Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1600/17.5T8PTM.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: LOTEAMENTO
CADUCIDADE
EFEITOS
HIPOTECA
CASO JULGADO MATERIAL
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
REQUISITOS
INSOLVÊNCIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
OFENSA DO CASO JULGADO
REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REJEITADA EM PARTE E REMETIDA À FORMAÇÃO NO DEMAIS
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Vindo invocada a violação de caso julgado e sendo pedida a revista pela via excecional, é de decidir se se admite a revista pela via do artigo 629.º, n.º2 do Código de Processo Civil,  antes de se remeter os autos à formação a que alude o artigo 672.º do Código de Processo Civil.

II. Questionando-se o reconhecimento do efeito de autoridade do caso julgado material no que se refere aos efeitos da caducidade do loteamento na subsistência das hipotecas constituídas sobre os respetivos lotes, alegadamente objeto de apreciação em ações anteriores já transitadas em julgado, não está em causa qualquer situação de exceção de caso julgado por inexistir a tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir) por aquele instituto exigida.

III. Pode é questionar-se a autoridade do caso julgado em relação a outros processos, a saber uma ação de insolvência e várias ações do Tribunal Administrativo e Fiscal .....

IV. Não ocorre violação da autoridade do caso julgado quanto à sentença proferida nos autos de insolvência, uma vez que esta não teve como objeto nem incluiu qualquer decisão prejudicial, ou que se imponha nos presentes autos, a respeito da validade das hipotecas constituídas em favor do banco quando o alvará de loteamento se encontrava já caducado;

V. De acordo com a jurisprudência deste STJ é de considerar que a autoridade do caso julgado, ainda que possa dispensar a verificação da tríplice identidade requerida para a procedência da exceção dilatória, não dispensa, a identidade subjetiva.

VI. Nas várias ações do TAF de .... as partes nos processos não são as mesmas dos presentes autos, pelo que o Recorrido não se encontra abrangido por qualquer norma legal que permita à Recorrente beneficiar do caso julgado formado nesses processos, não se podendo entender ter havido violação da autoridade do caso julgado.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:           


I. Relatório

1. Porticentro – Sociedade de Construção, Gestão e Turismo, Lda. intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra Novo Banco, S.A., formulando o seguinte pedido:

a) declarar-se a nulidade das hipotecas referidas e identificadas nos artigos 5°, 6° e 7° da presente Petição Inicial e que tiveram por objetos os prédios referidos e identificados nos artigos 2° e 3° da presente Petição Inicial;

b) declarar-se a nulidade dos registos de hipoteca voluntária a que correspondem as Aps.81 de 22/11/2017,4197 de 24/09/2009 e 1131 de 27/02/2012 e respetivos averbamentos (Aps. 1566 de 21/04/2015,6757 de 21/04/2015 e 3559 de 13/05/2015) que incidem sobre os prédios identificados no artigo 2° da presente Petição Inicial; e

c) ordenar-se o cancelamento das inscrições de registo das hipotecas voluntárias a que correspondem as Aps. 81 de 22/11/2017, 4197 de 24/09/2009 e 1131 de 27/02/2012 e respetivos averbamentos (Aps. 1566 de 21/04/2015,6757 de 21/04/2015 e 3559 de 13/05/2015) que incidem sobre os prédios identificados no artigo 2° da Petição Inicial.

Alegou, em síntese, que:

- as detentoras do seu capital social (Credigolf e Crediférias) adquiriram oito lotes de terreno no ......, em ......, o que ocorreu através da compra a um fundo (Fungepi), pertencente à data ao Banco Espírito Santo, da totalidade das participações sociais da empresa que detinha o terreno, precisamente a ora A., Porticentro. Uma vez que os lotes em causa se tinham constituído ao abrigo de alvará de loteamento que veio, entretanto, a caducar (o alvará ../80), os mesmos deixaram de ter existência jurídica, pelo que as hipotecas que constituiu junto do R., nomeadamente para financiar essa aquisição e subsequentes despesas, são nulas por falta de objeto;

- as referidas empresas que detêm as suas participações, quando (através dos respetivos representantes legais) descobriram que o loteamento estava caducado e não podia ser renovado, procuraram junto da Câmara Municipal ....... que fosse elaborado um "plano de pormenor" para o local, com uma bastante maior capacidade edificativa, carecendo este, no entanto, de que as hipotecas em causa sejam levantadas, para poderem ser, nomeadamente, constituídas novas hipotecas a favor da Câmara Municipal ..... e da entidade bancária que vier a financiar a construção ao abrigo do novo plano de pormenor;

- o Réu, tal como já havia acontecido com o seu antecessor Banco Espírito Santo, tem- se recusado a cooperar e a levantar as hipotecas, para que o novo plano possa ser viabilizado, pelo que se encontra a praticar um exercício abusivo da sua posição;

- por um lado, o Réu ocultou informação aos seus representantes e, por outro, pretende indevidamente manter hipotecas constituídas sobre realidades que já não existem juridicamente, devendo, em conformidade, prevalecer o entendimento que sustenta a nulidade das hipotecas em questão.

2. Citado, o Réu veio contestar, alegando que:

- a Autora e as sociedades que detêm o seu capital social sempre conheceram todos os contornos do negócio celebrado, sabendo designadamente que o alvará de loteamento ../80 se encontrava caducado;

- foi-lhes até apresentado um novo "plano de pormenor" que estava já a ser preparado pelo Banco Espírito Santo junto da Câmara ..... vindo, no entanto, a suceder que a Autora procurou beneficiar de um outro plano, igualmente a ser elaborado de novo, que lhe conferia maior capacidade edificativa e era, em consequência, mais rentável;

- os ónus existentes e oportunamente constituídos sobre os lotes em causa nos autos mantêm-se em vigor, quanto mais não seja no prédio-mãe, de onde os lotes haviam sido inicialmente retirados e constituídos, pelo que se verifica a validade das hipotecas e que, se não for possível mantê-las sobre os lotes, as mesmas devem permanecer a onerar o prédio-mãe;

- a caducidade do alvará apenas retirou potencialidade edificativa aos lotes, passando assim a ser necessário efetuar nova operação urbanística, através de um plano de pormenor e já não se podendo construir nos anteriores lotes;

- a posição da Autora, sua devedora (que, aliás, se encontra em incumprimento dos empréstimos que consigo contraiu) e demandante nos presentes autos, é que é abusiva, e a não se manterem as hipotecas sobre os lotes, deve ser declarado que continuam a onerar o prédio-mãe.

Formulou pedido reconvencional, a título subsidiário, nos seguintes termos:

 - proceder-se à conversão do negócio inválido em hipoteca sobre o prédio-mãe (descrito sob o n.º ......09 da Conservatória do Registo Predial .....), para onde tenham revertido os prédios identificados nos artigos 15.° da contestação, com a prioridade das Hipotecas identificadas nos artigos 5.°, 6. ° e 7° da P.I.;

- e ser oficiada a Conservatória do Registo Predial para praticar todos os atos materiais e jurídicos que se afigurem necessários ao registo da hipoteca convertida;

    e a Autora ser condenada a:

- reconhecer a qualidade de credor hipotecário do Réu seja em relação às Hipotecas identificadas nos artigos 5.°, 6. ° e 7° da P.I., ou à Hipoteca resultante da conversão nos termos do artigo 293° do Código Civil, e

- abster-se de praticar quaisquer atos que ponham em causa ou de qualquer forma afetem os direitos do Réu enquanto credor hipotecário.

3. A Autora replicou, mantendo o por si alegado na petição inicial.

O Réu, perante a matéria de exceção alegada em sede de réplica, veio exercer o contraditório.

4. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e a reconvenção, na parte não subsidiária, procedente e condenou a Autora a reconhecer a qualidade de credor hipotecário do Réu em relação às hipotecas identificadas nos art.ºs 5.º, 6.º e 7.º da P.I. e a abster-se de praticar quaisquer atos que ponham em causa ou de qualquer forma afetem os direitos do Réu enquanto credor hipotecário.

5. Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.

6. O Tribunal da Relação ….. veio a “julgar o recurso improcedente e em consequência confirmam a decisão recorrida.”

7. Inconformada com tal decisão, veio a Autora interpor recurso de revista excecional, invocando que “há duas questões de enorme relevância jurídica cuja apreciação se afigura absolutamente necessária para uma melhor aplicação do Direito - os limites da autoridade do caso julgado e os efeitos da caducidade de alvará de loteamento sobre os lotes por ele criados e sobre as hipotecas constituídas sobre tais lotes”.

O Relator admitiu o recurso de revista quanto à questão da violação do caso julgado, por ser uma das situações em que o recurso é sempre admissível (cf. artigos 629.º, n.º2, alínea c) e 672.º, n.º3, do Código de Processo Civil, e, quanto à outra questão, por se verificar a dupla conforme, determinou que, oportunamente, os autos fossem remetidos à Formação de Juízes a que alude o n.º3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil para verificação dos pressupostos da admissibilidade do recurso de revista excecional quanto a essa questão.

