Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2452/18.3T8VRL.G1-A.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
PODERES DA RELAÇÃO
DIREITO ADJETIVO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE DIREITO
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
I. Doutrina e Jurisprudência vem, pacificamente, defendendo que não obstante a dupla conformidade existente entre decisões, sem fundamentação inovatória, essa mesma conformidade deixa de operar quando haja erro de direito na aplicação da lei adjetiva civil, nomeadamente, se a parte pretender reagir contra o não uso ou o uso deficiente dos poderes da Relação sobre a matéria de facto, quando se invoca um erro de direito.

II. Não se pode deixar de afirmar que se o recorrente, ao insurgir-se contra a reapreciação da decisão de facto, por parte da Relação, enquanto Tribunal recorrido, a coberto da invocada adesão acrítica, alegadamente assumida pelo acórdão recorrido relativamente à decisão proferida em 1.ª Instância, quando resulta dos autos que a Relação consignou expressamente que “não se vislumbra a verificação de erro de julgamento, acompanhando-se e reiterando-se a fundamentação exposta na sentença recorrida”, com “[reprodução da desenvolvida motivação da decisão de facto, exarada em 1ª Instância]”, pretende, ao cabo e ao resto, questionar a valoração da prova produzida, sujeita à livre apreciação, por parte da Instância recorrida, com a qual não se conforma, sem assacar ao aresto em escrutínio, em substância e objetivamente, qualquer violação de lei adjetiva ou a ofensa de disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova ou que fixe o valor de determinado meio de prova.

III. Reconhecendo-se que a decisão de facto é da competência das Instâncias, sublinhando-se que a vocação do Supremo Tribunal de Justiça está balizada no conhecimento das questões de direito, e ocupando-se o interposto recurso de revista, fundamentalmente, da apreciação da prova em sentido genérico, não incidindo na legalidade da decorrência do iter probatório, não descaracterizando, por isso, a conformidade dos arestos prolatados nas Instâncias, está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça o conhecimento da interposta revista.

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO     

1. Vem a presente reclamação deduzida pelo Autor/Reconvindo/AA do despacho da Mmª. Juíza Desembargadora relatora a quo que não admitiu o interposto recurso de revista, em termos gerais, consignando, a propósito, o seguinte:

“Nos termos do disposto no art.º 671.º, n.º3 do Código de Processo Civil não se admite o recurso de Revista interposto pelo Autor/apelante AA nos termos do n.º 1 do citado preceito legal, por inadmissibilidade legal.”

2. Sustenta o Reclamante/Autor/Reconvindo/AA que deve ser concedido provimento à presente Reclamação, sendo, em consequência, admitido o recurso de revista interposto, enunciando a seguinte argumentação:

“1. Interpôs o ora reclamante, no que ora releva, recurso de Revista, nos termos do disposto no artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

2. Sobre esse recurso recaiu o despacho ora reclamado que não admitiu o Recurso de Revista, previsto no artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que é do seguinte teor:

“Nos termos do disposto no art.º 671.º, n.º 3 do Código de Processo Civil não se admite o recurso de Revista interposto pelo Autor/apelante AA nos termos do n.º 1 do citado preceito legal, por inadmissibilidade legal.”

3. É sobre este segmento desse despacho que incidirá a nossa Reclamação.

Assim,

4. Defendeu o Reclamante a admissibilidade do Recurso de Revista para este Tribunal Superior, uma vez que o Acórdão em questão não cumpriu o previsto no artigo 662.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, isto é não usou os poderes que esse artigo confere à Relação, enquanto efectivo segundo grau de jurisdição.

5. Tal alegação foi sustentada no que defende o Senhor Conselheiro Abrantes Geraldes, isto é:

“1. O julgamento da matéria de facto constitui o principal objetivo do processo civil declaratório, tendo em conta que dele depende o resultado da ação, assim se compreendendo a evolução do sistema, com vista a assegurar um efetivo segundo grau de jurisdição”.

(…) 3. Com a nova redação do art. 662.º pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo da correção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afetam a decisão da matéria de facto ( v.g contradição) e também sem prejuízo do ónus da impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art.640.º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência.

(…) 4. O atual art. 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.

7. Sendo a decisão do tribunal a quo o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação, tais como documentos particulares sem valor confessório, relatórios periciais ou declarações da parte a que não corresponda confissão, desde que a parte interessada cumpra o ónus de impugnação prescrito pelo art. 640.º, a Relação, assumindo-se como verdadeiro tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia.

(…) a Relação deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo.

(…) Esta tem sido a jurisprudência reiterada expressa em numerosos acórdãos do Supremo, afirmando (em face da norma anterior, ainda assim, menos incisiva) que o exercício dos poderes da Relação no que respeita à decisão da matéria de facto não pode limitar-se à enunciação de argumentos marginais de pendor abstrato, impondo sempre a reapreciação dos meios de prova oralmente produzidos, desde que o recorrente tenha cumprido o ónus de alegação regulado nos termos do art. 640.º.”

6. Bem como no que defende a jurisprudência, que cremos unânime e pacífica, deste Tribunal Superior, nomeadamente:

I. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.2016, processo n.º 907/13.5TBPTG.E1.S1, relatado por Abrantes Geraldes e disponível em www.dgsi.pt :

“3. Não tendo sido efectivamente apreciada a impugnação da decisão da matéria de facto nem reapreciada a prova que foi indicada pelo recorrente relativamente aos pontos de facto impugnados, deve o processo ser remetido à Relação para o efeito.

(…) O art. 662º do NCPC, na linha do que já antes se anunciava, procurou tornar ainda mais claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.

(…) 9. Como se constata pelo resumo que foi feito dos argumentos apresentados, a Relação não chegou a apreciar efectivamente os meios de prova que foram indicados pelos recorrentes para informar algumas das respostas que foram dadas quanto à matéria de facto provada e não provada.

(…) Tendo os recorrentes impugnado especificadamente diversos pontos de facto cuja resposta pretendem ver alterada e tendo indicado, para além das respostas pretendidas, os meios de prova que no seu entender determinam as pretendidas modificações, a Relação só tinha uma via a seguir: proceder à reapreciação dos meios de prova e, uma vez formada a sua convicção, traduzi-la, se fosse o caso, em modificações da decisão da matéria de facto.

(…) Em tal contexto alegatório, cabia à Relação assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e proceder à valoração dos meios de prova, dentro dos parâmetros de ordem substantiva e processual a que está vinculada, em lugar de se limitar a proclamar, como na realidade o fez, o relevo que, em abstracto, deve ser atribuído à livre apreciação (que a Relação desprezou) ou a arrolar justificações para a inércia reapreciativa assentes em alegadas dificuldades na realização dessa tarefa. Platónica parece ser também a afirmação da bondade do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª instância cujo acerto, contudo, não comprovou quando podia e deveria ter comprovado.

