Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1515/10.8TBLRA-AP.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: INSOLVÊNCIA
FALTA DE CONTESTAÇÃO
CONFISSÃO JUDICIAL
CONFISSÃO DO PEDIDO
PROCURAÇÃO
ERRO DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 05/17/2016
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - ORGÃOS DA INSOLVÊNCIA / ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / RECURSOS.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. I, 3.ª Ed., 123; Vol. III, 485.
- Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Anotado, 2008, 113.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. I, 4.ª Ed., 318/319.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 359.º.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE), REDAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N.º 16/2012, DE 20.04: - ARTIGOS 14.º, N.º1, 17.º, 55.º, N.º8, 59.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 567.º, N.ºS 1 E 2, 629.º, N.º1, 671.º, N.ºS1 E 4, 678.º, N.ºS 1 E 3, 696.º, AL. D), 697.º, N.º6, 699.º, N.º1, ÚLTIMA PARTE.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 25.03.2014, 6.ª SECÇÃO, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT
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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 17.03.2015.
Sumário :

I - A confissão pode reportar-se à ação ou pedido, por um lado, e aos factos alegados na ação, por outro. Para a primeira, porque importa disposição do direito substancial, a lei exige procuração com o poder especial de confessar; para a segunda não faz (a lei) exigência semelhante.

II - Reporta-se ao 1º dos mencionados tipos a “confissão” prevista no art. 55º, nº8, do CIRE - redação introduzida pela Lei nº 16/2012, de 20.04 -, não abrangendo tal previsão legal a mera confissão ficta de factos, decorrente da omissão de prática do ato processual de contestar uma ação, situação esta em que rege o preceituado no art. 567º, nº 1, do CPC.

III - Podendo, embora, assistir-se ao mesmo resultado prático, perante qualquer dos mencionados tipos de confissão, tal não é fatal, nem sucede, necessariamente, atento o preceituado na parte final do nº2 do art. 567º do CPC, uma vez que, em tal situação, o juiz deve julgar a causa conforme for de direito, bem podendo suceder que, mesmo em tal situação, o veredicto final seja de improcedência da ação, por inconcludência da factualidade alegada na p. i.

IV - A indevida aplicação da cominação constante do art. 567º, nº1, do CPC, consubstanciando mero erro de julgamento, poderá justificar a interposição de correspondente recurso ordinário, mas não a interposição de recurso extraordinário de revisão com base em nulidade ou anulabilidade de inexistente “confissão ato jurídico”.

Decisão Texto Integral:

Proc. nº 1515/10.8TBLRA-AP-S1[1]

(Rel. 240)


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 - “Massa Insolvente de AA, Lda” e “CAIXA BB de Pombal, C. R. L.”, esta última na qualidade de Presidente da Comissão de Credores da primeira, interpuseram, em 02.09.14, na comarca de Leiria (Instância Central - 1ª Secção de Comércio - J3), o presente recurso extraordinário de revisão, contra CC, pedindo a revogação da sentença proferida no apenso AK, transitada em julgado, com a consequente repetição de todos os atos, aí, praticados a partir da citação da Massa Insolvente.

Fundamentando a respetiva pretensão, alegaram, em síntese, que aquela sentença - que julgou procedente, por ausência de contestação, o pedido formulado pelo, aí, A. e, aqui, recorrido - promana de violação do art. 55º, nº8, do CIRE, o que, determinando a nulidade da correspondente confissão, consubstancia o fundamento de interposição do sobredito recurso previsto na al. d) do art. 696º do CPC.

Tendo sido indeferido liminarmente o pedido, apelaram as recorrentes, vindo a decisão recorrida a ser revogada por acórdão de 17.03.15, da Relação de Coimbra.

Discordando deste, interpôs o recorrido, CC, a correspondente revista.

Por douto despacho de 22.06.15, da Ex. ma Cons. Relatora e, ora, 1ª Adjunta, foi decidido, com arrimo no preceituado no art. 671º, nº1, do CPC, não tomar conhecimento do objeto da interposta revista, julgando-se, em conformidade, finda a instância recursiva.

Baixados os autos à 1ª instância, foram, por despacho de 15.09.15, julgados confessados, por ausência de contestação, os factos alegados na p. i..