A Autora formulou as seguintes (transcritas) conclusões, no que concerne à questão da violação do caso julgado:

1.ª Ao decidir-se, no acórdão recorrido, que, no caso da sentença proferida no processo de insolvência que, sob o nº 589/17.5T8OLH, correu termos no Tribunal do Comércio de .... – J2 (na qual o Novo Banco, S.A. requereu a insolvência da aqui recorrente) não podia operar a autoridade de caso julgado porque esta sentença se reportava a uma acção em que inexiste “uma decisão proferida em acção anterior que se insira, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda” numa relação de prejudicialidade, decidiu-se mal porquanto, nela, o Tribunal analisou a situação jurídica dos lotes de terreno aqui em causa e concluiu que, à data das hipotecas que sobre eles foram constituídas, eles já não existiam há muito e não podiam ser objecto de negócios jurídicos.

O que determina que

2.ª A análise e qualificação dos lotes e das hipotecas feitas naquela sentença do Tribunal de Comércio de .... fazem parte da fundamentação que levou a prolacção da decisão final e, assim, fazem parte integrante da própria decisão e, por isso e nesta parte, o objecto daquela sentença insere-se no objecto do presente processo – em ambas se aprecia a mesma questão, entre as mesmas partes.

3.ª Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido violou a autoridade de caso julgado.

4.ª O acórdão recorrido também violou a autoridade caso julgado ao decidir que as 4 sentenças do Tribunal Administrativo e Fiscal …. (que, com fundamento essencialmente na mesma factualidade que está provada nestes autos, decidiram expressamente que os lotes criados pelo alvará ../80 haviam deixado de existir em consequência da caducidade de tal alvará e, como tal, não são susceptíveis de penhora e/ou venda) não podiam ter autoridade do caso julgado sobre o presente processo porque tais sentenças haviam sido proferidas em litígios nos quais o recorrido não havia sido parte e onde não havia podido exercer o contraditório.

5.ª Estas decisões baseiam-se na mesma factualidade que foi dada por provada nesta acção e tratam apenas de uma questão de direito, a mesma questão de direito tratada nesta acção – os efeitos da caducidade do alvará de loteamento ../80 sobre os lotes por ele criados.

Não reconhecer a autoridade de caso julgado neste caso, abrirá portas a que se reconheça a validade das hipotecas constituídas sobre o ex-lotes para, de seguida e em consequência das sentenças do Tribunal Administrativo e Fiscal de ...., tais ex-lotes não poderem ser objecto de penhora ou venda judicial.

8. O Réu contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, e concluindo pela improcedência do recurso.

9. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso consiste em saber se ocorreu a violação do caso julgado (da autoridade do caso julgado).


III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos (após as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação ….., assinaladas a negrito):

1.1. Por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014, o aqui Réu foi constituído (resposta aos art°s 8° da p.i, e 1° da contestação).

1.2. Os direitos e obrigações titulados pela instituição de crédito originária (o Banco Espírito Santo, S.A) transferiram-se para o Banco de transição, aqui Réu (resposta ao art° 10° da p.i.),

1.3. Em 8 de Maio de 1980, a Câmara Municipal ..... emitiu a favor da sociedade "AGERG -Agrupamento Complementar de Empresas de Construção Civil e Obras Públicas A.C.E." o Alvará de Licença de Loteamento n." ..80, de 8 de agosto de 1980 (doravante designado, apenas, por "Alvará de Loteamento n. o ….), autorizando o loteamento do prédio rústico, sito em ....., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..... sob o n.º ….88 a fls. 72 do Livro B-20 e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo …., tendo sido autorizada a constituição de 9 (nove) lotes de terreno destinados à construção de edifícios, lotes que, no total, ocupavam uma área de 7.400m2 de terreno (resposta ao art° da 33° p.i.).

1.4. Em virtude da aprovação dessa operação de loteamento, entre 1982 e 1988, foram desanexados deste prédio, os seguintes prédios, de que a A. é atualmente dona:

i) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 1, com a área total de 920m2, descrito sob o n.º 222 ….;

ii) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 2, com a área total de 1l00m2, descrito sob o n.º 223…;

iii) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 4, com a área total de 920m2, descrito sob o n.º 223…;

iv) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 5, com a área total de 1l00m2, descrito sob o n.º 223…;

v) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 6, com a área total de 920m2, descrito sob o n.º 955…..;

vi) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 7, com a área total de 540m2, descrito sob o n.º 956….;

vii) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 8, com a área total de 760m2, descrito sob o n.º 956….;

viii) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 9, com a área total de 220m2, descrito sob o n.º 223…;

ix) Prédio urbano, composto por prédio destinado a habitação, sito na Rua do ............ descrito na Conservatória do Registo Predial de ....... sob o número ….63 (resposta

aos art°s 1° e 2° da p.i. e 15° da contestação).

1.5. Os mesmos terrenos estão inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ....... da seguinte forma:

i) lote de terreno para construção urbana designado por lote 1, com a área total e de implantação de 920 m2 e de construção de 3.680 m2, inscrito sob o artigo …..53;

ii) lote de terreno para construção urbana designado por lote 2, com a área total e de implantação de 1100 m2 e de construção de 4.400 m2, inscrito sob o artigo …..55;

iii) lote de terreno para construção urbana designado por lote 4, com a área total e de implantação de 920 m2 e de construção de 3.680 m2, inscrito sob o artigo …29;

iv) lote de terreno para construção urbana designado por lote 5, com a área total e de implantação de 1100 m2 e de construção de 4.400 m2, inscrito sob o artigo …27;

v) lote de terreno para construção urbana designado por lote 6, com a área total e de implantação de 920 m2 e de construção de 3.680 m2, inscrito sob o artigo …..28;

vi) lote de terreno para construção urbana designado por lote 7, com a área total e de implantação de 540 m2 e de construção de 1.080 m2, inscrito sob o artigo …25;

vii) lote de terreno para construção urbana designado por lote 8, com a área total e de implantação de 760 m2 e de construção de 1.520 m2, inscrito sob o artigo ……24;

viii) lote de terreno para construção urbana designado por lote 9, com a área total e de implantação de 220 m2 e de construção de 880 m2, inscrito sob o artigo …26;

ix) Prédio urbano, composto por prédio destinado a habitação, sito na........ (descrito na Conservatória do Registo Predial....... sob o número ….63), inscrito na respetiva matriz no artigo 11 (resposta ao art° 3° da p.i.).

1.6. Em maio de 1981, o prédio referido em 3 destes factos provados foi adquirido à AGERG pela autora, ao tempo detida pelo "Fungepi BES", que era o único sócio da sociedade (resposta aos art°s da 34° p.i. e 14° da contestação).

1.7. Desde a aquisição da A à AGERG (e até à venda da mesma à Credigolf e à Crediférias), o BES sempre deteve, indiretamente, a totalidade do capital social da aqui A e tinha como gerente desta sociedade quadros seus (resposta ao art° 34° da réplica).

1.8. Por requerimento de 14/01/1982, a "Porticentro" requereu junto da Conservatória do Registo Predial ..... a desanexação do referido prédio descrito sob o n.º ….88, de 4 dos 9 lotes de terreno criados pelo Alvará de Loteamento, tendo, para o efeito, juntado a respetiva cópia (resposta ao art° 35° da p.i.),

1.9. Em 26 de fevereiro de 1988, a "AGERG - Agrupamento Complementar de Empresas de Construção Civil e Obras Públicas AC.E." requereu junto da Câmara Municipal ...... que o referido Alvará de Loteamento n.º ..80 fosse averbado em nome da aqui Autora em virtude de lhe ter vendido o prédio a que ele respeita (resposta ao art° 36° da p.i.),

1.10. Deferido o requerido, em 26 de maio de 1988, o referido Alvará de Loteamento n.º ..80 foi, pela Câmara Municipal ....., averbado em nome da aqui Autora (resposta ao art° 37° da p.i.).

1.11. Em outubro de 1988, a "Porticentro" requereu junto da Conservatória do Registo Predial ...... o registo daquele Alvará n.º ..80 e o destaque dos restantes 5 lotes por ele criados (resposta ao art° 37° da p.i.),

1.12. O pedido de registo do alvará de loteamento n.º ..80 não foi deferido, mas, foi efetuado o destaque dos restantes 5 lotes e abertas as respetivas descrições (resposta ao art°39° da p.i.).

1.13. Em 15/1111995, a Câmara Municipal ..... enviou à "Porticentro" (para que, querendo, pudesse pronunciar-se) cópia de Parecer Jurídico onde se defendia que o Alvará de Loteamento n.º ..80 caducara, devendo a Câmara Municipal...... proceder ao seu cancelamento (resposta aos art°s 30° a 32° e 40° da p.i, e 16°, 17° e 62° da contestação).

1.14. Pelo ofício n.º ..../DTOU de 30/0411996, a Câmara Municipal ..... notificou a "Porticentro" de que, em 23 de Abril de 1996, deliberara declarar a caducidade do Alvará e, em pontual cumprimento do que se prescrevia no n° 1 do art.º 39° do Decreto-Lei 448/91, requerer à competente Conservatória do Registo Predial o cancelamento do Alvará de Loteamento n.º ..80, com base na fundamentação que levou à sua caducidade (resposta aos art°s 30°)

1.15. Em cumprimento de tal deliberação e por ofício de 30/0411996, a Câmara Municipal ...... solicitou à Conservatória do Registo Predial ...... o cancelamento do registo do Alvará de Loteamento n.º ..80 (resposta ao art° 42° da p.i.),

1.16. Em 01/0711996, a "Porticentro" intentou no Tribunal Administrativo do Círculo  ….. um Recurso Contencioso de Anulação da Deliberação de 23/0311996 da Câmara Municipal ..... que determinara a caducidade do Alvará de Loteamento n.º ..80, sendo que, por sentença de 15 de maio de 1997, este recurso foi julgado improcedente, tendo a deliberação camarária impugnada sido mantida (resposta aos art°s 43° da p.i, e 19° da contestação).

