Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7506/18.3T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: ARTICULADO SUPERVENIENTE
PETIÇÃO INICIAL
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
ALTERAÇÃO DO PEDIDO
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
SEGMENTO DECISÓRIO
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
Peticionando os autores, na petição inicial, a condenação da ré na obrigação de recolocação de pedra de represamento de águas com vista ao acesso adequado às águas por parte deles e alegando, em articulado superveniente, admitido pelo Tribunal, a remoção indevida pela ré de outros elementos indissociáveis da pedra de represamento e a necessidade da sua recolocação, deve entender-se que, neste articulado, o autor se limitou a proceder a uma explicitação do pedido.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

Recorrentes: AA e Outros

Recorrida: H..., Lda.

1. AA e BB intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra H..., Lda.., pedindo a condenação da ré:

a) a reconhecer que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio misto denominado “Quinta da ...” melhor descrito no artigo 1.º desta petição;

b) a reconhecer que, desde tempos imemoriais, mas certamente há mais de há mais de 20, 50, 70, 100, 150 e 169 anos, sempre existiu e existe o caminho melhor descrito nos artigos 19.º a 40.º-A desta petição;

c) a reconhecer que o caminho a que se refere a alínea anterior, desde tempos imemoriais, mas certamente há mais de há mais de 20, 50, 70, 100, 150 e 169 anos, sempre foi considerado e usado pelos autores e seus antepossuidores, bem como por todas as pessoas da freguesia, como sendo um caminho público, por muitos sendo apelidado como o "Caminho ...", para passagem a pé, com animais, com carros de tracção animal e tractores agrícolas e, mais recentemente, nos últimos 15 anos, por muitos praticantes de bicicleta de todo-o-terreno e caminhada e, ainda, durante muitos anos, ainda antes de a sociedade ré ter adquirido a "Quinta da ...", a parte do descrito percurso referida nos artigos 36.º a 40.º da petição inicial, no sentido sul-norte, constituía um dos principais acessos à casa da dita quinta;

d) a reconhecer que, tal como consta das descrições n.º 12.077, 12.078, 12.079, 12.080, 12.081 e 12.083 - juntas com a providência cautelar sob os doc.s n.ºs 5 a 9 e 11, -, os prédios rústicos propriedade dos autores denominados Campo das ..., Lameiro ..., Campo ..., Campo da ..., Campo da ... e Campo do ... ou Lameiro de ..., pelo menos desde o ano de 1849 (data em que foi elaborado o extracto para o registo predial), mas certamente que há mais de 20, 50, 70, 100, 150 e 169 anos, sempre dispuseram de água para rega e lima, água essa proveniente da denominada "Poça do ...";

e) a reconhecer que a denominada "Poça do ..." se situa no prédio rústico agora pertencente à sociedade ré e denominado "Campo do ...", e nela são represadas as águas de uma nascente existente naquele local e ainda as águas que à mesma afluem, provenientes de diversas outras poças e nascentes situadas a montante da mesma, nomeadamente: das duas poças da "Quinta do ..."; da "Poça da ...", da "Quinta de ..."; e da "Poça de ...", da "Quinta de ...”.

f) a reconhecer que a denominada "Poça do ..." se situa à distância da estrema norte/nascente do prédio dos autores e tem as dimensões, características e percursos de águas melhores descritos nos artigos 55. º a 81. º-A desta petição;

g) a reconhecer que, ao longo de todo o descrito percurso, desde a estrema norte do prédio dos autores até ao local de bifurcação/pilheiro referido no artigo 67.º desta petição, o descrito rego a céu aberto era ladeado por um carreiro bem trilhado, calcado e definido, com cerca de 1,20 metros de largura e que atestava a passagem permanente das pessoas, para acompanhamento e vigilância das águas, carreiro esse que, na presente data, ainda permanece inalterado na parte que vai desde o local da bifurcação referida no artigo 67. º desta petição e até à “Poça do ... ” ;

h) a reconhecer que, há mais de 20, 50, 70, 100, 150 e 169 anos, os autores, por si e por antepossuidores, para rega e lima dos seus prédios identificados no artigo 74.º desta petição, sempre usaram a água proveniente da identificada "Poça do ... ", às 2. ªs (segundas) e 5. ªs (quintas) feiras, todo o dia, durante todo o ano, com excepção do período que vai entre o dia 24 de Junho (dia de S. João) e o dia 15 do mês de Agosto, em que, às 2.ªs (segundas) feiras, os autores apenas tinham direito a meio dia, cabendo o restante meio dia a outro consorte da dita poça, CC;

i) a reconhecer que os autores, juntamente com os referidos consortes da poça, CC e DD, sempre fizeram a limpeza e os trabalhos de conservação do rego a céu aberto que conduz aquelas águas para os seus referidos prédios, bem como do carreiro que o ladeava desde a estrema norte do seu identificado prédio, passando pela birfurcação/pilheiro que permite que a água seja conduzida até ao prédio propriedade de DD e até ao local de bifurcação/pilheiro a que se faz referência no artigo 67.º desta petição, e, a partir daí e até à "Poça do ...", incluindo a limpeza e manutenção do local da bifurcação/pilheiro, bem com a limpeza da própria "Poça do ...", incluindo a manutenção da parede de represamento de águas e tampa em pedra para a abertura e fecho da mesma, sendo que no inverno - com excepção dos anos muito secos e com um índice de pluviosidade muito baixo, em que se mantinha fechada para o represamento das águas - a tampa de pedra referida no artigo anterior era aberta e a água corria livremente, e, nos anos de normal índice de pluviosidade, apenas era fechada para represamento das águas entre o dia 24 de Junho e o final do mês de Novembro de cada ano;

j) a reconhecer que, se outro título não houvesse, por usucapião, sempre os autores teriam adquirido o direito de compropriedade da “Poça do ... ” e o direito de uso das águas na mesma represadas, ou seja, as águas da nascente existente naquele local e aquelas que à mesma afluem, nos exactos termos e condições referidos no artigo 88. º desta petição, bem como teriam adquirido o direito de compropriedade e uso das infraestruturas melhor descritas nos anteriores artigos 50.º a 67º e 72º a 86º, e, ainda, teriam adquirido o direito de servidão de aqueduto para a instalação nos prédios agora propriedade da sociedade ré das infraestruturas descritas nos anteriores artigos 50. º a 67º e 72º a 86. º e, ainda, o direito de servidão de passagem pelos prédios agora propriedade da sociedade ré, ao longo daquelas infraestruturas, para que, sempre que necessário, acederem às mesmas, com vista à sua vigilância, manutenção, melhoramento e todas as demais utilizações que fossem necessárias, título de aquisição esse que os autores aqui expressamente invocam;

k) a repor a pedra de represamento de águas melhor descrita nos artigos 60.º a 64º desta petição e que abusivamente retirou desse local.

l) a reconhecer que, também desde tempos imemoriais, mas há mais de 20, 50, 70, 100, 150 e 169 anos, a ligação entre os prédios rústicos que fazem parte da "Quinta da ...", propriedade dos autores, e que se encontram integrados na inscrição da actual matriz rústica sob o art.º 250, da freguesia de ...) - cfr. artigo 6.º desta petição - e aqueles que, fazendo parte da mesma quinta, se encontram integrados na inscrição da actual matriz rústica sob o art. º 253, da freguesia de ... Tomé) - cfr. artigo 7. º desta petição -, era feita a partir de uma passagem com a largura de cerca de 2 metros, situada na estrema sul do prédio dos autores denominado "Lameiro do ...", a qual dava acesso a um caminho com cerca de dois metros de largura, bem trilhado e visivelmente marcado pela passagem de tractores agrícolas e que atravessava o denominado "Campo da ...", hoje propriedade da sociedade ré, ao longo de cerca de 6 metros no sentido poente-nascente, atravessando o ribeiro, prosseguindo até ligar ao caminho público, denominado de "Caminho ..." e descrito nos artigos 19.º a 45.º desta petição, no qual se percorriam mais cerca de 50 metros, passando pela frente da casa que faz parte da "Quinta da ...", agora pertencente à sociedade ré. Chegados a este local, para acederem ao denominado “Campo do ...”, propriedade dos autores, flectindo no sentido norte sul, existia e existe um caminho com cerca de dois metros de largura, também este bem trilhado e visivelmente marcado pela passagem de tractores agrícolas, o qual atravessa o prédio rústico denominado "Lameiros do ...", também hoje propriedade da sociedade ré, ao longo de cerca de mais 26 metros até entrar no referido "Campo do ...", propriedade dos autores, onde terminava;

m) a reconhecer que, a partir do local referido no artigo 114.º desta petição, para aceder aos restantes prédios rústicos propriedade dos autores, nomeadamente, os denominados “Campo do ...”, “Campo da ...”, “Mata da ...”, “Sorte ...”, “Sorte de ...” e “Coutada da ...”, prosseguia-se pelo caminho público denominado "Caminho ..." e por outros caminhos de servidão que no mesmo entroncavam;