Apelou, então, o recorrido, o qual, no entanto, veio a desistir, validamente, do recurso, em face da justificação contida no despacho de 23.10.15.

Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio, a final, a ser proferido (em 16.12.15) saneador-sentença com o seguinte dispositivo: "Julgo procedente por provado o recurso extraordinário de revisão requerido pela «Massa Insolvente de AA, Lda» e «CAIXA BB de Pombal, C. R. L.» e nessa decorrência à revogação da sentença proferida no apenso com as letras AK, transitada em julgado e de 23.01.14, tendo em vista aí ordenar a repetição de todos os atos a partir da citação da Massa Insolvente”.

Inconformado, interpõe o recorrido, CC, o presente recurso de revista “per saltum”, nos termos previstos no art. 678º, nº/s 1 e 3 do CPC, visando a revogação da decisão recorrida, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões:

                                                    /

1ª - O recurso, ora, interposto versa sobre a douta sentença proferida, a qual julgou procedente o recurso de revisão apresentado pela Massa Insolvente, tendo julgado procedente o recurso e ordenado a repetição de todos os atos a partir da citação da Massa Insolvente;

2ª - Na decisão, o recorrente considera que a douta sentença proferida viola o art. 567º do CPC, conjugado com o nº8 do art. 55º do CIRE, senão vejamos:

3ª - Na decisão recorrida, é decidido que o Administrador da Insolvência (AI) não pode, sem parecer da Comissão de Credores, confessar qualquer facto em Tribunal, nem que seja tacitamente, como ocorreu nos autos objeto de recurso de revisão;

4ª - O recorrente não pode concordar com a supra referida premissa e com a consequente decisão, visto que, salvo o devido respeito, viola os arts. 567º do CPC e 55º, nº8 do CIRE;

5ª - No processo objeto de revisão, foi regularmente citado o Administrador da Insolvência, não constando da legislação aplicável qualquer obrigação de citar os membros da comissão de credores, posição também vertida na douta sentença recorrida;

6ª - Quem representa a Massa Insolvente em Juízo é o Sr. Administrador da Insolvência, sendo que nenhuma norma obriga o Tribunal a notificar o Sr. Administrador para informar se notificou, ou não, os membros da Comissão de Credores;

7ª - No caso concreto, até foram publicados editais, os quais são sempre consultados pelos credores;

8ª - Ou seja, nunca podem os credores e, consequentemente, os representantes dos mesmos na comissão de credores invocar que desconheciam a acção objecto de revisão;

9ª - A acção objecto de revisão é uma acção comum para cobrança de um crédito sobre a massa insolvente, não se vislumbrando qualquer especialidade prevista na legislação aplicável;

10ª - Salvo o devido respeito por opinião contrária, não vislumbramos qualquer fundamento para não aplicar às acções intentadas contra aas Massas Insolventes o previsto no art. 567º do CPC, bem pelo contrário, estamos perante uma norma de aplicação genérica;

11ª - No caso concreto, reitera-se que os credores não podem invocar que desconheciam a instauração da acção, visto que, embora por lapso, foram citados editalmente;

12ª - Ou seja, considera o recorrente que a decisão recorrida deve ser revogada, requerendo-se que o recurso de revisão seja indeferido.

Nestes termos, requer-se o provimento do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida, requerendo-se que o recurso de revisão seja indeferido.

Contra-alegando, suscita a recorrida, “Massa Insolvente de AA” - agora -, “S. A.”, a questão prévia da inadmissibilidade do interposto recurso, defendendo, em entendimento contrário, a confirmação da decisão recorrida.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

                                                      *

2 - Questão prévia da inadmissibilidade do recurso, suscitada nas contra-alegações da recorrida, “Massa Insolvente de AA, S. A.”

                                                       /

       O art. 14º, nº1, do CIRE preceitua: “No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da Relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos arts. 732º-A e 732º-B do CPC” - actualmente, arts. 686º e 687º, ambos do CPC - “jurisprudência com ele conforme”.