1.17. Apesar de a "Porticentro" ter recorrido desta sentença para o Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão proferido em 1 de fevereiro de 2000 (que veio a transitar em julgado), a sentença proferida foi confirmada (resposta aos art°s 44° da p.i, e 19° e 100° da contestação).

1.18. Por requerimento de 21 de julho de 2000 e na sequência do mencionado Acórdão do STA que "confirmara" a deliberação da Câmara Municipal ....... de declarar a caducidade do Alvará de loteamento, a "Porticentro" requereu àquela edilidade que diligenciasse junto da Conservatória do Registo Predial ........ no sentido de esta efetuar o registo do cancelamento do Alvará de Loteamento n.º ..80 (resposta ao art° 45° da p.i.).

1.19. Por ofício/notificação de 15/09/2000, a Conservatória do Registo Predial ....... notificou a Câmara Municipal ..... do Despacho da recusa do pedido de registo do cancelamento do Alvará que esta apresentara em 1996 (resposta ao art° 46° da p.i.).

1.20. Porque a Conservatória do Registo Predial ............ recusou o registo do cancelamento do Alvará de Loteamento n.º ..80, os lotes de terreno por ele criados ali continuaram (e continuam) descritos com todas as inscrições que lhes respeitavam e só em 17 de junho 2014 a Conservatória do Registo Predial ............ (pela Ap. 381 de 2014/06117) procedeu à anotação, na descrição dos prédios constituídos pelos lotes criados pelo Alvará de Loteamento n.º ../80, de que este Alvará tinha caducado (resposta aos art°s 47°, 48°, 52° e 53° da p.i. e 27°, 29°, 39°,

1.21. Em 19 de Abril de 1998, a "Porticentro", requereu ao Serviço de Finanças de ............ a eliminação do Artigo Rústico R-…..-AE da freguesia de ............, correspondente ao prédio que havia sido loteado nos termos do Alvará de Loteamento n.º ..80, sendo que o Serviço de Finanças ............ manifestou ter em conta o facto de que, no âmbito e como condição para a emissão do Alvará de Loteamento n.º ..80, o promotor do loteamento ter doado à Câmara Municipal ............ a área restante do prédio rústico que foi objeto do Loteamento (14.854 m2) para instalação de arruamentos, parques e outras infraestruturas impostas e previstas no Alvará de Loteamento, doação que nunca foi levada a registo, quer autonomamente, quer na própria inscrição de loteamento (resposta aos art°s 54° a 57° da p.i.),

1.22. E apesar de ter conhecimento oficial de que o Alvará de Loteamento n.º ../80 havia caducado já em 1996, o Serviço de Finanças ............ não procedeu, até à presente data, à sua eliminação da matriz pelo que, em 2014, a Administração Tributária liquidou até IMI sobre todos os "lotes de terreno para construção" e promoveu a penhora e venda dos "lotes" 1 e 9, o que levou a aqui Autora a impugnar as liquidações de IMI e reclamar dos referidos atos de penhora e de decisão de venda, sendo que os processos de reclamação dos atos de penhora e de decisão de venda já estão findos, e neles o Tribunal Administrativo e Fiscal .... entendeu que, por força da caducidade do alvará de loteamento, os lotes de terreno para construção por ele criados deixaram de existir e, como tal, não podem ser objeto de quaisquer atos jurídicos, negócios, direitos e, naturalmente, não podem ser objeto de penhora ou venda, decisões com que a AT se conformou logo na primeira instância, delas não tendo recorrido (resposta aos art°s 70° e 77° da p.i.).

1.23. Mesmo antes de qualquer contacto da Autora a propósito da Porticentro, perante a caducidade definitiva do Alvará de Loteamento n.º ..80, o Fungepi solicitou informações junto da Câmara Municipal............ no sentido de compreender se existia alguma via para proceder à reativação ou retificação daquela operação de loteamento, tendo sido informado de que:

i) essa possibilidade era inviável em face da natureza definitiva da caducidade;

ii) a melhor alternativa seria a preparação de uma nova operação de loteamento assente em pressupostos diversos da anterior (resposta ao art° 19° do articulado de contraditório à réplica).

1.24. Perante essa resposta, e como forma de proceder à valorização daqueles ativos imobiliários, o Fungepi solicitou ao atelier João de Almeida, Pedro Ferreira Pinto, Arquitectos e Associados, Lda. ("JAPP") que fossem:

i) adotadas diligências no sentido de ultrapassar irregularidades registrais que afetavam o loteamento já caducado e, posteriormente,

ii) preparada uma nova operação de loteamento, a submeter à Câmara Municipal ............, trabalho que foi, então, iniciado pela JAPP, do mesmo passo que o Fungepi equacionou, igualmente, a possibilidade de alienar as quotas da Porticentro, tendo sido nesse quadro que a operação foi apresentada às sócias da Autora (resposta aos art°s 20° e 21° do articulado de contraditório à réplica).

1.25. Em Outubro de 2006, o Banco Espírito Santo, S.A. (doravante, designado, apenas, por "BES"), através do seu Departamento de Desinvestimento, propôs à sua cliente, a sociedade "Crediférias – Investimentos Turísticos, S.A.", na pessoa do seu acionista maioritário e Presidente do Conselho de Administração, a venda de uns terrenos situados a nascente do Estádio do Portimonense, a 100m da zona ribeirinha............, numa zona central da cidade, próxima da Câmara Municipal, PSP, Tribunal e outros serviços (resposta aos art°s 13° da p.i. e 7° e 56° da réplica).

1.26. Tratar-se-ia de uma zona descrita como tendo "excelentes infra-estruturas, grande projeção urbanística, bons acessos, facilidade de estacionamento" e "bem servida de transportes públicos locais" (resposta ao art° 14° da p.i.),

1.27. Tratar-se-ia de um terreno com uma área de 19.954m2 que poderia vir a ter uma área de construção acima do solo de 25.945m2, uma área de construção abaixo do solo de 23.350m2, sendo 20.700m2 habitacional, 5.240m2 Comércio e Serviços e 23.550m2 Garagem em cave sendo 152 fogos, 35 lojas, 3 pisos abaixo do solo e 7 pisos acima do solo e teria como preço de referência € 7.000.000,00 (resposta aos art°s e 16°da p.i.),

1.28. Os terrenos a transacionar incluíam os lotes de terreno para construção identificados no ponto 4 destes factos provados, que pertenciam à Autora e sobre os quais, à data, não estavam registados quaisquer ónus (resposta aos art°s 17° a 19° da p.i, e 8° da réplica).

1.29. Tendo-se mostrado interessada em conhecer este negócio, a mencionada "Crediférias" aceitou reunir-se com quem o estava a promover (resposta ao art° 10° da réplica).

1.30. Subsequentemente, realizou-se, na Av. da Liberdade, 36, 7°, em Lisboa, uma reunião em que participaram os administradores da sociedade "Crediférias" (os Senhores AA e BB) e o Sr. Eng. CC, como representante do BES e que também era gerente da sociedade "Porticentro", que era a proprietária dos prédios de que o Dr. DD, do BES, lhes falara (resposta ao art° 11° da réplica).

1.31. No decorrer da reunião, o representante do BES e da "Porticentro" manifestou verbalmente o interesse do BES em vender já identificados prédios pertencentes à "Porticentro" (resposta ao art° 12° da réplica).

1.32. Em fevereiro de 2007, para marcar outra reunião, o Sr. AA telefonou ao Eng. CC que o informou de que já não tinha aquele processo e que este tinha sido transferido para o "Departamento de Desinvestimento" do Banco e que o processo estava agora com o Eng. EE (resposta ao art° 13° da réplica).

1.33. Em maio/junho o julho de 2007 - também na Avenida da Liberdade, 36, 7° andar, em Lisboa - fez-se uma reunião em que participaram o Sr. Eng. EE (em representação do Departamento de Desinvestimento do BES), o Sr. AA e o seu filho BB

1.34. Mais tarde, em julho de 2007 - também na Avenida da Liberdade, 36, 7° andar, em Lisboa -realizou-se outra reunião entre os dois mencionados gerentes da "Crediférias" e o Sr. Eng. EE onde aqueles manifestaram o interesse e a vontade em comprar os lotes de terreno para construção urbana e em negociar o preço da compra e venda que acabou por se fixar no montante de €6.850.000,00 (seis milhões, oitocentos e cinquenta mil euros) (resposta ao art° 19°da réplica).

1.35. Nesta reunião foi entregue aos referidos AA e BB o "Dossier de Apresentação" elaborado pelo Departamento de Desinvestimento do BES, que se encontra junto com a p.i. como doc. 21, de fls. 63v. a 68v. dos autos (resposta aos art°s 15° da réplica e 25° do articulado de contraditório à réplica).

1.36. Nessa documentação refere-se que os elementos aí constantes "são suporte da Proposta de Loteamento elaborada com o objetivo de recolher uma 1.ª apreciação da CM. ............ com vista à sua sensibilização para as negociações indispensáveis a um prosseguimento seguro do Projecto do Loteamento..........." (resposta ao art° 26° do articulado de contraditório à réplica).

