Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8671/14.4T8LSB.L2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PROVA DESPORTIVA
DANOS PATRIMONIAIS
NEXO DE CAUSALIDADE
ATOS DOS REPRESENTANTES LEGAIS OU AUXILIARES
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DA PROVA
INCÊNDIO
NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
RECURSO PER SALTUM
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
Se na acção se vem pedir a responsabilização da Ré, enquanto organizadora de um espectáculo desportivo, por danos havidos em que os mesmos são considerados como tendo sofrido agravamento por facto que se imputa à organizadora do espectáculo, cumpre ao A. demonstrar todos os elementos necessários à procedência da acção.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. Por requerimento com a Ref.ª .......14, datado de 5/6/2023, Sporting Clube de Portugal – Futebol, SAD veio requerer que fosse apreciado o recurso por saltum oportunamente interposto em 27/4/2022, da sentença proferida nos presentes autos.

Dizia aí:

1 - Foi a autora notificada (Ref.ª .......14) do despacho datado de 29.05.2023, mediante o qual se ordena a remessa do processo à conta.

2 - Dispõe o art.º 29.º do Regulamento das Custas Processuais que “A conta de custas é elaborada pela secretaria do tribunal que funcionou em 1.ª instância no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final, (…), ou quando o juiz o determine.”

3 - Ora, a decisão final proferida nos presentes autos não transitou em julgado, nem consta do aludido despacho qualquer fundamento do qual possa retirar-se a necessidade da sua remessa à conta na presente fase processual.

4 - Nessa conformidade, e para evitar que um eventual lapso na prolacção dessa decisão venha a dar origem a um acto inútil ou contrariar o decidido pelos Tribunais Superiores, vem a autora apresentar a exposição que se segue.

5 - Em 15.03.2022 foi proferida sentença (Ref.ª .......11) que, julgando improcedente o pedido da autora, absolveu as rés do pedido.

6 - Inconformada, a autora apresentou, em 27/04/2022, RECURSO PER SALTUM para o Supremo Tribunal de Justiça (Ref.ª ......69).

7 - Em 18/06/2022 foram apresentadas pela ré Benfica SAD contra-alegações (Ref.ª ......41), mediante as quais propugnou pelo indeferimento do recurso, e subsidiariamente, pela ampliação do seu objecto, desse modo suscitando a inviabilização do recurso per saltum.

8 - Em resposta (Ref.ª......66) a autora pugnou pela rejeição ampliação do âmbito de recurso, por inadmissível, e pela recusa das contra-alegações apresentadas pela ré, por haverem sido extemporaneamente apresentadas.

9 - Em 12/09/2022 foi proferido despacho pelo Tribunal de Primeira Instância (Ref.ª .......88), que, admitindo a ampliação do objeto do recurso, concluiu que “não cabe recurso per saltum, por falta de preenchimento do requisito previsto no artigo 678º, n.º 1, alínea b), do CPC, mas sim recurso para o Tribunal da Relação de ...”.

10 - Desse modo, o recurso da autora foi admitido, mas enquanto recurso de apelação, a apreciar pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

11 - Apreciando a questão da tempestividade das contra alegações apresentadas pela ré, o Tribunal da Relação de Lisboa (Ref.ª ......84), tendo recebido o processo, decidiu, por despacho de 27.10.2022, nos seguintes termos: as contra-alegações são manifestamente intempestivas, o que determina a sua rejeição, que se ordena.

12 - Deste modo, foi admitido o RECURSO PER SALTUM apresentado pela autora.

13 - Desta decisão do TRL de 27.10.2022 apresentou a Ré RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA, por requerimento de 11/11/2022 (Ref.ª ....01).

14 - Decidindo quanto à RECLAMAÇÃO apresentada pela ré Benfica SAD, o Tribunal da Relação, em Conferência, por Acórdão de 20.12.2022 (Ref.ª ......56), julgou improcedente a reclamação, confirmando o despacho proferido pelo relator que não admitiu as contra-alegações da apelada por serem intempestivas.

15 - Desta última decisão foi interposto recurso pela Ré Benfica SAD (Ref.ª ....30), em 07/02/2023, mediante o qual pugnou pela admissibilidade das contra-alegações com ampliação do objecto do Recurso para efeitos de impugnação da matéria de facto e, em consequência, pelo reconhecimento da competência do Tribunal da Relação de Lisboa para conhecer o Recurso Interposto pela Ré.

16 - A autora respondeu, invocando a intempestividade deste último recurso interposto pela Ré.

17 - Em 2 de Março de 2023, foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça “despacho convite”, o qual, sufragando a tese da autora, se pronuncia no sentido de que o recurso apresentado pela Ré em 07/02/2023 deveria ter sido interposto no prazo de 15 dias, mas foi apresentado já muito para além do fim de prazo, conferindo, contudo, prazo para a Ré se pronunciar, o que esta não fez.

18 - Em face da falta de pronúncia da Ré, a 23 de Março de 2023, foi proferido, pelo STJ (Ref.ª ......24), despacho que, com os fundamentos expostos no “despacho convite”, não admite o recurso apresentado pela Ré.

19 - Nessa conformidade, rejeitado o recurso apresentado pela Ré, tudo regressou ao status quo ante, ou seja, mantém-se o decidido por despacho do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.10.2022 (Ref.ª ......84), nos termos do qual se determinou:

“por ser legítimo e tempestivo, admito o recurso de revista per saltum interposto pela Autora, o qual sobe nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (Artigos 641º, nº5, 652º, nº1, als. A) e b), 678º, nº1, 676º, nº1, 675º, nº1, todos dos Código de Processo Civil).”

Assim,

20 - A sequência lógica deste conjunto de decisões seria, nos exactos termos do decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, promover a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça para apreciação do Recurso per saltum interposto pela autora.

21 - É por esse motivo que se conjectura a possibilidade de o despacho de 29/05/2023 (Ref.ª .......38) padecer de lapso;

22 - Visando a autora, com o presente requerimento – e configurando-se tal hipótese - ultrapassá-lo de modo célere, de modo a permitir, tão brevemente quanto possível, a apreciação, pelo STJ, do recurso por si apresentado em 27/04/2022.”

2. Sporting Clube de Portugal – Futebol, SAD, com sede no Estádio ..., na Rua ..., em ..., instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, contraSport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD, com sede no Estádio do Sport Lisboa e Benfica, na Av. ..., em ... e contra Fidelidade – Companhia de Seguros, S. A., com sede no ..., em..., pedindo a condenação das Rés na restituição, à Autora, da quantia correspondente à totalidade do valor atribuído ao dano produzido depois das 22 horas, 27 minutos e 30 segundos do dia ... de Novembro de 2011 no estádio da segunda Ré, montante a liquidar em execução de sentença ou incidente de liquidação próprio.

Para o efeito alega a demandante que, na sequência do jogo entre as equipas de futebol principal sénior da Autora e da primeira Ré, ocorrido no dia 26.11.2011 no estádio da Ré, em ..., jogo para efeitos da 11ª jornada da Liga ..., ocorreram, durante o jogo, pequenas deflagrações de incêndios em vários pontos do estádio, sem grande expressão mas que, após o términus do jogo e por os adeptos da Autora ainda não terem sido evacuados cerca de uma hora depois do fim do evento, mantendo-se numa caixa de segurança ali existente, se verificaram, em tal local, outros focos de incêndio por tais adeptos provocados, o maior dos quais teve início pelas 22.46 horas.

Mais refere que o fogo em questão se não se teria verificado não fora a referida manutenção de tais adeptos no local, o que imputa à conduta da primeira demandada.

Mais alega que por força de tais factos foi instaurado processo de inquérito criminal, arquivado e que a Federação Portuguesa de Futebol, por seu turno, instaurou um processo disciplinar contra a demandante, tendo a Autora, nessa sede, sido condenada numa pena de multa e no pagamento, à primeira Ré, de uma indemnização no valor de 359.338,70 Euros, correspondente aos prejuízos sofridos em consequência de tais factos, condenação mantida - em sede de recurso - pelo Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol.

Refere, por último, ter pago a indemnização fixada em tal decisão disciplinar mas que a dimensão dos danos decorreu de omissão da primeira Ré, no que respeita à quantidade de meios necessários e suficientes a acudir a ocorrências e perigos dessa natureza no jogo em causa, quer em termos de policiamento do evento, quer de combate aos incêndios, imputando à primeira Ré deficiências na organização do evento, enquanto tal, inclusive por não imediata evacuação dos adeptos da demandante e/ou em momento anterior àquele em que os danos se agravaram, invocando, para o efeito, o disposto no artº 570 do C. Civil.

3. Contestando veio a primeira Ré alegar que a Autora visa a reapreciação da decisão proferida pelo Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, o que lhe está vedado até por, para o efeito, serem competentes os tribunais administrativos e que, de qualquer modo, a eventual responsabilidade da Ré foi apreciada por tal entidade, tendo-se concluído pela ausência dessa sua responsabilidade, arguindo, assim, a excepção dilatória de incompetência absoluta deste tribunal para conhecer e decidir a lide e de falta de pedido ou causa de pedir, por a demandante não ter impugnado a decisão disciplinar na sede e tempo próprios, tendo-a até, cumprido e que, consequentemente, a lide fica sem objecto.

Mais alega ter resultado provado, em sede do processo disciplinar, terem sido os adeptos da Autora que provocaram os incêndios em causa e impediram o acesso dos bombeiros ao local dos mesmos, não competindo à Ré decidir quais os efectivos policiais e de bombeiros que estarão presentes nos jogos, pugnando pela improcedência da lide e pedindo a condenação da Autora como litigante de má-fé, por saber qual o modo de reacção à decisão do Conselho de Justiça da F.P.F. e por saber que foram os seus adeptos que atearam os fogos e impediram a sua extinção em momento anterior àquele em que a mesma extinção ocorreu.

4. Por seu turno, a segunda Ré, seguradora, veio, no essencial, arguir a excepção dilatória de caso julgado e alegar que os danos em causa se não mostram abrangidos pela cobertura do seguro pela mesma outorgado com a primeira Ré e cujo objecto é o estádio desta, não garantindo a responsabilidade civil da primeira demandada e que o sinistro nem lhe foi participado, dando, no mais, por reproduzida a contestação apresentada pela primeira Ré.

5. Respondendo à contestação e, em suma, à matéria das excepções, veio a Autora pugnar pela improcedência das excepções dilatórias e peremptória arguidas, por força da autonomia da responsabilidade disciplinar relativamente à responsabilidade civil e por a eventual responsabilidade civil da primeira Ré, como organizadora do evento, nunca ter sido apreciada.

Respondeu a primeira Ré, pugnando pela ausência de qualquer eventual enriquecimento sem causa da mesma, renovando o pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé.

Em resposta ao pedido de condenação como litigante de má-fé, veio a Autora pugnar pela respectiva improcedência.

6. Realizada audiência prévia, foram solicitados às partes esclarecimentos quanto ao Regulamento de Disciplina com base no qual foi proferida a decisão do Conselho de Justiça da F.P.F., tendo sido ordenada a sua junção aos autos e requisição à própria Federação Portuguesa de Futebol, tendo o mesmo sido já junto aos autos.

7. Foi, na sequência do referido, proferido despacho saneador em que se julgaram improcedentes as arguidas excepções de incompetência deste tribunal, em razão da matéria, para conhecer e decidir a lide e de ineptidão da p. inicial e em que se conheceu do mérito da causa, decisão, nesta parte final, da qual foi interposto recurso, julgado improcedente pelo T. R. de Lisboa, embora com fundamentos diversos.

Interposto recurso da decisão do T. R. de Lisboa para o S. T. J., revogou a terceira instância a decisão da segunda, tendo esta, nessa sequência, proferido decisão em que ordenou a descida dos autos e o seu prosseguimento.

8. Atento o teor das decisões dos tribunais superiores, foi proferido despacho saneador em que, além do mais, se considerou que a anterior decisão desta instância quanto às excepções de incompetência material do tribunal e de ineptidão da p. inicial e elenco dos factos já assentes transitara em julgado, por não ter sido objecto de recurso, tendo-se ainda identificado o objecto do litígio, os factos já provados e se procedeu ao elenco dos temas da prova, despacho relativamente ao qual as partes não apresentaram qualquer reclamação.

9. As partes juntaram aos autos documentos e arrolaram testemunhas.

10. Procedeu-se, com estrita observância do formalismo legal, à audiência de discussão e julgamento.

11. Veio a ser proferida sentença onde se decidiu:

“A) Julgar improcedente, por não provada, a acção e, consequentemente, absolver as Rés do pedido contra as mesmas formulado.

B) Julgar improcedente, por não provado, o pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé e, consequentemente, absolver a mesma de tal pedido.

C) Custas pela Autora.”

12. Da sentença a A. veio interpor recurso per saltum para o STJ, no qual formula as seguintes conclusões (transcrição):

1 - O presente recurso versa sobre a decisão final proferida em primeira instância que absolveu as rés do pedido, julgando totalmente improcedente a pretensão da autora.

2 - A acção dos autos tinha por escopo central (i) aferir da existência de um determinado momento a partir do qual o agravamento do dano causado pelo incêndio provocado pelos adeptos da autora em 26.11.2011 no estádio da ré pode ser-lhe imputado, na medida em que esta, tendo a responsabilidade e as condições para combater e extinguir um fogo provocado por terceiros, não o fez; (ii) determinar o concreto momento a partir do qual a ré lesada deve passar a responder pelo agravamento desses danos, fixando-o no tempo.