n) a reconhecer que os autores, por si, ou por antepossuidores, há mais de 20, 50, 70, 100, 150 e 169 anos, sempre usaram a passagem descrita nos artigos 107.º a 108.º desta petição, para acederem e percorrerem os troços de caminho melhores descritos nos artigos 109º a 121º da mesma, a pé, com carros de tracção animal ou tractores agrícolas, atrelados e outras alfaias, o que sempre fizeram à vista de todos, contínua e ininterruptamente, praticando todos estes actos com ânimo de verdadeiros proprietários, com o conhecimento de todas a pessoas do lugar e freguesia de sua situação, e tudo sem a oposição de ninguém, pelo que, ainda que se viesse a considerar que o denominado de "Caminho ...", descrito nos artigos 19.º a 45.º desta petição não se reveste de natureza pública - o que só por hipótese se admite -, se outro título não houvesse, sempre os autores teriam adquirido por usucapião, título este que expressamente invocam, o direito de servidão de passagem descrito nos artigos 107.º e 108. º da mesma, para acederem e percorrerem os troços de caminho melhores descritos nos artigos 109.º a 121. º deste articulado (incluindo, assim, em qualquer caso, os troços descritos nos artigos 113.º, 114.º e 122.º);

o) a abster-se de, por qualquer forma, impedir, limitar ou dificultar o livre exercício de todos os direitos contidos no direito de propriedade dos autores sobre o prédio de que são proprietários, bem como dos restantes direitos reclamados nas anteriores alíneas b) a n);

p) a pagar aos autores a articulada indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, quantificados até à presente data, do montante global nunca inferior a € 7.000,00 (sete mil euros), acrescida dos juros moratórios legais contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento;

q) a pagar aos autores a indemnização que se vier a liquidar em sede de execução de sentença, por todos os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais causados em virtude das alegadas violações do direito de propriedade daqueles e cuja quantificação não foi possível fazer até à presente data;

r) em sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações determinadas através de sentença que venha a ser proferida nos presentes autos, devendo o respectivo montante ser fixado de acordo com o estabelecido no art.º 829.º-A do Código Civil, mas em quantia nunca inferior a € 50,00 (cinquenta euros), por cada dia de atraso.

Para tanto alegaram, em síntese, que a ré vedou o seu terreno, impedindo o acesso que os autores sempre fizeram pelo Caminho ... e por caminho que atravessava os campos da ré para acesso por tractor e a pé às suas bouças e ainda o acesso à Poça do ... que represa água de consortes e utilizada no cultivo dos campos dos autores.

Realizou ainda trabalhos de encanamento da água e movimentação de terras na poça e nos terrenos, impossibilitando a utilização e provocando prejuízos nas colheitas e privações de uso pleno desde 2015.

2. Em sede de providência cautelar as partes chegaram a acordo relativamente ao acesso à Poça e ao pilheiro de divisão de águas.

3. Citada, contestou a ré, pugnando pela improcedência da acção com exclusão do já concedido na antecedente providência cautelar (ref.ª ......64).

Em sua defesa alegou que nunca existiu esta ligação entre os prédios que permitisse o acesso às bouças, que sempre seria impossível, por impedimentos naturais existentes no terreno.

Entende que, admitida em sede de providência o acesso aos pilheiros, através da abertura feita na rede, para regular o caudal da água do ribeiro, esta deve ser limitada ao percurso e tempo estritamente necessário para tal fim.

Impugnou a existência de qualquer nascente na poça e que a mesma é apenas um leito de ribeiro que vem de montante, nunca tendo existido represamento, pelo que não pode ser a ré responsabilizada pela falta de água natural.

4. Na audiência prévia os autores apresentaram articulado superveniente, alegando que, em janeiro de 2019, a ré procedeu à colocação de rede na esquina da casa da Quinta da ..., atravessando o descrito Caminho ..., impedindo por mais esta forma o acesso ao Campo ....

5. A ré impugnou o acesso nos mesmos termos da contestação, alegando que apenas reparou a rede já existente.

6. Foi proferido despacho saneador onde se afirmou a validade e a regularidade da instância. De seguida, procedeu-se à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova (ref.ªs .......90, ......29 e ......00).

7. Foi realizada audiência de julgamento (ref.ª .......62, .......39, .......33 e .......67).

8. Foi apresentado novo articulado superveniente pelos autores, alegando, entre outros, que, em Junho de 2020, quando iam proceder aos trabalhos de limpeza da Poça, constataram que tinha sido destruída a abertura da mesma e retirada a pedra de tapagem aí existente, o que apenas pode ter acontecido por instruções da ré.

9. A ré, em sede de resposta, alegou que a destruição da parede da poça ocorreu por causas naturais, arrastada por enxurrada e que apenas retirou as pedras soltas, em limpeza do seu terreno.

10. A final, foi proferida sentença julgando acção foi julgada procedente, com o dispositivo seguinte:

Face ao exposto, julgo a presente ação procedente, por provada, e, em consequência:

- condeno a Ré H..., Lda. a reconhecer que os prédios rústicos dos Autores AA e BB, denominados Campo das ..., Lameiro do ..., Campo da ..., Campo ..., Campo da ... e Campo do ... ou Lameiro de ..., dispõem de água para rega e lima, proveniente da denominada "Poça do ...", onde são represadas águas de nascente aí existente e ainda as águas que à mesma afluem de montante e que seguiam nos termos descritos nos factos provados .18 a 22, e que os Autores sempre usaram às 2.ªs (segundas) e 5.ªs (quintas) feiras, todo o dia, durante todo o ano, com exceção do período que vai entre o dia 24 de Junho (dia de S. João) e o dia 15 do mês de Agosto, em que, usavam meio dia às 2.as (segundas) feiras.

- Condeno ainda a Ré a reconhecer que se encontra constituída servidão de presa e aqueduto nos prédios da Ré, identificados nos factos provados .18 a 22, onde se encontram a Poça do ..., os canais, pilheiros e bifurcações, que conduzem esta água para os prédios dos Autores, com o consequente direito de acesso para vigilância, manutenção e utilizações estritamente necessárias ao aproveitamento da água, nomeadamente para limpeza da própria "Poça do ...", incluindo a manutenção da parede de represamento de águas e tampa em pedra para a abertura e fecho da mesma, designadamente entre os dias 24 de junho e o final do mês de novembro de cada ano.

- Condeno a Ré, no prazo de 20 dias, repor a "Poça do ..." ao estado em que se encontrava antes da sua compra, recolocando a pedra de represamento de águas, a parede e pedra padieira existentes, abstendo-se da prática de quaisquer atos que obstem ou dificultem o seu exercício destes direitos dos Autores.

- Condeno a Ré a reconhecer a constituição de servidão de passagem a pé, animais e com trator, para a ligação entre os prédios rústicos que fazem parte da "Quinta da ...", propriedade dos autores, e que se encontram integrados na inscrição da atual matriz rústica sob o artigo 250 e sob o artigo 253, através de uma passagem com a largura de cerca de 2 metros, situada na estrema sul do prédio dos autores denominado "Lameiro do ...", que atravessava o denominado "Campo da ..." da Ré, ao longo de cerca de 6 metros no sentido poente-nascente, atravessando o ribeiro, prosseguindo até ligar ao caminho denominado de "Caminho ..." no qual se percorriam mais cerca de 50 metros, passando pela frente da casa que faz parte da "Quinta da ...", da sociedade ré; aí, para acederem ao denominado “Campo do ...”, fletia no sentido norte-sul, atravessando o prédio rústico denominado "Lameiros do ...", ao longo de cerca de mais 26 metros e para os restantes prédios rústicos propriedade dos autores, nomeadamente, os denominados “Campo ...”, “Campo da ...”, “Mata da ...”, “Sorte do ...”, “Sorte de ...” e “Coutada da ...”, prosseguia-se pelo denominado "Caminho ...", na configuração existente descrita supra.

- Condeno a Ré, no prazo de 20 dias, repor este caminho, de forma a permitir a passagem entre os prédios, abstendo-se da prática de quaisquer atos que obstem ou dificultem o seu exercício destes direitos dos Autores.

- Condeno a Ré H..., Lda. a pagar aos Autores AA e BB a peticionada indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante de € 7.000,00 (sete mil euros), acrescida dos juros moratórios legais contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento e na que se liquidar em sede de execução de sentença, por todos os prejuízos patrimoniais causados por esta situação, desde 2019 e até à reposição da Poça do ... ao estado em que se encontrava.

- Condeno a Ré H..., Lda. no pagamento da quantia de € 50 (cinquenta Euros), a título de sanção pecuniária compulsória, por dia em que se verifique a infração à condenação supra.

Custas pela Ré (artigo 527.º, n.º1 do C.P.C.). Registe e notifique”.

11. Interposto recurso pela ré, o Tribunal da Relação de ... proferiu Acórdão que julgou o recurso parcialmente procedente, sendo o dispositivo o seguinte:

“- Anular a sentença na parte em que condenou «a Ré, no prazo de 20 dias, repor a "Poça do ..." ao estado em que se encontrava antes da sua compra, recolocando a pedra de represamento de águas, a parede e pedra padieira existentes, abstendo-se da prática de quaisquer atos que obstem ou dificultem o seu exercício destes direitos dos Autores» (...), e, em sua substituição, condenar a Ré a repor a pedra de represamento de águas.

- Anular a sentença na parte em que condenou «a Ré, no prazo de 20 dias, repor este caminho, de forma a permitir a passagem entre tais prédios, abstendo-se da prática de quaisquer atos que obstem ou dificultem o seu exercício destes direitos dos Autores", e, em sua substituição. condenar a Ré a abster-se da prática de quaisquer atos que obstem ou dificultem o exercício dos direitos (de passagem entre os prédios) dos Autores.

- Quanto ao mais, manter e confirmar a sentença recorrida”.

12. Inconformados e pugnando pela revogação parcial deste Acórdão, interpuseram recurso de revista os autores AA e Outros.