1.37. Mais à frente, na Introdução da Memória Descritiva, refere-se que se pretendia "encontrar, conjuntamente com o CM ............, uma boa solução para a ocupação das áreas livres..........., no Centro............, cujo desenvolvimento urbano foi suspenso pelo cancelamento do Alvará de Loteamento n.º ..80" (resposta ao art° 27° do articulado de contraditório à réplica).

1.38. Também se refere que "a Área de Intervenção que se delimita inclui edificações pontuais de pequena escala [...] que, por não serem propriedade da Porticentro, dificultam a acção" (resposta ao art° 28° do articulado de contraditório à réplica)

1.39. Também se referia, como de resenha histórica, quanto ao Alvará de Loteamento n.º ../80, que havia a considerar a seguinte sequência de factos:

- A edificação de um único bloco, que constituía o projectado lote 3.

- A realização parcial das infraestruturas previstas, logo não recepcionadas pela Autarquia e Entidades.

- O Cancelamento do alvará de loteamento, por incumprimento, devido às dificuldades experimentadas pela entidade promotora", referindo-se, depois, que "os activos da PORTlCENTRO são presentemente titulados por novos accionistas que pretendem revitalizar o espaço" (resposta aos art°s 29° e 30° do articulado de contraditório à réplica).

1.40. A final, no Anexo I da Memória Descritiva, constava um resumo das duas propostas possíveis, incluíndo a referência a áreas de construção acima do solo entre cerca de 25.000m2 e cerca de 27000m2

1.41. Porque lhes parecia haver boas hipóteses de melhorar a capacidade construtiva daqueles lotes e porque, registralmente, eles estavam livres de quaisquer ónus ou encargos e porque o BES estava disponível para financiar a sua aquisição, as sociedades "Crediférias Investimentos Turísticos, S.A." e "Credigolf – Investimentos Turísticos, Lda." (atuais sócias da aqui Autora) aceitaram adquirir-lhos pelo preço global de € 6.850.000,00 (seis milhões oitocentos e cinquenta mil euros) (resposta ao art° 21° da p.i.),

1.42. O BES e o mencionado Fundo (Fungepi BES) manifestaram a intenção de que a alienação daqueles lotes de terreno fosse efetuada por via indireta, isto é, através da cessão de quotas representativas do capital social da sua proprietária (que era a aqui Autora, sociedade que tinha, como único ativo, aquele terreno e não tinha qualquer passivo), invocando o BES e o "Fungepi BES" como vantagem da alienação indireta através da cessão de quotas da A. o não pagamento de IMT e de Imposto de Selo, que seriam devidos pela compra e venda direta de prédios e, ainda, a ligação que a aqui Autora tinha ao BES, o que também seria uma vantagem, e a necessidade de reforçar as garantias de pagamento das quantias que o BES lhes ia emprestar para custear a aquisição dos lotes de terreno para construção urbana (resposta aos art°s 22° a 25° da p.i. e 16° a 23°, 58° e 5go da réplica).

1.43. À data, a Autora tinha um capital social de €374.098,42 dividido em 13 (treze) quotas, todas elas tituladas pelo atualmente denominado "Fungepi Novo Banco" e que, ainda hoje, é totalmente detido por "entidades do Grupo Novo Banco" (ao tempo, designado por "Fungepi BES", primeiramente gerido por "GESFIMO-Espirito Santo Irmãos-Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A.", ao tempo, gerida pela sociedade "Fimoges - Sociedade Gestora de Fundos e Investimentos Imobiliários, S.A. e, atualmente, gerido pela "GNB - SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A.") (resposta aos art°s 20° da p.i).

1.44. Sendo antigos clientes do Banco, o Sr. EE e as atuais sócias da aqui Autora (que ele dominava e de que era administrador e gerente) aceitaram o proposto pelo BES (resposta ao art° 26° da p.i.),

1.45. O BES sugeriu e as adquirentes aceitaram o seguinte esquema:

i) unificar numa única quota do valor de €374.908,42 as 13 quotas em que o capital social estava dividido que titulava, no registo, em nome do "Fungepi";

ii) Dividir esta quota única de €374.908,42 em duas novas quotas dos valores nominais de €269.350,86 e de €104.747,51;

iii) ceder a quota do valor nominal de €269.350,86, pelo preço de €4.932.000,00, à sociedade "Crediférias";

iv) ceder a quota do valor nominal de €104.747,51, pelo preço de €1.918.000,00, à sociedade "Credigolf' (resposta aos art°s 27° da p.i, e 30° da réplica).

1.46. Em 6 de novembro de 2007 e para efetuar o pagamento de parte do preço pelos quais haviam adquirido, por via indireta, os lotes de terreno, as atuais sócias da aqui Autora celebraram com o BES um Contrato de Financiamento com o n.º .......72/07 pela quantia de €5.480.000,00 dando as seguintes garantias de crédito:

i) hipotecas sobre todos e cada um dos lotes de terreno que constituíam o objeto mediato das cessões de quotas representativas da totalidade do capital social da aqui Autora;

ii) livrança subscrita pelos Clientes e avalizadas pelos sócios, administradores e gerentes FF, AA e BB;

iii) penhor das duas quotas de €89.424,49 e €34.776,19 representativas do capital social da aqui Autora (resposta aos art°s da 28° p.i., 20° a 22°, 26°, 105° da contestação e 26° a 29°, 32° e 33° da réplica).

1.47. A parte restante do preço, no montante de €1.370.000,00, foi paga com recurso a um empréstimo em conta corrente titulado apenas pela "Crediférias" e garantido por aplicações financeiras tituladas pelo Sr. AA (resposta ao art° 29° da p.i.),

1.48. Por escritura pública de 05111/2007:

i) o Fungepi BES unificou, numa única quota do valor nominal de €374.908,42, as 13 quotas em que o capital social da Porticentro estava dividido;

ii) o Fungepi BES dividiu esta quota única de €374.908,42 em duas novas quotas dos valores nominais de €269.350,86 e de €104.747,51;

iii) pelo preço de €4.932.000,00, o Fungepi BES cedeu à Crediférias - a quota do valor nominal de €269.350,86;

iv) pelo preço de €1.918.000,00, o Fungepi BES cedeu à Credigolf - a quota do valor nominal de €104.747,51 (resposta ao art° 31° da réplica).

1.49. Sobre os imóveis descritos como se descriminou no ponto 4 destes factos provados, foram constituídas e registadas, a favor do Banco Espírito Santo, S.A. três hipotecas voluntárias:

por escritura pública outorgada em 6 de novembro de 2007, a Autora constituiu a favor daquele Banco hipoteca voluntária sobre todos e cada um dos imóveis referidos em 4 destes factos provados, hipoteca que foi sobre eles foi registada pela Ap. 81 de 22111/2007;

ii) por escritura pública outorgada em 22 de abril de 2009, a Autora constituiu a favor daquele Banco hipoteca voluntária de segundo grau sobre todos e cada um dos imóveis referidos em 4 destes factos provados, hipoteca que foi sobre eles foi registada pela Ap. 4197 de 24/09/2009;

iii) por escritura pública outorgada em 27 de fevereiro de 2012, a Autora constituiu a favor daquele Banco hipoteca voluntária de terceiro grau sobre todos e cada um dos imóveis referidos em 4 destes factos provados, hipoteca que foi sobre eles foi registada pela Ap. 1131 de 27/02/2012 (resposta aos art°s 4° a 7° da p.i, e 4, 93° e 94° da contestação).

1.50. A cada uma das inscrições das três referidas e identificadas hipotecas foi averbada a transmissão do crédito que o Banco Espírito Santo, S.A. titulava sobre a aqui Autora e, assim, o aqui Réu passou a ser o seu beneficiário (resposta ao art° 11° da p.i.),

1.51. Nos termos do contrato .......72/07 (junto como doc. 27 da p.i.), o capital mutuado venceria juros, a uma taxa correspondente à média anual da Euribor a 6 meses, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 0,875 pontos percentuais, sendo a mesma fixada no primeiro dia de cada período de 6 meses, a que correspondia, na data da celebração do contrato a Taxa Anual Efetiva (TAE) de 6,5805%, a pagar semestralmente, sendo que, no caso de mora no pagamento de qualquer importância devida em virtude do contrato, a sociedade Crediférias ficou obrigada a pagar, sem necessidade de ser interpelada, uma quantia determinada pela taxa de juro igual à que esteja em vigor no momento da constituição da mora, acrescida da sobretaxa máxima que a lei a cada momento permitir, a título de cláusula penal, incidindo sobre o montante em atraso, sendo os juros capitalizados na máxima amplitude legalmente admitida (resposta aos art°s 23° e 24° da contestação).

1.52. A constituição de garantia real sobre os bens imóveis da Autora foi condição para a celebração do contrato de financiamento .......72/07, sem a qual o BES não celebraria (resposta aos art°s 26°, 90° e 92° da contestação).

1.53. A hipoteca referida em 49 destes factos provados, celebrada por escritura pública outorgada em 6 de novembro de 2007, foi inscrita no registo predial através da Apresentação n.º 81 de 22.11.2007 (resposta aos art°s 5°, 28° e 129° da contestação).