3 - A autora propôs que o momento a partir do qual o agravamento dos danos produzidos deveria imputar-se à conduta da primeira ré (lesada) fosse fixado às 22:27:30 daquele dia 26.11.2011, mas conforma-se com a circunstância de não ter logrado provar factos suficientes para a procedência integral do seu pedido.

4 - Conformando-se com a matéria de facto dada por assente, a recorrente cinge o seu recurso à impugnação da matéria de Direito.

5 - Por esse motivo, e igualmente por se tratar de acção de valor superior à alçada da relação, por o decaimento da autora ter sido total, e por não se impugnarem quaisquer decisões interlocutórias, vai o presente recurso dirigido, per saltum, ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 678.º do Código de Processo Civil.

Posto isto,

6 - A autora ora recorrente enquadrou o seu pedido no âmbito do instituto da culpa do lesado, responsabilizando a primeira ré (cuja responsabilidade se encontrará transferida para a segunda por via de contrato de seguro) pelo agravamento dos danos causados no estádio que sejam imputáveis à sua falta de diligência.

7 - Mas a sentença recorrida estabeleceu que a questão a decidir nos autos se prende com a indagação da responsabilidade civil extracontratual das Rés e, em particular da Primeira, pela ocorrência do incêndio ocorrido no seu estádio.

8 - Os pressupostos de um e outro institutos (responsabilidade civil extracontratual e culpa do lesado) são substancialmente distintos, pelo que, ao analisar a conduta da ré lesada à luz dos pressupostos previstos no art.º 483.º a sentença a quo errou na determinação da norma aplicável, a qual seria a contida no art.º 570.º (e 571.º) e não a do 483.º do Código Civil.

9 - A decisão em crise estabelece que os bombeiros contratados pela primeira ré (facto provado com o n.º 90), foram impedidos de combater prontamente as chamas devido à intervenção obstaculizadora dos adeptos da autora.

10 - De igual modo, dá por assente que:

- O incêndio dos autos deflagrou pelas 22:45 (facto provado com o n.º 29);

- pelas 22:55 as imediações do incêndio já estavam totalmente desimpedidas (facto provado com o n.º 59),

- pelas 22:58 não havia já qualquer obstáculo à chegada dos bombeiros (facto provado com o n.º 60).

- os bombeiros [rectius, um bombeiro, dos cinquenta destacados – factos provados com os n.ºs 52 e 8] acorreram ao local pelas 23:05, munidos de extintores de mão [sem carga – facto n.º 52] (facto provado com o n.º 60);

- Só pelas 23:07:30 é que os bombeiros iniciaram um combate ao incêndio com mecanismos/extintores adequados ao efeito (facto provado com o n.º 61);

-Pelas 23:08:30 o incêndio encontrava-se já controlado pelos bombeiros e não mais se expandia (facto provado com o n.º 62);

- Pelas 23:09 já se encontrava “em fase de rescaldo” (facto provado com o n.º 62).

11 - Da matéria de facto dada por provada decorre que a intervenção imediata dos bombeiros (pelas 22:45) foi impedida pela intervenção dos adeptos da autora que obstruíram a sua passagem, mas, a partir das 22:55, não havia obstáculos nas imediações do incêndio, motivo pelo qual, nessa altura, os bombeiros tinham condições para intervir.

12 - Por outro lado, o incêndio não demorou mais de um minuto e meio a ser combatido (entre as 23:07:30 e as 23:09), apesar de, com o decurso do tempo, se encontrar já numa fase de maior dimensão e propagação.

13 - Assim, caso a intervenção dos bombeiros tivesse ocorrido prontamente, assim que foi possível, i.e., logo que as suas imediações ficaram desimpedidas; e se tivessem sido utilizados desde logo os meios adequados ao seu combate, não demoraria mais de um minuto e meio até que o incêndio fosse debelado.

14 - Às 22:58 o fogo ardia, simplesmente, sozinho, perante a inércia e passividade do organizador do evento e dos bombeiros por si contratados, apesar de não haver qualquer obstáculo no acesso ao mesmo, fosse onde fosse, e fosse qual fosse (pois se às 22:55 as imediações estavam desimpedidas, às 22:58 não havia mesmo quaisquer obstáculos no acesso ao incêndio – é essa a interpretação correcta do cotejo entre os factos provados com os n.ºs 59 e 60).

15 - A partir desse momento, a conduta dos adeptos da autora nenhuma influência tem já no agravamento do dano produzido pelo incêndio.

16 - Após esse marco temporal – 22:58 –, não mais pode admitir-se que a autora responda pelo agravamento do dano decorrente da falta de combate aos incêndios ocorridos.

17 - Assim, cabendo à ré a organização do evento (facto dado por provado com o n.º 3), e tendo para o efeito da prevenção e combate a incêndios contratado a corporação dos Bombeiros ... (facto dado por provado com o n.º 90), por um lado; e tendo os bombeiros por si contratados plenas condições para aceder ao incêndio para o combater (facto dado por provado com o n.º 60), por outro; então ser-lhe-á imputável (à ré organizadora do evento) a circunstância de este incêndio não ter sido combatido desde então.

18 - Essa omissão é causa adequada para o agravamento do dano produzido a partir das 22:58 (momento a partir do qual o acesso ao incêndio foi totalmente franqueado – facto assente n.º 60), sendo que apenas pelas 23:07:30 deu início a intervenção dos bombeiros no seu combate efectivo e com meios adequados (facto assente n.º 61).

19 - Ou, de outro modo, a abstenção de combater o incêndio interpõe-se no nexo de causalidade entre o nascimento do incêndio e a produção do dano, a partir desse momento (22:58) em que nenhum obstáculo existia à intervenção dos bombeiros.

20 - A autora foi condenada a pagar, em sede de sanção disciplinar de reparação arbitrada pelo Conselho de Disciplina da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, a totalidade dos danos sofridos pela primeira ré Benfica SAD no seu estádio por ocasião do incêndio dos autos, no valor global de 359.338,70 Euros (facto provado com o n.º 70).

21 -Sobre o lesado impende o ónus de agir com a diligência ordinária de molde a afastar o dano que lhe foi causado, ainda que dolosamente.

22 - Em especial, sobre a primeira ré impendiam também os deveres inerentes à sua qualidade de organizador do evento (facto provado com o n.º 3), designadamente o dever de implementar as medidas necessárias para permitir neutralizar rápida e eficazmente as situações potenciadoras de pânico, mormente de focos de incêndio, na sua fase inicial, nos termos do n.º 5 do art.º 1.º do REGULAMENTO DAS CONDIÇÕES TÉCNICAS E DE SEGURANÇA DOS ESTÁDIOS que constitui anexo Decreto Regulamentar n.º 10/2001, de 7 de junho, aplicável por remissão do n.º 2 do art.º14.º do Regime Jurídico das Instalações Desportivas aprovado pelo Decreto-Lei n.º 141/2009.

23 - Nessa mesma qualidade de organizador do evento, a recorrida Benfica SAD responde pela falta de diligência dos bombeiros que contratou, enquanto seus auxiliares, nos termos do disposto nos art.sº 570.º e 571.º do CC, os quais se encontram deste modo violados pela sentença recorrida.

24 - A partir do momento em que a intervenção dos bombeiros era possível (o que ocorreu às 22:55 ou, mais conservadoramente, 22:58), e dada a situação de emergência, ela era também exigível, pois não pode deixar de exigir-se de qualquer corporação de bombeiros que intervenha imediatamente no combate a um incêndio activo assim que tenha condições para ao mesmo aceder.

25 - Como apenas o fizeram 9 minutos e 30 segundos depois, não agiram com a diligência normal a que estavam obrigados, responsabilizando o organizador do evento, que os contratou, pelo agravamento do dano produzido nesse hiato temporal.

26 - Não importa, de resto, o carácter doloso da produção (do nascimento) do incêndio pelos adeptos da autora, pois que tal não exime a primeira ré do dever de adoptar as medidas exigíveis para reduzir o dano ou até para o suprimir.

27 - A sanção disciplinar de reparação em causa (conclusão 20, supra) foi aplicada à autora a título de responsabilidade objectiva, sem culpa, nos termos do art.sº 151.º e 152.º do Regulamento Disciplinar da Liga portuguesa de Futebol Profissional vigente à época.

28 - Fora do quadro das actividades cuja relevância determina uma socialização do risco e o estabelecimento da obrigação de contratar seguro que acautele a indemnização a arbitrar às suas vítimas, quando se encontram em confronto a responsabilidade objectiva e a culpa do lesado (no sentido supra exposto, de omissão de um ónus de actuar com diligência normal), aquela primeira deve falecer, devendo aplicar-se o disposto no n.º 2 do art.º 570.º do CC, por maioria de razão, assim se dispondo que a culpa do lesado exclui o dever de indemnizar quando a responsabilidade se baseia numa responsabilidade objectiva (sem culpa).

29 - Por outro lado, em casos como o dos autos (à margem da cobertura de um seguro obrigatório), aplica-se por analogia o disposto no art.º 506.º do CC, que atribui expressamente toda a responsabilidade a quem tiver culpa no confronto com os demais intervenientes que responderiam apenas pelo risco, cuja responsabilidade fica – pela concorrência da culpa efectiva - eliminada.

30 - No caso dos autos, a partir do momento em que era totalmente livre (sem quaisquer obstáculos) o acesso ao incêndio e a possibilidade do seu combate, o agravamento do dano não mais deve ser juridicamente considerado como efeito da actuação dos adeptos por quem a autora responde objectivamente, mas como consequência do facto do lesado, organizador do evento, que contratou os bombeiros que não intervieram quando podiam e deviam.

31 - Essa omissão constitui violação do ónus que sobre o lesado impende, de agir com a diligência ordinária para afastar o mal que se encontra sofrendo, ainda que haja sido provocado por terceiros, ou antes, o incumprimento das medidas elementares para conter o agravamento do seu próprio dano.

32 - A omissão desse ónus ou dever interpõe-se entre a causa primitiva e o dano subsequente, quebrando esse originário nexo causal.

33 - O lesado deve responder pelo dano sofrido a partir do momento em que a sua omissão constitui uma quebra do nexo causal entre a conduta do lesante e o dano agravado.

34 - No caso, a redução da indemnização deverá corresponder ao dano produzido pelo incêndio a partir do momento em que o mesmo apenas se produziu (aumentou) em virtude da circunstância de o lesado (a recorrida, por si e pelos seus auxiliares) não ter cumprido o ónus de iniciar o seu combate, e que deve fixar-se às 22:58 do dia do jogo.

35 - Importará, pois, em sede de incidente de liquidação a esse efeito destinado, determinar a dimensão – o quantum – desse dano produzido pelo incêndio a partir das 22:58, que abrange justamente os 10 minutos em que o fogo ardeu com mais intensidade – cfr. facto provado com o n.º 30.

36 - O dano agravado pela omissão imputável à lesada (primeira ré) -i.e. o dano produzido a partir das 22:58 - foi contabilizado na pena disciplinar de reparação de danos a que foi submetida a autora (cfr. facto provado com o n.º 70), pelo que lhe deve ser proporcionalmente restituído o montante por si pago em excesso a esse título.

37 - Tendo a primeira ré transferido para a segunda a sua responsabilidade relativamente a quaisquer danos sofridos por causa de incêndio ocorrido no seu estádio, deverá esta ser solidariamente responsabilizada pelo pagamento do montante do dano a apurar em sede de incidente de liquidação.

Sem prescindir,

38 - Para o caso de vir a considerar-se que a circunstância de a sentença não se pronunciar concretamente quanto à invocada culpa do lesado - nos termos da fundamentação supra, que se dá por reproduzida - possa constituir verdadeira omissão do dever de pronúncia relativamente a questão submetida à apreciação do Tribunal, e não apenas como mero erro de julgamento, vem a autora, subsidiariamente, e por cautela processual, invocar expressamente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas do n.º 2 do art.º 608.º e da na primeira parte da al. d), do nº1, do art. 615º, do CPC.”

Pede, assim:

“Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, julgando o pedido da autora parcialmente procedente, condene as rés na restituição à autora da quantia correspondente à totalidade do valor atribuído ao dano produzido depois das 22:58 (do dia 26 de Novembro de 2011), em montante a fixar posteriormente, em incidente de liquidação próprio;

Sem prescindir,

Caso se considere a verificação de verdadeira omissão de pronúncia, deve declarar-se nula a sentença recorrida, com as legais consequências”.

13. As contra-alegações da recorrida foram apresentadas fora de prazo, pelo que não serão aqui reproduzidas.

Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.

II. Fundamentação

De Facto

14. Vieram provados da 1ª instância os seguintes factos:

1 - O Sporting Clube de Portugal – Futebol, SAD é uma sociedade anónima desportiva cujo objecto consiste na participação em competições profissionais de futebol, promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de futebol.

2 - A primeira Ré, Sport Lisboa e Benfica, Futebol, SAD é uma sociedade homóloga da Autora, dedicando-se, nos termos das suas disposições estatutárias, ao mesmo objecto que a demandante.

3 - A primeira Ré é a responsável pela organização dos eventos desportivos que recebe, nomeadamente no que concerne à segurança do público que assiste aos espectáculos desportivos organizados por si e no seu estádio, máxime jogos de futebol, nomeadamente garantindo, em coordenação com as forças de segurança pública e empresas privadas de segurança, a integridade física e bem-estar dos adeptos da equipa visitante.