Não passamos mais uma vez do nível da mera justificação teórica para justificar um determinado resultado, sem que seja revelada e demonstrada, através da necessária explicitação, os efeitos que os meios de prova provocaram na convicção da Relação, de modo a reflecti-los na decisão da matéria de facto, infirmando, confirmando ou modificando o resultado advindo da 1ª instância.

10. Por conseguinte, impõe-se a anulação do acórdão com base na violação de regras de direito processual, com remessa dos autos à Relação para que aprecie a apelação dentro dos parâmetros que a lei adjectiva impõe e a que se aludiu.” (destaques nossos).

II - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.09.2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, relatado por Azevedo Ramos e disponível em www.dgsi.pt:

“I - Ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, o legislador pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise.

II - A reapreciação da prova pela Relação, nos termos do art. 712.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do CPC, tem a mesma amplitude de poderes que tem a 1.ª instância.

III - A Relação não pode remeter para o juízo de valoração da prova feito na 1.ª instância, pois tem de fazer, com autonomia, o seu próprio juízo de valoração que pode ser igual ao primeiro ou diferente dele.

IV - A reapreciação das provas não pode traduzir-se em meras considerações genéricas, sem qualquer densidade ou individualidade que as referencie ao caso concreto.

V - Se o aresto impugnado se limitou a aderir à decisão sobre a matéria de facto proferida em 1.ª instância, sem proceder à indispensável análise crítica e respectiva fundamentação das respostas, de modo a justificar a sua própria e autónoma convicção, foi violado o art. 712.º, n.º 2, do CPC, impondo-se a anulação do acórdão recorrido.

(…) A reapreciação das provas não pode traduzir-se em meras considerações genéricas, sem qualquer densidade ou individualidade que as referencie ao caso concreto (Ac. S.T.J. de 20-9-2007, Col. Ac. S.T.J., XV, 3º, 58).

Impõe-se antes que a Relação “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada “ (Ac. S.T.J. de 3-11-2009, disponível em www.dgsi.pt).

No caso concreto, já vimos que a Relação, apesar de ter ouvido os registos da prova, não analisou criticamente cada um dos meios de prova indicados como fundamento da impugnação, nem cumpriu o dever de fundamentação sobre cada um dos pontos da matéria de facto impugnada e que as recorrentes consideram terem sido mal julgados.

Pelo contrário, o aresto impugnado limitou-se a meras considerações genéricas e a aderir à decisão sobre a matéria de facto proferida em 1ª instância, sem proceder à indispensável análise crítica e respectiva fundamentação das respostas, de modo a justificar a sua própria e autónoma convicção.

Assim sendo, foi violado o art. 712, nº2, do C.P.C., impondo-se a anulação do Acórdão recorrido, para que se proceda à reapreciação de cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, de acordo com os princípios que se deixaram expostos.” (destaques nossos).

III - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05.04.2022, processo n.º 1916/18.3T8STS.P1.S1, relatado por Luís Espírito Santo, disponível em www.dgsi.pt:

“I - As questões relacionadas com o incorrecto uso dos poderes de facto conferidos por lei ao tribunal da Relação, com violação do disposto no art. 662.º do CPC, não se encontram abrangidas pelos efeitos da dupla conforme, impeditiva da interposição da revista normal nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC.

(…) III - É o que sucede, por exemplo, quando o tribunal da Relação rejeita indevidamente a impugnação de facto com fundamento em incumprimento das exigências consignadas no art. 640.º, n.os 1 e 2, do CPC que afinal não se verifica; quando não se debruça, com a suficiência, a autonomia e a completude exigíveis, sobre a análise de toda a matéria concretamente impugnada, refugiando-se em considerações de natureza geral ou tabelar que não se traduzem em qualquer efectivo reexame dos factos que o recorrente alegou encontrarem-se incorrectados decididos; quando descura a exposição da fundamentação que permite objectivamente compreender o percurso intelectual subjacente à reanálise da prova.

(…) Apreciando:

Não subsiste qualquer dúvida de que as questões relacionadas com o incorrecto uso dos poderes de facto conferidos por lei ao Tribunal da Relação, com violação do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil, não se encontram abrangidas pelos efeitos da dupla conforme, impeditiva da interposição da revista normal nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil.

Ou seja, constitui dever específico do Tribunal da Relação exercer efectivamente os seus poderes de reavaliação do juízo de facto emitido em 1ª instância, na sequência da impugnação apresentada pela apelante.

Se for omitida ou incorrectamente exercida tal actividade processual respeitante à sindicância da matéria de facto impugnada – que constitui pronúncia originária que compete unicamente à 2ª instância - esse incumprimento dos deveres impostos no artigo 662º do Código de Processo Civil comporta naturalmente a interposição de revista normal para o Supremo Tribunal de Justiça.

É o que sucede, por exemplo, quando o Tribunal da Relação rejeita indevidamente a impugnação de facto com fundamento em incumprimento das exigências consignadas no artigo 640º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil que afinal não se verifica; quando não se debruça, com a suficiência, a autonomia e a completude exigíveis, sobre a análise de toda a matéria concretamente impugnada, refugiando-se em considerações de natureza geral ou tabelar que não se traduzem em qualquer efectivo reexame dos factos que o recorrente referiu encontrarem-se incorrectados decididos; quando descura a exposição da fundamentação que permite objectivamente compreender o percurso intelectual subjacente à reanálise da prova.

Conforme escreve sobre esta matéria Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2020, 6ª edição, a páginas 415 a 416:

“Uma situação, a carecer de intervenção do elemento racional para determinação da resposta mais correcta, respeita aos casos em que é invocada no recurso de revista a violação de normas de direito adjectivo relacionadas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto.

Pode acontecer que a Relação rejeite pura e simplesmente a impugnação da decisão da matéria de facto por motivos ligados à falta de identificação dos pontos de facto impugnados, a omissão de indicação dos meios de prova, ou à falta de enunciação da resposta alternativa. Por exemplo, a Relação não admitiu o recurso de apelação na parte em que foi impugnada a decisão da matéria de facto, com o fundamento no incumprimento de alguns dos ónus previstos no artigo 640º; ou, noutro plano que demanda a aplicação do artigo 662º, recusou a apreciação dos meios de prova, a pretexto de alegadas dificuldades ou impedimentos decorrentes dos princípios da imediação ou da livre apreciação de prova.

Numa determinada perspectiva mais formal, em tais circunstâncias ocorreria uma dupla conformidade: literal e finalisticamente a Relação teria confirmado nesses casos a decisão recorrida sem voto de vencido e sem fundamentação substancialmente diversa. Todavia, tal conclusão não parece a mais ajustada, já que, relativamente à questão adjectiva relacionado com o ónus de alegação ou com o dever de reapreciação dos meios de prova, a interposição do recurso de revista constitui a única possibilidade de fazer reverter a situação a favor do recorrente nos casos em que o acórdão da Relação esteja eivada de erro de aplicação da lei processual a respeito da decisão da matéria de facto.