1.54. O montante mutuado através do contrato de financiamento .......72/07 foi integralmente utilizado pela Crediférias, sendo que, na data de reembolso, aquela sociedade não pagou o capital e juros vencidos, também não o tendo feito posteriormente, permanecendo por liquidar ao banco o montante de €7.606.990,30 (sete milhões seiscentos e seis mil novecentos e noventa euros e trinta cêntimos), a que acrescem juros vencidos desde 08.05.2017 e vincendos, calculados à taxa global de 8,352%, e respetivo imposto de selo incidente sobre os juros, até efetivo e integral pagamento (resposta aos art°s 30° a 32°, 106° a 108°, 120° e 122° da contestação) .

1.55. Em 22.04.2009, foi celebrado um novo contrato de financiamento (FEC ..../09), junto como documento 3 da contestação, mediante o qual o BES concedeu à Autora um crédito no montante máximo global de €1.000.000,00 (um milhão de euros), destinado a custear a elaboração e execução do plano de pormenor referido em 75 e 76 (resposta aos art°s 33° e 105° da contestação).

1.56. O empréstimo titulado pelo contrato FEC ..../09 foi concedido pelo prazo de 90 dias, devendo o montante efetivamente mutuado de €1.000.000,00 (um milhão de euros) ser reembolsado até ao final daquele prazo (resposta ao art° 34° da contestação).

1.57. Nos termos do contrato FEC ..../09, o capital mutuado venceria juros a uma taxa correspondente à média anual da Euribor a 3 meses, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 2,8750 pontos percentuais, sendo a mesma fixada no primeiro dia de cada período de 3 meses, a que correspondia, na data da celebração do contrato a Taxa Anual Efetiva (TAE) de 4,587%, a pagar semestralmente (resposta ao art° 35° da contestação).

1.58. No caso de mora no pagamento de qualquer importância devida em virtude do contrato, a Autora ficou obrigada a pagar, sem necessidade de ser interpelada, uma quantia determinada pela taxa de juro igual à que esteja em vigor no momento da constituição da mora, acrescida da sobretaxa máxima que a lei a cada momento permitir, a título de cláusula penal, incidindo sobre o montante em atraso, sendo os juros capitalizados na máxima amplitude legalmente admitida (resposta ao art° 36° da contestação).

1.59. Nessa mesma data, para garantir o bom pagamento de todas as responsabilidades que do contrato FEC ..../09 resultaram para a si, a Autora constituiu nova hipoteca voluntária, a favor do BES, sobre os prédios referidos em 4 destes factos provados (resposta ao art° 37° da contestação).

1.60. A constituição de garantia real sobre os bens imóveis da Autora foi condição para a celebração do contrato de financiamento FEC ..../09, sem a qual o BES não o celebraria (resposta aos art°s 38°, 90° e 92° da contestação).

1.61. A hipoteca, celebrada por escritura pública outorgada em 22 de abril de 2009, foi inscrita no registo predial através da Apresentação n.º 4197 de 24.04.2009 (resposta aos art°s 40° e 129° da contestação).

1.62. O montante mutuado pelo contrato de financiamento FEC ..../09 foi integralmente utilizado pela Autora, sendo que, na data de reembolso, aquela não procedeu ao pagamento do capital e juros vencidos, também não o tendo feito posteriormente, permanecendo por liquidar ao banco o montante de €1.465.748,80 (um milhão quatrocentos e sessenta e cinco mil setecentos e quarenta e oito euros e oitenta cêntimos), a que acrescem os juros vencidos desde 08.05.2017 e os vincendos à taxa contratual global de 8,190% (resposta aos art°s 42° a 44° e 106° da p.i, e 108°, 120° e 122° da contestação).

1.63. Em 27.02.2012, foi celebrado novo contrato de financiamento (FEC....111, que se encontra junto com a contestação como doc. 4) mediante o qual o BES concedeu à Autora novo crédito no montante máximo global de €1.100.000,00 (um milhão e cem mil euros), destinado a custear a elaboração e execução do plano de pormenor referido em 75 e 76 (resposta aos art.ºs 4Soe10S0dacontestação).

1.64. O empréstimo FEC....111 foi concedido pelo prazo de 365 dias, devendo o montante efetivamente mutuado de €1.000.000,00 (um milhão de euros) ser reembolsado até ao final daquele prazo (resposta ao art° 46° da contestação).

1.65. Nos termos do contrato FEC....111, o capital mutuado venceria juros a uma taxa correspondente à média anual da Euribor a 12 meses, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 5,00000 pontos percentuais, sendo a mesma fixada no primeiro dia de cada período de 12 meses, a que correspondia, na data da celebração do contrato a Taxa Anual Efetiva (TAE) de 6,87500%, a ser pagos anualmente (resposta ao art° 47° da contestação).

1.66. No caso de mora no pagamento de qualquer importância devida em virtude do contrato FEC....111, a Autora ficou obrigada a pagar, sem necessidade de ser interpelada, uma quantia determinada pela taxa de juro igual à que esteja em vigor no momento da constituição da mora, acrescida da sobretaxa máxima que a lei a cada momento permitir, a título de cláusula penal, incidindo sobre o montante em atraso, sendo os juros capitalizados na máxima amplitude legalmente admitida (resposta ao art° 48° da contestação).

1.67. Nessa mesma data de 27.02.2012, para garantir o bom pagamento de todas as responsabilidades que do mencionado contrato de financiamento FEC....111 resultaram para a si, a Autora constituiu terceira hipoteca voluntária, a favor do BES, sobre os prédios referidos em 4 destes factos provados (resposta ao art° 49° da contestação).

1.68. A constituição de garantia real sobre os bens imóveis da Autora foi condição para a celebração do contrato de financiamento FEC....111, sem a qual o BES não o celebraria (resposta aos art°s 50°, 90° e 92° da contestação).

1.69. A hipoteca, celebrada por escritura pública outorgada 27 de fevereiro de 2012, foi inscrita no registo predial através da Apresentação n." …..31 de 27.02.2012 (resposta aos art°s 5°, 52° e 129° da contestação).

1.70. O montante mutuado pelo contrato FEC....111 foi integralmente utilizado pela Autora, sendo que, na data de reembolso, a Autora não procedeu ao pagamento do capital e juros vencidos, também não o tendo feito posteriormente, permanecendo por liquidar ao banco o montante de €1.615.879,50, (um milhão seiscentos e quinze mil oitocentos e setenta e nove euros e cinquenta cêntimos), a que acrescem juros vincendos, calculados à taxa global de 8,672%, e respetivo imposto de selo incidente sobre os juros, até efetivo e integral pagamento (resposta aos art°s 54° a 56°, 106° a 108°, 120° e 122° da contestação).

1.71. Quando confrontadas com o facto de o alvará de loteamento n° …80 estar definitivamente caducado, as sócias da Autora deslocaram-se à Câmara Municipal........... para obterem informação sobre os lotes e constataram que os mesmos apresentavam uma capacidade construtiva potencial superior ao dobro daquela que estava contemplada no projeto a que se referia a Memória Descritiva mencionada em ... destes factos provados, e que era de cerca de 25.000m2 e, com base nessa informação, a decisão das sócias da Autora foi a de não prosseguirem o novo projeto de loteamento já em preparação pelo Fungepi e, ao invés, investirem na elaboração de plano próprio, pelo que propuseram à Câmara Municipal............ elaborar um Plano de Pormenor para toda a área do antigo "Prédio Mãe", diferente do que o que existira e desaparecera, que veio a ser o "Plano de Pormenor..........." (resposta aos art°s 37° e 65° a 68° da réplica e 32° e 33° do articulado de contraditório à réplica).

1.72. Essa estratégia, em face da informação que havia sido recebida da CMP, foi desaconselhada pelos representantes do Fungepi nas reuniões de negociação (resposta aos art°s 22° e 34° do articulado de contraditório à réplica).

1.73. Porém, as sócias da Autora sempre argumentaram que dispunham de excelentes relações com a Câmara Municipal............, pelo que perspetivavam facilidades na aprovação da sua estratégia, manifestando confiança na viabilidade da mesma (resposta ao art° 35° do articulado de contraditório à réplica).

1.74. As sócias da Autora solicitaram também que lhes fosse permitida a realização de uma "due diligence" à Porticentro, o que o Fungepi permitiu, tanto mais que é o procedimento padrão de qualquer potencial comprador neste tipo de negócios, especialmente tendo em conta o valor negociado de transmissão, e foi após todas essas diligências prévias, que as quotas da Porticentro vieram a ser adquiridas pela Crediférias e pela Credigolf (resposta aos art°s 36° e 37° do articulado de contraditório à réplica).

1.75. Desde, pelo menos 2008, a Autora promoveu, em cooperação com a CMP, a elaboração do Plano de Pormenor de Estruturação Urbanística da Área........... (PPHP), o qual abrangia a área dos bens imóveis referidos no ponto 4 destes factos provados (resposta aos art°s 57° da contestação e 65° a 68° da réplica).

A Autora promoveu, em cooperação com a Câmara Municipal.........., a elaboração do plano de pormenor de estruturação urbanística da área........... (PPHP), com uma intervenção de 109.450,16 m2, que abrange toda a área do antigo prédio rústico na Conservatória do Registo Predial........... sob o número …..88, isto é, toda a área de terreno onde se integravam os 8 lotes criados pelo caducado Alvará ..80, acrescida da área de 14.854 m2 que, nos termos daquele Alvará, se destinava a arruamentos, parques e outras infraestruturas e de outros terrenos camarários e de terceiros, nos termos da proposta a fls. 267 dos autos.