A terminar, formulam as seguintes conclusões:

Primeira: Vem o presente recurso do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido nos presentes em 09.02.2023, e que julgou parcialmente procedente o recurso de apelação e, consequentemente, decidiu “Anular a sentença na parte em que condenou «a Ré, no prazo de 20 dias, repor a "Poça do ..." ao estado em que se encontrava antes da sua compra, recolocando a pedra de represamento de águas, a parede e pedra padieira existentes, abstendo-se da prática de quaisquer atos que obstem ou dificultem o seu exercício destes direitos dos Autores» (sublinhado nosso), e, em sua substituição, condenar a Ré a repor a pedra de represamento de águas”.

Segunda: Das nulidades imputadas pela ré/recorrente à Douta Sentença proferida em primeira instância, o Douto Acórdão recorrido apenas deu acolhimento parcial a tal pretensão, quanto à nulidade prevista na al.ª e), do n.º 1, do art.º 615.º, do CPC, ou seja, quando “O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.

Terceira: No que ao segmento decisório em causa no presente recurso respeita, o Douto Acórdão recorrido considerou, em síntese, que:

- “os AA. peticionaram apenas a condenação da ré na reposição da “pedra de represamento de águas melhor descrita nos artigos 60.º a 64.º” da petição.”;

- “a fixação/determinação do prazo para cumprimento dessa obrigação é da iniciativa da Mm.ª Julgadora “a quo”, pois que tal fixação temporal não foi requerida pelos AA..”;

- “afigura-se-nos pois que, nessa parte – ao condenar na reposição da parede e pedra padieira existente e ao estabelecer um prazo para o cumprimento dessa obrigação – a sentença padece de nulidade, por condenar em objeto diverso do pedido”;

- “respeitando os limites do pedido formulado na petição inicial, deveria ter-se apenas limitado a condenar a repor a pedra de represamento de águas descrita nos artigos 60.º a 64.º da petição.”;

Quarta: Concluindo, de seguida, que “é manifesto que ao condenar a ré, no prazo de 20 dias, a repor a "Poça do ..." ao estado em que se encontrava antes da sua compra, recolocando a parede e pedra padieira existente, (…) o tribunal condenou em objecto diverso do que foi pedido, pelo que violou claramente o disposto no n.º 1 do art. 609º do CPC, de onde resulta que a sentença é nessa parte nula, atento o disposto no art. 615º, n.º 1, al. e) do CPC.”.

Quinta: Ora, não é exacto que os ora recorrentes tenham peticionado APENAS “a condenação da ré na reposição da “pedra de represamento de águas melhor descrita nos artigos 60.º a 64.º” da petição”, pedido que corresponde ao formulado na alínea k) da petição inicial e que se reporta à factualidade alegada nos referidos artigos daquele articulado.

Sexta: Com efeito, no ARTICULADO SUPERVENIENTE que os ora recorrentes apresentaram na audiência de julgamento, a fls. 138 e seguintes, em síntese, alegaram que

“(…) Quando chegaram ao local da “Poça do ...”, verificaram que a parede situada na parte sul da mesma e que fazia o represamento das águas que para ela confluem e nela nascem – e que se encontra melhor descrita nos artigos 58.º a 60.º da petição inicial e visível nos documentos juntos à providência cautelar anexa aos autos sob os números 36 a 46 e 58 a 63 –; construída com pedras de granito; com cerca de 1,40 metros de altura, 5 metros de comprimento e 0,60 metros de largura; tinha sido parcialmente destruída junto ao local onde antes se situava a abertura circular e pedra de tapagem a que se faz referência nos artigos 60.º a 64.º do referido articulado; tendo sido removida e retirada do local a padieira de granito que a cobria; bem como tinham sido removidas e tiradas do local as pedras de granito que a suportavam, tudo conforme se pode comprovar pelas fotografias juntas sob os documentos n.ºs 1 a 4.

Sétima: Mais alegaram no mesmo articulado que, “No passado mês de Junho de 2019, quando os autores e demais consortes da “Poça do ...” se deslocaram à mesma para tentarem fazer os possíveis trabalhos de manutenção e limpeza – tarefa muito dificultada ou quase impossibilitada pelos movimentos de terra feitos pela ré e referidos no anterior artigo 3.º -, a parede de represamento de águas situada a sul da mesma e a que se faz referência nos anteriores artigos 7.º a 12.º encontrava-se intacta e em perfeito estado de conservação, com excepção da tampa em pedra retirada pela ré e a que se faz referência nos artigos 95.º a 95.º-B da petição inicial, sendo certo que, desde então e até ao passado dia 24.06.2020, nunca os autores tiveram conhecimento da remoção e retirada do local da padieira que a cobria e das pedras que a suportavam, melhor descritas nos anteriores artigos 7.º a 12.º; a ré mantém funcionários e/ou colaboradores, em permanência, na exploração agrícola que tem instalada nos terrenos de sua propriedade; a remoção e retirada do local da padieira e pedras aqui em causa só pode ter sido efectuada com o recurso a maquinaria industrial pesada (tipo retroescavadora ou similar);pelo que, manifestamente, nunca poderia ter ocorrido sem o conhecimento e/ou consentimento da ré e/ou por suas instruções ou iniciativa; Os factos descritos nos anteriores artigos 7.º a 12.º correspondem a condutas ilícitas e não consentidas pelos autores e que, além do mais, ofendem a sua posse e o seu direito de propriedade, legitimando assim o seu recurso ao presente articulado – art.º 1311.º do Código Civil.

Oitava: Concluíram, dando como reproduzidos os pedidos condenatórios que haviam feito nas alíneas d), e), f), h), i) e k) da petição inicial e, ainda, no caso de se apurar que a ré, ora recorrida, tinha sido responsável pela factualidade alegada naquele ARTICULADO SUPERVENIENTE – como sucedeu – pedindo que a mesma fosse condenada a “a repor no seu preciso estado a parede de represamento de águas situada a sul da “Poça do ...”, num prazo nunca superior a 10 (dez) dias, contados a partir da decisão que venha a ser proferida nos presentes autos, e, ainda, em sanção pecuniária compulsória a fixar nos termos do pedido formulado na alínea r) da petição inicial e, finalmente, nas custas, tudo com as legais consequências.” (sublinhado da responsabilidade do subscritor).

Nona: Este ARTICULADO SUPERVENIENTE foi admitido, sujeito a contraditório e a factualidade contida no mesmo foi apreciada e decidida, conjuntamente com a demais, pelo Tribunal “a quo” em primeira instância, encontrando-se reflectida nos pontos 59 e 60 dos factos que resultaram provados e que aqui se transcrevem:

“(…)

59. Em junho de 2019, quando os autores e demais consortes se deslocaram à poça para tentarem fazer os possíveis trabalhos de manutenção e limpeza, constataram que a parede de represamento situada a sul, se encontrava intacta, com exceção da tampa em pedra.

60. Em junho de 2020, a Ré tinha, entretanto, removido do local a padieira que a cobria e as pedras que a suportavam.”(negrito e sublinhado da responsabilidade do subscritor).

Décima: Atenta a factualidade alegada pelos ora recorrentes naquele seu ARTICULADO SUPERVENIENTE, bem como o pedido de condenação formulado no mesmo e a factualidade considerada provada nos pontos 59 e 60 da Douta Sentença proferida em primeira instância, verifica-se que esta não condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do que foi peticionado.

Décima-primeira: Esclareça-se que, uma coisa é a parede de represamento de águas situada a sul da “Poça do ...”, construída em pedras de granito e coberta por uma padieira, descrita nos artigos 58.º e 59.º da petição inicial, perfeitamente identificável na fotografia junta sob o documento número 38, do PROCEDIMENTO CAUTELAR, a fls. 60 (mas também das fotografias juntas neste articulado sob os documentos números 36, 37 e 58 a 63) e a que se reportam os artigos 7.º a 12.º do ARTICULADO SUPERVENITENTE de fls. 138 e seguintes – correspondente à factualidade considerada provada no ponto 16 da Douta Sentença proferida em primeira instância - e, outra coisa, é a pedra de represamento de águas, descrita nos artigos 60.º a 64.º da petição inicial - correspondente à factualidade considerada provada no ponto 17 da Douta Sentença proferida em primeira instância.

Décima-segunda: Assim, sempre com todo o respeito, só por manifesto lapso se pode compreender que o Douto Acórdão recorrido não tenha atendido à factualidade alegada pelos ora recorrentes nos citados artigos 7.º a 12.º e 18.º a 24.º no ARTICULADO SUPERVENIENTE que apresentaram na audiência de julgamento, a fls. 138 e seguintes, bem como ao pedido de condenação formulado no mesmo e, ainda, à factualidade considerada provada nos pontos 59 e 60 da Douta Sentença proferida em primeira instância.

Décima-terceira: Só assim se pode compreender que o Douto Acórdão recorrido tenha concluído que o 3.º segmento decisório da Douta Sentença proferida em primeira instância, “ao condenar na reposição da parede e pedra padieira existente e ao estabelecer um prazo para o cumprimento dessa obrigação”, proferiu uma condenação em objecto diverso do que foi peticionado e, por essa razão, tenha considerado nulo o segmento decisório em causa, acabando por fazer uma errónea interpretação e aplicação do disposto na al.ª e), do n.º 1, do art.º 615.º, do CPC, que acabou por violar na exacta medida do atrás referido,

Décima-quarta: pelo que, nesta parte, deverá ser substituído por decisão que reponha integralmente a primitiva redacção do segmento decisório em causa, condenado a ré, ora recorrida, no prazo de 20 dias, a repor a "Poça do ..." ao estado em que se encontrava antes da sua compra, recolocando a pedra de represamento de águas, a parede e pedra padieira existentes, abstendo-se da prática de quaisquer atos que obstem ou dificultem o seu exercício destes direitos dos autores, ora recorrentes”.