Nessas situações, e noutras similares, em que seja apontada à Relação erro de aplicação ou de interpretação da lei processual, ainda que seja confirmada a sentença recorrida no segmento referente à apreciação do mérito da apelação, não se verifica, relativamente àqueles aspectos, uma efectiva efectiva situação de dupla conforme, já que as questões emergiram ex novo do acórdão da Relação proferido no âmbito do recurso de apelação, sem que tenham sido objecto de apreciação na 1ª instância”.

(Sobre esta temática, vide, entre outros:

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2013 (relator Azevedo Ramos), proferido no processo nº 1965/04.9TBSTB.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2020 (relator Nuno Pinto de Oliveira), proferido no processo nº 22/17.2T8CLB.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Janeiro de 2020 (relatora Fátima Gomes), proferido no processo nº 12422/16.0T8LSB.L1.S1, publicado in ECLI; STJ;

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Setembro de 2020 (relator Ilídio Sacarrão Martins), proferido no processo nº 4794/16.3T8GMR.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2020 (relator José Rainho), proferido no processo nº 1863/16.3T8PNF.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020 (relator Rijo Ferreira), proferido no processo nº 277/12.9TBALJ.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020 (relator Tomé Gomes), proferido no processo nº 4016/13.9TBVNG.P1.S3, publicado in www.dgsi.pt;

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 2020 (relatora Ana Paula Boularot), proferido no processo nº 247/11.1TBMTR.G1-A.S1, publicado in ECLI; STJ;

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2021 (relator Fernando Samões), proferido no processo nº 668/18.6T8PVZ.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt;

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Maio de 2021 (relator Luís Espírito Santo), proferido no processo nº 3277/12.5TBLLE-F.E2.S1, publicado in www.dgsi.pt).” (destaques nossos).

7. Salientou, também, o reclamante que nas suas alegações de recurso de apelação indicou e invocou (no texto da sua motivação e posteriormente sintetizado nas suas conclusões):

1. Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e a decisão que entendia deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo (i) indicado alguns dos factos que entendia que deveriam ser aditados à matéria de facto, (ii) os factos dados como provados que deveriam ser dados como não provados e (iii) os não provados que deveriam ser dados como provados (tudo sintetizado nas conclusões 3 a 6);

2. Os concretos meios probatórios, constantes do processo e de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão diversa sobres esses pontos da matéria de facto (sintetizados nas conclusões 7 a 60) com a indicação exacta das passagens da gravação em que se fundava, em parte, esse recurso (tendo procedido à transcrição, na motivação das alegações de recurso, dos excertos que considerou mais relevantes).

2.1. Quanto a este aspecto, o Recorrente indicou os respectivos depoimentos, com transcrição dos excertos que considerou mais relevantes, assinalou nesses depoimentos contradições evidentes entre depoimentos, entre depoimentos e o que foi alegado (por escrito) ao longo das peças processuais que foram submetidas pela Recorrida – nomeadamente na contestação apresentada, indicando-se os artigos concretos que referiam coisa diferente do que foi dito nesses depoimentos.

2.2. Salientou-se as contradições entre o depoimento e declarações de parte da Recorrida e dos seus dois irmãos (mais velhos) BB e CC- tendo sido assinalado que esta testemunha disse no seu depoimento, além do mais, que “Depende. Se a porta, se a porta estava fechada, o portão (impercetível) estava geralmente sempre aberto. (impercetível) porta estava fechada, tinha que se estar a tocar à campainha ou bater à porta, essas coisas” e que “NÃO SE ACHAVAM NO DIREITO, achavam que era uma coisa já que estava feita, que era normalíssimo. PORTANTO, OS MEUS AVÓS ERA POR ALI QUE ENTRAVAM. Fez-se a casa, nunca houve nenhum (impercetível) "pá, vocês agora, a partir daqui, não podem entrar". Nunca houve essa (impercetível), PORTANTO, ERA UMA COISA QUE NUNCA SE PÔS, PORQUE É QUE SE PASSA E PORQUE É QUE NÃO SE PASSA.”)

2.3. Assinalou-se a evidente falta de razão de ciência e conhecimento de DD (testemunha que a Recorrida indicou na sua contestação como tendo sido quem realizou o projecto da sua habitação, sendo que esta testemunha no seu depoimento afirmou que não se lembrava disso, bem como que teve acesso a uma carta exibida pela Recorrida e que esta o levou ao quintal um mês antes do seu depoimento para lhe dizer o que ela entendia ser dela).

E também se assinalou a animosidade que esta testemunha revelou ter com o Recorrente (que não conhece nem nunca consigo esteve) e que é atestada na gravação do seu depoimento.

2.4. Foram indicados também os seguintes meios de prova documental:

i) Escrituras juntas como documentos n.º 1 da Réplica, n.ºs 2 e 5, 6, 8, 9, 36 da Petição inicial e os Registos na conservatória juntos como documentos n.ºs 1, 2 da Petição Inicial, ii) Fotografias juntas como documentos n.º 4, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26, 27,

31, 32, 33, 34, 35, iii) Declarações complementares da Ré juntas como doc n.º 18 da petição inicial, iv) Informação do serviço de Finanças ..., notificado às partes a 18.10.2019, v) Levantamento topográfico junto como doc 16 da Petição Inicial, vi)O parecer técnico de fls. 544 a 553 junto pelo Autor relativamente à análise linguística;

2.4.1 - Relativamente a este parecer técnico (junto ao abrigo do disposto no artigo 426.º do Código de Processo Civil e elaborado por um reconhecido perito linguístico que exerce, também, a sua actividade em colaboração com o Ministério Público na investigação de crimes em que são utilizados meios de prova escritos) saliente-se que, nem o Juiz do tribunal da 1.ª instância, nem a Recorrida pretenderam inquirir o autor deste parecer após a junção do mesmo (eventualmente para esclarecerem alguns pontos que entendessem necessários).

Daí que não se concebe como o tribunal de primeira instância afasta este parecer técnico por ter sido junto pelo Recorrente (apesar de não colocar em causa a bondade do mesmo por ausência de conhecimentos técnicos para o fazer) nem a afirmação feita no Acórdão Recorrido: “Salientando-se que o parecer junto aos autos a fls. 544 a 553 foi realizado extrajudicialmente, a pedido do Autor, ainda, tendo sido realizado sem a intervenção e contraditório da parte contrária, não revestindo o valor probatório de perícia judicial.”

Isto porque, a junção (e consequentemente a sua prévia elaboração) encontra acolhimento no referido artigo 426.º do Código de Processo Civil, a ausência de intervenção e contraditório da parte contrária ocorreu por responsabilidade da parte contrária ( pelos motivos acabados de expor) e, por fim, o facto de não revestir o valor probatório de perícia judicial não afasta a obrigatoriedade de ser analisado, valorado e decidido o seu valor probatório, fundamentando-se, em conformidade, a conclusão a que se chegar ( cfr. artigos 413.º, 607.º, n.ºs 4 e 5, do Código de Processo Civil).