      No caso dos autos, confrontamo-nos com um recurso extraordinário de revisão de sentença proferida em autos que correram por apenso ao processo de insolvência da sobredita sociedade “AA (então) Lda (e agora) S. A.” Sendo que, nos termos preceituados no art. 697º, nº6, do CPC, “As decisões proferidas no processo de revisão admitem os recursos ordinários a que estariam originariamente sujeitas no decurso da ação em que foi proferida a sentença a rever”.

     De tudo resultando, pois, que as decisões proferidas no presente recurso extraordinário de revisão admitem os recursos ordinários a que estariam originariamente sujeitas no decurso do apenso AK, que não consistiu em embargos deduzidos ao decretamento da insolvência.

     Ora, como foi entendido no douto acórdão deste Supremo, de 25.03.14, de que foi relator o Ex. mo Cons. Azevedo Ramos, acessível em www.dgsi.pt e que, de resto, é perfilhado, unanimemente, nesta 6ª Secção - à qual são distribuídos, nos termos do disposto no art. 42º, nº2 da Lei nº 52/2008, de 28.08 (L. O. F. T. J. - Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), todos os processos mencionados no respetivo art. 121º:

    “Como resulta das palavras do próprio texto legal, a limitação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça abrange o processo de insolvência e os embargos opostos à sentença declaratória da insolvência, constituindo estes embargos apenas um dos vários apensos possíveis do processo de insolvência (art. 41º, nº1) (…) Assim, inculca-se aqui a intenção de limitar o regime estabelecido, excluindo dele todos os apensos que não os embargos (…) Esta solução surge reforçada pelo cotejo do nº1 com o nº2 do mencionado art. 14º, onde, a propósito do decurso do prazo de alegações, a lei inequivocamente contempla «todos os recursos interpostos no processo ou em qualquer dos seus apensos» (…) Neste sentido, opinam Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 2008, pags. 113) (…) Por isso…, o presente recurso de revista é admissível nos termos gerais”.

    Ou seja, não sendo aplicável, no caso, o preceituado no art. 14º, nº1, do CIRE, a admissibilidade do presente recurso de revista apenas se mostra condicionada pela verificação dos requisitos gerais de admissibilidade de tal tipo de recurso, o que, atento o preceituado nos arts. 671º, nº1 e 629º, nº1, ambos do CPC, se mostra preenchido. Sendo, a propósito, de salientar que, como decorre do antecedente relatório e do preceituado nos arts. 671º, nº4 e 678º, nº/s 1 e 3, ambos do mencionado Cod., não pode considerar-se transitado em julgado o acórdão de 17.03.15, do Tribunal da Relação de Coimbra.

       Improcedendo, pois, a suscitada questão prévia.

3 - No saneador-sentença recorrido, tiveram-se por provados os seguintes factos:

                                                       /

1 - Por sentença datada de 26.03.10 e proferida pelo ex-5º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, foi declarada a insolvência (apresentação) da sociedade “AA, S. A.”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria sob o nº …194, e nomeado como seu Administrador de Insolvência o Sr. Dr. DD;

2 - Foi nomeada uma Comissão de Credores com a declaração de insolvência, que sofreu as modificações introduzidas na Assembleia de Credores que teve lugar a 13.07.10 e onde a “CAIXA BB de Pombal, C. R. L.” passou a figurar como sua presidente; 

3 - CC instaurou, a 08.07.13, uma ação declarativa, sob a forma de processo sumário, para reconhecimento de um seu alegado crédito sobre a massa insolvente de “AA, Lda”, nos termos do artigo 89º do CIRE, no valor de € 86 583,00, acrescidos de juros de mora vencidos, no valor de € 5 189,65, e nos demais vincendos até ao seu integral pagamento;

4 - Quando distribuída, foi autuada como ação especial de verificação ulterior de créditos, nos termos do art. 146º do CIRE;

5 - Tendo a massa insolvente da “AA” sido citada, a 15.07.13, na pessoa do seu Administrador de Insolvência, e os demais credores, por éditos de 5 dias, para, querendo, em 20 dias, contestarem a ação;

6 - Por despacho de 06.11.13, foi ordenada a transmudação da autuação para a forma de processo comum prevista no art. 89º do CIRE e a posterior nova citação da massa insolvente, em conformidade, na pessoa do Sr. Administrador Judicial;