13. Pugnando pela improcedência deste recurso, a ré H..., Lda., apresentou contra-alegações, concluindo:

1.º O presente recurso interposto pelos autores é extemporâneo, tendo precludido o direito, nos termos das disposições do artigo 638.º, n.º 1 do CPC, no que concerne ao regime-regra de trinta dias, com as exceções previstas, nessa mesma disposição legal, in fine.

2.º Sem conceder, sob o ponto de vista material, consiste numa mera tentativa de reapreciar a matéria já julgada e valorada em segunda instância, atribuindo uma amplitude ao articulado superveniente e respetivo pedido, para afeitos de revogação do douto acórdão, no segmento decisivo relativo à reposição da poça que as regras de hermenêutica, sob o ponto de vista jurídico, tendo em consideração os limites da sentença, e o princípio do dispositivo, não permitem.

3.º A factualidade alegada pelos recorrentes, por via do articulado superveniente e o respetivo pedido que mantém os pedidos d), e), f), h), i) e k), pedindo ainda, que a Ré seja “ [c]ondenada a repor no seu preciso estado a parede de represamento de águas situada a sul da “Poça do ...”, num prazo nunca superior a 10 (dez) dias, contados a partir da decisão que venha a ser proferida nos presentes autos,” alegando para o efeito que devido à factualidade ali alegada, no articulado superveniente, ao teor do pedido de condenação formulado e a factualidade considerada provada nos pontos 59 e 60, que a sentença proferida em primeira instância não condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, é uma forma rebuscada de distender a amplitude do pedido, que não merece provimento.

4.º Não se vislumbra, em nossa modesta opinião, qualquer lapso que ponha em crise a assertividade do douto acórdão do TRG, de 09/02/2023, na interpretação dada, às disposições da alínea e), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, ao anular a sentença do tribunal da 1.ª instância.

5.º Tecendo um termo comparativo entre os pedidos dos autores (com sublinhados nossos), mesmo considerando o articulado superveniente, no que ao objeto do presente recurso respeita, não subsistem dúvidas sob o ponto de vista da ré, que a sentença da 1.ª instância violou o princípio do dispositivo, condenando ultra petitium, tendo como cominação a nulidade:

1- Petição inicial: “k) a repor a pedra de represamento de águas melhor descrita nos artigos 60.º a 64.º desta petição e que abusivamente retirou desse local;”

2- Articulado superveniente: “ser condenada a repor no seu preciso estado a parede de represamento de águas situada a sul da “Poça do ...”, num prazo nunca superior a 10 (dez) dias…”,

3- Sentença: “Condeno a Ré, no prazo de 20 dias, repor a "Poça do ..." ao estado em que se encontrava antes da sua compra, recolocando a pedra de represamento de águas, a parede e pedra padieira existentes”;

4- Acórdão do TRG, de 09/02/2023: “Anular a sentença na parte em que condenou «a Ré, no prazo de 20 dias, repor a "Poça do ..." ao estado em que se encontrava antes da sua compra, recolocando a pedra de represamento de águas, a parede e pedra padieira existentes, abstendo-se da prática de quaisquer atos que obstem ou dificultem o seu exercício destes direitos dos Autores» e, em sua substituição, condenar a Ré a repor a pedra de represamento de águas.”

Em face desta patente discrepância, não deverão subsistir dúvidas, nem para os autores, que a sentença condenou em objeto e quantidade diferente do pedido, de forma inexequível e obscura.

6.º Os recorrentes nas suas explicações quanto à parede de represamento de águas, situada a sul da poça e quanto à pedra de represamento de águas, dissertando sobre as diferenças e semelhantes e a sua descrição imputa ao Venerando Tribunal um lapso que efetivamente não teve, sendo que em nossa opinião não logrou fundamentar a utilidade prática da questão colocada, sendo que dela não resulta maior nem menor quantidade de água para usufruição dos recorrentes.

7.º Neste contexto, não assiste qualquer razão aos recorrentes devendo o acórdão recorrido manter o segmento decisório por eles impugnado que “decidiu anular a sentença na parte em que condenou a Ré, no prazo de 20 dias, repor a Poça do ... ao estado em que se encontrava antes da sua compra, recolocando a pedra de represamento de águas, a parede e pedra padieira existentes, abstendo-se da prática de quaisquer atos que obstem ou dificultem o seu exercício destes direitos dos Autores, e, em sua substituição, condenou a Ré a repor a pedra de represamento de águas”.

14. A ré H..., Lda., interpôs ainda recurso de revista. Porém, este recurso foi julgado inadmissível, tendo a ré apresentado reclamação nos termos do artigo 643.º do CPC.

15. O Exmo. Desembargador Relator proferiu despacho com o seguinte teor:

Inexistindo fundamento legal para reter nesta instância os presentes autos, determino a sua remessa ao Supremo Tribunal de Justiça para conhecimento do recurso de revista interposto por AA e Outros, através do requerimento apresentado em 15/03/2023 [Ref.ª/Citius ......01 (de 15/03/2023)].

Deverá, porém, a Secção assegurar que a reclamação possa ser instruída com os elementos processuais referidos no art. 643º, n.º 3 do Código de Processo Civil, pelo que só após deverão os presentes autos ser remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça.

Para os devidos efeitos consigna-se que se mostra pendente reclamação nos termos e para os efeitos do disposto no art. 643º do CPC (a correr termos sob o n.º 7506/18.3...-A), do despacho de não admissão da revista interposta por H..., Lda.”.

16. Remetidos a este Supremo Tribunal tanto o recurso dos autores como a reclamação da ré, foi esta última decidida no sentido do indeferimento, tendo a decisão, por força de reclamações sucessivas, apenas agora transitado em julgado.

*

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a única questão a decidir, in casu, é a de saber se o Tribunal decidiu bem ao anular a decisão de condenação da ré a “no prazo de 20 dias, repor a "Poça do ..." ao estado em que se encontrava antes da sua compra, recolocando a pedra de represamento de águas, a parede e pedra padieira existentes, abstendo-se da prática de quaisquer atos que obstem ou dificultem o seu exercício destes direitos dos Autores” e ao substituí-la pela decisão de condenação da ré (somente) a “repor a pedra de represamento de águas”.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1. Encontra-se registado a favor dos Autores desde 6.09.1977 (metade indivisa) e 1.08.1979 (metade indivisa), o prédio misto denominado “Quinta da ...”, situado no lugar da ..., composto por casa de dois pavimentos, com cortes e eido com ramada e mais pertenças e por terrenos de lavradio e de mato, a confrontar a Norte e Nascente com caminho público; a Sul com EE; e a Poente com FF; descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° 386/19950821 da freguesia de ...) e inscrito na respetiva matriz sob os art.°s 53.° urbano e 167.°, 280.°, 289.°, 294.°, 295.°, 296.°, 297.°, 301.°, 335.°, 337.°, 338.°, 380.°, 381.°, 382.°, 388.°, 389.°, 392.°, 394.°, 426, 507.° e 508.° rústicos (antiga matriz)

2. Com a atualização da matriz rústica, foram atribuídos à Quinta da ..., nomeadamente, os seguintes artigos matriciais rústicos:

a) artigo 250 - com a área global de 4,9 hectares, a confrontar a norte com Estrada e GG, a Sul com caminho, a nascente com urbano do próprio e caminho e a poente com HH e herdeiros; corresponde ao conjunto dos seguintes prédios da anterior matriz:

- artigo 389 - Campo das ...;

- artigo 388 - Lameiro do ...;

- artigo 382 - Campo da ...;

- artigo 380 - Campo ...;

- artigo 381 - Campo ...;

- artigo 392 - Campo do ...; e

- artigo 394 - Campo do ... ou Lameiro ....

b) artigo 253 - com a área global de 5,2 hectares, a confrontar norte com caminho, a sul com estrada e limites da freguesia, a nascente com EE e a poente com caminho; corresponde ao conjunto dos seguintes prédios da anterior matriz:

- artigo 338 - Campo do ...;

- artigo 335 - Campo do ...;

- artigo 295 - Campo da ...;

- artigo 337 - Mata da ...;

- artigo 297 - Sorte do ...;

- artigo 291 - Coutada da ...; e

- artigo 296 - Sorte do ....

c) artigo 335 - com a área global de 0,146000 hectares, a confrontar a norte com caminho, a sul com DD, a nascente com estrada e a poente com caminho;

d) artigo 337 - com a área de 0,085000 hectares, a confrontar a norte com II, a sul com caminho, a nascente com JJ e a poente com estrada;

e) artigo 385 - com a área de 1,2 hectares, a confrontar a norte com KK, a sul com caminho, a nascente com caminho e a poente com LL e outro;

f) artigo 396 - com a área de 0,210000, a confrontar a norte com MM, a sul com caminho, a nascente com MM e poente com caminho.

3. Encontra-se registado a favor da Ré, desde 14.04.2015, o prédio misto denominado "Quinta da ...", situado no lugar da ..., composto por casa de rés do chão, 1.º andar, com cortes e eido com ramada, Campo da ..., Campo do ... e Campo da ..., a confrontar a Norte com NN e ribeiro (curso de água), a Sul com estrada e limites da freguesia, a Nascente com OO e a Poente com AA e caminho público; descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1331/20130219 da freguesia de ...) e inscrito na respetiva matriz sob os artigos 130.º urbano e 429.º rústico, registada a seu favor na Conservatória do Registo Predial de ..., sob a Apresentação n.º 524.