E, quanto ao teor deste parecer técnico, realça-se a circunstância (inegável) de uma das cartas analisadas conter expressões notoriamente contemporâneas – “Acuso a recepção da sua carta, à qual passo a responder” – e que não eram utilizadas em 1976, nem ditadas por uma pessoa analfabeta (como aliás se nota pelo teor da carta antecedente junta como documento n.º 6 da contestação) em que não é assim iniciada. Salientou-se (e a Relação nem se pronunciou) a circunstância de ambas as cartas juntas com a contestação terem um intervalo temporal de dois meses e uma escrita totalmente antagónica entre si.

2.4.2. Foi também indicado o valor da perícia colegial (de resultado unânime).

3. E, por fim, a decisão que entendia o Recorrente que deveria ser proferida quanto à matéria de facto impugnada (sintetizada na conclusão 61).

4. Relativamente à impugnação da matéria de Direito o Recorrente suscitou a questão de a sentença reconhecer área pertencente ao prédio da Recorrida sem suporte na matéria de facto apurada, a questão de nunca terem sido alegados pela Recorrida a existência de sinais visíveis e permanentes que conduzissem à existência de uma servidão de passagem constituída por usucapião, tendo a sentença substituído essa ausência de alegação, bem como que ainda que se entendesse tal servidão estar constituída, a mesma deveria ser negada por ser sobre um pátio adjacente à edificação existente no prédio do Recorrente (conforme se decidiu no Acórdão do STJ de 11.11.2003 melhor identificado nesse recurso apresentado).

4.1 Tais questões de Direito foram sintetizadas nas conclusões 62 a 85.

5. E, por último, o Recorrente indicou as normas jurídicas que entendeu terem sido violadas.

7. O reclamante também salientou a total ausência de análise, no Acórdão recorrido, dos elementos indicados pelo reclamante e que, em consequência, a Relação não usou os poderes que lhe são impostos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil e pela jurisprudência acima citada.

De facto, constata-se no Acórdão em crise que este se limitou a aderir sem crítica ou justificação à fundamentação da sentença recorrida (que transcreveu praticamente na íntegra quanto aos pontos assinalados pelo Recorrente), não formando a sua convicção própria nem sequer analisando a prova indicada pelo Recorrente em cumprimento do ónus previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil.

Saliente-se que, no seu recurso, o Reclamante referiu que foram indicados os depoimentos que entendia imporem decisão diversa (assinalando os pontos em que havia divergências, contradições), os elementos documentais que também impunham decisão diversa, justificando o motivo pelo qual assim entendia.

Da leitura do acórdão proferido pela Relação de Guimarães não consta a análise de um único depoimento, a razão pela qual o recorrente não tem razão nas contradições e divergências que assinala ou o motivo pelo qual os documentos juntos não demonstram e não provam o que o recorrente assinalou.

8. Face ao exposto e atento o teor do segmento do despacho ora reclamado resulta que o mesmo desconsidera e contraria frontalmente o entendimento deste Tribunal Superior quanto a esta matéria (indicado e descrito nas nossas alegações de Recurso). Pois, de facto, invocando o n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil apenas podemos presumir que o despacho em crise considera existir dupla conforme nos casos em que a Relação omite o cumprimento dos seus deveres e obrigações de efectivo 2.º grau de jurisdição.

9. Por seu turno, e julgamos que de forma pacífica, a jurisprudência deste Tribunal Superior tem categoricamente defendido que as questões relacionadas com o incorrecto uso dos poderes de facto conferidos pela Lei ao Tribunal da Relação, em violação do artigo 662.º do Código de Processo Civil, não estão abrangidas pelos efeitos da dupla conforme, pelo que admitem a interposição de recurso de revista normal.

10. Repetindo o acima citado trecho constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.04.2022, que sintetiza a posição deste Tribunal Superior quanto a esta matéria:

- “I - As questões relacionadas com o incorrecto uso dos poderes de facto conferidos por lei ao tribunal da Relação, com violação do disposto no art. 662.º do CPC, não se encontram abrangidas pelos efeitos da dupla conforme, impeditiva da interposição da revista normal nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC.

11. E que nesse caso:

Se for omitida ou incorrectamente exercida tal actividade processual respeitante à sindicância da matéria de facto impugnada – que constitui pronúncia originária que compete unicamente à 2ª instância - esse incumprimento dos deveres impostos no artigo 662º do Código de Processo Civil comporta naturalmente a interposição de revista normal para o Supremo Tribunal de Justiça.

12. Conforme exposto considerando que o entendimento vertido no segmento do despacho ora reclamado viola e contraria frontalmente a jurisprudência deste Tribunal Superior – sem sequer explicar ou fundamentar a razão dessa divergência - defendemos, no nosso modesto entendimento, que tal segmento de despacho não se poderá manter.

13. Pelo exposto deve ser deferida a presente Reclamação e, em consequência, admitido o recurso de revista interposto que, conforme no mesmo é referido, é de revista – artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil - a subir imediatamente, nos próprios autos (artigo 675.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Termos em que

Nestes termos e nos mais de direito que V.s Ex.ªs muito doutamente suprirão, deve ser concedido provimento à presente Reclamação, sendo, em consequência, admitido o recurso de revista interposto.”

3. O Autor/Reconvindo/AA, ora reclamante, não se conformando com o Acórdão, na parte em que julgou improcedente o seu recurso de apelação, dele interpõe recurso de revista, em termos gerais, para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art.º 671º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e, subsidiariamente, de revista excecional, nos termos do art.º 672º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, aduzindo as seguintes conclusões:

“1. O Acórdão recorrido limitou-se a aderir acriticamente à decisão proferida em 1.ª instância, não tendo cumprido o seu dever de se pronunciar, formar a sua própria convicção e decidir sobre todos e cada um dos factos concretos, cuja decisão foi impugnada pelo Recorrente, no seu recurso de apelação.

2. Como também não analisou um único elemento de prova - quer testemunhal, quer documental - indicado pelo Recorrente; não analisou uma única contradição, quer entre depoimentos, quer entre estes e o que foi alegado nas peças processuais apresentadas ao longo do processo (e indicadas pelo Recorrente).

3. Este dever de reapreciação da matéria de facto decorre do artigo 662.º do Código de Processo Civil, conforme é pacificamente referido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça indicada na motivação deste recurso.

4. Conclui-se, assim, que o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil impondo-se, por isso, a anulação desse Acórdão para que se proceda à reapreciação de cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, de acordo com os princípios acima expostos na motivação deste recurso.

5. Acresce que as questões relacionadas com o incorrecto uso dos poderes de facto conferidos pela Lei ao Tribunal da Relação, violando o referido artigo 662.º, não estão abrangidas pelos efeitos da dupla conforme, pelo que admitem a interposição do presente Recurso de revista normal, o que constitui o primeiro fundamento deste recurso.

Subsidiariamente,

6. Caso assim não se entenda, não se conforma o Recorrente com o Acórdão recorrido que julgou improcedente (na parte em que o fez) o recurso de apelação do Autor confirmando a decisão recorrida, pelos motivos que se explicarão.

