que o incumprimento ou cumprimento deficiente ou parcial da al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC pela parte não implica a imediata rejeição do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto, mas antes e tão só a sua rejeição nos casos em que dificultem, gravemente, a análise pelo tribunal de recurso e/ou o exercício do contraditório pela outra parte11.

Como dito supra, a ré indica, quer nas conclusões quer nas alegações da apelação, o início e o fim das gravações dos depoimentos das quatro testemunhas e que os referidos depoimentos têm uma duração média de 30 a 40 minutos, nunca ultrapassando 60 minutos de gravação de depoimento, conforme se comprova pelas seguintes indicações:

Ou seja, a ré recorrente indicou com clareza os pontos da matéria de facto que entende terem sido mal apreciados na 1.ª instância, identificou as testemunhas nas quais sustenta a alteração da matéria de facto, indicando o início e o termo dos seus depoimentos, acrescentando ainda um resumo da parte relevante do seu depoimento, conforme se atesta supra relativamente à testemunha II, (…) Esta testemunha, empresário e um dos titulares da empresa “B..., Lda.”, que forneceu o betão para a obra. E este garantiu que o betão, que foi fornecido tinha qualidade e era o betão B-25, e todo o betão era analisado antes de ir para obra, pelo que era uma barbaridade, só ter uma resistência de 35,5 %, que era impossível.- Vide Habilus Media Studio das 10h:20:56 a 10h.49.18 (…).

Assim, entendemos que, uma vez que nas alegações de recurso e nas conclusões da apelação, a ré recorrente identificou os pontos de facto que considerou mal julgados e indicou o depoimento das testemunhas que aponta como mal valorados, mais indicando o início e termo da sessão na qual foram prestados e bem assim o facto probatório que deveria ter tido lugar, a posição do tribunal recorrido, ao rejeitar o conhecimento da impugnação da matéria de facto relativa à prova testemunhal gravada, constitui uma interpretação excessivamente formalista do art. 640.º, n.º 2, al. a) do CPC, e que se afasta da jurisprudência tendencialmente maioritária (e crescente) que prevalece neste Supremo Tribunal de Justiça.

A ré recorrente cumpriu, de facto, minimamente, o ónus de alegação imposto pelo art, 640.º, n.º 2, al. a), do CPC, pois, da análise conjugada dos elementos probatórios que o recorrente indica e por se tratar de 4 depoimentos com uma extensão cada um não superior a 40/45 minutos, é perfeitamente possível o exercício do contraditório pela contraparte, bem como o exame, sem grande dificuldade, pelo Tribunal da Relação.

Considerar como entendeu o Tribunal da Relação, ao rejeitar imediatamente o conhecimento da prova testemunhal gravada impugnada pela ré recorrente, é (salvo melhor opinião e com muito respeito pelo labor plasmado no acórdão recorrido) interpretar o art. 640.º, n.º 2, al. a, do CPC de modo excessivamente formalista e sem ponderar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, que devem pautar esta apreciação.

Nestes termos, entende-se que mal andou o tribunal da Relação ao rejeitar o conhecimento da impugnação da matéria de facto nesta parte – sendo certo que os factos em causa dizem respeito aos defeitos do imóvel, o que não é de somenos importância para a decisão da causa.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em, na procedência do recurso da Ré, anular o acórdão recorrido e determinar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para, se possível pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, ser apreciada a impugnação da matéria de facto, na parte que foi rejeitada, com a subsequente apreciação da decisão de direito.

Custas a fixar a final, em função do decaimento.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2024

Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 1º adjunto)

Emídio Santos (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)

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1. Cf. requerimento do A./Recorrente com a ref.ª Citius ...14, de 07/09/2019 (fls. 814 a 819 dos autos).

2.Cf. pedido 1-a da versão consolidada do pedido constante do requerimento do A./Recorrente com a ref.ª Citius ...14, de 07/09/2019 (fls. 814 a 819 dos autos).

3. Cf. Acórdão recorrido, página 118, que cita “Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em

especial na compra (…), p. 407”, na qual se pode ler, com notável clareza, que “Assim, no caso de o comprador ainda não ter pago o preço, a parte do preço a reduzir não será devida, por o valor do bem ser inferior ao acordado; mas se já tiver saldado o preço, apesar de indevida, a quantia paga em excesso corresponderá a um crédito que o consumidor detém sobre o vendedor, podendo exigir-lhe a correspetiva devolução de parte do preço pago. (…) O remédio da redução do preço especialmente útil nos casos em que o preço ainda não foi (total ou parcialmente) pago, não é de excluir nas situações em que o preço há foi integralmente pago. Nestes casos, não tem oferecido dúvidas que o comprador, em função dos defeitos do bem adquirido, tem o direito a requerer a redução do preço, materializado mediante a condenação do vendedor na devolução do montante correspondente.”↩︎

4. Em desconformidade com o que reza o artº 639º, nº1 do CPC.

5. Cfr. neste sentido os seguintes acórdãos do STJ de 22-02-2022, Revista n.º 5688/17.0T8GMR.G1.S1, I - A apreciação da dupla conforme é aferida relativamente a cada segmento decisório autónomo e cindível; não em função da questão jurídica apreciada para alcançar a decisão, carecendo, pois, de qualquer relevância para tal efeito a circunstância de as decisões das instâncias terem coincidido na fundamentação quanto à ilicitude da ré empreiteira (na responsabilidade extracontratual atribuída) e relativamente à responsabilidade contratual da mesma. (…); de 22-04-2021, Revista n.º 1484/15.8T8PDL.L1.S1; de 15-06-2023, Revista n.º 2444/20.2T8STB.E1.S1 – todos disponíveis em www. dgsi.pt.