7 - Tendo a citação sido expedida para a morada profissional do Sr. Administrador de Insolvência e o aviso de receção assinado por terceira pessoa, a 18.11.13, com a consequente expedição e recebimento de nova carta registada, com a advertência a que alude o art. 233º do CPC, a 26.11.13;

8 - Não tendo aquele constituído mandatário, nos autos, ou contestado a ação;

9 - Foi, então, dado cumprimento à notificação a que alude o art. 567º do Código de Processo Civil;

10 - Por sentença datada de 23.01.14 e transitada em julgado, foi decidido que «…III. Atenta a falta de contestação da R., têm-se por reconhecidos os factos alegados pelo A. na sua petição, os quais determinam o reconhecimento do crédito invocado, na sequência, aliás, dos fundamentos alegados na petição inicial (artigo 567º, nº 3 do CPC)», e, consequentemente, julgou «…procedente a presente acção e, em consequência, decide-se condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 86 583,00 (oitenta e seis mil quinhentos e oitenta e três euros), acrescida de juros de mora, sendo os vencidos (à data da propositura da acção – 08.07.13) no montante de € 5 189,65 (cinco mil cento e oitenta e nove euros e sessenta e cinco cêntimos). (…).»;

11 - Mostra-se publicitado, no Portal Citius.mj.pt, a destituição do Sr. Administrador Judicial, Dr. DD, e a sua substituição pelo Administrador Judicial, o Sr. Dr. EE, a 17.06.14;

12 - O recurso extraordinário de revisão deu entrada em Juízo, a 02.09.14.

                                                    *

3 - A questão essencial suscitada no recurso prende-se com a correta interpretação do preceituado no art. 55º, nº8 do CIRE (introduzido pela Lei nº 16/12, de 20.04) e, reflexamente, com o respetivo campo de aplicação e consequências da inobservância do, aí, preceituado.

       Apreciando:

                                                     *

4 - I - Como emerge dos autos, na 1ª instância, foi, inicialmente, entendido que inexistia, no caso, o fundamento da interposição do recurso extraordinário de revisão previsto na al. d) do art. 696º do CPC (nulidade ou anulabilidade da confissão em que a sentença a rever se fundou), tendo, em conformidade, sido indeferido liminarmente o recurso, atento o preceituado no art. 699º, nº1, última parte, do mesmo Cod.

       Esta decisão foi revogada pelo Ac. de 17.03.15, do Tribunal da Relação de Coimbra, o qual ordenou o prosseguimento da tramitação dos autos, uma vez que, em síntese, se entendeu que era caso de aplicação do preceituado no art. 55º, nº8, do CIRE, ocorrendo nulidade ou anulabilidade da invocada confissão do AI, nos termos conjugados dos arts. 359º e 240º e segs. - com especial relevo do art. 246º - todos do CC.

    Foi esta última posição que obteve acolhimento na sentença recorrida.

                                                   /

II - Será assim?

Preceitua-se no citado art. 55º, nº8 do CIRE: “O administrador da insolvência dispõe de poderes para desistir, confessar ou transigir, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo judicial em que o insolvente, ou a massa insolvente, sejam partes”.

Podendo a confissão reportar-se à ação ou pedido, por um lado, e aos factos alegados na ação, por outro - Cfr. Prof. Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. I, 3ª Ed., pags.123, e “Com.”, Vol. III, pags. 485 - naquele anotando que “Uma coisa é a confissão da ação ou do pedido, outra a confissão de factos alegados na ação. Para a primeira, porque importa disposição do direito substancial, a lei exige procuração com o poder especial de confessar; para a segunda não faz exigência semelhante[2]. Trata-se, aliás, de um “distinguo” que, ao que supomos, ninguém discute.

Mas, sendo assim, entendemos que a “confissão” prevista pelo citado preceito da lei insolvencial não pode deixar de referir-se ao primeiro dos mencionados tipos de tal conceito, já porque integrante da previsão dos poderes que ao AI assistem no campo substantivo, já porque tal entendimento é imposto pelo facto de a correspondente previsão figurar, lado a lado e em pé de igualdade com a previsão dos poderes que ao mesmo AI assistem para desistir e transigir, vertente esta em que não ocorre nem se torna legítima a sobredita bifurcação conceitual.