4. A Ré adquiriu a 1 de fevereiro de 2013, o Campo da ..., situado no Lugar da ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 910 e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 252 (atual 427).

5. A Ré adquiriu a 25 de março de 2015, a quinta do ..., sita no lugar do ..., freguesia de ..., composto de casa e terreno de cultivo, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1332 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 136 e omissa na parte rústica e a Quinta do ..., sito no lugar do ..., freguesia de ..., composta de casa, logradouro e terreno de cultivo, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o artigo 1330 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 134 e omissa na parte rústica.

6. Desde tempos imemoriais que existe notícia de um caminho que, entrando na agora rua S...., passava pelas traseiras da casa dos autores, à cota de 418,27, seguindo num percurso sinuoso, de piso irregular, com a largura, em média, de cerca de 2,50 metros, e inclinação descendente, prolongando-se no sentido poente-nascente ao longo de cerca de 130 metros, confrontando, sempre pelo lado poente, com o Campo das ... dos autores, fletindo, de seguida, no sentido norte-sul, ao longo de cerca de 34 metros, passando a ser ladeado pelo ribeiro, pelo lado nascente, ou seja, pelo lado da Quinta da ... da ré, ao longo de cerca de 70 metros, e, pelo lado poente, com o denominado Lameiro do ..., dos autores, atingindo cota de 404,91, fletindo, então, no sentido nascente, afastando-se do curso do ribeiro, e iniciando um percurso ascendente, com um piso mais regular, mantendo a largura de cerca de 2,50 metros, e que, passando pela frente da casa que faz parte da Quinta da ..., se prolonga ao longo de cerca de 76 metros, fletindo, então, no sentido norte-sul, atravessando os prédios rústicos que fazem parte da "Quinta da ..." dos Autores, ao longo de cerca de mais de 230 metros até chegar à bifurcação do caminho que dá acesso à Rua da ... ... ou estrada da ... - traçado assinalado a cor amarela na planta junta à petição inicial.

7. Tal caminho, apelidado como "Caminho ...", indicado pela Junta de Freguesia como o antigo caminho principal de tráfego a cavalo e carroça, entre ... e ..., via ..., sempre foi usado pelos autores e habitantes da freguesia, como sendo um caminho público, à vista de todos contínua e ininterruptamente, com o conhecimento de todas as pessoas do lugar e freguesia de sua situação, e tudo sem a oposição de ninguém.

8. Foi perdendo importância com a construção de estradas, mas continuou a ser utilizado no acesso aos campos, para passagem a pé, com animais, e, mais recentemente, esporadicamente, por praticantes de bicicleta de todo-o-terreno e caminhada.

9. Há mais de 40 anos, depois da compra de trator, os Autores deixaram de fazer a parte descendente deste caminho, no confronto com o seu campo das ..., para fazer a ligação entre os prédios integrados na atual matriz rústica sob o art.º 250 e aqueles que, fazendo parte da mesma quinta, se encontram integrados na inscrição da atual matriz rústica sob o art.º 253, utilizando uma passagem com a largura de cerca de 2 metros, situada entre a estrema sul do prédio dos autores "Lameiro do ...", atravessando o ribeiro e o denominado "Campo da ...", hoje propriedade da ré, e seguindo aí ao longo de cerca de 6 metros, no sentido poente-nascente, até ligar ao "Caminho ...", onde passavam pela frente da casa que faz parte da "Quinta da ...".

10. Aí chegados, para acederem ao “Campo do ...”, fletiam no sentido norte-sul, onde existia e existe um caminho com cerca de dois metros de largura, trilhado e marcado pela passagem de tratores agrícolas, o qual atravessa o prédio rústico denominado "Lameiros do ...", também hoje propriedade da sociedade ré, ao longo de cerca de mais 26 metros até entrar no referido "Campo do ...".

11. Para acederem aos restantes prédios rústicos, nomeadamente, os denominados “Campo do ...”, “Campo da ...”, “Mata da ...”, “Sorte do ...”, “Sorte de ...” e “Coutada da ...”, prosseguia-se pelo denominado "Caminho ...".

12. Os autores há mais de 40 anos sempre usaram estas passagens para acederem aos seus prédios, com carros de tração animal ou tratores agrícolas, atrelados e outras alfaias, o que sempre fizeram à vista de todos, contínua e ininterruptamente, praticando todos estes atos convictos que estavam a exercer um direito, e tudo sem a oposição de ninguém.

13. Os prédios rústicos dos autores denominados Campo das ..., Lameiro ..., Campo da ..., Campo ..., Campo da ... e Campo do ... ou Lameiro ..., pelo menos desde o ano de 1849, dispõem de água para rega e lima, proveniente da denominada "Poça do ...", que se situa no prédio rústico denominado "Campo do ...", agora pertencente à ré.

14. Nela são represadas as águas de uma nascente existente no mesmo prédio e ainda as águas que à mesma afluem, provenientes de diversas outras poças e nascentes situadas a montante (* Rectificado pelo Tribunal recorrido).

15. A referida "Poça do ..." situa-se a cerca de 388 metros de distância da estrema norte/nascente do prédio dos autores, tem uma largura mediana de cerca de 30 metros, e, na sua parte mais funda, tem uma profundidade de cerca de 1,30 metros.

16. O represamento das águas é aí feito por uma parede construída em pedras de granito na sua parte a sul, com cerca de 1,40 metros de altura, 5 metros comprimento e 0,60 metros de largura; na qual existe uma abertura circular com o diâmetro de cerca 0,50 metros.

17. Até ao passado dia 25.07.2015, esta abertura era fechada com uma tampa em pedra, com cerca de 0,50 metros de altura por 0,50 metros de largura e cerca de 0,15 metros de espessura; e que, por sua vez, na sua parte inferior, ao meio, tinha uma abertura em forma de meia circunferência com cerca de 0,20 metros de diâmetro, a qual era usada para proceder à tapagem da poça para o represamento de águas e à sua abertura, para que os vários consortes pudessem proceder à rega dos prédios rústicos que são servidos pelas águas da dita poça.

18. Depois de atravessar a abertura referida, a água proveniente da referida "Poça do ...", seguia num rego a céu aberto com a largura de cerca de 1 metro e profundidade de cerca 0,90 metros, atravessando o prédio da ré ao longo de cerca 107 metros, até ao local onde existe uma bifurcação/pilheiro, situada à cota de cerca de 422,07, que permite que, daí em diante, a água seja conduzida, em alternativa, para um dos dois percursos possíveis a partir desse ponto.

19. Um desses percursos conduz a água que é usada para rega e lima dos prédios rústicos de que são proprietários a sociedade ré, DD, PP e QQ, seguindo em rego a céu aberto ao longo de mais 100 metros, até que se mistura no ribeiro que corre paralelamente ao caminho público, sendo, a partir daí, conduzida para os diferentes prédios.

20. O outro percurso, conduzia a água em rego a céu aberto até à estrema norte do prédio rústico dos autores, até junto ao denominado "Campo do ... ou Lameiro ...", situado à cota de 419,56, para rega e lima dos seguintes prédios rústicos dos autores atrás referidos, e ainda, dos prédios rústicos propriedade dos consortes CC e DD, todos eles situados a cotas inferiores, permitindo, assim, a rega por gravidade.

21. Neste último percurso, a água proveniente da referida "Poça do ..." seguia em rego a céu aberto, com a largura de cerca de 0,40 metros e profundidade de cerca 0,60 metros, atravessando os prédios rústicos agora da sociedade ré, denominados “Leiras do ...” e “Campo da ...”, da "Quinta do ...", ao longo de cerca 219,5 metros.

22. Ao longo deste percurso, o rego era ladeado por um carreiro bem trilhado, calcado e definido, com cerca de 1,20 metros de largura, para passagem a pé das pessoas, para acompanhamento e vigilância das águas, carreiro esse que, na presente data, ainda permanece inalterado na parte que vai desde o local da bifurcação até à ....

23. Há mais de 169 anos, os autores, por si e por antepossuidores, para rega e lima dos seus referidos prédios, sempre usaram a água proveniente da identificada "Poça do ...", às 2.ªs (segundas) e 5.ªs (quintas) feiras, todo o dia, durante todo o ano, com exceção do período que vai entre o dia 24 de Junho (dia de S. João) e o dia 15 do mês de Agosto, em que, às 2.ªs (segundas) feiras, os autores apenas tinham direito a meio dia, cabendo o restante meio dia a outro consorte da dita poça, CC.

24. Os autores, juntamente com os outros consortes, sempre fizeram a limpeza e os trabalhos de conservação do rego a céu aberto que conduz as águas, bem como do carreiro que o ladeia até à "Poça do ...", incluindo a limpeza e manutenção da própria "Poça do ...", da parede de represamento de águas e tampa em pedra.

25. No inverno - com exceção dos anos muito secos, em que se mantinha fechada para o represamento das águas - a tampa de pedra era aberta e a água corria livremente, e, nos anos de normal índice de pluviosidade, apenas era fechada para represamento das águas entre o dia 24 de junho e o final do mês de novembro de cada ano.

26. Tudo o que sempre fizeram à vista de todos, contínua e ininterruptamente, praticando todos estes atos com ânimo de exercerem direito próprio, com o conhecimento de todas as pessoas do lugar e freguesia de sua situação, e tudo sem a oposição de ninguém.

27. Em meados do mês de maio de 2013 e depois de a ré ter adquirido a "Quinta da ...", os autores e os outros consortes da identificada "Poça do ..." foram convocados para uma reunião com um gerente da sociedade ré por causa da utilização das águas, reunião essa à qual o autor marido compareceu, tendo esclarecido os períodos em que usava a água proveniente da poça em causa.