7. O Acórdão de que ora se recorre encontra-se em contradição com outros dois, já transitados em julgado, acerca das seguintes questões: (i) inadmissibilidade de constituição de uma servidão de passagem por usucapião através de um pátio de uma casa de habitação e (ii) inadmissibilidade da existência de dois direitos de propriedade de titulares diferentes (Recorrente e Recorrida) sobre parte integrante de um imóvel pertencente somente a uma das partes (neste caso um quintal).

8. Começando pela primeira questão, o Acórdão Recorrido está em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 11.09.2012, no âmbito do processo n.º 24/08.0TBMGL, no domínio da mesma Legislação – Código Civil, concretamente na parte dedicada à constituição das servidões prediais – e sobre a mesma questão fundamental de direito, isto é, aferir se é possível constituir-se uma servidão de passagem por usucapião sobre um pátio de um prédio urbano (casa de habitação de rés- do- chão).

9. No Acórdão-fundamento entendeu-se não ser possível; no Acórdão recorrido entendeu-se ser possível.

10. Em concreto, no Acórdão-fundamento entendeu-se que “Não pode reconhecer-se o direito de servidão de passagem (…) constituída por usucapião, a favor de prédio rústico ( dominante ) e sobre um prédio urbano ( casa de habitação de rés do-chão, primeiro andar e pátio ), cujo trajecto situa-se no pátio, junto à porta da casa, porque a devassa resultante do exercício do direito de passagem sobre prédio urbano, destinado à habitação, não é compatível com o direito à privacidade, ínsita no direito à habitação, e com base em argumento de maioria de razão com o art.1550 do CC( servidão em benefício de prédio encravado ), que apenas permite a constituição de servidão de passagem sobre prédios rústicos.”

11. Sustenta-se neste Acórdão-fundamento que “Evidentemente, não pode ser reconhecido esse invocado direito contra os RR, desde logo porque ele sacrificaria o direito de privacidade implicado no direito à habitação dos RR. A devassa resultante do exercício do direito de passagem pelo prédio urbano, ademais destinado à habitação, não é compatível, em qualquer grau, com o direito à privacidade ínsita no direito de habitação.

Tanto assim é que, mesmo para casos mais gravosos como são os de prédios encravados, o artigo 1550º do Código Civil apenas permite a constituição de servidão de passagem sobre prédios rústicos (embora o conceito de prédios rústicos ali seja extensível a quaisquer terrenos, como logradouros). E se assim é para esses casos mais gravosos, por maioria de razão o é para esta situação em que se pretende à outrance a passagem através de casa de habitação. (…) Há, pois, impossibilidade legal de estabelecimento de servidão de passagem sobre o r/c de um prédio urbano e, com maior acuidade, sobre o r/c de prédio urbano destinado à habitação.

12. Em sentido contrário decidiu o Acórdão Recorrido que, não obstante incidir tal servidão de passagem sobre um pátio que integra um prédio urbano (casa de habitação de rés do chão), tal não impede a constituição de tal servidão de passagem ( ainda que seja sobre um pátio que constitui o único acesso do Recorrente à sua casa).

13. De facto, não é adequado, nem proporcional a constituição de uma servidão de passagem através de um pátio de uma casa de habitação, que constitui o único acesso a essa casa, por, desde logo, violar o direito de privacidade ínsito no direito de propriedade.

14. Como também não o é quando tal servidão é concedida a outro prédio urbano, que dela não necessita por ter um acesso/porta própria e que mais não representa do que uma manifesta violação desse direito de privacidade, porquanto implica a passagem por um pátio que depois comunica com as várias divisões da habitação propriamente dita conforme descrito no facto provado número 16.

15. Acresce que o entendimento defendido no Acórdão Recorrido no sentido em que o artigo 1551.º, n.º 1, do Código Civil, permite a constituição de servidões de passagem sobre logradouros/terrenos adjacentes a prédios urbanos não pode, naturalmente, ser aplicado para fundamentar a constituição da servidão de passagem em questão.

16. Uma vez que um pátio com as características acima referidas não é um logradouro/terreno para esses efeitos, conforme bem se decidiu no Acórdão-Fundamento.

17. Em ambos os Acórdãos foi aplicada a mesma legislação – o Código Civil, concretamente na parte dedicada à constituição de servidões prediais.

18. Considerando o exposto conclui-se que se verifica a hipótese legal prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 672.º do Código de Processo Civil.

19. Relativamente à segunda questão identificada o Acórdão Recorrido está em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 07.04.2016, no âmbito do processo n.º 421/13.9TBOHP.C1, no domínio da mesma Legislação – Código Civil, na parte relativa ao direito de propriedade – e sobre a mesma questão fundamental de direito, isto é, aferir se é possível uma parte integrante de um imóvel ser objecto de direito de propriedade simultâneo de titulares diferentes.

20. Em ambos os acórdãos a questão analisada é saber se é admissível constituição de um direito de propriedade de dois titulares distintos sobre uma parte integrante de um imóvel (pertencente somente a um desses titulares).

21. No acórdão-fundamento entendeu-se que não é possível, sendo que o Acórdão Recorrido entendeu ser possível.

22. Este Acórdão-fundamento refere o seguinte: “I – Em face do regime geral do direito de propriedade sobre imóveis, qualquer edifício incorporado no solo só pode ser objecto de um único direito de domínio, o qual abrangerá toda a construção, o solo em que esta assenta e os terrenos que lhe servem de logradouro, como se infere das regras sobre acessão industrial imobiliária e do disposto no art.º 1344º do C. Civil, numa manifestação do princípio da especialidade ou da individualização que rege os direitos reais, na vertente segundo a qual, incidindo o direito de propriedade sobre a totalidade das coisas que constituem o seu objecto, não podem as suas partes integrantes ou componentes serem objecto de direito de propriedade de titular diferente, sendo o destino jurídico da coisa unitário.

V - Não se encontrando demonstrada uma prévia ou pelo menos simultânea constituição da propriedade horizontal do edifício em causa, a posse de parte desse edifício não pode determinar a aquisição por usucapião dessa parte, uma vez que não são susceptíveis de um domínio autónomo partes componentes de uma coisa.

23. Cumprirá salientar que, conforme alínea b) do dispositivo da sentença recorrida (já transitado em julgado porque não foi objecto de nenhum dos recursos interpostos) foi decidido que: “b) Declaro que, o prédio descrito na certidão junta como doc. n º 1, é o mesmo prédio que o descrito na certidão junta como doc. n º 2, com a p.i., ou seja, que o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia ... sob o art. 183º é o mesmo que o prédio inscrito na matriz da freguesia ... sob o art. 109º.”