4 - A primeira Ré detém ainda a totalidade do capital social da Benfica Estádio – Construção e Gestão de Estádios, S. A., com sede comum à primeira demandada, constituída como entidade instrumental para a construção e detenção do Estádio Sport Lisboa e Benfica e a quem compete a gestão infraestrutural do Estádio do SLB, zelando pela sua conservação e manutenção.

5 - A segunda Ré dedica-se à actividade de seguros.

6 - Entre a segunda Ré (à data Império Bonança – Companhia de Seguros, S. A.) e a Benfica Estádio, S. A. – esta como tomadora do seguro – foi celebrado um contrato de seguro pelo período de um ano, com início em 25.10.2011, titulado pela apólice nº ME23679691, cujos segurados são a tomadora do seguro, algumas entidades bancárias, a primeira Ré e o Sport Lisboa e Benfica, seguro esse que abrange danos materiais e perdas de exploração, garantindo as perdas ou danos materiais sofridos pelos bens seguros (designadamente no estádio) em consequência de acidente, não expressamente excluído pelas condições contratuais da apólice, com exclusão dos danos provocados por vandalismo e/ou distúrbios e responsabilidade civil, designadamente.

7 - No dia 26.11.2011 a equipa profissional de futebol sénior da Autora deslocou-se ao Estádio da primeira Ré para disputar contra a equipa da casa (Sport Lisboa e Benfica) partida da 11º jornada da Liga ..., temporada de 2011/2012, jogo esse com início pelas 20 horas e 15 minutos.

8 - O jogo foi considerado de alto risco, tendo sido mobilizados para o local 54 operacionais dos Bombeiros Voluntários ... (50 bombeiros, 1 médico e 3 enfermeiros) e 8 veículos (5 ambulâncias, 1 veículo de combate a incêndios ligeiros e 2 veículos de apoio).

9 - A primeira Ré utilizou um esquema de segurança, para a partida, que envolveu a colocação dos adeptos da equipa visitante (Sporting Clube de Portugal) em caixa de segurança, situada na bancada ..., topo Norte, piso 3, entre os sectores (visitante) 28 e 34.

10 - O referido esquema de segurança consistia na colocação de barreiras de fibra de vidro e redes de protecção, no conjunto designadas por caixa de segurança, contendo os diferentes grupos organizados de adeptos (GOA, vulgo claques) visitantes também entre si separados por essas barreiras.

11 - A caixa de segurança atrás referida foi projectada a pedido da primeira Ré.

12 - No dia 21.10.2011 foi efectuada vistoria técnica ao Estádio da Luz por um membro da Comissão Técnica de Vistorias da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, tendo sido emitido, na sua sequência, o relatório final a que se referem fls. 378 a 380 dos autos.

13 - No dia 21.11.2011 foi efectuada vistoria técnica detalhada por um membro da Comissão Técnica de Vistorias da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, vistoria acompanhada por elementos do clube da primeira Ré, da PSP, dos Bombeiros Voluntários ... e pela P......., tendo as obras tido parecer favorável de todas essas entidades, tendo sido aprovadas para serem utilizadas a partir do próximo jogo a realizar no Estádio da Luz.

14 - O Estádio do Sport Lisboa e Benfica tinha, à data, um Regulamento de Segurança e de Utilização dos Espaços de Acesso Público, cujo teor consta de fls. 189 a 272 dos autos e que se dá por reproduzido.

15 - Com data de 23.11.2011, a R.. ........ divulgou a seguinte notícia:

“Sporting contra a “...

O Sporting está desagrado com a “zona de conforto“ criada pelo Benfica no Estádio da Luz, reservada aos adeptos dos clubes adversários. Em declarações à A..... ., o conhecido adepto, AA classifica-a de uma medida provocatória.

Como reação à criação desta zona dita de segurança, os dirigentes do Sporting já fizeram saber que, aqueles que forem assistir ao dérbi no estádio, irão para aquilo que denominam ser a “gaiola“ e não estarão na tribuna presidencial da Luz, onde habitualmente se instalam.

A “caixa de segurança“ já foi aprovada pela liga de clubes, polícia e bombeiros. A mesma é constituída por painéis de vidro acrílico e uma rede de protecção colocada no piso 3 da bancada situada atrás da baliza norte do estádio.

Perante isto AA considera a medida “provocatória“ tal como o silêncio do Benfica e faz a seguinte leitura: “Visa tapar a sonorização (barulho) provocada pelo apoio da claque sportinguista à sua equipa.”

Sobre o jogo em si, o conhecido adepto espera um bom desempenho da equipa do Sporting que está a fazer uma boa época. “Há um largo caminho a percorrer mas estão reunidas as condições para continuar o caminho rumo ao título”, realçou a concluir. “

16 - No dia do jogo em causa nos autos, o grupo de adeptos do Sporting que ia assistir ao jogo - em que se incluíam os membros do grupo organizado de adeptos do Sporting - foi transportado, em “caixa“, pela Polícia de Segurança Pública e, em suma, escoltado por agentes daquela força de segurança desde as imediações do Estádio do Sporting até ao Estádio da Luz, como é habitual nos jogos considerados como sendo de alto risco.

17 - Na sequência do referido em 16 -, o grupo de adeptos do Sporting que ia e foi assistir ao jogo e que foi transportado, em caixa, pela Polícia de Segurança Pública, chegou ao Estádio do Benfica cerca de 40 minutos antes da hora prevista para o início da partida.

18 - Após a chegada do grupo de adeptos do Sporting ao Estádio da Luz teve lugar a revista dos aludidos adeptos, revista essa que foi efectuada, pelo menos, pelos stewards, na presença da polícia, não tendo o chefe da força policial tido conhecimento de qualquer situação fora do vulgar quanto aos resultados da revista.

19 - A revista dos adeptos que se incluem em grupos organizados de adeptos pode ser e é feita, por regra, pelos stewards e/ou por agentes da Polícia de Segurança Pública.

20 - Na revista aos adeptos, os agentes da polícia e/ou stewards que a efectuam visam impedir a entrada, no espaço onde se realiza o evento desportivo, dos materiais por lei proibidos de aí entrar e, em concreto, de engenhos pirotécnicos e/ou outros objectos passíveis de serem utilizados como arma.

21 - A revista efectuada aos adeptos, antes dos jogos de futebol, para ser absolutamente rigorosa, demoraria cerca de 3 minutos por adepto.

22 - Os elementos dos adeptos e, designadamente, os do grupo organizado de adeptos, escondem, com frequência, em lugares não concretamente apurados e até em cavidades do seu corpo, objectos, designadamente de pequena dimensão, de modo a que os mesmos não sejam detectados durante a revista, sendo mesmo, por vezes, apreendidos a adeptos fumadores, durante a revista, isqueiros.

23 - Após a revista efectuada no dia em causa nos autos, os adeptos do Sporting foram encaminhados para a caixa de segurança supra indicada e aí entraram.

24 - A caixa de segurança em causa nos autos encontrava-se, no dia em causa nos autos, dividida em duas zonas, sendo a do lado direito (para quem se encontrasse a olhar para a mesma do relvado) a destinada aos adeptos do Sporting integrados em grupos organizados de adeptos e que a ocuparam (sendo a sua maioria membros de tais grupos organizados de adeptos) e a zona do lado esquerdo da caixa de segurança (considerando quem se encontrasse a olhar para a mesma do relvado), destinada - e ocupada, na sua maioria - por adeptos comuns do Sporting e não integrados em grupo organizado de adeptos.

25 - Na zona da caixa de segurança situada do lado esquerdo podiam encontrar-se, no meio de adeptos comuns do Sporting, elementos de grupos organizados de adeptos de tal clube.

26 - Durante o jogo supra referido, os bombeiros foram chamados a combater pequenas deflagrações provocadas por tochas, petardos e dispositivos pirotécnicos afins em diversos pontos do Estádio da Luz, fora da zona reservada aos GOA, tudo dentro do registo habitual nestes encontros e sem ocorrência de quaisquer incidentes relevantes.

27 - No dia em causa nos autos a equipa do Sporting perdeu o jogo supra referido.

28 - Terminado o jogo, cerca das 22 horas, os adeptos da equipa da Autora (adeptos do Sporting) foram mantidos, pela organização responsável pela segurança do estádio, no interior da referida caixa de segurança, nas respectivas bancadas, sendo que os últimos adeptos a abandonar a aludida estrutura apenas o fizeram já depois das 23 horas.

29 - Durante esse período de cerca de uma hora, na caixa de segurança ocupada pelos adeptos do Sporting, deflagraram diversos focos de incêndio, o primeiro dos quais pelas 22.17 horas e o mais relevante dos quais cerca de 15 minutos antes das 23 horas.

30 - O último incêndio, ocorrido no sector 32 do Piso 3 (Bancada ...) tomou proporções mais significativas durante mais de 10 minutos, incêndio esse deflagrado do lado esquerdo da caixa de segurança, onde se encontravam maioritariamente adeptos comuns do Sporting.

32 - Foram os adeptos do Sporting, contidos na caixa de segurança existente no Estádio da Luz, no dia em causa nos autos, que provocaram os incêndios ocorridos no seu interior após o términus do jogo.

33 - Os focos de incêndio provocados no interior da caixa de segurança ali existente e onde os adeptos do Sporting se encontravam foram por aqueles adeptos provocados, mediante a utilização de materiais como, por exemplo, cachecóis, revistas e/ou jornais, colocados debaixo das cadeiras, materiais incendiados.

34 - Após o deflagrar dos focos de incêndio aludidos, que alastraram às cadeiras, os adeptos do Sporting tentaram, por várias formas, impedir os bombeiros de os apagar, dizendo-lhes para não o fazer, colocando-se à sua frente para os não deixar passar, empurrando-os, tentando tirar-lhes os extintores e chapéus e até batendo em, pelo menos, um bombeiro e atiraram, por várias vezes, objectos (incluindo cadeiras) contra os bombeiros e para o meio dos focos de incêndios, alimentando-os.

35 - Durante o jogo e após o mesmo, encontravam-se no interior da caixa de segurança, além dos adeptos da equipa visitante (Sporting) elementos da segurança (policias e stewards) e bombeiros em número não concretamente apurado.

36 - Os adeptos do Sporting, no dia em causa nos autos, destruíram várias cadeiras do Estádio do Benfica.

37 - A entrada e a saída na e da caixa de segurança existente no Estádio da Luz, usada no jogo em causa nos autos e à data, era, no momento, a mesma para os adeptos, elementos da segurança (polícias e outros) e bombeiros, sendo tais entradas e saídas denominadas “vomitórios “, entradas e saídas em número de seis, à data do jogo.

38 - Após o final do jogo, os adeptos do Benfica (em grupos organizados de adeptos ou não) e os espectadores comuns começaram a sair do estádio da primeira Ré, saindo das bancadas do estádio onde haviam estado a ver o jogo para zonas comuns do mesmo, em direcção à saída.

39 - O momento da saída do estádio, relativamente aos adeptos dos clubes visitantes (organizados ou não em grupos organizados de adeptos), quer no que à evacuação total quer parcial se refere, é sempre decidida pela Polícia de Segurança Pública e, concretamente, pelo chefe dessa entidade ali presente, por forma a possibilitar o escoamento dos demais espectadores e, em particular, dos adeptos do clube visitado para evitar o encontro, no exterior dos estádios, dos adeptos dos dois clubes e, logo, possíveis confrontos entre os mesmos.

40 - Após a realização de jogos com as características do em causa nos autos, a Polícia de Segurança Pública volta a levar, em “caixa” ou escoltados, os adeptos do clube visitante para as imediações do estádio pertença do clube de que são adeptos ou, no caso de clubes situados fora de Lisboa, para junto do local onde se encontram os autocarros que os transportaram a Lisboa.

41 - Durante a saída dos adeptos do clube visitado e dos espectadores comuns, os agentes da Polícia de Segurança Pública que efectuam a segurança aos jogos de futebol acompanham e/ou controlam a saída de tais espectadores e adeptos, controlando-a, assim tendo sucedido no caso dos autos.

42 - É frequente, em jogos como aquele em causa nos autos, ocorrer o arremesso de cadeiras do estádio e o uso/deflagração de petardos, tochas e very-lights, ocasionando o uso destes últimos, com frequência, focos de incêndio que obrigam à intervenção dos bombeiros.

43 - A utilização de caixas de segurança em estádios de futebol era já comum, à data, noutros países, sendo a primeira vez que tal meio de contenção era utilizado em Portugal.

44 - A circunstância de os adeptos do clube visitante serem mantidos na caixa de segurança determina e determinou, no caso dos autos, o seu enclausuramento na mesma, antes e imediatamente após o jogo e até à sua saída da mesma.

45 - Na maioria das vezes em que os bombeiros tiveram - após o términus do jogo em causa nos autos - de intervir para extinguir os focos de incêndio provocados por adeptos do Sporting na caixa de segurança fizeram-no sem serem acompanhados, em todos os seus movimentos, por elementos da Polícia de Segurança Pública e, assim, pelo menos em parte, sem a sua protecção.

46 - Na sequência dos comportamentos dos adeptos do Sporting aludidos em 34 -, os bombeiros saíram - após extinguirem vários focos de incêndio - da caixa de segurança e ficaram colocados junto às suas entradas, virados de frente para a mesma, posicionando-se de modo a poderem ver o que ali se passava e entrarem, quando fosse necessário.

47 - Em momento não concretamente apurado, após o final do jogo e, a porta de ligação entre a parte direita e a parte esquerda da caixa de segurança foi aberta de modo a permitir aos adeptos do Sporting protegerem-se dos focos de incêndio, transitando de um lado para o outro.