28. Em meados do mês de julho de 2013, a solicitação de um representante da sociedade ré e com a justificação de que esta não tinha funcionários que trabalhassem aos Domingos, o autor marido aceitou trocar com a sociedade ré o dia de segunda feira pelo dia de Domingo para o uso da água da "Poça do ...", troca essa que, desde logo, passou a ser praticada entre as partes.

29. Em setembro de 2013, a ré mandou proceder a trabalhos de movimentação e de nivelação de terras no Campo da ..., tendo, ainda, procedido à colocação de tubagens condutoras das águas do ribeiro, desviando-o do seu curso habitual, cobrindo parcialmente o caminho em frente à casa da "Quinta da ...", nivelando o acesso ao denominado "Campo da ...".

30. Em virtude desses trabalhos, o autor marido deixou de conseguir passar com o seu trator, atrelado e outras alfaias, a partir do seu prédio rústico denominado "Lameiro do ...", impedindo-lhe, dessa forma, o acesso através da passagem e dos troços de caminho aos seus prédios rústicos denominados “Campo do ...”, “Campo do...”, “Campo da ...”, “Mata da ...”, “Sorte do ...”, “Sorte ...” e “Coutada da ...”.

31. Restou aos Autores a alternativa de percorrer uma distância de cerca de 1.800 (mil e oitocentos metros) metros pela estrada municipal, se considerado o percurso que existe a partir a norte da sua casa na “Quinta da ...”, ou a distância de cerca de 2.000 (dois mil) metros, pela mesma estrada municipal, se considerado o percurso existente a sul da dita casa.

32. Na ocasião, o autor marido alertou o encarregado da sociedade ré, Sr. RR, para o facto de que tais trabalhos no caminho público e no curso do ribeiro, estarem a perturbar e dificultar a passagem para os seus identificados prédios, impedindo mesmo a utilização e passagem do único trator de que dispunha e dispõe e que é apenas de tração às rodas traseiras, pelo que não tem capacidade para atravessar aquele troço nas condições em que o mesmo foi deixado pela sociedade ré.

33. No final do mês de novembro de 2014, a ré começou a colocar postes de cimento com cerca de 2,0 metros de altura ao longo do denominado Caminho ..., do lado em que o dito caminho confronta com os prédios dos autores denominados "Campo das ..." e "Lameiro do ...", e, também, junto da estrema norte do prédio dos autores denominado "Campo do ... ou Leira ...", e, finalmente, em volta da "Poça do ...", fixando uma rede do tipo "malha sol", vedando e impedindo a passagem para o carreiro que ladeava o rego de água, junto à estrema norte do prédio dos autores denominado "Campo do ... ou Leira ...", vedando e impedindo a passagem pelo caminho conhecido com o "Caminho ...", vedando e impedindo a passagem a partir do prédio dos autores denominado "Lameiro do ...", para acederem aos seus prédios rústicos descritos atual matriz rústica sob o art.º 253 e vedando a "Poça do ...".

34. Tudo isto contra a vontade dos Autores e não obstante os diversos alertas; na ocasião, o referido representante da sociedade ré e o seu encarregado, Sr. RR, informaram o autor-marido que a sociedade ré tinha necessidade de vedar os terrenos de sua propriedade com vista à aprovação de um projeto de aproveitamento agrícola a que se teria candidatado e que, assim, alegadamente, o exigia, mas assegurando que, logo que fossem ultrapassados os trâmites de tal processo, nomeadamente, uma vistoria a que sempre fizeram referência, a sociedade ré se comprometia a repor as passagens, colocando cancelas.

35. A ré solicitou ao autor-marido que, temporariamente, para aceder ao carreiro que ladeava o rego de água, circundasse a rede colocada junto à estrema norte do denominado "Campo do ... ou Leira ..." e atravessasse para o prédio rústico propriedade da ré denominado "Leira do ..." uns metros mais abaixo, local onde afirmaram ter deixado um "local de passagem", onde o autor apenas conseguia passar de joelhos, dando para um terreno de acentuada inclinação ascendente e, por isso, difícil de subir,

36. Os Autores de boa fé, aceitaram as justificações e convencidos de que se tratava de uma situação meramente temporária, aguardaram que fossem repostas as passagens.

37. Em abril de 2015, sem previamente ter consultado os autores e, pelo menos, o outro consorte da "Poça do ...", CC, utilizadores do rego de água e do carreiro, no percurso desde a estrema norte do prédio do autores denominado "Campo do ... ou Leira ..." e até ao local de bifurcação/pilheiro situado no "Campo da ...", da "Quinta do ..." da Ré, esta deu início a trabalhos de colocação de tubos em material plástico de cor laranja ao longo do referido percurso.

38.Perante a reação do autor marido, em ida ao local, a Ré justificou a necessidade de entubar aquela parte do percurso do rego deixando, pelo menos, duas caixas para visita e manutenção, alegando que o rego em causa se encontrava a uma cota mais alta do que aquela em que iriam ser instaladas diversas estufas pela sociedade ré, e, por essa forma, conseguiriam evitar os riscos de alagamento das mesmas, no caso de qualquer eventual rutura que pudesse acidentalmente ocorrer nas paredes do dito rego.

39.Na ocasião, asseguraram ao autor que este em nada seria prejudicado na utilização das águas da referida "Poça do ...", bem pelo contrário, até seria beneficiado, pois, segundo eles, o caudal de água transportado seria sempre maior do que aquele que era trazido até então pelo rego a céu aberto.

40. Uma vez mais, de boa fé, os autores confiaram e acreditaram na bondade da informação que lhes estava a ser transmitida, e, assim, aceitaram que o referido troço fosse entubado.

41. Tal como em todos os restantes anos, no verão de 2015, os autores e os restantes consortes da Poça do ..., procederam à limpeza da dita poça e do rego até ao local de bifurcação referido no artigo anterior, bem como o acesso à dita poça para abertura e fecho da mesma e uso das águas nela represadas nos dias e horários que a cada um deles caberia.

42. Sem antes dar conhecimento ou qualquer justificação aos autores ou a qualquer outro dos consortes, no dia 25 de julho de 2015, em plena época de rega, a sociedade ré mandou retirar a pedra que fazia o represamento das águas na dita poça, mandando-a remover para local desconhecido.

43.Os autores e os restantes consortes da poça em causa ainda procederam à colocação de uma tampa em madeira que permitisse continuar a fazer o represamento das águas na dita poça, mas também essa tampa a sociedade ré mandou retirar, não obstante saber que se encontrava em plena época de calor e necessidade de rega das culturas instaladas, nomeadamente, pelos autores nos seus identificados prédios rústicos, denominados “Campo do ... ou Lameiro de ...”, “Campo das ...”, “Lameiro do ...”, “Campo ...”, “Campo da...” e “Campo da ...”.

44. No dia 2 de dezembro de 2015, o Autor recebeu uma carta da Ré advertindo-o de que não poderia procedeu à limpeza de partes do troço de caminho, tal como sempre fez, tendo o Autor respondido que aguardava a reposição da entrada.

45. No início de fevereiro de 2016, a ré mandou proceder à movimentação de terras e colocação de pedras no leito caminho público denominado Caminho ..., mais precisamente, na parte do caminho descrita em .10 dos factos provados, antes do local em que, a partir do caminho público denominado Caminho ..., os autores fletiam para sul, atravessando o prédio rústico agora propriedade da sociedade ré denominado "Lameiro do ...", a fim de acederem ao seu identificado "Campo do ...", impedindo o acesso dos autores a esse campo, a partir do caminho público, mas também aos restantes prédios rústicos.

46. Dias antes do dia 24 de junho de 2017, quando os autores e outros consortes da "Poça do ..." se deslocaram à mesma a fim de procederem aos trabalhos de limpeza e manutenção, verificaram que a sociedade ré tinha levado a cabo trabalhos de movimentação de terras na dita poça, bem como à colocação de algumas pedras e, ainda, à colocação de um tubo de plástico que modificou o curso da água proveniente da nascente existente na dita "Poça do ...", desviando-a da mesma e passando a conduzi-la para o ribeiro onde acaba por se perder sem que, pelo menos aparentemente, lhe seja dada qualquer outra utilização.

47. Em meados de novembro de 2017, a sociedade ré colocou pedras a taparem a passagem temporária referida em .36 dos factos provados, impedindo, assim, a passagem dos autores, vedando-lhes o acesso à dita poça e demais infraestruturas de retenção e condução das águas.

48. Em junho de 2018, os Autores foram impedidos de aceder a "Poça do ...", bem como do rego, local da bifurcação/pilheiro e demais infraestruturas de retenção e condução das águas, não recebendo, naquela data, água provinda da referida "Poça do ...", ficando impedidos de proceder à rega das culturas que, então, tinham instaladas nos seguintes prédios rústicos de sua propriedade: milho, no Campo das ... (descrição n.º 12.077) e Campo da ... (descrição n.º 12.080); - feijão, no Campo da ... (descrição n.º 12.081); e - batatas, no Lameiro do ... (descrição 12.087), culturas estas que apenas se aguentaram sem rega porque o clima se manteve chuvoso.

49. Os autores instauraram o procedimento cautelar que correu termos neste Tribunal, Juiz 4, sob o processo 4116/18.9..., no decurso do qual, por acordo alcançado entre as partes, no dia 07.08.2018, a ré cortou a rede que havia colocado naquele local e repôs a passagem, permitindo aos requerentes o acesso à "Poça do ...", bem como ao rego, locais de bifurcação/pilheiros e demais infraestruturas de retenção e condução das águas e ao uso da mesma para rega dos seus prédios, acordo esse que formalizaram por transação celebrada em 04.09.2018, quanto a esta parte.