24. Isto é, o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia ... sob o art. 183º era integrado, além do mais, por um quintal (sendo que este imóvel consta registado a favor dos antecessores e antepossuidores do Recorrente na respectiva conservatória desde 11.02.1935);

25. Donde resulta, julgamos nós de forma linear e clara, que o quintal em discussão nestes autos pertencia ao Imóvel hoje do Recorrente, pois de outra forma carecia de sentido ter sido “dada metade deste quintal” aos pais da Recorrida, na medida em que só se dá (e recebe) o que pertence ao doador e não pertence ao donatário.

26. E, a ser assim (como é), tal quintal nunca deixou de ser parte integrante do imóvel do Recorrente, nos termos do disposto nos artigos 204.º, n.º 1, alínea a) e n.º2 e 1344.º, ambos do Código Civil, não podendo ser alvo de dois direitos de propriedade simultâneos sobre esse quintal ( como o Acórdão Recorrido decidiu).

27. Como aliás é espelhado (no que concerne à circunstância desse quintal integrar o imóvel do Recorrente) no facto provado número 16 ao referir a existência do quintal pertencente ao prédio do Recorrente.

28. Tal espaço não pode ser adquirido por usucapião precisamente por causa da “manifestação do princípio da especialidade ou da individualização que rege os direitos reais, na vertente segundo a qual, incidindo o direito de propriedade sobre a totalidade das coisas que constituem o seu objecto, não podem as suas partes integrantes ou componentes serem objecto de direito de propriedade de titular diferente, sendo o destino jurídico da coisa unitário.

29. Pelo que os factos provados indicados no Acórdão Recorrido para fundamentar a manutenção desta decisão não alteram esta conclusão precisamente porque, conforme referido no Acórdão-fundamento: :” Em face do regime geral do direito de propriedade sobre imóveis, qualquer edifício incorporado no solo só pode ser objecto de um único direito de domínio, o qual abrangerá toda a construção, o solo em que esta assenta e os terrenos que lhe servem de logradouro, como se infere das regras sobre acessão industrial imobiliária e do disposto no art.º 1344º do C. Civil, numa manifestação do princípio da especialidade ou da individualização que rege os direitos reais, na vertente segundo a qual, incidindo o direito de propriedade sobre a totalidade das coisas que constituem o seu objecto, não podem as suas partes integrantes ou componentes serem objecto de direito de propriedade de titular diferente, sendo o destino jurídico da coisa unitário.

30. Por outro lado o invocado artigo 1287.º do Código Civil (referido no Acórdão Recorrido) também não o permite, uma vez que este artigo prevê que “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário” que como já demonstramos existe e é referida no Acórdão- fundamento: os artigos 204.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 1344.º do Código Civil e as regras sobre acessão industrial imobiliária.

31. Em ambos os Acórdãos foi aplicada a mesma legislação – o Código Civil, concretamente na parte dedicada ao direito de propriedade de bens imóveis.

32. Considerando o exposto conclui-se que também se verifica a hipótese legal prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 672.º do Código de Processo Civil.

33. Deve, pois, ser revogado o Acórdão Recorrido nas partes assinaladas e substituído por outro que, na esteira dos Acórdãos-fundamento invocados, determine a revogação da alínea c), na parte em que inclui anexo e logradouro ao prédio da Recorrida e a propriedade de área descoberta e consequentemente a revogação das alíneas E) e i), decidindo-se não ser admissível a constituição de dois direitos de propriedade distintos sobre parte integrante ( quintal) do imóvel do Recorrente, e a revogação da alínea h), decidindo-se pela inadmissibilidade da constituição dessa servidão legal de passagem, todas da sentença proferida nestes autos.

34. Violou, assim, o Acórdão Recorrido os supra identificados preceitos, devendo, por isso, na procedência da Revista Excepcional ser revogado nos termos peticionados.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO:

Deve ser, por V. Exas, concedido provimento ao presente recurso,

Assim se fazendo JUSTIÇA”

4. Este Tribunal ad quem proferiu decisão singular, em cujo dispositivo consignou: “Termos em que se decide manter o despacho reclamado.

Custas pelo Reclamante/Autor/Reconvindo/AA.”

5. Notificados os litigantes da aludida decisão singular, o Reclamante/Autor/Reconvindo/AA mostrou o seu inconformismo, tendo reclamado para a Conferência, nos termos do disposto nos artºs. 652º n.º 3 do Código de Processo Civil, concluindo: “discordar da decisão singular, ora reclamada, devendo esta, a final, ser revogada e substituída por outra que determine a admissão do recurso de revista normal apresentado.

Termos em que:

Requer que seja submetida à Conferência a matéria do despacho que manteve o despacho de não admissão do Recurso de Revista Normal apresentado pelo Recorrente, para que sobre o mesmo recaia um Acórdão, que julgue verificar-se a violação de poderes de facto da Relação e nesses termos admita a Revista, com as legais consequências.”


II. FUNDAMENTAÇÃO


O Reclamante/Autor/Reconvindo/AA ao impetrar que seja proferido acórdão que revogue a decisão singular reclamada e se admita o recurso de revista, não aduz, a nosso ver, argumentação que encerre virtualidade bastante que infirme a decisão singular proferida, mantendo, no essencial todo o argumentário até então invocado nos autos.

Distinguimos da reclamada decisão singular razões para que se sustente a bondade de tal decisão, permitindo-nos, a propósito, respigar e sublinhar o que então foi consignado:

A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer estar vedado ao legislador suprimir, sem mais, em todo e qualquer caso, a prerrogativa ao recurso, admitindo-se, todavia, que o mesmo estabeleça regras/normas sobre a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

A este propósito o Tribunal Constitucional sustenta que “Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que “o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos” (cfr. a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349). Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (…)”. (Acórdão n.º 159/2019 de 13 de março de 2019).

Na Doutrina, sustenta Rui Pinto, in, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra, 2015, páginas 174-175, “se o objeto de recurso de apelação é irrestrito, apenas com especificidades quanto à oportunidade da sua dedução (cf. art. 644º), já o objeto do recurso de revista é tipificado pela lei (…). Nesta perspectiva, o direito ao recurso é essencialmente garantido pelo regime do recurso de apelação, ficando reservada para a revista uma função de estabilização e uniformização na aplicação do direito (…).”

Também Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, páginas 335-336, salienta que “com o CPC de 2013 se encontra consolidada a ideia de que o triplo grau de jurisdição em matéria cível não constitui garantia generalizada. Ainda que ao legislador ordinário esteja vedada a possibilidade de eliminar em absoluto a admissibilidade do recurso de revista para o Supremo (…), ou de elevar o valor da alçada da relação a um nível irrazoável e desproporcionado que tornasse o recurso de revista praticamente inatingível na grande maioria dos casos, não existem obstáculos à previsão de determinados condicionalismos a tal recurso.

Aliás, (…) o Tribunal Constitucional vem uniformemente entendendo que as normas que, em concreto, restringem o recurso para o Supremo não estão feridas de inconstitucionalidade. O mesmo se poderá dizer das regras que limitam o recurso de decisões intercalares (…).”

Assim, a lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, reconhecendo-se que a admissibilidade dum recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.