48 - No momento em que o incêndio aludido em 30 - assumiu maiores proporções, o então comandante da ...Divisão da Polícia de Segurança Pública que efectuava o policiamento do evento em causa nos autos, BB, decidiu ordenar a retirada dos adeptos do Sporting da caixa de segurança para outro local do estádio e, concretamente, para o anel exterior, enquanto os demais espectadores e adeptos do Benfica acabavam de sair do estádio e do mesmo se afastavam.

49 - Na sequência do aludido em 48 -, os adeptos do Sporting que se encontravam na caixa de segurança no dia em causa nos autos começaram a sair, nesse momento e pelas 22.55 horas, para o anel exterior, tendo o espaço da caixa de segurança ficado livre de adeptos pelas 23.04 horas.

50 - No momento em que os bombeiros quiseram entrar na caixa de segurança para extinguir o foco de incêndio que ali deflagrou pelas 22.45 horas e que maiores proporções atingiu, tiveram aqueles dificuldade em entrar, devido à circunstância de, nesse momento, os adeptos do Sporting também estarem a sair do seu interior e os tentarem impedir de entrar, dizendo para deixar arder.

51 - No dia em causa nos autos os adeptos do Sporting que se encontravam no interior da caixa de segurança (dos dois lados da mesma) eram cerca de 4.200.

52 - Quando um primeiro bombeiro conseguiu entrar na caixa de segurança e se aproximou do foco de incêndio aludido em 50 - não conseguiu o mesmo, com o extintor, apagá-lo, quer porque se acabara a carga no mesmo contido e que servia para o efeito, quer devido ao calor que o foco irradiava.

53 - Na sequência do referido em 52 -, foi necessário aos bombeiros estudar a forma de proceder, com rapidez, à extinção do foco de incêndio em causa, o que se verificou durante um período de tempo não concretamente apurado mas, pelo menos, de dois minutos e foi ainda necessário que os bombeiros ali acedessem com os meios para o efeito necessários.

54 - Após o referido em 53 -, 7 a 8 bombeiros entraram na caixa de segurança e apagaram, na mesma e primeiro, pequenos focos de incêndio activos, para evitar o seu alastramento e, após, aproximaram-se do local onde se encontrava em curso o maior foco de incêndio, apagando-o.

55 - Os bombeiros que estiveram no jogo em causa nos autos e a efectuar a segurança do mesmo pertenciam aos Bombeiros Voluntários ..., que desde 1976 prestavam tal tipo de serviço, quer para a primeira Ré, quer para a Autora.

56 - No dia em causa nos autos os bombeiros não puderam estender, no interior da caixa de segurança, uma mangueira para o caso de a mesma poder ser necessária à extinção dos focos de incêndio por os adeptos do Sporting poderem abrirem as respectivas ligações/uniões e/ou pisá-las, com os riscos inerentes, incluindo de saída de água descontrolada.

57 - No dia do jogo em causa nos autos encontravam-se, no interior da caixa de segurança, dirigentes do Sporting Clube de Portugal, os quais saíram da mesma cerca de 4 minutos antes da deflagração do primeiro foco de incêndio que ali se verificaram após o términus do jogo.

58 - O último incêndio ocorrido no dia em causa nos autos e no Estádio da Luz expandiu-se mais fortemente, aumentando a sua intensidade, por não ter sido prontamente atacado pelos bombeiros, o que o terá conduzido às redes de segurança colocadas na parte de trás daquela bancada e que compunham a já aludida “caixa de segurança “, tendo também esta entrado em combustão.

59 - O último incêndio referido apenas foi objecto de combate efectivo pelos bombeiros pelas 23 horas, 7 minutos e 30 segundos, estando as imediações do mesmo, a partir das 22 horas e 55 minutos totalmente desimpedidas.

60 - Pelas 22 horas e 58 minutos daquele dia o acesso ao incêndio não encontrava qualquer obstáculo à chegada dos bombeiros, que apenas acorreram ao local pelas 23 horas e 5 minutos, munidos de extintores de mão.

61 - Só pelas 23 horas, 7 minutos e trinta segundos é que os bombeiros iniciaram um combate ao incêndio com mecanismos/extintores adequados ao efeito.

62 - Pelas 23 horas, 8 minutos e 30 segundos daquele dia o incêndio encontrava-se já controlado pelos bombeiros e não mais se expandia, encontrando-se, pelas 23 horas e 9 minutos já “em fase de rescaldo “.

63 - Os incêndios em causa nos autos foram provocados e alimentados por adeptos da Autora.

64 - Na sequência dos factos em causa nos autos, a Polícia Judiciária comunicou o ocorrido ao Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, tendo aquela sido, posteriormente, chamada a realizar inspecção judicial ao local.

65 - Analisadas as imagens de videovigilância através do sistema CCTV, no Estádio do SLB, com o auxílio do chefe de segurança do estádio, CC e um spotter da PSP, não foi descortinada a identidade de qualquer dos concretos adeptos responsáveis pelo incêndio.

66 - Em sede do processo de inquérito instaurado na sequência do referido em 64 - e segs., também através da inquirição de várias testemunhas não foi possível encontrar quaisquer dos agentes perpetradores dos factos aludidos.

67 - Das diligências efectuadas em sede do inquérito aludido em 66 - resultou provado que um dos factores que levou a que os incêndios (nomeadamente o mais relevante) tomassem maiores proporções foi a dificuldade de os bombeiros acorrerem aos locais onde deflagravam os focos de incêndio, por terem sido impedidos de o fazer por alguns adeptos do Sporting.

68 - Na sequência do referido em 64 - e segs., foi instaurado processo de inquérito que correu seus termos do DIAP de ... sob o nº 894/11.4... e em que, por despacho de 27.9.2013, foi determinado o arquivamento dos autos por insuficiência de indícios quanto à autoria dos factos denunciados, concluindo-se, no entanto, da prova efectuada, que o incêndio em investigação teve origem numa acção humana dolosa, perpetrada por adeptos do Sporting Clube de Portugal que assistiam ao jogo, tendo-se verificado perigo de propagação das chamas ao recinto e perigo para a vida e integridade física dos adeptos do SCP que se encontravam no local e que o incêndio tomou maiores proporções por alguns adeptos do Sporting terem impedido os bombeiros de acorrer aos locais onde os focos de incêndio deflagravam.

69 - Na sequência do ocorrido no jogo de futebol em causa nos autos foi instaurado um processo disciplinar pela Federação Portuguesa de Futebol com vista a apurar a factualidade descrita no relatório dos delegados da LPFP para efeitos de definição de eventual responsabilidade jurídico-disciplinar e civil, processo esse que correu os seus termos sob o nº 10-11/12 do Conselho de Disciplina – Secção Profissional daquela entidade.

70 - No processo referido em 69 - foi, por decisão de 9.1.2013, decidido condenar a Autora e aí arguida no pagamento de uma multa de 2.500,00 Euros pela violação do disposto no artº 151 do R.D., agravada nos termos do disposto na al. a) do nº 1 do artº 74 do mesmo dipositivo regulamentar e no pagamento de uma indemnização no valor de 359.338,70 Euros à lesada, Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD por todos os prejuízos provocados no Estádio da Luz, durante e após a realização do encontro, ao abrigo do disposto no artº 152 do R.D., abatendo-se, ao valor da multa, o quantitativo de 1.800,00 Euros aplicado em 29.11.2011.

71 - A Autora recorreu para o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol da decisão referida em 70 -, tendo esta entidade, por decisão proferida em 4 de Abril de 2013, negado provimento ao recurso interposto pela Autora e confirmado a decisão recorrida e referida em 70 -, decisão proferida em sede do Procº nº 13/CJ12/13.

72. - No processo referido em 70 - foi contra-interessado a primeira Ré.

73. - Na decisão referida em 70 - foram considerados provados os seguintes factos:

“a) No dia ... de Novembro de 2011 realizou-se no Estádio da Luz o jogo nº ...03 “Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD // Sporting Clube de Portugal – Futebol, SAD, a contar para a 11ª jornada da “ Liga ...“;

b. No decurso do jogo deflagraram alguns pequenos focos de incêndio, no piso 3, sectores 28 a 34 do Estádio do Sport Lisboa e Benfica, que foram eficazmente combatidos com extintores pelos Bombeiros ... presentes nas bancadas;

c. No final do jogo ocorreu um incêndio que atingiu grandes proporções;

d. O local da bancada onde ocorreu o incêndio de maiores proporções corresponde à zona ..., Piso 3 Superior, Sector 32;

e. Esse incêndio teve uma duração de 22 minutos, atingindo grandes proporções durante 12 minutos;

f. Os bombeiros demoraram cerca de 15 minutos a chegar até ao foco do incêndio;

g. Apesar de o fogo não se ter alastrado para uma área extensa, a intensidade que atingiu conduziu a que fossem afectados pelo calor locais afastados do foco de incêndio, nomeadamente ao nível da cobertura;

h. Foram efectuadas visitas técnicas ao local do incêndio pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil ( LNEC ), M......., S...., Sa..., Regimento de Sapadores Bombeiros e LPFP;

i. No decurso dessas visitas técnicas foram colhidas amostras, tendo participado diferentes sectores do LNEC, dada a natureza multidisciplinar da avaliação necessária;

j. O incêndio afectou vários elementos:

- bancada em betão armado;

- acessórios diversos;

- sector 28 – 8 cadeiras;

- sector 29 – 67 cadeiras;

- sector 30 – 56 cadeiras;

- sector 31 – 29 cadeiras;

(subtotal 160 cadeiras)

E ainda nestes sectores:

- vidros laminados de separação de sectores – 2;

- varões de apoio nas coxias – 9;

- guarda-corpos (2º vomitório) – 1;

- painel de rede de metal (topo da bancada) – 1;

- grelha de ventilação no muro de vedação – 1;

- Sector 32 – 231 cadeiras;

- Sector 33 – 144 cadeiras;

- Sector 34 – 21 cadeiras

(subtotal 396 cadeiras).

E ainda nestes sectores:

- varões de apoio nas coxias – 17;

- grelha de ventilação no muro de vedação – 4.

Danos não especificados nos painéis de rede em metal lacado do topo da bancada da zona do incêndio.

Nos sanitários de serviço:

- placas publicitárias – 2;

- espelho – 1;

- dispensadores de papel higiénico – 8;

- tampo de sanita completo – 1;

Corredor de circulação

- Vidro de caixa de sistema de incêndios – 1;

Escada de acesso para serviços

- iluminárias – 4;

- placas sinaléticas de sectores – 4;

- placa de saída de emergência – 1;

- placa indicadora – 1;

- desafinação de porta corta-fogo – 1;

- cabos de iluminação – número não determinado;

- extintores vazios – número não determinado.

Cobertura metálica (estrutura de suporte e o sistema multicamada da cobertura constituído por chapa de alumínio, chapa de aço, isolamento em lã mineral e membrana barreira ao vapor).

k. O betão das bancadas foi afectado na zona do incêndio, tendo ocorrido não só o destacamento superficial mas também a perda de propriedades mecânicas em profundidade;

l. Em consequência do referido incêndio terão de ser substituídas 9 vigas da bancada, bem como o remate de betão acima da viga que o LNEC identificou como “viga 1 “;

m. Em alternativa à substituição das 9 vigas deve proceder-se à sua reparação profunda;

n. As cadeiras foram os elementos objecto de inflamação inicial;

o. Devido à sua natureza, as cadeiras constituíram a principal fonte de produção de calor e de fumo, as quais afectaram a bancada de betão e a cobertura metálica;

p. As cadeiras ensaiadas pelo LNEC apresentaram um comportamento ao fogo semelhante ao de outras que cumpriam a legislação em vigor à data da construção do estádio, pelo que a reposição das condições existentes deverá passar pela substituição das cadeiras destruídas por cadeiras idênticas – a legislação actual exige um produto com o desempenho ao fogo melhorado;

q. As condições de segurança da estrutura metálica de suporte da cobertura não foram afectadas pelo incêndio;

r. Apenas uma barra de travamentos teve danos mais acentuados e deve ser substituída;

s. Os elementos atingidos devem ser repintados de modo a repor o aspecto visual e as condições de protecção anticorrosiva;

t. Na cobertura, devido à degradação da membrana polimérica, à fusão localizada do alumínio e à deterioração generalizada da chapa de aço, é necessário proceder à substituição destes elementos numa área de cerca de 200 m2;

u. Para a reparação de danos na cobertura e nas bancadas a empresa S.... apresentou um orçamento de 297.636,27 Euros, acrescido de I.V.A. à taxa legal em vigor;

v. Para a substituição da cobertura e bancadas na parte danificada a empresa S.... apresentou um orçamento de 242.582,32 Euros, acrescido de IVA à taxa legal em vigor;

w. Os sectores 28 a 34, onde ocorreram os focos de incêndio, estavam destinados aos adeptos da equipa visitante, isto é, aos adeptos do SCP;

x. Os bilhetes dos sectores 28 a 34 do Estádio da Luz, num total de 3425, foram cedidos para venda ao SCP;

y. Os sectores 28 a 34 do Estádio da Luz estavam, pelo menos na sua esmagadora maioria, ocupados por adeptos do SCP;

z. Os adeptos do SCP arrancaram cadeiras, partiram vidros e arrancaram corrimões entre os sectores 28 a 31;

aa. Os adeptos do SCP atearam voluntariamente os fogos que se verificaram nos sectores 28 a 34;

bb. Foram feitas durante o jogo e após o mesmo um total de nove intervenções no combate a incêndios e/ou tochas, algumas com múltiplas extinções;