6. Cfr, entre outros, os Acs. do STJ de 18-01-2022, Revista n.º 243/18.0T8PFR.P1.S1; de 12-04-2023, Revista n.º 13205/19.1T8PRT-A.P1.S1 e de 15-09-2022, Revista n.º 225/16.7T8FAR.E2.S2 – todos disponíveis em www.dgsi.pt.

7. Cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 17-02-2022, Revista n.º 4995/17.7T8LRA.C2.S1.

8. Cfr. neste sentido os Acs. do STJ de 14-02-2023, Revista n.º 1680/19.9T8BGC.G1.S1 e de 25-05-2023, Revista n.º 752/20.1T8CTB.C1.S1 – disponíveis em www.dgsi.pt.

9. Neste sentido, v.g., o acórdão de 11.02.2021 (proc. n.º 4279/17.0T8GMR.G1.S1 – Graça Trigo), consultável em www.dgsi.pt.

10. Cfr. entre outros, os Ac. do STJ de 06-07-2023, Revista n.º 1416/15.3T8MMN-H.E1.S1; de 19-01-2023, Revista n.º 2387/20.0T8STR.E1.S1; e de 18-01-2022, Revista n.º 701/19.0T8EVR.E1.S1 – todos disponíveis em www.dgsi.pt.

11. Neste sentido – portanto, com particular relevância para a questão sob apreciação – pode ver-se os seguintes acórdãos:

  - Acórdão de 20.10.2015 (proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1 - Lopes do Rego), consultável em www.dgsi.pt, assim sumariado:

  «I - Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes ( e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC) .

  II - Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso.».[negrito nosso]

 - Acórdão de 21.03.2019 (proc. n.º 3683/16.6T8CBR.C1.S2 - Rosa Tching), disponível em www.dgsi.pt, que tem como sumário:

  «I. Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, n º1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.

  II. Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

  III. Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.

  IV. Tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640º, nº 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.». [negritos nossos]

  - Acórdão de 04.06.2020 (proc. n.º 1519/18.2T8FAR.E1.S1 - Catarina Serra), consultável em www. jurisprudencia.csm.org.pt, assim sumariado, na parte que ora releva:

  «III. O art. 640.º do CPC estabelece que o recorrente no caso de impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve proceder à especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que imponham decisão diversa e da decisão que deve ser proferida, sem, contudo, fazer qualquer referência ao modo e ao local de proceder a essa especificação.

  IV. Nesse conspecto tem-se gerado o consenso de que as conclusões devem conter uma clara referência à impugnação da decisão da matéria de facto em termos que permitam uma clara delimitação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, e que as demais especificações exigidas pelo art. 640.º do CPC devem constar do corpo das alegações.

  V. Vem-se, também, defendendo que a apreciação das exigências estabelecidas no art. 640.º do CPC se efectue segundo um critério de rigor que vise impedir que a impugnação da decisão da matéria de facto se banalize numa mera manifestação de inconsequente inconformismo sem, porém, se transmutar num excesso de formalismo que redunde na denegação da reapreciação da decisão da matéria de facto.

  VI. A apreciação da satisfação das exigências estabelecidas no art. 640.º do CPC deve consistir na aferição se da leitura concertada da alegação e das conclusões, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade, resulta que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se encontra formulada num adequado nível de precisão e seriedade, independentemente do seu mérito intrínseco.

  VII. Tendo o recurso por objecto a impugnação da matéria de facto, não está o recorrente obrigado a proceder, nas conclusões, à reprodução textual do que se impugna, mostrando-se suficiente a mera indicação dos números sob os quais se encontram vertidos os factos impugnados.». [negritos nossos]

  - Acórdão de 05.02.2020 (proc. n.º 3920/14.1TCLRS.L1.S1 - Nuno Pinto Oliveira):

  «I - O critério relevante para apreciar a observância ou inobservância dos ónus enunciados no art. 640.º do CPC há-de ser um critério adequado à função e conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

  II - Os ónus enunciados no art. 640.º do CPC pretendem garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido.

  III - Face aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a gravidade da consequência prevista no art. 640.º, n.os 1 e 2, do CPC – rejeição do recurso ou rejeição imediata do recurso – há-de ser uma consequência adequada, proporcionada e razoável considerando a gravidade da falha do recorrente.

  IV - A rejeição do recurso por inobservância do ónus secundário de facilitação do acesso aos meios de prova gravados deve restringir-se aos casos em que a inobservância do ónus secundário dificulta gravemente a actuação ou exercício do contraditório pelo recorrido ou a decisão do recurso pelo tribunal.».

 - Ac. de 27-10-2022, Revista n.º 1743/18.8T8BRG.G1.S1?, assim sumariado:

  I - A rejeição do recurso em sede de impugnação da decisão de facto, ao abrigo do art. 640.º, n.º 1, do CPC, só deve ocorrer quando dos termos em que a pretensão recursória vem formulada não resulte a identificação dos juízos probatórios visados, o sentido da pretendida decisão a proferir sobre eles nem a indicação dos concretos meios de prova para tal convocados.

  II - O objectivo da indicação com exactidão da passagem da gravação em que se funda o recurso é evitar um desmesurado esforço de indagação ao recorrido e ao tribunal, sempre incompatível com curtas extensões de depoimentos, como acontece num depoimento de 30 minutos onde se integra já a identificação e informação sobre as ligações entre a testemunha e as partes, bem como o juramento legal.

  Pode ver-se ainda os Acs. do STJ de 12-04-2023, Revista n.º 13205/19.1T8PRT-A.P1.S1; de 27-01-2022, Revista n.º 225/16.7T8FAR.E2.S1.