1.76. Dada a concordância da Câmara Municipal e sempre com o conhecimento e financiamento do BES, a sócia maioritária da aqui A. ("Crediférias") promoveu e custeou, junto de técnicos destas matérias, a elaboração do Plano de Pormenor que ficou conhecido por "Plano de Pormenor de Estruturação Urbanística  ..........." (PPHP) com uma intervenção de 109.450,16 m2 que veio a ser aprovado pela Assembleia Municipal............ em 28 de fevereiro de 2011 e publicado, através do Aviso n° 7949/2011, no Diário da República, II Série, n° 63 do 30 de março, e que tem as características constantes do documento n° 2 da réplica e do documento de fls.267 da Contestação (resposta aos art°s 58° da contestação e 38° 40° da réplica).

1.77. A área total dos lotes de terrenos criados pelo caducado Alvará ../80 era de 6.480m2, enquanto as áreas dos 6 novos lotes criados pelo Plano de Pormenor e pertencentes à aqui A. passou a ser de 21.300,8lm2 (resposta ao art° 39° da réplica).

1.78. A A., através de diligências que efetuou para o efeito em 2015, procurando simular critérios da Autoridade Tributária e Aduaneira, atribuiu aos 6 lotes de terreno para construção decorrentes do Plano de Pormenor.......... entretanto aprovado os seguintes valores:

LOTE 1 - €4.023.710,00 LOTE 2 - €3.362.510,00 LOTE 3 - €3.752.830,00

LOTE 4 - €2.394.400,00 LOTE 5 - €2.940.810,00 LOTE 6 - €3.011.250,00

num total de € 19.485.510,00 (resposta aos art°s 41°e 42°da réplica).

1.79. Para concretizar a execução do PPHP era indispensável garantir à Câmara Municipal a execução das infra-estruturas, constituindo hipoteca voluntária a seu favor sobre um dos 6 novos lotes a pertencer à A, e era também indispensável obter o financiamento necessário à execução dessas infra-estruturas, o que só seria exequível com a constituição de hipoteca sobre um outro dos 6 novos lotes a pertencer à aqui A. (resposta aos art°s 43°, 44° e 52° da réplica).

1.80. O BES não aceitou estas exigências da Câmara Municipal............ e, quando, em 3 de agosto de 2014, os créditos do BES foram transferidos para o aqui Réu, este manteve a posição assumida pelo BES (resposta aos art°s 45°, 46°, 51°, 52° e 57° da réplica).

1.81. O Plano de Pormenor aprovado não chegou a ser levado ao registo predial porque todos os lotes de terreno criados pelo Alvará caducado estavam onerados com hipotecas a favor do BES e os sucessivos Conservadores do Registo Predial ............ tinham o entendimento de que tal registo não era admissível enquanto se mantivessem sobre os prédios da aqui A as inscrições de registo das hipotecas constituídas por imposição do BES ou enquanto o credor hipotecário não autorizasse o seu cancelamento (resposta aos art°s 47° a 49° da réplica).

1.82. O PPHP ainda não foi executado e a operação de reparcelamento prevista naquele instrumento de gestão territorial ainda não foi aprovada (resposta ao art° 60° da contestação).

1.83. Sem conseguir construir nos terrenos referidos em 4 destes factos provados, as sócias da A e a A não conseguiram pagar os empréstimos que o BES lhes foi fazendo e os respetivos juros e o Réu veio pedir a insolvência da aqui A e da sua sócia maioritária, tendo tais pedidos improcedido (resposta aos art°s 53° e 54° da réplica).

1.84. A vontade bilateral das Partes foi constituir as Hipotecas referidas nos pontos 49,53, 59 e 67 destes factos provados, sobre os bens imóveis da Autora, referidos em 4 destes factos provados, não tendo sido intenção das partes discutir o modo como os prédios estavam descritos, tanto mais que, sem garantias reais prestadas pela Autora não teriam sido concedidos os financiamentos a que as Hipotecas se referem (resposta aos art°s 59°, 74°, 810, 82°, 89°, 90°, 92°, 110°,111° e 122° da contestação e 72° da réplica).

1.85. Durante as negociações que ocorreram entre as Partes, a questão da caducidade do loteamento foi discutida, e foi transmitido às sócias da Autora que uma nova operação de loteamento se encontrava a ser preparada pelo atelier JAPP a pedido da Fungepi, bem como deixada em aberto a possibilidade de, após eventual aquisição da Porticentro, a mesma manter em curso aquele projeto, de forma a que fossem aproveitados os atos já praticados, até porque esse projeto já refletia diversos pressupostos e detalhes discutidos previamente com a Câmara Municipal ..........., no sentido de a nova operação de loteamento preencher as condições necessárias à sua aprovação camarária (resposta aos art°s 22° e 23° do articulado de contraditório à réplica).

1.86. À Autora e às ora detentoras do seu capital social não foi ocultada qualquer informação, sendo que a informação referente ao alvará ../80 e aos lotes sempre esteve ao acesso de qualquer interessado, nomeadamente junto da Câmara Municipal ............ (resposta aos art°s 38° a 40° do articulado de contraditório à réplica).

1.87. A Crediférias e a Credigolf, detentoras da totalidade do capital social da Autora desde 2007, sabiam quando adquiriram as participações da A. que a CMP havia declarado a caducidade do Alvará de Loteamento n° ..80 em 23.04.1996 (resposta aos art°s 103°, 104°, 112°,113°,116°,123°,131 e 132° da contestação).

1.88. Os novos lotes criados pelo plano de pormenor e pertencentes à Autora são os lotes 1, 2, 3, 4, 5, 6 previstos no plano e integram as Unidades de Execução 1 (UE1) e 2 (UE2).

1.89. A execução/concretização de cada uma das EU é independente das restantes.

1.90. A execução da EU 1, onde se localizam os novos lotes 4, 5, 6 e 7, abrange apenas terrenos da Autora e não está comprometida pela demolição de equipamentos desportivos prevista no plano, nem pela construção do novo Clube de Ténis em terrenos fora da área de intervenção do plano.

1.91. A execução da EU 2, onde se localizam os novos lotes 1, 2 e 3, abrange uma zona ocupada pelo Viveiro Municipal e parte das instalações do Clube de Ténis pelo que está condicionada à construção, pela Autora, de um novo Clube de Ténis em terrenos a designar pela Câmara e à mudança das instalações dos Viveiros para a já existente Quinta Pedagógica .............


2. Da violação do caso julgado

A Recorrente invoca ter o Acórdão recorrido violado a autoridade do caso julgado uma vez que não reconheceu na presente ação esse efeito decorrente da sentença proferida no processo de insolvência contra si movido pelo Réu e julgada improcedente, quando na respetiva fundamentação se analisou e qualificou os lotes e as hipotecas em causa nos autos entendendo-se que à data em que foram constituídas as hipotecas esses lotes já não existiam e por isso não podiam ser objeto de negócios jurídicos (cf. conclusões 17 a 19 das alegações de revista).

Da mesma forma, entende ter o Acórdão recorrido incorrido no mesmo erro ao decidir que as 4 sentenças do Tribunal Administrativo e Fiscal ..….. não podiam valer como autoridade de caso julgado, por o Réu não ter sido parte nesses processos nem aí podido exercer o contraditório, quando a factualidade provada e a questão jurídica aí tratada a respeito dos efeitos da caducidade do alvará de loteamento sobre os lotes por ele criados é a mesma que aqui está em causa (cf. conclusões 20 a 21 das alegações de revista).

A respeito destas duas questões, já suscitadas pela Recorrente na apelação, decidiu o Acórdão recorrido:

A autoridade do caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art. 581.º. Por força da autoridade do caso julgado, impõe-se aceitar a decisão proferida no primeiro processo, na medida em que o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas são exactamente as mesmas.

Há pois uma relação de prejudicialidade. De outro modo, a decisão proferida no primeiro processo - abrangendo os fundamentos de facto e de direito - que lhe dão sustento, seria posta em causa, (no mesmo sentido Ac. RP, de 11-10-2018, Proc n. 23201/17, disponível em www.dgsi.pt).

No caso dos autos a autoridade do caso julgado invocada pela recorrente refere-se à sentença proferida no processo de insolvência contra si deduzido pelo Novo Banco, bem como em algumas decisões judiciais em que o recorrido não parte.

No que respeita à primeira o que ali se discutiu foi a questão de saber se devia ser declarada a insolvência da ora recorrente ou que passou pela apreciação da situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas e ou existência de um passivo manifestamente superior ao activo.

Aquela sentença nada tem a ver com a validade dos negócios jurídicos agora em causa.

Inexiste pois uma decisão proferida em acção anterior, que se insira, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, sendo ainda certo que a autoridade do caso julgado se restringe à parte injuntiva da decisão e não aos seus fundamentos.

No que respeita às restantes sentenças foram as mesmas proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ….... em litígios judiciais em que o ora recorrido não foi parte.

O objectivo de evitar toda e qualquer contradição lógica entre duas sentenças judiciais, ainda que proferidas em processos diferentes, não pode justificar que, contra as mais elementares regras processuais se façam repercutir numa acção que corre entre determinados sujeitos os efeitos decorrentes de uma sentença proferida noutro processo que correu entre outros sujeitos, (jurisprudência citada nos autos).