cc. Após o final do jogo aumentou o número de focos de incêndio na zona da claque do SCP;

dd. As equipas dos bombeiros tiveram muitas dificuldades em penetrar nas bancadas devido a obstrução, ameaças e tentativas de agressão por parte da claque do SCP;

ee. Os bombeiros fizeram três ou quatro entradas para extinção de incêndios em cadeiras, tendo sido ameaçados e importunados pela claque do SCP, através da retirada dos capacetes e bonés, puxões nos extintores e ameaças;

ff. A claque do SCP arremessou aos bombeiros diversos pedaços e componentes das cadeiras com o objectivo de dificultar a sua acção;

gg. Os bombeiros foram barrados pelos adeptos do SCP que os impediram de combater os focos de incêndio;

hh. Devido às grandes proporções do incêndio houve necessidade de retirar adeptos, ARD’s e a PSP das bancadas, por a integridade física dos mesmos se encontrar em perigo, devido ao rebentamento e projecção de pedaços de betão por acção da elevada temperatura criada no local pelas chamas;

ii. O combate ao incêndio por parte dos Bombeiros ... foi prejudicado pela saída dos adeptos do SCP, que deixavam as bancadas pelos mesmos vomitórios que eram o único acesso dos bombeiros ao fogo que deflagrava no topo do sector 32;

jj. A alteração do sector dos adeptos visitantes do Estádio da Luz, vulgo “ caixa de segurança “ estava devidamente licenciada e em nada implicou o referido incêndio ou o combate ao mesmo por parte das forças de segurança;

kk. A partir do dia ... de Novembro e até data não concretamente apurada, os sectores 32 a 34 ficaram interditos ao público;

ll. Os sectores 28 a 31 estão, desde 14 de Dezembro, disponíveis para serem utilizados;

mm. O custo do trabalho desenvolvido pelo LNEC foi de 30.600,00 Euros, acrescido de IVA à taca legal em vigor;

nn. O levantamento total de danos causados em cadeiras, varões de segurança, vidros laminados e sanitários estão juntos aos autos em anexo ao relatório da Comissão Técnica de Vistorias da LPFP, elaborado em 29 de Novembro de 2011;

oo. A 29 de Novembro de 2011 ao SCP foi aplicada uma pena de multa no valor de 1.800,00 Euros, nos termos do disposto no artº 151 do Regulamento Disciplinar da LPFP, onde não está incluída a eventual responsabilidade disciplinar decorrente do incêndio ocorrido no final do jogo;

pp. O comportamento destas pessoas afectas à SAD arguida originou vários prejuízos no Estádio da Luz;

qq. Os adeptos da arguida agiram de forma livre, consciente e voluntária, desrespeitando os regulamentos e as ordens e instruções da L.P.F.P., bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido disciplinarmente por regulamento, conformando-se com o resultado da sua conduta;

rr. Com os incêndios e os restantes factos relatados em b) a e), g), j), k), z) e cc) o Estádio da Luz sofreu prejuízos no valor de 359.338,70 Euros, devendo considerar-se como titular do direito à indemnização a Sport Lisboa e Benfica, SAD;

ss. Por decisão de 28 de Março de 2012, subscrita por 2 membros do Conselho de Disciplina, Secção Profissional, foi decidido converter em processo disciplinar o inquérito instaurado contra o recorrente e o Sport Lisboa e Benfica, SAD e nada promover contra este último;

tt. Por despacho de 13.6.2012 o relator do processo determinou à instrutora do processo que não aguardasse por mais tempo pela resposta da Autoridade Nacional de Protecção Civil e elaborasse o relatório final;

uu. Em 3 de Julho de 2012 é notificada a nova instrutora do processo disciplinar;

vv. Em 30 de Outubro de 2012 a nova Instrutora comunica a sua impossibilidade de elaboração do relatório final, por motivos pessoais;

ww. Em 27.12.2012 a Sport Lisboa e Benfica, SAD é notificada para, com carácter de urgência, juntar documento comprovativo da titularidade da propriedade do Estádio do Sport Lisboa e Benfica, o que faz no mesmo dia;

xx. Não foi instaurado pela Sport Lisboa e Benfica, SAD qualquer procedimento judicial, civil ou criminal tendente à indemnização dos danos sofridos em consequência do incêndio ocorrido em 26 de Novembro de 2011;

yy. A Sport Lisboa e Benfica, SAD celebrou com a Império Bonança um contrato de seguro que tendo por objecto os danos patrimoniais e as perdas de exploração do Estádio do Sport Lisboa e Benfica, sito na Av. ..., titulado pela apólice ME.....61-001, em vigor para a época de 2001/2012;

zz. Nos termos do artº 5.1, secção I das Condições Particulares, definem-se os bens seguros, com referência às Condições Especiais, entre as quais são referidas greves, tumultos e alterações da ordem pública;

aaa. Nos termos do artº 5.3 das Condições Particulares estão excluídos os danos resultantes de “ actos maliciosos, vandalismo, distúrbios “, esclarecendo-se que “ a exclusão de distúrbios “ refere-se apenas a ocorrências no estádio e no recinto, em relação directa com o espectáculo desportivo e o custo para a justificação de sinistros excluídos;

bbb. Não foi celebrado pela Sport Lisboa e Benfica, SAD qualquer acordo extrajudicial com a seguradora referida no facto anterior. “.

74 - A Autora pagou à primeira Ré a quantia referida em 70 -, como decidido, a título de valor dos danos.

75 - O futebol é a modalidade mais mediatizada do desporto nacional e aquela que mais adeptos convoca, sendo ainda a que mobiliza maior número de GOA (claques) para os estádios.

76 - Os clubes da Autora e da primeira Ré são dois dos “três grandes” do futebol nacional e os dois clubes da capital com mais adeptos.

77 - Sendo também os dois clubes da capital com mais adeptos afectos às respectivas claques.

78 - Qualquer jogo oficial entre as equipas principais de futebol profissional do Benfica e Sporting constitui, em condições normais, um dos eventos desportivos mais relevantes de cada época desportiva em Portugal, sendo um dos que mais adeptos e mais claques mobiliza.

79 - No “...” de ... .11. 2011 foi publicada a seguinte notícia, sob o título ou caixa “Associação condena agressões aos bombeiros”:

“A Associação Nacional de Bombeiros (ANBP) e o Sindicato Nacional dos Bombeiros Profissionais (SNBP) condenaram hoje, em comunicado, os incidentes ocorridos no sábado após o jogo de futebol Benfica – Sporting…

“A ANBP/SNBP lamenta a atitude dos adeptos do Sporting Clube de Portugal e repudia as agressões de que os bombeiros foram alvo no exercício da sua função, já que a sua eficácia no controlo das chamas terá ficado comprometida pelos impedimentos de que foram alvo. Se não fossem estes incidentes, que atrapalharam o socorro, com toda a certeza os prejuízos seriam muito menores “pode ler-se na nota enviada à agência Lusa, a propósito do incêndio que deflagrou numa das bancadas do Estádio da Luz após o jogo.

Como consequência daqueles incidentes, ANBP e SNBP informam que vão pedir uma audiência aos presidentes dos dois clubes, Benfica e Sporting, com vista “à adopção de medidas de segurança que facilitem a operacionalidade dos bombeiros e que garantam a sua própria integridade física no interior dos estádios destes dois clubes”.

“A ANBP/SNBP não pode ficar indiferente a atitudes de violência para com quem presta socorro, numa perspectiva de desempenho do melhor trabalho possível e de ajuda ao próximo, esperando que situações lamentáveis como a que se verificou não se repitam”, conclui a nota. “.

80 - Na sequência do ocorrido no jogo de futebol em causa nos autos foi instaurado um processo de inquérito disciplinar pela Federação Portuguesa de Futebol com vista a apurar da eventual responsabilidade disciplinar da ora primeira Ré, processo de inquérito esse que correu os seus termos sob o nº 11-11/12 do Conselho de Disciplina – Secção Profissional daquela entidade.

81 - No processo referido em 80 - foi decidido ordenar o arquivamento dos autos.

82 - Na sequência da decisão referida em 81 -, a Autora recorreu da mesma decisão para o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, tendo esta entidade, por decisão proferida em 20 de Junho de 2013, negado provimento ao recurso interposto pela Autora e confirmado a decisão recorrida.

83 - No processo referido em 80 - e no recurso aludido em 82 - foi contra-interessado a primeira Ré e a Comissão de Instrução e Inquéritos da LPFP.

84 - No processo referido em 80 - e no âmbito da decisão do recurso referido em 82 - foram considerados provados, além do mais, os seguintes factos, na parte, no essencial, não exactamente coincidente com os do processo disciplinar movido contra a aqui Autora:

“a - No aludido jogo o SLB inaugurou, nos referidos sectores 28 (parte ) a 34 uma infra-estrutura (vulgo caixa de segurança ), destinada a separar, entre si, os adeptos de ambas as equipas e, para além disso, a evitar a troca e arremesso de objectos de e para os referidos sectores.

b - Em virtude da infra-estrutura aludida no número anterior, os sectores entre o 29 e o 34 estão vedados com vidro laminado e de 2,5 metros de altura e ainda com a colocação de uma rede fixa acima desse vidro, que se eleva até à cobertura do estádio, sendo que entre os sectores 29 e 31 existe nova vedação igual à agora descrita.

c - Atenta a instalação aludida no número anterior, todos estes sectores são servidos por seis vomitórios de acesso e seis escadas de emergência, sendo serviços por sanitários para homens e mulheres, assim como sala de primeiros socorros.

d - No dia ... de Novembro de 2011 realizou-se, no Estádio da Luz, reunião de segurança atinente à preparação do jogo aludido (…) e na qual estiveram presentes ( elementos…? ) da PSP ( Subintendente BB, Subcomissário DD – da ...Divisão, Subcomissário EE e Agente FF – da Unidade Metropolitana de Informações Desportivas da PSP ), representantes da P....... ( GG, HH, II, JJ, KK, LL ), representantes do Regimento de Sapadores Bombeiros ( Chefe MM ) e dos BVL ( NN ) e do SLB ( OO, PP, QQ, RR e SS ).

e - Na reunião aludida no ponto anterior foi prevista a sequência de procedimentos a observar após a entrada dos adeptos da equipa visitante na área adjacente ao Estádio da Luz, estabelecendo-se que o acesso destes adeptos ao interior do estádio se realizaria pela zona adjacente ao “T. ........”, através de seis bocas de acesso (vulgo vulcões), delineadas com baias e grades da PSP, uma das quais exclusivamente destinada a controlar materiais (bandeiras, etc) dos grupos organizados de adeptos (GOA).

f - Estabeleceu-se, na reunião aludida no ponto anterior, que o controlo de bilhética seria realizado através de cinco sensores portáteis, após o que os adeptos seriam objecto de revista pormenorizada.

g - Na mesma reunião o SLB solicitou à PSP que apresentasse os GOA no “T. ........” ao início de abertura de portas, que aconteceria pelas 18 horas e 15 minutos, duas horas antes do início do jogo.

h - Ainda na mesma reunião foi determinado que os adeptos do SCP utilizariam os bares inferiores ao sector reservado, bem como os WC adjacentes.

i - No dia do jogo aludido no ponto 1., realizou-se, pelas 10 horas, reunião de organização do jogo, promovida pela Liga e que teve lugar na sala de conferência de imprensa do Estádio da Luz, onde estiveram presentes representantes do SLB (TT, OO) e do SCP (Dr. UU, VV e WW), da P....... (CC), da PSP (nomeadamente Subintendente BB e elementos dos spotters), dos BVL, da Liga, assim como os árbitros da partida.

j - Na reunião aludida no número anterior, o Subintendente BB referiu encontrarem-se reunidas as condições de segurança necessárias para a realização da partida, bem como que assumiria, em caso de alteração da ordem, o controlo da actividade dos assistentes de recinto desportivo (ARD de ora em diante).

l - Para o jogo aludido ( … ) o SLB requisitou à P......., 536 ARD, sendo que para os sectores 28 a 35 do Piso 3 foram destacados 75 ARD.

m - Nas cinco bocas de acesso aos sectores 28 a 34 do Estádio da Luz o SLB colocou 28 ARD (23 com funções de revista e 5 com funções de controlo de bilhete), corpo de seguranças este que que, durante o processo de entrada dos adeptos do SCP e a pedido da PSP, foi reforçado em 8 elementos.

n - No dia do jogo a PSP acompanhou, estabelecendo perímetro de segurança (ou caixa de segurança) a deslocação pedonal de cerca de 3000 adeptos do SCP, nos quais se incluíam os GOA, desde o Estádio José de Alvalade até ao Estádio da Luz.

o - Os adeptos aludidos ( … ) saíram do Estádio José de Alvalade por volta das 18 horas, tendo chegado às bocas de acesso ( vulcões ) cerca das 19 horas, altura em que se iniciaram os procedimentos de controle de bilhética e revista de tais adeptos.

p - Dentro da caixa de segurança aludida em n - encontravam-se cerca de 40 a 50 adeptos do SCP sem título de ingresso para os sectores 28 a 34 do Estádio da Luz, considerados pela PSP como adeptos de risco.

q - A PSP (nomeadamente os “spotters” presentes junto às bocas de acesso aos adeptos do SCP) deram instruções aos ARD para que fosse permitido o acesso dos adeptos aludidos no ponto anterior aos sectores 28 a 34, recorrendo-se ao controle manual dos títulos de ingresso.