50. O Autor nasceu em 1933 e a Autor em 1931.

51. Para a sua subsistência, os autores sempre dependeram e dependem da exploração da "Quinta da ...", de sua propriedade, quer do resultado das culturas que instalam nos seus diversos campos, sendo que estes, por sua vez, sempre dependeram e dependem da água para rega proveniente da "Poça do ...".

52. A produção anual de milho habitual nos seguintes prédios rústicos dos autores costuma ser, respetivamente e em média: - “Campo das ...”, cerca de 9 carros de milho; - “Campo da ...”, cerca de 6 carros de milho; e - “Campo da ...”, cerca de 7/8 carros de milho, sendo que, cada carro de milho, corresponde ao valor cerca de € 200,00 (duzentos euros).

53. No ano de 2016, em virtude da diminuição do caudal de água, causada pela retirada da pedra de represamento, os autores sofreram uma diminuição da produção das culturas de milho que tinham, então, instaladas “Campo da ...” e “Campo da ...”, os campos mais distantes, o que lhes causou prejuízo, no mínimo, equivalente a dois carros de milho.

54. No ano de 2017, ano de seca, os Autores a optaram por não instalarem a habitual cultura de milho no “Campo da ...”, onde a água para rega, por certo, não teria - como não teve - o caudal necessário para aí chegar, sofrendo uma diminuição da produção habitual global equivalente a cerca de 7/8 carros de milho.

55. No ano de 2018, os autores viram-se obrigados a optar por instalar a cultura de milho apenas no “Campo das ...” e no “Campo da ...”, sendo que neste último campo quase não tiveram produção, pelo que sofreram uma diminuição da produção habitual global equivalente a cerca de 14 carros de milho.

56. Os autores já eram arrendatários da “Quinta da ...” desde o ano de 1959, tendo sido aí que sempre trabalharam e trabalham; criaram os seus filhos e ajudaram e ajudam a criar os seus netos; e sempre viveram de forma honrada e respeitadora, sendo também respeitados e considerados como pessoas de bem pelos restantes membros da comunidade em que se inserem.

57. Foi, pois, com profundo desgosto, angústia, vergonha e tristeza, que os autores assistiram aos atos praticados pela sociedade ré os quais, além dos prejuízos que causam e causarão, são mesmo suscetíveis de pôr em causa a subsistência da “Quinta da ...” enquanto unidade produtiva agrícola.

58. Em janeiro de 2019, a Ré procedeu à colocação de uma rede com cerca de 1,80 metros de altura na esquina sul/poente da casa da Quinta da ..., atravessando e cortando o indicado “Caminho ...”.

59. Em junho de 2019, quando os autores e demais consortes se deslocaram à poça para tentarem fazer os possíveis trabalhos de manutenção e limpeza, contataram que a parede de represamento situada a sul, se encontrava intacta, com exceção da tampa em pedra.

60. Em junho de 2020, a Ré tinha, entretanto, removido do local a padieira que a cobria e as pedras que a suportavam.

No Acórdão recorrido entendeu-se que, com interesse para a boa decisão da causa, não se provaram quaisquer factos além dos acima descritos, designadamente, não resultou provado que existissem impedimentos naturais que tornassem impossíveis as passagens dos prédios dos autores para os da ré e que a parede de represamento tivesse sido retirada por forças naturais.

O DIREITO

A questão que se põe no presente recurso está bem delimitada: trata-se de saber se havia fundamento para o Tribunal recorrido anular o 3.º segmento decisório da sentença, em que se condena a ré a, no prazo de 20 dias, repor a Poça do ... ao estado em que se encontrava antes da sua compra, recolocando a pedra de represamento de águas, a parede e pedra padieira existentes, abstendo-se da prática de quaisquer actos que obstem ou dificultem o seu exercício destes direitos dos autores, e o substituir por outro, em que se condena a ré (somente) a repor a pedra de represamento de águas1.

A fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo foi, no que é relevante, a seguinte:

Cotejados os pedidos deduzidos na petição inicial e os segmentos decisórios condenatórios da sentença recorrida evidencia-se que os pedidos formulados naquele articulado inicial sob as als. d), e) e h) correspondem, na sua essencialidade, ao 1º segmento decisório condenatório; o pedido objeto da al. j) corresponde ao 2º segmento decisório; o pedido referente à al. K) corresponde, em parte, ao 3º segmento decisório; os pedidos a que se reportam as als. l), m) e n) correspondem, na generalidade, ao 4º segmento decisório; o pedido aduzido sob a al. o) corresponde, em parte, ao 5º segmento decisório; o pedido objeto da al. p) corresponde ao 6º segmento decisório; por fim, o pedido respeitante à al. r) corresponde ao 6º segmento decisório.

No confronto entre as pretensões peticionadas pelos AA. e a que foram julgadas procedentes e deferidas na sentença impugnada, afigura-se-nos que, no tocante ao 3º e 5º segmentos decisórios condenatórios, a sentença excedeu os limites dos pedidos, por condenar em objeto diverso do que foi peticionado.

Reportamo-nos concretamente ao segmento do dispositivo em que se condenou «a Ré, no prazo de 20 dias, repor a "Poça do ..." ao estado em que se encontrava antes da sua compra, recolocando a pedra de represamento de águas, a parede e pedra padieira existentes, abstendo-se da prática de quaisquer atos que obstem ou dificultem o seu exercício destes direitos dos Autores» (sublinhado nosso), visto que os AA. peticionaram apenas a condenação da ré na reposição da “pedra de represamento de águas melhor descrita nos artigos 60.º a 64.º" da petição. Acresce que a fixação/determinação do prazo para cumprimento dessa obrigação é da iniciativa da Mm.a Julgadora “a quo”, pois que tal fixação temporal não foi requerida pelos AA..

Afigura-se-nos pois que, nessa parte - ao condenar na reposição da parede e pedra padieira existente e ao estabelecer um prazo para o cumprimento dessa obrigação - a sentença padece de nulidade, por condenar em objeto diverso do pedido (…).

Em suma, é manifesto que ao condenar a ré, no prazo de 20 dias, a repor a "Poça do ..." ao estado em que se encontrava antes da sua compra, recolocando a parede e pedra padieira existente (…), o tribunal condenou em objecto diverso do que foi pedido, pelo que violou claramente o disposto no n.º 1 do art. 609º do CPC, de onde resulta que a sentença é nessa parte nula, atento o disposto no art. 615º, n.º 1, al. e) do CPC.

Em face disso, impõe-se anular a sentença nesse[] concreto[] segmento[] condenatório[], havendo em sua substituição - caso se mantenha a decisão condenatória - que manter a condenação da ré a repor a pedra de represamento de águas (…) sob pena de condenação em objeto diverso do pedido.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto na al. e) do n.º 1 do art. 615º do CPC, conclui-se pela nulidade parcial da sentença nos termos supra assinalados”.

Os autores não se conformam com esta decisão.

Alegam, no essencial, que aquele 3.º segmento decisório tem a mesma extensão do pedido por eles formulado, considerando o articulado superveniente que apresentaram (cfr, sobretudo, conclusões quinta, sexta, sétima e oitava).

Veja-se, então, se pode considerar-se que os autores pediram, de facto, como alegam, que a ré fosse condenada, em certo prazo, na reposição da Poça do ..., aí compreendida a recolocação da parede e da pedra padieira, ou, se, pelo contrário, e como concluiu o Tribunal a quo, tal pedido não chegou a ser formulado e, portanto, o Tribunal de 1.ª instância condenou em objecto diverso do peticionado.

Não há dúvidas de que, na petição inicial, os autores pedem que a ré seja condenada “a repor a pedra de represamento de águas melhor descrita nos artigos 60.º a 64º desta petição e que abusivamente retirou desse local” [cfr. al. k)].

A verdade é que os autores apresentaram um articulado superveniente.

Alegam aí os autores que:

7.º

Quando chegaram ao local da “Poça do ...”, verificaram que a parede situada na parte sul da mesma e que fazia o represamento das águas que para ela confluem e nela nascem – e que se encontra melhor descrita nos artigos 58.º a 60.º da petição inicial e visível nos documentos juntos à providência cautelar anexa aos autos sob os números 36 a 46 e 58 a 63 –,

8.º

construída com pedras de granito,

9.º

com cerca de 1,40 metros de altura, 5 metros de comprimento e 0,60 metros de largura,

10.º

tinha sido parcialmente destruída junto ao local onde antes se situava a abertura circular e pedra de tapagem a que se faz referência nos artigos 60.º a 64.º do referido articulado,

11.º

tendo sido removida e retirada do local a padieira de granito que a cobria,

12.º

bem como tinham sido removidas e tiradas do local as pedras de granito que a suportavam, tudo conforme se pode comprovar pelas fotografias que aqui se juntam (Documentos n.ºs 1 a 4)2.

Alegam ainda que:

18.º

No passado mês de Junho de 2019, quando os autores e demais consortes da “Poça do ...” se deslocaram à mesma para tentarem fazer os possíveis trabalhos de manutenção e limpeza – tarefa muito dificultada ou quase impossibilitada pelos movimentos de terra feitos pela ré e referidos no anterior artigo 3.º -, a parede de represamento de águas situada a sul da mesma e a que se faz referência nos anteriores artigos 7.º a 12.º encontrava-se intacta e em perfeito estado de conservação, com excepção da tampa em pedra retirada pela ré e a que se faz referência nos artigos 95.º a 95.º-B da petição inicial,

19.º

sendo certo que, desde então e até ao passado dia 24.06.2020, nunca os autores tiveram conhecimento da remoção e retirada do local da padieira que a cobria e das pedras que a suportavam, melhor descritas nos anteriores artigos 7.º a 12.º.