No caso que nos ocupa está reconhecida a tempestividade e legitimidade do Recorrente/Autor/Reconvindo/AA, uma vez que a interposição do recurso obedeceu ao prazo legalmente estabelecido, e a decisão de que recorre lhe foi desfavorável, encontrando-se, pois, a dissensão quanto a ser a decisão proferida recorrível.

Neste particular há que convocar as regras recursivas adjetivas civis, concretamente o art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil, atinente à irrecorribilidade das decisões do Tribunal da Relação em consequência da dupla conforme, nos precisos termos aí concretizados (…não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância …).

Com o deliberado objetivo de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e acentuar as suas funções de orientação e uniformização de jurisprudência, consagra o direito adjetivo civil - art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil - a regra da chamada dupla conforme que torna inadmissível o recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância. 

Do art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil condizente ao n.º 3 do art.º 721º do anterior Código do Processo Civil, com a redação do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto, decorre, importar, agora, que a decisão da segunda instância não tenha uma fundamentação essencialmente diferente da decisão de primeira instância para que produza a dupla conforme, ao contrário do que acontecia com a alteração adjetiva civil, imposta pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, em que se abstraía da fundamentação do acórdão da segunda instância para que se verificasse a dupla conforme.

Levada a cabo a exegese do consignado normativo adjetivo civil o Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o entendimento de que somente deixa de atuar a dupla conforme, a verificação de uma situação, conquanto a Relação, conclua, sem voto de vencido, pela confirmação da decisão da 1ª Instância, em que o âmago fundamental do respetivo enquadramento jurídico seja diverso daqueloutro assumido neste aresto, quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada.

Torna-se necessário, pois, para que a dupla conforme deixe de atuar, a aquiescência, pela Relação, da solução jurídica sufragada em 1ª Instância, suportada num enquadramento jurídico inovatório, que aporte preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros enunciados no aresto apelado, neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, de 30 de Abril de 2015, de 28 de Maio de 2015, de 26 de Novembro de 2015, de 16 de Junho de 2016, e de 8 de Novembro de 2018, in, http://www.dgsi.pt/stj, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não publicado [Processo n.º 856/12.4TJVNF.G1.S1], desta 7ª Secção Cível, proferido em 4 de Julho de 2019, pelo relator da presente decisão singular.

A este propósito, sustenta António Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 349, “que com o CPC de 2013 foi introduzida uma nuance: deixa de existir dupla conforme, seguindo a revista as regras gerais, quando a Relação, para a confirmação da decisão da 1ª instância, empregue “fundamentação essencialmente diversa”. A admissibilidade do recurso de revista, no caso do acórdão da Relação ter confirmado, por unanimidade, a decisão da 1ª instância, está, assim, dependente do facto de ser empregue “fundamentação substancialmente diferente”. Aclarando o sentido e alcance da expressão “fundamentação essencialmente diferente”, elucida Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 352, que “a aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais”.

No caso sub iudice, confrontadas as decisões proferidas em 1ª e 2ª Instâncias, enxergamos que o acórdão da Relação concluiu, sem voto de vencido, não só pela confirmação da decisão da 1ª Instância, mas também o cerne do respetivo enquadramento jurídico se identifica com aqueloutro assumido e plasmado pela 1ª Instância, não distinguindo, de todo, um qualquer contexto jurídico alternativo, tendo o enquadramento de direito sufragado em 1ª Instância a aquiescência da Relação, aportando os mesmos preceitos, interpretações normativas e institutos jurídicos.

As conclusões apresentadas delimitam, em definitivo, o objeto do respetivo recurso, sendo que no caso trazido a Juízo, respigamos, com utilidade, das conclusões recursivas:

“1. O Acórdão recorrido limitou-se a aderir acriticamente à decisão proferida em 1.ª instância, não tendo cumprido o seu dever de se pronunciar, formar a sua própria convicção e decidir sobre todos e cada um dos factos concretos, cuja decisão foi impugnada pelo Recorrente, no seu recurso de apelação.

2. Como também não analisou um único elemento de prova – quer testemunhal, quer documental – indicado pelo Recorrente; não analisou uma única contradição, quer entre depoimentos, quer entre estes e o que foi alegado nas peças processuais apresentadas ao longo do processo (e indicadas pelo Recorrente).

3. Este dever de reapreciação da matéria de facto decorre do artigo 662.º do Código de Processo Civil, conforme é pacificamente referido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça indicada na motivação deste recurso;

4. Conclui-se, assim, que o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil impondo-se, por isso, a anulação desse Acórdão para que se proceda à reapreciação de cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, de acordo com os princípios acima expostos na motivação deste recurso.

5. Acresce que as questões relacionadas com o incorrecto uso dos poderes de facto conferidos pela Lei ao Tribunal da Relação, violando o referido artigo 662.º, não estão abrangidas pelos efeitos da dupla conforme, pelo que admitem a interposição do presente Recurso de revista normal, o que constitui o primeiro fundamento deste recurso.”

Daqui decorre que o Recorrente/Autor/Reconvindo/AA faz incidir o thema decidendum, no que respeita à interposta revista, em termos gerais, sobre a decisão da matéria de facto.

Neste conspecto, importa reconhecer, que a Doutrina e Jurisprudência vem, pacificamente, defendendo que não obstante a dupla conformidade existente entre decisões, sem fundamentação inovatória, essa mesma conformidade deixa de operar quando haja erro de direito na aplicação da lei adjetiva civil, nomeadamente, “se a parte pretender reagir contra o não uso ou o uso deficiente dos poderes da Relação sobre a matéria de facto”, quando se invoca um erro de direito, neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in, artigo subordinado à temática da Dupla Conforme e Vícios na Formação do Acórdão da Relação, Instituto Português de Processo Civil, blogippc.blogspot.pt., e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Fevereiro de 2015 (Processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1), de 28 de Janeiro de 2016 (Processo n.º 802/13.8TTVNF.P1.G1-A.S1), in www.dgsi.pt., e de 18 de outubro de 2018 (Processo n.º 263/13.1TBVPA.G1.S1), relatado pelo presente relator.

Como defende, António Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª Edição, páginas 319 e seguintes, “Em tais circunstâncias e noutras similares em que seja apontado à Relação erro de aplicação ou interpretação da lei processual e seja invocado no recurso de revista a violação de normas adjetivas relacionadas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, não existe dupla conforme” sendo que divisamos, sem dificuldade a razão pela qual a dupla conforme não pode atuar, na medida em que, pese embora o aresto da Relação seja condizente com a sentença da 1ª Instância, quanto à subsunção jurídica, e mesmo mantendo a decisão de facto, não deixa de ser confrontado com questões de natureza adjetiva com direta influência na apreciação da invocada impugnação da decisão de facto.

Neste sentido, veja-se a comunicação efetuada em 6 de julho de 2015, pelo Juiz Conselheiro Alves Velho, aquando do Colóquio sobre o Novo Código de Processo Civil, cujo texto está publicado in www.stj.pt., reforçado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de maio de 2015.