r - Os procedimentos de controle de bilhética, revista e entrada dos adeptos do SCP nos sectores 28 a 34 prolongaram-se até ao intervalo do encontro, cerca das 21 horas.

s - Findo o jogo aludido no ponto 1 -, alguns dos adeptos do SCP que se encontravam em alguns dos sectores 28 a 34, por exigência da PSP, estiveram uma hora sem possibilidade de sair da bancada e impossibilitados de utilizar as instalações sanitárias situadas nesse mesmo piso ou de ocuparem o corredor de acesso que fica por baixo da bancada, posto o que, com o enquadramento de segurança da PSP, regressaram, a pé, até ao Estádio de Alvalade, sem que se verificasse qualquer incidente.

t - Por ofício datado de 28.11.2011, subscrito pelo Sr. Subcomissário da PSP e remetido ao SLB, a PSP informou esta sociedade anónima desportiva acerca de algumas medidas de segurança que deveriam ser implementadas na caixa de segurança existente no piso 3, entre os sectores 28 a 34 do Estádio da Luz, destinados aos adeptos visitantes.

u - Na sequência da solicitação aludida no ponto anterior, foram implementadas, pelo SLB, nos referidos sectores 28 a 34, portas de emergência nos vidros existentes nas separações dos sectores – sendo 3 portas de cada lado nas estruturas exteriores e 2 na estrutura interior – que permitem um acesso mais rápido ao interior da caixa de segurança, nomeadamente da polícia e dos bombeiros.

v - Ainda na sequência do ofício referido (…) foi implementado no dito Estádio da Luz um novo sistema de acesso aos adeptos visitantes, localizado junto ao “T. .......”, com a criação de oito canais de acesso a pessoas e um de acesso para material coreográfico dos Grupos Organizados de Adeptos ( GOA ).

x - Em notícia publicada no site da R.... .........., (…) e reportada ao dia ... de Março de 2012, é referido que a Policia de Segurança Pública considera que “houve melhoramentos” na caixa de segurança do Estádio da Luz e que o Sr. Subintendente BB afirmou que “caso surja um incêndio ou outro tipo de problema, haverá seguramente uma maior capacidade e maior rapidez de intervenção”, acrescentando “aprendemos com os erros que se passaram no derby “.

z - De acordo com o esclarecimento prestado nos presentes autos, a PSP entende que a aprendizagem referida na notícia aludida no ponto anterior se prende com “circunstâncias decorrentes daquele policiamento, como a resistência passiva dos adeptos do Sporting e, por vezes agressiva para com os bombeiros e a PSP, no acesso às bancadas, seja nos “túneis de saída” ou nos corredores interiores, que impediam nomeadamente um maior e mais rápido acesso às bancadas para combater os diversos focos de incêndio que se deflagraram.

aa - A entrada tardia dos adeptos resultou (…) do facto de os adeptos do SCP, à chegada ao Estádio da Luz, terem sido objecto dos procedimentos de segurança (revista aos adeptos ).”.

85 - A Federação Portuguesa de Futebol foi fundada em 31 de Março de 1914, pelas Associações de Futebol de ... e de ..., sob a designação de União Portuguesa de Futebol, sendo uma pessoa colectiva sem fins lucrativos, constituída sob a forma de associação de direito privado, que engloba 22 duas associações distritais ou regionais, a liga portuguesa de futebol profissional, as associações de classe, os clubes ou sociedades desportivas, os jogadores, os treinadores e os árbitros, inscritos ou filiados nos termos dos estatutos e demais agentes desportivos nela compreendidos.

86 - A Federação Portuguesa de Futebol, nos termos dos seus estatutos, “tem por principal objecto promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, o ensino e a prática do futebol, em todas as suas variantes e competições.”.

87 - Mais concretamente, compete à Federação Portuguesa de Futebol:

1. Representar o futebol português a nível nacional e internacional;

2. Assegurar a participação competitiva das Selecções Nacionais;

3. Proteger os interesses dos seus sócios;

4. Elaborar e aprovar normas e regulamentos, garantindo a sua aplicação;

5. Respeitar e prevenir qualquer violação dos estatutos, das leis do jogo, regulamentos, directivas e decisões da FIFA, da UEFA e da FPF, envidando os melhores esforços para que os mesmos sejam cumpridos pelos seus sócios;

6. Organizar, a nível nacional, distrital e regional, competições de futebol em todas as suas modalidades e variantes, sem prejuízo das competências reconhecidas às Associações Distritais ou Regionais e à Liga Portuguesa de Futebol Profissional;

7. Desenvolver o futebol no território português de acordo com o espírito desportivo, valores educacionais, materiais, culturais e humanitários, através de programas de formação e desenvolvimento dos diferentes agentes desportivos, nomeadamente dos jogadores, treinadores, árbitros e dirigentes;

8. Prevenir as práticas que possam afectar a integridade dos jogos e/ou competições ou, de algum modo, prejudicar o futebol;

9. Supervisionar os jogos amigáveis de todas as categorias e variantes que se disputem em território nacional e

10. Acolher competições de nível internacional.

88 - Nos termos dos seus estatutos, são órgãos da Federação Portuguesa de Futebol, entre outros, o Conselho de Disciplina e o Conselho de Justiça.

89 - A Federação Portuguesa de Futebol goza, desde 1993, do estatuto de utilidade pública desportiva, que tem vindo a ser sucessivamente renovado.

90 - Os Bombeiros Voluntários ... que intervieram no jogo de futebol em causa nos autos foram contratados pela primeira Ré para o efeito, a qual procedeu ao pagamento dos inerentes custos/serviços.

91 - Alguns dos adeptos do Sporting Clube de Portugal que se encontravam no interior da caixa de segurança do Estádio do Benfica, no dia em causa nos autos, tiveram receio de que algo lhes pudesse acontecer devido aos incêndios que ali se encontravam a ser deflagrados, por outros adeptos.

92 - A Polícia de Segurança Pública foi requisitada pela primeira Ré para policiar o evento/jogo em causa nos autos.

93 - Quem decide o número dos efectivos policiais que diligenciam pelo policiamento de um evento como o jogo dos autos é a própria Polícia de Segurança Pública, limitando-se o organizador do jogo a suportar os respectivos encargos.

94 - O estádio da primeira Ré pode ser evacuado em cerca de 10 minutos.

95 - Após o términus do jogo em causa nos autos pelo menos parte dos adeptos do Sporting queriam sair do estádio e não puderam sair da caixa de segurança a não ser cerca de uma hora depois do términus do jogo, por decisão da Polícia de Segurança Pública.

96 - Após o comandante da ...Divisão da Polícia de Segurança Pública ter ordenado a evacuação dos adeptos do Sporting da caixa de segurança, a sua saída do local demorou cerca de 10 minutos.

97 - Se os adeptos do Sporting já não estivessem no interior da caixa de segurança após o términus do jogo, os focos de incêndio que aí se verificaram não teriam ocorrido e não seria necessária a sua extinção pelos bombeiros, nem esta (extinção) teria sido impedida/atrasada por aqueles adeptos, inclusivé no momento da sua saída da caixa de segurança, designadamente no que ao foco de incêndio que atingiu maiores proporções se refere.

98 - Cada equipa de bombeiros presente no estádio da primeira Ré, no dia do jogo em causa nos autos, era constituída por dois bombeiros, tendo cada um deles um extintor.

99 - Após o jogo em causa nos autos foram introduzidas alterações à caixa de segurança existente no estádio da primeira Ré e, concretamente, colocadas algumas portas de emergência na estrutura que delimita a caixa e, designadamente, três portas de cada lado nas estruturas exteriores e duas portas na estrutura interior, portas essas colocadas com vista a facilitar o acesso ao interior da caixa de segurança por parte da polícia e dos bombeiros, em caso de necessidade.

100 - Após o jogo em causa nos autos e no âmbito de outro jogo entre o Benfica e o Sporting, no estádio da primeira Ré, ocorreu um foco de incêndio no interior da caixa de segurança em causa nos autos, foco que foi rapidamente extinto pelos bombeiros.

101 - A presença de um elevado número de elementos integrados em grupos organizados de adeptos num jogo de futebol é passível de gerar riscos de violência pelos mesmos perpetrados/desencadeados.

102 - Os stewards que no jogo dos autos intervieram, designadamente a nível da revista dos adeptos, eram funcionários de uma empresa de segurança privada contratada pela primeira Ré.

103 - É normal que os adeptos da equipa visitante, num caso de jogo de futebol considerado de alto risco, tenham de aguardar cerca de 40 a 60 minutos para poderem sair do estádio visitado e onde o jogo decorreu.

104 - Se, na data do jogo em causa nos autos existissem saídas de emergência na caixa de segurança existente no Estádio da Luz os adeptos do Sporting poderiam, se o comandante da Polícia de Segurança Pública que dirigia o policiamento do jogo naquele dia assim o decidisse, ter sido evacuados para bancadas contíguas àquela em que se situava a caixa de segurança em momento anterior àquele em que foi ordenada a sua retirada da mesma caixa, por decisão do mesmo comandante, sendo, nessa hipótese, mais fácil o acesso dos bombeiros para a extinção do fogo que atingiu maiores proporções no interior da referida caixa de segurança.

15. Não resultaram provados os seguintes factos:

1 - Que do lado esquerdo da caixa de segurança em causa nos autos - vista do relvado e em que deflagrou, no dia e jogo em causa nos autos, o incêndio que atingiu maiores proporções - não tenha havido, da parte dos adeptos da Autora, hostilidade para com os bombeiros ou outros agentes de segurança, ao contrário do sucedido do lado direito da mesma caixa, onde se encontravam, maioritariamente, elementos de grupos organizados de adeptos do Sporting.

2 - Que todos os focos de incêndio tenham tido origem semelhante.

3 - Que a primeira Ré não tenha alocado ao evento em causa nos autos os meios necessários e suficientes para acudir às ocorrências que pudessem verificar-se.

4 - Que a primeira Ré tivesse qualquer forma de controlar a actividade dos stewards, durante, designadamente, a revista aos adeptos.

5 - Que os focos de incêndio verificados após o términus do jogo no interior da caixa de segurança tenham sido desencadeados por engenhos pirotécnicos introduzidos no estádio pelos adeptos do Sporting, apesar da revista aos mesmos efectuada à sua chegada.

6 - Que fosse previsível a obstaculização, pelos adeptos do Sporting, à entrada dos bombeiros - e/ou de elementos das forças de segurança - ao interior da caixa de segurança e ao cumprimento, pelos bombeiros, da sua função de extinção dos incêndios ali provocados por tais adeptos.

7 - Que a primeira Ré não tivesse um plano de evacuação dos adeptos.

8 - Que a caixa de segurança existente no estádio da primeira Ré comportasse, em si mesma, quaisquer riscos para os adeptos aí colocados.

9 - Que qualquer adepto do Sporting tenha ficado, em consequência dos factos ocorridos no interior da caixa de segurança utilizada no jogo em causa nos autos, ferido ou carecido de assistência médica/hospitalar por força da inalação de fumo ou por qualquer outra razão.

10 - Que a maioria dos adeptos da Autora que se encontravam no interior da caixa de segurança, no dia e hora em causa nos autos, pretendesse apenas sair do estádio.

11 - Que tenha sido a primeira Ré a decidir o momento em que os adeptos do Sporting podiam sair da caixa de segurança.

12 - Que a primeira Ré tenha tido, por alguma pretensa sua decisão relativa ao momento da evacuação dos adeptos do Sporting da caixa de segurança, qualquer comportamento que tenha contribuído para o deflagrar dos incêndios e/ou para a sua extinção mais ou menos rápida.

13 - Que a primeira Ré pudesse dar aos bombeiros quaisquer ordens relativas ao modo de os mesmos intervirem com vista à extinção dos focos de incêndio ocorridos durante o jogo e após o seu términus.

14 - Que se tenha criado, com o deflagrar dos incêndios no interior da caixa de segurança e com o alastramento daquele que maiores proporções atingiu, uma situação de pânico entre grande parte dos adeptos do Sporting.

15 - Que no momento em que foi permitida a saída dos adeptos do Sporting da caixa de segurança e os bombeiros nela tentaram entrar - para apagar o fogo que atingiu maiores proporções no interior daquela estrutura - os bombeiros se tenham confrontado com vários adeptos a tentar escapar ao calor e ao fumo que no interior da caixa se sentia.

16 - Que a dificuldade na entrada dos bombeiros na caixa de segurança, naquele momento em que os adeptos do Sporting estavam a sair, se pudesse evitar se as forças de segurança que tomavam conta do evento tivessem decidido destinar um dos vomitórios à entrada dos bombeiros e os restantes à evacuação dos adeptos do Sporting daquela estrutura, assim se criando um fluxo ascendente e um ou dois fluxos descendentes, separados por um cordão policial.

17 - Que os bombeiros não tivessem, por razões atinentes à primeira Ré, acesso aos meios de combate ao fogo necessários e adequados para extinguir o incêndio que, após o términus do jogo, atingiu maiores proporções.

18 - Que as equipas de bombeiros que ficaram junto aos adeptos da Autora apenas tivessem dois extintores e que apenas houvesse mais três ou quatro no posto de socorro, de reserva.

19 - Que os extintores que os bombeiros tinham quando um deles tentou apagar, pela primeira vez o foco de incêndio que atingiu maiores proporções, não fossem os adequados para combater incêndios de intensidade elevada e que, por isso, os bombeiros tenham desistido e decidido aguardar por novos meios e que estes apenas tenham chegado pelas 23.07 horas.