O caso julgado só abrange os sujeitos da mesma relação jurídica, mas que puderam exercer o contraditório sobre o objeto da decisão, situação que não se verifica nos autos.» (cf. págs. 44 e 45 do Acórdão).


Ora, conforme se escreveu no Acórdão do STJ de 05-12-2017, a propósito dos efeitos processuais produzidos pelo caso julgado material (Revista n.º 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1):

«Transitada em julgado, a sentença que decida sobre o mérito da causa alcança o fim normal da ação, qual seja, o pronunciamento definitivo do órgão jurisdicional sobre a relação material controvertida, pondo assim termo ao litígio. É o que se designa por caso julgado material, definido no artigo 619º, nº 1, do Código de Processo Civil.

A nossa lei adjetiva define, assim, o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado traduz-se na insuscetibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado (cfr., ainda, artigo 628º do Código de Processo Civil).

E ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva ("autoridade do caso julgado") e uma função negativa ("exceção do caso julgado").

Nas palavras de CASTRO MENDES, os efeitos de autoridade do caso julgado e a exceção do caso julgado, ainda que constituindo duas formas distintas de eficácia deste, mais não são do que duas faces da mesma moeda (in "Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil", p. 36 e segs.).

Assim:

— A função positiva do caso julgado opera o efeito de "autoridade do caso julgado", o qual vincula o tribunal e demais entidades públicas e privadas, nos precisos limites e termos em que julga, nos termos consignados nos artigos 205º, nº 2, da Constituição República Portuguesa e 24º, nº 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ), bem como nos artigos 619º, nº 1, e 621º e seguintes do Código de Processo Civil.

E uma tal vinculação ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal que proferiu a decisão justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas.

— A função negativa do caso julgado (traduzida na insuscetibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão) opera por via da "exceção dilatória do caso julgado", nos termos previstos nos artigos 577º, alínea i), 580º e 581º do Código de Processo Civil, impedindo que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objeto (pedido e causa de pedir) e entre as mesmas partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica perante o objeto da causa, ainda que em posição diversa da que assumiram na causa anterior.

A este propósito, sublinha TEIXEIRA DE SOUSA: «O caso julgado assegura a confiança nas decisões dos tribunais, pois que evita o proferimento de decisões contraditórias por vários tribunais. Para obter este desiderato o caso julgado produz, como bem se sabe, dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem), impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, respeitam) o que foi decidido anteriormente (…).» (in «Preclusão e "contrario contraditório"», Cadernos de Direito Privado, n.º 41, p. 24-25).

E, concretizando o âmbito de aplicação de cada um dos assinalados efeitos, acrescenta o mesmo Autor, «a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...). Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente» (in "O objecto da sentença e o caso julgado material", BMJ nº 325, p. 171 e segs.).

Delimitando aqueles dois efeitos, salientam, igualmente, LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO: «a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objeto da primeira e da segunda ações: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excecionalmente, ser invocável) ou se a primeira ação, cujo objeto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por exceção» (in "Código de Processo Civil Anotado", vol. 2º, p. 354).

Neste conspecto, podemos, então, estabelecer a seguinte distinção:

— A exceção dilatória do caso julgado «destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual», pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações (contendo uma delas decisão já transitada) e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir;

— A autoridade de caso julgado «tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica», pressupondo a vinculação de um tribunal de uma ação posterior ao decidido numa ação anterior, ou seja, que a decisão de determinada questão (proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda) não possa voltar a ser discutida.

(cfr. RODRIGUES BASTOS, in "Notas ao Código de Processo Civil", vol. III, p. 60 e 61)»

Em causa no presente recurso, nos termos acima delimitados, está o reconhecimento do efeito de autoridade do caso julgado material na presente ação no que se refere ao efeitos da caducidade do loteamento na subsistência das hipotecas constituídas sobre os respetivos lotes, alegadamente objeto de apreciação em ações anteriores já transitadas em julgado.

Não estando, pois, em causa qualquer situação de exceção de caso julgado e, reconhecendo a recorrente, a inexistência da denominada tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir), cabe distinguir a invocação da autoridade do caso julgado em relação:

i) à ação de insolvência;

ii) às ações do Tribunal Administrativo e Fiscal .....

Assim:

Quanto à sentença proferida nos autos de insolvência:

No que se refere aos efeitos da sentença proferida nos autos de insolvência, decorre dos documentos juntos aos autos, em particular da cópia da sentença proferida em 14-07-2017, no processo n.º 589/17.5T8OLH, que correu termos no Juízo de Comércio  .... – Juiz 2 (cf. doc n.º 7 no requerimento apresentado via citius em 19-09-2017), ter o aqui Réu Novo Banco intentado contra a aqui Autora Porticentro, Lda., uma ação de insolvência que foi julgada improcedente, com absolvição da requerida do pedido.

Tal ação assentou na invocação da existência de diversos créditos do agora Recorrido sobre a Recorrente e na inexistência de bens suficientes para garantir o seu pagamento, preenchendo-se os factos-índice das als. a) e b) do art. 20.º, n.º 1, do CIRE.

Na respetiva fundamentação o Juízo de Comércio começou por verificar a existência de uma situação de incumprimento generalizado das obrigações da Requerida para com a Requerente, situação aliás confessada nos articulados, passando a analisar se o património da Requerida e a superioridade do passivo sobre o ativo permitia fundamentar a declaração de insolvência. Neste sentido, concluiu pelo infundado da pretensão deduzida uma vez que “se os imóveis em causa, hipotecados a favor da requerente, tinham o valor de € 7.000.000,00, mesmo com o respectivo alvará caducado (…), nunca aqueles imóveis deixaram de ser considerados suficientes para garantir a dívida, até porque em último caso sempre tinham a possibilidade de execução e adjudicação dos mesmos”. No mais, prossegue a fundamentação dessa sentença, considerando que, a não se considerar assim, teria de existir um claro abuso de direito por parte da Requerente, na medida em que tendo avaliado os imóveis nesse valor, quando o alvará havia há muito caducado e com consciência desse facto, não poderia agora considerar que o seu crédito não estaria pelo menos garantido por esse valor, razão pela qual se entendeu que não poder ser decretada a insolvência. Finalmente, encontra-se na fundamentação da sentença uma referência a que “indo mais longe na análise dos documentos (…) considera-se que os bens em causa não são susceptíveis de reconhecimento jurídico ou qualquer acto, sendo inexistentes juridicamente, face à caducidade irreversível do alvará de loteamento. Na verdade, conclui-se que à data da celebração dos contractos, que tem como garantia hipotecas sobre os lotes/imóveis que se encontravam no plano de loteamento, há muito (desde 1996) que aqueles lotes já não existiam juridicamente, devido à caducidade do alvará, pelo que nunca deviam ter sido alvo de qualquer negócio jurídico atenta a sua inexistência jurídica (…).

Concluindo-se do seguinte modo: “Face ao exposto e atendendo ao valor apontado para o património da requerida, conclui-se que o pedido de declaração de insolvência não pode proceder, sob pena de se concluir por um grave abuso de direito por parte da requerente”.

Da transcrição parcial da fundamentação da sentença de insolvência, e fazendo uma leitura atenta desta – sem se assumir, como parece fazer crer a Recorrente nas alegações de recurso, que a improcedência do pedido de insolvência se deveu a um juízo formulado a respeito da validade ou subsistência das hipotecas – facilmente se conclui que a ratio decidendi da sentença proferida pelo Juízo de Comércio .... assentou no valor atribuído ao património da Requerida e à sua suficiência para fazer face às dívidas vencidas e à circunstância da Requerente por ter aceite essa avaliação não poder vir negar esse valor, sob pena de incorrer em abuso do direito.

Conclui-se, pois, que a sentença proferida nos autos de insolvência não teve como objeto nem incluiu qualquer decisão prejudicial, ou que se imponha nos presentes autos, a respeito da validade das hipotecas constituídas em favor do banco quando o alvará de loteamento se encontrava já caducado. A referência a essa eventual inexistência jurídica das garantias por o alvará de loteamento se encontrar caducado, mostra-se patentemente acessória no contexto do discurso argumentativo da fundamentação da decisão judicial em causa, aproximando-se de um mero obiter dictum, sem que o juízo formulado a respeito da existência ou não de património suficiente da Requerida tenha qualquer relação com a questão da validade dos negócios jurídicos celebrados a este respeito.

Não pode, assim, mesmo prescindido do requisito da tríplice identidade, entender-se que nesses autos se tomou qualquer decisão a respeito da validade das hipotecas sobre os lotes por efeito do loteamento ter já caducado, ou que tal tenha sido apreciado na respetiva fundamentação de modo a que tenha ou valha nos presentes autos com o efeito de autoridade de caso julgado, porquanto, mesmo para quem entenda que estes efeitos se podem estender à fundamentação da decisão pretérita, nunca este efeito de autoridade se poderá fundar num argumento, ou num mero obiter dictum, que não integra o silogismo que conduziu à decisão proferida.