Não nos confrontamos, pois, no caso, com a prevista confissão-ato jurídico, mas, antes e apenas com mera confissão ficta de factos, decorrente da omissão de prática do ato processual de contestar uma ação (Cfr. art. 567º, nº1, do CPC, diploma legal este a que, no omisso, haverá que lançar mão - art. 17º do CIRE).

E não se contraponha que ambas as modalidades de confissão desaguam no mesmo desfecho da ação: podendo, embora, assistir-se ao mesmo resultado prático, tal não é fatal nem sucede, necessariamente, atento o preceituado na parte final do nº2 do art. 567º do CPC, uma vez que, em tal situação, o juiz deve julgar a causa conforme for de direito. Podendo, pois, suceder que, mesmo em tal situação, o veredicto final seja de improcedência da ação, por inconcludência da factualidade alegada na p. i.

                                                  /

III - Mas, mesmo que - contra o nosso entendimento - fosse de qualificar a conduta processual do AI como determinante da confissão do pedido ou da ação, o correspondente vício decorrente da inobservância do prescrito no citado art. 55º, nº8 não implicaria a nulidade ou anulabilidade, sem mais, de tal confissão: por aproximação à situação afim prevista no art. 29º do CPC, a persistência da falta de prévia autorização da comissão de credores o mais que poderia acarretar seria que o processo seguisse como se o R. não deduzisse oposição. Coincidindo, pois, com o que, na realidade, ocorreu e não tendo, assim, o condão de legitimar a qualificação da correspondente conduta processual do AI como de confissão do pedido a que devesse colar-se o anátema de eivada de nulidade ou anulabilidade.

De resto, mesmo que tivesse ocorrido indevido tratamento processual da conduta omissiva do AI, tal apenas legitimaria e imporia a oportuna interposição de correspondente recurso por ocorrido erro de julgamento e, jamais, a transfiguração deste em nulidade ou anulabilidade de inexistente confissão do pedido.

                                                      /

IV - Decorre do exposto que não subscrevemos o entendimento perfilhado quer no Ac. da Relação de Coimbra, quer na sentença recorrida, sobretudo porque temos por inaplicável, “in casu”, o preceituado no art. 55º, nº8, do CIRE.

Porém, mesmo que se sufragasse a posição contrária, teria de considerar-se que, na p. i. do interposto recurso extraordinário de revisão de sentença, não são alegados quaisquer factos que, com arrimo no preceituado no art. 359º do CC e com referência aos arts. 240º e segs. deste mesmo Cod., pudessem vir a ter como verificada a invocada nulidade daquela pretensa confissão[3]: mostra-se, a propósito, alegado, apenas e tão só, que a inobservância do preceituado naquele art. da lei insolvencial - prévia concordância da comissão de credores - determina a nulidade da sentença em apreço. O que não tem idoneidade para poder integrar o invocado fundamento de interposição de recurso previsto na al. d) do art. 696º do CPC.

Por tudo quanto ficou exposto, a decisão recorrida não pode subsistir, podendo, na situação e quando muito, ser acionada a eventual responsabilidade do AI, nos termos previstos no art. 59º do CIRE.

                                                    /

5 - Na decorrência do exposto, acorda-se em conceder a revista, em consequência do que, revogando-se o douto saneador-sentença recorrido, se julga improcedente o recurso extraordinário de revisão interposto por “Massa Insolvente de AA, Lda” e “CAIXA BB de Pombal, C. R. L.” contra CC, com a inerente subsistência da sentença proferida no apenso AK, em 23.01.14.

       Custas pelas recorridas.


Sumário do relator (art. 663º, nº7, do CPC)

Lx   17/05/2016

Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot - Vencida teria concedido a revista face à injuntividade do preceituado no artigo 55º., nº. 8 do CIRE.

Pinto de Almeida

        

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[1]  Relator: Fernandes do Vale (09/16)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
   Cons. Pinto de Almeida
[2] Cfr., com atualidade e designadamente, os arts. 46º e 291º, nº3, ambos do CPC.
[3]  Cfr., a propósito, Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “CCAnotado”, Vol. I, 4ª Ed., pags. 318/319.