20 - Que o dispositivo utilizado pelos bombeiros para a extinção - com sucesso - do incêndio que atingiu maiores proporções tenha sido proveniente de um carro de combate a incêndio chamado ao local para reforçar os meios existentes.

21 - Que pelas 23.05 horas tenha sido efectuada uma chamada para os Sapadores de ... a pedir um carro de combate a incêndios para reforçar os meios no local.

22 - Que a primeira Ré não tivesse mangueiras instaladas no próprio Estádio da Luz.

23 - Que todo o dano provocado no Estádio da Luz após as 2.27 horas do dia em causa nos autos tenha ocorrido por os adeptos do Sporting ali terem permanecido por um período de tempo excessivo, por não ter sido accionado um plano de emergência para a sua evacuação em momento anterior àquele em que a mesma ocorreu e/ou por não ter havido uma intervenção atempada dos bombeiros.

De Direito

16. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

O objecto do recurso prende-se assim com a questão de saber se a decisão recorrida subsumiu correctamente os factos ao direito aplicável, na parte relativa ao enquadramento da pretensão da A. e se a 1ª R. deve ser responsável por o dano se ter agravado em virtude de comportamento que lhe seja imputável, enquanto organizadora de um espectáculo desportivo.

No referido objecto insere-se ainda a questão de saber se houve erro de julgamento na parte relativa à apreciação da culpa do lesado, ou porventura omissão de pronúncia do tribunal a quo sobre essa questão (que vem colocada a título subsidiário).

17. Começando a análise do recurso pela questão principal, vejamos.

Não obstante a recorrente considerar que o tribunal de 1ª instância errou na subsunção jurídica dos factos e da pretensão da A, formulada na presente acção, não lhe assiste razão.

O enquadramento efectuado pelo tribunal recorrido estava correcto quando disse:

“Atento o teor dos factos alegados nos autos, dos considerados provados e do pedido nos autos formulado pela Autora, crê-se não existirem dúvidas de a questão a decidir se prende com a responsabilidade civil decorrente da organização de eventos desportivos sendo que, de forma clara, a pretensa responsabilidade imputada à primeira Ré pela Autora não se reconduz a qualquer tipo de responsabilidade contratual e sim e antes a uma pretensa responsabilidade extracontratual da primeira Ré por força de um pretenso incumprimento das obrigações sobre a mesma incidentes, por lei, relativamente à organização do evento.”

Estava igualmente certo o enquadramento referido ao dizer-se:

“….não nos situando no âmbito de uma pretensa responsabilidade civil contratual da primeira Ré, as forças policiais, os bombeiros e mesmo os ARDs ou stewards - meios usados na segurança do evento - se não podem considerar como meros auxiliares da primeira Ré, por ela escolhidos e por cuja actuação a primeira demandada se possa considerar responsável, nos termos do artº 800, nº 1 do C. Civil, norma essa inserida na sistemática do aludido diploma legal referente à falta de cumprimento da obrigação e mora imputáveis ao devedor de uma relação obrigacional.

Diga-se, aliás, que ainda que assim se não entendesse e se considerasse tais elementos de segurança como auxiliares da primeira Ré e do cumprimento, pela mesma, das suas obrigações - decorrentes da lei -, nunca poderia a primeira demandada ser considerada responsável pelos actos daqueles elementos de segurança, nos termos do aludido preceito legal por, em suma, não decorrer da matéria de facto alegada e resultante do julgamento poder a mesma dirigir ou fiscalizar a actividade dos bombeiros e dos agentes policiais e por, no que aos stewards se refere ( e à pretensa revista indevida dos adeptos do Sporting se refere, com a consequente entrada, no estádio, de engenhos pirotécnicos possibilitadores de desencadear incêndios ) não ter a Autora provado que tenha sido através do uso de tais engenhos ( entrados no recinto apesar da revista efectuada aos adeptos da demandante ) que os incêndios foram deflagrados –- ver III -, A), 33 - e B), 5 -, supra – e Ac. do S.T.J., de 23.1.2007, in www.dgsi.pt/jstj.

Do acima exposto decorre situar-se a questão dos presentes autos em sede de responsabilidade civil extracontratual e, considerando a responsabilidade civil em causa nos mesmos como sendo por acto ilícito, incumbiria à Autora, nos termos das disposições legais conjugadas dos artºs 342, nº 1 e 487 do C. Civil, o ónus da prova dos factos integradores de tal tipo de responsabilidade civil e, em concreto, da prática de um acto ou omissão de um acto, dominado ou dominável pela Ré, que o mesmo acto ou omissão violara direitos de terceiro - e, no caso, da Autora - e ainda da prova da existência de danos pela Autora sofridos em sua consequência.

Nos moldes aludidos competiria ainda, a entender-se situarmo-nos em sede de responsabilidade delitual da primeira Ré, por força do exercício de actividade perigosa, sempre à Autora incumbia, de qualquer modo, o ónus da prova dos requisitos da responsabilidade civil atrás referidos e, à primeira demandada, por seu turno o ónus da prova de que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os pretensos danos pela Autora referidos como sofridos, em consequência da sua conduta e exercício de tal actividade – cfr. artº 493, nº 2 do C. Civil.

A questão decidenda cinge-se, assim, ao apuramento da eventual responsabilidade civil da primeira Ré e, por consequência, da segunda demandada ( por força do contrato de seguro entre a primeira Ré e a segunda celebrado ) pelo seu pretenso incumprimento de obrigações sobre a mesma incidentes no que à organização do evento desportivo ( ?? ) em causa nos autos se refere e que sobre si recaíam, por força de disposições legais que regulam a matéria, visando evitar actos de violência em tais tipo de eventos.

Refira-se ainda, neste ponto, que as obrigações que sobre a primeira demandada incidiam nesta matéria são as denominadas obrigações de meios, em que o obrigado (ou devedor, em caso de responsabilidade civil contratual ) apenas se encontra obrigado a desenvolver prudente e diligentemente certa actividade para a obtenção de um resultado ou efeito, mas em que o mesmo não tem de garantir ou de assegurar que o mesmo se produza – ver, neste sentido, o Ac. do T. Relação de Lisboa, in www.dgsi.pt e que, de qualquer modo, tal sua obrigação se verifica para com os intervenientes no evento ( jogadores, equipas técnicas, árbitros ) e respectivos espectadores e não relativamente ao próprio promotor do evento.

Impõe-se salientar que a matéria em causa nos autos encontrava-se regulada, à data do jogo em causa nos autos, designadamente, pela Lei nº 38/98, de 4/8, pelo Dec. Lei nº 39/2009, de 30/7 e pelo Dec. Lei nº 238/92, de 29/10, no que se refere às obrigações do promotor do espetáculo desportivo, qualidade detida pela primeira Ré – crf. artº 3º, al. i) do Dec. Lei nº 39/2009, de 30/7, sujeita, também, às obrigações para a mesma (e também para a Autora) decorrentes do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional à data em vigor (…)

Ora, atento o teor dos diplomas legais aludidos, à data do evento dos autos, constata-se desde já, que a utilização da caixa de segurança em causa nos autos ( aprovada pelas entidades ligadas à Liga de Futebol Profissional, à P. S. P., aos bombeiros e pela P......., conforme o facto provado aludido em III -, A), 12 - e 13 - e o não provado, em III -, B), 8 - ) ou a mesma caixa de segurança não comportava, de per si, quaisquer riscos para os adeptos da Autora que, aliás, foram os agentes provocadores dos incêndios e que, se riscos correram pela sua retirada mais ou menos tardia do seu interior, a si próprio os devem, por os terem provocado.

Do referido resulta, deste modo e sem mais, não poder considerar-se que a alegada ausência de outras entradas e/ou saídas de emergência da mesma caixa de segurança tenha tido qualquer influência na ocorrência dos danos e ou seu agravamento, como pretendido pela Autora uma vez que não só não fora a conduta dos adeptos do Sporting Clube de Portugal e os incêndios não teriam ocorrido como, além do mais, as entidades competentes para o efeito entenderam gozar a estrutura em causa ( a caixa de segurança ) de condições para o efeito da sua utilização no aludido jogo.

Impõe-se ainda ressalvar, além do mais, que a manutenção dos adeptos da Autora no interior da caixa de segurança ou no estádio, noutra zona, durante cerca de uma hora, para lá do seu términus, é normal, devido à prévia necessária saída dos demais espectadores e dos adeptos do clube visitado, com controle da P. S. P. ( para evitar confrontos na saída e/ou imediações do estádio ) como que, por outro lado, a evacuação dos adeptos da Autora da caixa de segurança e do estádio dependia de decisão do comandante da Polícia de Segurança Pública, requisitada pela primeira Ré para a segurança do evento, decisão/ordem que o mesmo deu quando entendeu que a deveria dar.

Não pode também olvidar-se que é ao comando das forças policiais territorialmente competentes que cabe determinar o número de efectivos a destacar para o policiamento de cada espectáculo desportivo.

Veja-se, no que a esses temas se refere, o teor dos artºs 13º, nº 5 do Dec. Lei nº39/2009, de 30/7, bem como do artº 7º, nº 1 do Dec. Lei nº 238/92, de 29/10, sendo precisamente esta última norma legal que prevê ser da exclusiva competência do comandante da força policial a decisão de evacuação pelo que, quanto à pretensa eventual inexistência de meios em tal sede ou da responsabilidade da primeira Ré pela manutenção dos adeptos da Autora ( que por isso provocaram os incêndios na caixa de segurança ) e, por isso, dos danos sofridos no estádio, que a Autora lhe teve de pagar por força da decisão disciplinar, é evidente a improcedência da alegação da demandante por, em suma, não ter sido nem poder a primeira Ré a tomar a aludida decisão – ver III -, A), 11 -.

O mesmo se diga, aliás, da pretensa ausência de meios suficientes em sede de intervenção dos bombeiros, que a Autora não logrou provar.

É que, desde logo, não resulta da matéria de facto considerada provada nestes autos ( e da não provada ) qualquer pretensa falha de meios para a intervenção dos bombeiros, que até se encontravam no estádio da primeira Ré em número de 50, como decorre do facto considerado provado em III -, A), 8 - e da circunstância de os bombeiros apenas não terem extinto o incêndio que atingiu maiores proporções em momento anterior àquele em que o fizeram por razões relativas quer à agressão de que foram vitimas por parte dos adeptos da própria Autora, quer da actuação dos mesmos adeptos, que até alimentaram os incêndios – cfr. III -, A), 34 -, 46 - e 48 - a 54 - e os factos discriminados em III -, B), 1 - a 3 -, 5 - a 6 -, 13 -, 17 -, 19 - e 20 - a 22 - e ainda por, quando quiseram entrar na caixa de segurança para o efeito de extinguir o maior foco de incêndio, terem tido dificuldade em o fazer, por os adeptos da demandante estarem, no momento, a sair da mesma caixa.

E salienta-se, desde já, que sempre seria normal - e não imputável à primeira Ré - que os meios usados pelos bombeiros no jogo em causa pudessem, entretanto, dado o elevado número de focos de incêndio, ocorridos durante e após o términus do jogo, pudessem, entretanto, carecer de ser substituídos pois os meios não poderiam estar todos ao alcance dos bombeiros que estavam a garantir a sua extinção na zona da caixa de segurança onde os adeptos da demandante se encontravam…

Uma última palavra para referir que, no que à actuação dos bombeiros com ou sem proteção policial, não poderia a mesma ser imputada à primeira Ré por, em suma, lhe não caber decidir como intervém a força policial nem à mesma dar ordens e ainda por, de qualquer modo, no momento dos acontecimentos em causa nos autos os agentes da Polícia de Segurança Pública não poderem estar todos no interior da caixa de segurança, a controlar os adeptos da Autora e, no momento em que se deu o último foco de incêndio ( que atingiu maiores proporções ) os agentes policiais se encontrarem, certamente em grande número, a acompanhar/controlar a saída dos espectadores e dos adeptos a primeira Ré do estádio e, logo, a cumprir, quanto a grande parte do seu número, outras funções…

(…)

Assim e sem mais, entende-se não ter a Autora logrado a prova dos requisitos da pretensa responsabilidade civil extracontratual da primeira Ré e, logo, pela desnecessidade de apreciação da questão elencada em c) como a decidir e/ou por o seu conhecimento se mostrar prejudicado pela apreciação das questões decidendas a) e b) e, em suma, pela clara improcedência da acção, no que à primeira demandada respeita.”

Quer isto dizer que se concorda inteiramente com a decisão recorrida, ante a falta de prova de que a 1ª R tenha tido alguma culpa – por acção ou omissão na organização do espectáculo e no debelar dos incidentes ocorridos após o mesmo no estádio, quando a situação estava já sob controlo das autoridades policiais e dos bombeiros – e que possa ter sido causa (ou concausa) do dano ou do seu agravamento.

E que a responsabilidade que se pretende imputar à 1ª R, por virtude da sua qualidade de organizadora do espectáculo, se enquadra na responsabilidade extracontratual.

Mas também cumpre esclarecer que o instituto do art.º 570.º do CC não pode ser aplicado sem que exista uma obrigação de indemnizar, pois trata-se de norma que respeita à obrigação de indemnização, fazendo relevar no montante ou na própria obrigação de indemnizar o sentido da actuação – ou omissão – do próprio lesado, indicando que pode ser relevante um facto culposo do lesado.