Com efeito, mesmo que não se perfilhe uma visão mais restritiva da eficácia do caso julgado (seguindo o ensinamento de Antunes Varela e Outros in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, págs. 714 a 719) e se acompanhe a orientação seguida pela jurisprudência dominante do Supremo que acolhe a possibilidade dessa eficácia se poder estender, em certas condições, aos fundamentos da decisão que hajam sido absolutamente determinantes para a decisão, em homenagem ao prestígio dos tribunais e à estabilidade e certeza das relações jurídicas (cfr., por todos, Acórdão do STJ de 07-03-2019, Revista n.º 3820/16.0TBGDM-A.P1.S1), no caso presente, forçoso é concluir não se verificarem as condições necessárias para entender ter existido na sentença proferida no processo de insolvência algum fundamento determinante a respeito da validade das hipotecas que possa valer como autoridade do caso julgado nos presentes autos.

Razões pelas quais, inexistindo qualquer ofensa do caso julgado, nesta perspetiva de autoridade do caso julgado, em relação ao que decorre da decisão proferida nos autos de insolvência.


Quanto às sentenças proferida nos processos do Tribunal Administrativo e Fiscal de ....:

No que se refere aos efeitos das quatro sentenças proferidas nos autos que correram termos no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de ...., decorre dos documentos juntos aos autos, em particular da cópia das sentenças proferidas em 05-11-215 (proc. n.º 495/15.8BBLLE), 05-11-2015 (proc. n.º 498/15.2BBLLE), 24-09-2015 (proc. n.º 496/15.6BBLLE) e 23-09-2015 (proc. n.º 567/15.9BBLLE), referirem-se tais processos a reclamações apresentadas pela aqui Recorrente contra despachos proferidos em processos de execução fiscal que correram termos no Serviço de Finanças ............, tendo em vista a cobrança de dívidas de IMI (cf. docs. 40, 41, 42 e 43 juntos com a p.i., constantes de fls. 198 a 246 do requerimento apresentado via citius como complemento à petição).

Nesses processos entendeu, unanimemente, o Tribunal em todas estas sentenças (que se citam, inclusivamente, umas às outras) anular as decisões de venda dos lotes penhorados por considerar que tendo caducado o alvará de loteamento, os 9 lotes criados a partir do prédio de origem deixaram de existir juridicamente, retornando o prédio à sua natureza originária, o que implica que os lotes em causa não poderiam ser apropriados, penhorados ou vendidos, deixando de ter aptidão para responder pelas dívidas da aí reclamante.

Verifica-se, assim, ter o TAF  .... julgado procedentes as reclamações apresentadas pela aqui Autora com fundamento, precisamente, na inexistência jurídica dos lotes em consequência da caducidade do alvará de loteamento, com a consequente anulação das vendas em curso, perfilhando-se aí o entendimento que o prédio retornaria à sua natureza anterior com a consequente impossibilidade de manutenção das penhoras.

Sendo este o teor das decisões proferidas e a fundamentação em que assentaram, importa decidir se tal juízo se impõe na presente ação por força da autoridade do caso julgado, conforme defende a Recorrente e nos termos e para os efeitos em que acima foi caracterizada esta figura.

Ora, conforme aí referido e que agora se repristina, enquanto a exceção de caso julgado pressupõe a verificação da tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do Código de Processo Civil (identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), o efeito da autoridade do caso julgado, segundo o entendimento dominante, não exige essa tríplice identidade.

Analisando a factualidade dada como provada, resulta ser evidente que não se verifica essa tríplice identidade uma vez que, para além de as partes nos processos supra referidos não serem idênticas às dos presentes autos, também não se verifica a identidade objetiva pressuposta pelo citado normativo.

Com efeito, mesmo considerando que o que é essencial, para a identidade de sujeitos, como pressuposto da exceção de caso julgado, não é a sua identidade física, mas antes que as partes assumam a mesma posição ou qualidade jurídica na titularidade dos direitos e obrigações contemplados pelo julgado (artigo 581.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), a verdade é que tal identidade não se verifica in casu, posto que nas mencionadas ações que correram nos tribunais administrativos e fiscais essa identidade ocorre apenas no que respeita à Autora e aqui Recorrente, sendo parte contrária a Fazenda Pública, sem que o aqui Réu e recorrido Novo Banco tenha tido qualquer intervenção nesses autos.

A este respeito, importa, ter presente que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo – em linha com a doutrina tradicional (cf. Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, s/l, 1968, págs. 38 e segs., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1976, págs. 304 e segs., Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, págs. 572 e segs.) – que a autoridade do caso julgado, ainda que possa dispensar a verificação da tríplice identidade requerida para a procedência da exceção dilatória, não dispensa, porém, a identidade subjetiva., cfr., entre outros, os acórdãos de 19-06-2018 (proc. n.º 3527/12.8TBSTS.P1.S2), de 13-09-2018 (proc. n.º 687/17.5T8PNF.S1), de 06-11-2018 (proc. n.º 1/16.7T8ESP.P1.S1), de 28-03-2019 (proc. n.º 6659/08.3TBCSC.L1.S1) e de 30-04-2020 (proc. n.º 257/17.8T8MNC.G1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt.

Nas palavras do indicado Acórdão de 28-03-2019:

“(…) [A] autoridade do caso julgado não depende da verificação integral ou completa da tríplice identidade prescrita no artigo 581.º do CPC, mormente no plano do pedido e da causa de pedir. Já no respeitante à identidade de sujeitos, esse efeito de caso julgado só vinculará quem tenha sido parte na respetiva ação ou quem, não sendo parte, se encontre legalmente abrangido por via da sua eficácia direta ou reflexa, consoante os casos.

Assim, quem não for parte na ação poderá, todavia, beneficiar do efeito favorável daquele caso julgado em conformidade com a lei, como sucede na situação de solidariedade entre devedores, de solidariedade entre credores e de pluralidade de credores de prestação indivisível, respetivamente nos termos dos artigos 522.º, 2.ª parte, 531.º, 2.ª parte, e 538.º, n.º 2, do CC.

Com efeito, ao devedor solidário aproveitará o caso julgado favorável constituído em relação a um seu condevedor com fundamento não respeitante pessoalmente a este (art.º 522.º, 2.ª parte, do CC), como também aproveitará ao credor solidário o caso julgado favorável a um seu co-credor, sem prejuízo das exceções pessoais que o devedor tenha o direito de invocar em relação a cada um deles (art.º 531.º, 2.ª parte, do CC). E no âmbito de pluralidade de credores de prestação indivisível, o caso julgado favorável a um dos credores aproveita aos demais co-credores, se o devedor não tiver, contra estes, meios específicos de defesa (art.º 538.º, n.º 2, do CC).”

Ora, como se referiu, não sendo as partes nos processos que correram no TAF de .... as mesmas dos presentes autos e não se encontrando o Recorrido abrangida por qualquer norma legal que permita à Recorrente beneficiar do caso julgado formado nesses processos (o que, aliás, nem sequer invoca), forçoso é concluir que também não se mostram preenchidos os pressupostos de que dependeria o efeito decorrente da autoridade do caso julgado.

Assim, mesmo que se pudesse ultrapassar a questão da falta de identidade objetiva (uma vez que o pedido e a causa de pedir nas ações de reclamação tributária são manifestamente distintos do pedido e da causa de pedir da presente ação), e considerar que a fundamentação constante das quatros ações que correram termos no TAF de .... impunha que se considerasse que as hipotecas a que se refere os autos inscritas sobre os lotes, não poderiam igualmente subsistir ou ter existência jurídica por o alvará de loteamento se encontrar já caducado, a bem do prestígio dos tribunais no seu todo e da coerência das decisões judiciais, sempre esse efeito de autoridade do caso julgado estaria vedado atenta a inexistência da – imprescindível – identidade subjetiva.

Refira-se, de resto, e a título complementar, que relativamente à possibilidade do caso julgado material formado nos tribunais administrativos e fiscais valer como autoridade na jurisdição comum, já se pronunciou o Supremo no acórdão de 04-06-2015 (processo n.º 177/04.6TBRMZ.E1.S1), defendendo que o artigo 97.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ao consignar que o juiz pode ou não sobrestar na sua decisão quando relativamente a esta pender decisão prejudicial nos tribunais administrativos, afasta o caso julgado da decisão desta relativamente aos tribunais comuns, pelo menos nos casos em que não sobrestou.

Razões pelas quais, também em relação às sentenças proferidas pelo TAF de ...., inexistindo qualquer ofensa do caso julgado, na perspetiva de autoridade do caso julgado, desde logo por não se verificar em relação a estas a necessária tríplice identidade subjetiva em relação às partes na presente ação, nem se tratar de qualquer situação que legalmente justifique o seu aproveitamento, não haverá que admitir a revista por este fundamento e a este respeito.


IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em:

- não tomar conhecimento do recurso de revista, no que concerne à violação do caso julgado;

- determinar que os autos sejam remetidos à Formação de Juízes a que alude o n.º3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil para verificação dos pressupostos da admissibilidade do recurso de revista excecional quanto à questão: “os efeitos da caducidade de alvará de loteamento sobre os lotes por ele criados e sobre as hipotecas constituídas sobre tais lotes”.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 22 de junho de 2021


Pedro de Lima Gonçalves (relator)   

Fátima Gomes           

Fernando Samões


Nos termos do disposto no artigo 15.º-A do decreto – Lei n.º20/2020, de 1 de maio, declara-se que têm voto de conformidade dos Senhores Juízes Conselheiros Fátima Gomes e Fernando Samões.