20.º

A ré mantém funcionários e/ou colaboradores, em permanência, na exploração agrícola que tem instalada nos terrenos de sua propriedade;

21.º

a remoção e retirada do local da padieira e pedras aqui em causa só pode ter sido efectuada com o recurso a maquinaria industrial pesada (tipo retroescavadora ou similar),

22.º

pelo que, manifestamente, nunca poderia ter ocorrido sem o conhecimento e/ou consentimento da ré,

23.º

e/ou por suas instruções ou iniciativa.

24.º

Os factos descritos nos anteriores artigos 7.º a 12.º correspondem a condutas ilícitas e não consentidas pelos autores e que, além do mais, ofendem a sua posse e o seu direito de propriedade, legitimando assim o seu recurso ao presente articulado – art.º 1311.º do Código Civil3.

Terminam pedindo que:

o presente articulado superveniente se[ja] admitido e julgado procedente, por provado, reproduzindo-se aqui, por brevidade e por manterem integral pertinência, os pedidos formulados nas alíneas d), e), f), h), i), j) e k) da petição inicial, devendo ainda a ré, caso seja responsável pela factualidade constante dos artigos 7.º a 12.º do presente articulado, ser condenada a repor no seu preciso estado a parede de represamento de águas situada a sul da “Poça do ...”, num prazo nunca superior a 10 (dez) dias, contados a partir da decisão que venha a ser proferida nos presentes autos, e, ainda, em sanção pecuniária compulsória a fixar nos termos do pedido formulado na alínea r) da petição inicial e, finalmente, nas custas, tudo com as legais consequências4.

Poderá este articulado superveniente valer no sentido aqui defendido pelos autores / recorrentes, nomeadamente, para o efeito de se considerar que o pedido foi, não reformulado, mas explicitado no articulado superveniente?

O articulado superveniente foi apresentado pelos autores “nos termos do disposto no art.º 588.º, n.ºs 1, 2 e 3, al.ª c) do CPC” (referência 36394826) na audiência de julgamento (cfr. acta de audiência de julgamento – 1.ª sessão, referência .......62).

Foi objecto de contraditório (referência 36727994), dizendo a ré que este articulado, “na generalidade, consubstancia uma mera repetição do alegado na PI”.

Foi admitido pelo Tribunal “por obedecer aos requisitos formais e substanciais previstos no art.º 588.º do C. P. Civil e tendo sido já exercido o contraditório” (cfr. acta de audiência de julgamento – 2.ª sessão, referência .......39).

Os factos alegados naquele articulado foram globalmente “acolhidos”, estando reflectidos na decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:

- Em Junho de 2019, quando os autores e demais consortes se deslocaram à poça para tentarem fazer os possíveis trabalhos de manutenção e limpeza, contataram que a parede de represamento situada a sul, se encontrava intacta, com excepção da tampa em pedra (cfr. facto provado 59); e

- Em Junho de 2020, a ré tinha, entretanto, removido do local a padieira que a cobria e as pedras que a suportavam5.

Tudo considerado, propende-se para concluir que os autores manifestaram, de facto, a pretensão de que a ré fosse condenada a repor, em determinado prazo, os elementos por ela indevidamente removidos / destruídos, de forma a que lhes fosse possível exercer adequadamente o seu direito de uso das águas6.

Como se sabe, o Tribunal de 1.ª instância condenou a ré na recolocação não só na da pedra de represamento mas também da parede e da pedra padieira dizendo que:

Em qualquer das referidas situações, a Ré, como proprietária, tem direito a vedar os seus prédios, no exercício do direito de tapagem consagrado no artigo 1356º do Código Civil. Mas o exercício desse direito não pode ter qualquer influência na vida da servidão, que continua a existir e a ser exercida como se vedação não houvesse. Não pode, em qualquer caso, estorvar o exercício da servidão (cf. Ac. STJ de 23/10/2008, p. 08B2004, www.dgsi.pt). Neste caso, apesar de facultada abertura, é evidente que a nova abertura que foi disponibilizada na rede para acesso à água, não era adequada para os Autores, octogenários.

Deverá, assim, a Ré disponibilizar um acesso livre e desimpedido à água e equipamentos de suporte.

Não o fazendo, podem os Autores exigir a restituição e indemnização pelo prejuízo sofrido em sequência da turbação da sua posse (artigo 1284.º do Código Civil).

A restituição exigirá ainda a reposição do estado em que se encontrava a "Poça do ...", com a colocação da pedra de represamento de águas, a parede e pedra padieira”.

Este raciocínio demonstra a atenção do Tribunal de 1.ª instância ao “conteúdo substancial” ou à “materialidade” do pedido, isto é, concretamente, ao facto de os elementos de suporte serem, por razões físicas ou mecânicas, indissociáveis do elemento-base (pedra de represamento das águas) para o efeito do exercício do direito de uso das águas provenientes da Poça do ... pelos autores7, o que, em última análise, poderia dispensar um pedido expresso ou específico relativamente a eles na p.i.

Na realidade, sob pena de a decisão de procedência do pedido não ter utilidade ou significado prático, não é indefensável a tese de que ela abrange, em princípio, os procedimentos acessórios necessários à produção do efeito prático-jurídico pretendido.

A propósito da temática em causa (limites qualitativos aos poderes cognitivos do julgador em função da pretensão material formulada e a possibilidade de convolação jurídica do pedido) e com relevância especial para ela, Lopes do Rego chega a equacionar a possibilidade de convolação do pedido.

Explica o autor:

O processo civil é obviamente regido pelo princípio do dispositivo: a iniciativa do processo e a conformação do respectivo objecto incumbem às partes; pelo que – para além de o processo só se iniciar sob o impulso do autor ou requerente – tem este o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum, formulando o respectivo pedido, ou seja, indicando qual o efeito jurídico, emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica, desde logo, o tipo de acção proposta ou de incidente ou providência cautelar requerida.

Daqui decorre naturalmente um princípio de correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a pronúncia jurisdicional obtida pela parte, devendo o decidido pelo juiz adequar-se à pretensões formuladas, ser com elas harmónico ou congruente, sob pena de se verificar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

Não estando obviamente em causa que o pedido formulado constituirá normalmente o círculo dentro do qual o tribunal se tem de manter para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir, importa, porém, aprofundar esta matéria, de modo a verificar quais as exactas balizas à actuação nesta sede do juiz, perante determinadas situações em que a própria lei de processo ou a jurisprudência maioritária e consolidada lhe permitem ou facultam a realização de uma convolação, mediante a qual se quebra a regra da absoluta e irrestrita coincidência entre o peticionado e o decidido8.

Quer isto dizer, em suma, que pode justificar-se, em certos casos, e sempre sem “baixar a guarda”, uma certa flexibilização do princípio do dispositivo, designadamente com vista à sua coordenação ou convivência pacífica com o princípio da gestão processual9.

Voltando ao caso dos autos, e para concluir, em três parágrafos:

Deve entender-se que os autores enunciaram a pretensão de que a ré fosse condenada a repor, em determinado prazo, o que havia removido / destruído, ou seja, a reposição não só a pedra de represamento de águas mas também dos elementos associados, indispensáveis para o seu acesso às águas da Poça do ....

Ainda que se entendesse que a pretensão quanto à reposição destes elementos associados não tinha sido especificamente enunciada, sempre se deveria entender que o pedido compreendia tal pretensão, dada a necessidade da sua reposição para se produzir o efeito jurídico peticionado pelos autores.

Face a isto, é inevitável concluir que, ao decidir nos termos em que decidiu, o Tribunal de 1.ª instância não condenou em objecto diverso daquele que foi peticionado, não havendo lugar à anulação e à substituição deste segmento decisório.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, concede-se provimento à revista, determinando-se:

1. A revogação do Acórdão recorrido na parte em que anulou e substituiu o 3.º segmento decisório da sentença; e

2. A repristinação do 3.º segmento decisório da sentença.


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Custas pela recorrida.

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Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024

Catarina Serra (relatora)

Isabel Salgado

Ana Paula Lobo

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1. Sublinhado nosso para destacar a parte inalterada.

2. Sublinhados nossos.

3. Sublinhados nossos.

4. Sublinhados nossos.

5. Sublinhados nossos

6. Saliente-se, aliás, que a ré não se surpreendeu com estas referências no articulado, afirmando que este nada acrescentava à petição inicial.

7. Numa definição comum, a padieira é uma peça colocada em cima de certos elementos (maxime, portas ou janelas), dirigida a suportar os esforços que aí se geram.

8. Cfr. Lopes do Rego (sublinhados do autor).

9. Sustentando, pela positiva e firmemente, a flexibilização do princípio do dispositivo, cfr. Miguel Mesquita, “A ‘morte’ do princípio do dispositivo?”, in: Revista de Legislação e de Jurisprudência, 2017, n.º 4007, pp. 86 e s. Diz este autor: “Ora, decorridas mais de duas décadas sobre a Reforma de 1995/96, o receio relativo a alterações da causa de pedir (e do pedido), bem reflectido no teor do actual artigo 265.° (a alteração da causa de pedir somente é permitida quando decorra de confissão de factos feita pelo réu)), não se compreende à luz de um Processo Civil fun­dado no princípio da gestão processual” (p. 104, sublinhados do autor).