Na presente acção, o facto culposo que se imputa ao 1º R. prende-se com os seus deveres de organização do espectáculo, no modo como organizou o enquadramento dos adeptos da A. no espaço físico do próprio espectáculo, e das condições de segurança desse mesmo espaço, que a serem demonstrados, poderiam conduzir à sua co-responsabilização extracontratual pelos danos ocorridos e que a A. foi condenada a suportar em sede de organização disciplinar e desportiva.

Pelos motivos indicados não se acompanha a pretensão da A., que visa com a acção – e com o recurso – “demonstrar que existe um determinado momento a partir do qual o agravamento do dano provocado pelo incêndio pode imputar-se ao lesado, na medida em que este, tendo a responsabilidade e as condições para combater e extinguir um fogo provocado por terceiros, não o fez” (cf. Alegações da revista.

E também não se acompanha a conclusão seguinte:

“Defender o contrário implicaria assumir que – após o facto danoso perpetrado pelos Adeptos da Autora - poderia o fogo permanecer ad aeternum esquecido pelo organizador do evento, sem que isso alguma vez pudesse ser-lhe imputado.”

Nem essa conclusão perpassa no espírito do julgador, que procurou o apuramento de factos que pudessem ser imputados à 1ªR e que tivessem levado ao resultado danoso.

E foi por não haver prova desses factos que a acção improcedeu: não conseguiu a A. demonstrar que a organização do espectáculo pela 1º R. não tinha as condições adequadas para lidar com uma situação de incêndio, que esta deixasse de cumprir com as suas obrigações de controlar o acesso ao recinto em condições de, em normalidade das situações, não entrarem no espaço objectos aptos a provocar incêndios e desacatos, ou que foi por sua decisão que os incidentes ocorridos foram enfrentados pela polícia e pelos bombeiros da forma que o foram, ou que pudesse determinar o modo como a polícia ou os bombeiros actuaram, por se entender que estavam sob a sua direcção – situação que também não se encontra provada.

A A. também não conseguiu demonstrar que essa deficiente organização do espectáculo sempre redundaria em incidentes graves não fora o comportamento dos seus próprios adeptos no final do espectáculo, estando demonstrado que estes impediram os bombeiros de executar a sua função no tempo e modo que os mesmos consideravam adequados.

E mesmo que se empreenda o caminho propugnado pela A. no sentido de “para efeitos da análise do dano produzido a partir das 22:27:30 do dia do jogo dos autos, afigurava-se relevante a análise da factualidade atinente (i)à utilização inovatória da caixa de segurança, (ii) à actuação das forças de segurança na protecção dos bombeiros no combate aos incêndio; (iii)ao momento em que foi tomada a decisão de evacuação do recinto – embora sempre na perspectiva de aferir a contribuição do organizador do evento para o aumento do dano” os factos apurados não são de molde a inverter a decisão, porquanto ficou provado que (nomeadamente):

48 - No momento em que o incêndio aludido em 30 - assumiu maiores proporções, o então comandante da ...Divisão da Polícia de Segurança Pública que efectuava o policiamento do evento em causa nos autos, BB, decidiu ordenar a retirada dos adeptos do Sporting da caixa de segurança para outro local do estádio e, concretamente, para o anel exterior, enquanto os demais espectadores e adeptos do Benfica acabavam de sair do estádio e do mesmo se afastavam.

49 - Na sequência do aludido em 48 -, os adeptos do Sporting que se encontravam na caixa de segurança no dia em causa nos autos começaram a sair, nesse momento e pelas 22.55 horas, para o anel exterior, tendo o espaço da caixa de segurança ficado livre de adeptos pelas 23.04 horas.

50 - No momento em que os bombeiros quiseram entrar na caixa de segurança para extinguir o foco de incêndio que ali deflagrou pelas 22.45 horas e que maiores proporções atingiu, tiveram aqueles dificuldade em entrar, devido à circunstância de, nesse momento, os adeptos do Sporting também estarem a sair do seu interior e os tentarem impedir de entrar, dizendo para deixar arder.

52 - Quando um primeiro bombeiro conseguiu entrar na caixa de segurança e se aproximou do foco de incêndio aludido em 50 - não conseguiu o mesmo, com o extintor, apagá-lo, quer porque se acabara a carga no mesmo contido e que servia para o efeito, quer devido ao calor que o foco irradiava.

53 - Na sequência do referido em 52 -, foi necessário aos bombeiros estudar a forma de proceder, com rapidez, à extinção do foco de incêndio em causa, o que se verificou durante um período de tempo não concretamente apurado mas, pelo menos, de dois minutos e foi ainda necessário que os bombeiros ali acedessem com os meios para o efeito necessários.

54 - Após o referido em 53 -, 7 a 8 bombeiros entraram na caixa de segurança e apagaram, na mesma e primeiro, pequenos focos de incêndio activos, para evitar o seu alastramento e, após, aproximaram-se do local onde se encontrava em curso o maior foco de incêndio, apagando-o.

58 - O último incêndio ocorrido no dia em causa nos autos e no Estádio da Luz expandiu-se mais fortemente, aumentando a sua intensidade, por não ter sido prontamente atacado pelos bombeiros, o que o terá conduzido às redes de segurança colocadas na parte de trás daquela bancada e que compunham a já aludida “caixa de segurança “, tendo também esta entrado em combustão.

59 - O último incêndio referido apenas foi objecto de combate efectivo pelos bombeiros pelas 23 horas, 7 minutos e 30 segundos, estando as imediações do mesmo, a partir das 22 horas e 55 minutos totalmente desimpedidas.

60 - Pelas 22 horas e 58 minutos daquele dia o acesso ao incêndio não encontrava qualquer obstáculo à chegada dos bombeiros, que apenas acorreram ao local pelas 23 horas e 5 minutos, munidos de extintores de mão.

61 - Só pelas 23 horas, 7 minutos e trinta segundos é que os bombeiros iniciaram um combate ao incêndio com mecanismos/extintores adequados ao efeito.

62 - Pelas 23 horas, 8 minutos e 30 segundos daquele dia o incêndio encontrava-se já controlado pelos bombeiros e não mais se expandia, encontrando-se, pelas 23 horas e 9 minutos já “em fase de rescaldo “.

63 - Os incêndios em causa nos autos foram provocados e alimentados por adeptos da Autora.

E não foi provado:

3 - Que a primeira Ré não tenha alocado ao evento em causa nos autos os meios necessários e suficientes para acudir às ocorrências que pudessem verificar-se.

4 - Que a primeira Ré tivesse qualquer forma de controlar a actividade dos stewards, durante, designadamente, a revista aos adeptos.

5 - Que os focos de incêndio verificados após o términus do jogo no interior da caixa de segurança tenham sido desencadeados por engenhos pirotécnicos introduzidos no estádio pelos adeptos do Sporting, apesar da revista aos mesmos efectuada à sua chegada.

6 - Que fosse previsível a obstaculização, pelos adeptos do Sporting, à entrada dos bombeiros - e/ou de elementos das forças de segurança - ao interior da caixa de segurança e ao cumprimento, pelos bombeiros, da sua função de extinção dos incêndios ali provocados por tais adeptos.

7 - Que a primeira Ré não tivesse um plano de evacuação dos adeptos.

8 - Que a caixa de segurança existente no estádio da primeira Ré comportasse, em si mesma, quaisquer riscos para os adeptos aí colocados.

11 - Que tenha sido a primeira Ré a decidir o momento em que os adeptos do Sporting podiam sair da caixa de segurança.

12 - Que a primeira Ré tenha tido, por alguma pretensa sua decisão relativa ao momento da evacuação dos adeptos do Sporting da caixa de segurança, qualquer comportamento que tenha contribuído para o deflagrar dos incêndios e/ou para a sua extinção mais ou menos rápida.

13 - Que a primeira Ré pudesse dar aos bombeiros quaisquer ordens relativas ao modo de os mesmos intervirem com vista à extinção dos focos de incêndio ocorridos durante o jogo e após o seu términus.

16 - Que a dificuldade na entrada dos bombeiros na caixa de segurança, naquele momento em que os adeptos do Sporting estavam a sair, se pudesse evitar se as forças de segurança que tomavam conta do evento tivessem decidido destinar um dos vomitórios à entrada dos bombeiros e os restantes à evacuação dos adeptos do Sporting daquela estrutura, assim se criando um fluxo ascendente e um ou dois fluxos descendentes, separados por um cordão policial.

17 - Que os bombeiros não tivessem, por razões atinentes à primeira Ré, acesso aos meios de combate ao fogo necessários e adequados para extinguir o incêndio que, após o términus do jogo, atingiu maiores proporções.

18 - Que as equipas de bombeiros que ficaram junto aos adeptos da Autora apenas tivessem dois extintores e que apenas houvesse mais três ou quatro no posto de socorro, de reserva.

19 - Que os extintores que os bombeiros tinham quando um deles tentou apagar, pela primeira vez o foco de incêndio que atingiu maiores proporções, não fossem os adequados para combater incêndios de intensidade elevada e que, por isso, os bombeiros tenham desistido e decidido aguardar por novos meios e que estes apenas tenham chegado pelas 23.07 horas.

20 - Que o dispositivo utilizado pelos bombeiros para a extinção - com sucesso - do incêndio que atingiu maiores proporções tenha sido proveniente de um carro de combate a incêndio chamado ao local para reforçar os meios existentes.

22 - Que a primeira Ré não tivesse mangueiras instaladas no próprio Estádio da Luz.

A conjugação dos factos provados com os não provados não é assim de molde a permitir concluir que, na organização do espectáculo, a 1ª R tenha organizado com deficiência o mesmo, não aportando os meios necessários à segurança do evento, que estava sob sua responsabilidade; que tivesse contratado menos bombeiros do que os necessários para um evento do tipo; que tivesse retardado a intervenção dos bombeiros no combate aos incêndios eclodidos ou que pudesse determinar como os bombeiros deviam operar e debelar os incêndios; que tivesse requisitado apoio policial em número insuficiente para a magnitude do evento ou que lhes pudesse determinar como deviam operar, nomeadamente na definição do momento em que os adeptos espectadores podiam sair do estádio; que os seguranças que efectuaram a revista de adeptos no ingresso no estádio fosse deficiente; que a caixa de segurança onde alocou os adeptos da A. não cumprisse as exigências de segurança impostas pelo objectivo da sua criação, ou fosse concebida com descuido ou descurando as regras de segurança do tipo de construção em causa.

E, ainda, respondendo às objecções da recorrente:

Quanto à suposta abstenção da 1º R. no combate ao incêndio - não existe prova da falha organizativa da 1ª R, em condições de normalidade de um espectáculo, que não fosse completamente dominada pelo comportamento desordeiro dos adeptos da A; nem se vê como possa a 1º R. ser responsável pelo facto de os bombeiros por si contratados não terem conseguido debelar o incêndio mais prontamente, sem a prova de que essa falta de deveu a uma vontade ou negligência desses profissionais em assim actuarem, mas apenas com base no resultado do acidente, já que nos termos do art.º 571.º do CC “Ao facto culposo do lesado é equiparado o facto culposo dos seus representantes legais e das pessoas de quem ele se tenha utilizado” desde que esse facto exista e seja provado.

Por outro lado, sempre importaria afirmar que o facto provado 58 [“O último incêndio ocorrido no dia em causa nos autos e no Estádio da Luz expandiu-se mais fortemente, aumentando a sua intensidade, por não ter sido prontamente atacado pelos bombeiros, o que o terá conduzido às redes de segurança colocadas na parte de trás daquela bancada e que compunham a já aludida “caixa de segurança “, tendo também esta entrado em combustão”] por si só não pode ser lido sem ligação com os anteriores factos provados, em que se tornou evidente que os bombeiros não actuaram mais pronta e energicamente por motivos ligados ao comportamento dos adeptos da A. (50 - No momento em que os bombeiros quiseram entrar na caixa de segurança para extinguir o foco de incêndio que ali deflagrou pelas 22.45 horas e que maiores proporções atingiu, tiveram aqueles dificuldade em entrar, devido à circunstância de, nesse momento, os adeptos do Sporting também estarem a sair do seu interior e os tentarem impedir de entrar, dizendo para deixar arder.) o que significa que não se identifica no referido facto 58 uma imputação do acidente ao comportamento dos bombeiros, que, do ponto de vista da causalidade, constitua uma concausalidade pela ocorrência dos danos a que a A. foi disciplinarmente condenada a suportar.

Ou seja, a imputação a que se reporta o art.º 571.º do CC só pode relevar se houver um juízo de censura que se possa atribuir a esses mesmos bombeiros, e que se venha depois a reflectir na 1ª R, como organizadora do espectáculo.

Finalmente, o tribunal recorrido teve também oportunidade de enquadrar a actuação dos bombeiros e da polícia no quadro legal aplicável à organização do evento, esclarecendo qual o papel reservado a cada entidade, e do qual perpassa a impossibilidade de a organizadora do espectáculo determinar qual o modo de intervenção da polícia e dos bombeiros, independentemente de ter sido a organizadora do espectáculo.

Improcede, assim, a questão suscitada.

18. Improcede igualmente a questão relativa à invocada nulidade por omissão de pronúncia, a título subsidiário – caso não se entenda que houve erro de julgamento – por envolver uma contradição com os seus próprios termos, pois se se imputa à resolução da questão um erro de julgamento é porque a mesma foi abordada, não podendo pretender-se que sobre a mesma tenha ocorrido uma omissão de pronúncia.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados, é negada a revista e confirmada a sentença.

Custas do recurso pela A.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2024

Fátima Gomes (relatora)

Oliveira Abreu

Nuno Pinto Oliveira