Ora, como adiantamos, no caso dos autos, o aqui Reclamante/Autor/Reconvindo/AA insurge-se contra o acórdão recorrido que apreciou a impugnação da matéria de facto fixada em 1ª Instância, confirmando-a.

O Reclamante/Autor/Reconvindo/AA ao apelar da sentença proferida em 1ª Instância, pôs em causa, quanto à impugnação de facto, apenas e só, a valoração dos meios de prova oferecidos e admitidos, valoração que foi sufragada pela Relação, no âmbito da livre apreciação da prova que lhe cabe, não deixando de se mover num domínio condizente ao definido em 1ª Instância e sobre a mesma matéria, conforme se colhe do acórdão recorrido, onde se consignou a este propósito:

“Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:

A) Recurso de apelação do Autor

- reapreciação da matéria de facto

- do mérito da causa: a sentença recorrida violou as normas previstas nos artigos 342.º, n.º 1, 371.º, n.º1, 388.º, 393.º, n.º 1 e 2, 394.º, n.º 1, 483.º, n.º1, 496.º, n.º1, 1251.º, 1252.º, n.º2, 1253.º, alíneas a) e b), 1254.º, n.ºs 1 e 2, 1255.º, 1256.º, n.º1, 1257.º, n.º2, 1290.º, 1293.º, alínea a),1305.º, 1311.º, n.ºs 1 e 2, 1316.º, 1317.º, alíneas a) e b), 1548.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil e as normas previstas nos artigos 5.º, n.º1, 413.º, 414.º, 465.º, n.ºs 1 e 2, 542.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e d) e 607.º, n.ºs 4 e 5, do Código de Processo Civil?”

(…)

Cabe, porém, ao Tribunal apreciar livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (artº 607º- nº5 do CPC), sendo que, produzida a prova, deverá o tribunal considerar um juízo de valoração suficiente e bastante para que face a esta julgue provada a verificação de específica factualidade.

Como refere Prof. A. Varela, in Manual de Processo Civil, pg. 391/2,: “ … a prova, no domínio do direito (processual ) , ao invés do que ocorre com a demonstração, no campo da matemática, ou com a experimentação, no âmbito das ciências naturais, não visa a certeza lógica ou absoluta, mas apenas a convicção (o grau de probabilidade ) essencial às relações práticas da vida social ( a certeza histórico-empírica )”, mais referindo A. Reis, in Código de Processo Civil, anotado, volume III, pg. 242 “ … na prova directa e na indirecta o juiz tem sempre de exercer as duas actividades – a percepção e o raciocínio. Prova suficiente é a que é susceptível de produzir a plena convicção no juiz (…); conduz a um juízo de certeza; não de certeza absoluta, material, na maior parte dos casos, mas de certeza bastante para as necessidades práticas da vida, de certeza chamada histórico-empírica.”

Não se vislumbra a verificação de erro de julgamento, acompanhando-se e reiterando-se a fundamentação exposta na sentença recorrida, e, com interesse, se salientando:

(…)

[reprodução da desenvolvida motivação da decisão de facto, exarada em 1ª Instância]

(…)

Concluindo-se pela improcedência dos fundamentos de impugnação da matéria de facto, deduzidos pelo Autor, não se demonstrando a verificação de erro de julgamento.”

Se bem apreendemos o caso sub iudice, não podemos deixar de afirmar que o Recorrente, ora Reclamante/Autor/Reconvindo/AA, ao insurgir-se contra a reapreciação da decisão de facto, por parte da Relação, enquanto Tribunal recorrido, a coberto da invocada adesão acrítica, alegadamente assumida pelo acórdão recorrido quanto à decisão proferida em 1.ª Instância, com ausência de pronúncia sobre a formação da sua própria convicção para decidir sobre todos e cada um dos factos concretos impugnados, e sem analisar um único elemento de prova - quer testemunhal, quer documental - pretende, ao cabo e ao resto, questionar a valoração da prova produzida, sujeita à livre apreciação, por parte da Instância recorrida, com a qual não se conforma, sem assacar ao aresto em escrutínio, em substância e objetivamente, qualquer violação de lei adjetiva ou a ofensa de disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova ou que fixe o valor de determinado meio de prova.

Assim, reconhecendo-se que a decisão de facto é da competência das Instâncias, e sublinhando-se que a vocação do Supremo Tribunal de Justiça está balizada no conhecimento das questões de direito, e ocupando-se o interposto recurso de revista, fundamentalmente, da apreciação da prova em sentido genérico, não incidindo na legalidade da decorrência do iter probatório, estando, como vimos, fora dos poderes deste Supremo Tribunal de Justiça a valoração das provas, sujeitas à livre ponderação, na apreciação e alteração da matéria de facto, temos de comprovar a conformidade dos arestos prolatados nas Instâncias, na medida em que não se distingue que esteja descaracterizada, donde, não merece censura a decisão do Tribunal recorrido que não admitiu o interposto recurso de revista, em termos gerais.

Anota-se, finalmente, que este Tribunal ad quem apenas e só se pronuncia sobre a reclamação apesentada pelo Reclamante/Autor/Reconvindo/AA, conforme impetrado no requerimento apresentado: “Não se conformando com o segmento do despacho que decidiu não admitir a interposição do recurso de Revista interposto vem, nos termos do disposto no artigo 643.º, n.1º, do Código de Processo Civil Reclamar, devendo esta reclamação ser autuada por apenso, nos termos do disposto no artigo 643.º, n.º3, do Código de Processo Civil.”, o que, necessariamente, não invalida que, uma vez mantido o despacho reclamado, como se mantém, sejam os autos remetidos pela Relação para distribuição no Supremo Tribunal de Justiça, em razão da interposta revista excecional, de que, sublinhamos, não pode, nesta fase processual, curar este Tribunal ad quem, adstrito que está, apenas e só à apreciação da reclamação apresentada (art.º 643º do Código de Processo Civil).

Tudo visto, reconhecendo que o caso sub iudice encerra uma situação de dupla conforme, não descaracterizada pela impugnação da decisão de facto, impõe-se reafirmar que está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça o conhecimento do objeto da revista, em termos gerais, por inadmissibilidade, conforme discreteado.”

A decisão singular encerra um discurso inteligível, importando, outrossim, o reconhecimento e acolhimento do respetivo enquadramento jurídico ao declarar a não admissibilidade da revista, sendo despiciendo qualquer reforço argumentativo para sustentar a solução alcançada, devendo manter-se.


III. DECISÃO

Decidindo, em Conferência, os Juízes que constituem este Tribunal:

1. Acordam em julgar improcedente o reclamado pedido de revogação da decisão singular, que não admitiu o recurso, mantendo-a na íntegra.

2. Custas pelo Reclamante/Autor/Reconvindo/AA.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 11 de maio de 2023  


Oliveira Abreu (Relator)

Nuno Pinto Oliveira

Ferreira Lopes