Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2779/07.0TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ªSECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: PACTO DE PERMANÊNCIA
CONSTITUCIONALIDADE
CONTRATO DE FORMAÇÃO
CONTRATO-PROMESSA DE TRABALHO
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
Data do Acordão: 06/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO - FORMAÇÃO PROFISSIONAL - CLÁUSULAS DE LIMITAÇÃO DA LIBERDADE DE TRABALHO - DENÚNCIA
Doutrina: - Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, pág.281.
- Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 2ª ed., pág. 224.
- Francisco Pereira Coelho, “ Coligação Negocial e Operações Negociais Complexas”, Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, 2003, pág.209 e segs., 255.
- Inocêncio Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, Coimbra, 1997, págs. 86 a 88, 476.
- Paula Quintas e Hélder Quintas, “Código do Trabalho”, anotado e comentado, edição de 2010, pág.387.
- Romano Martinez, “Direito de Trabalho”, Almedina, 2.ª ed., 2005, pág. 621, 628; “Direito de Trabalho”, II volume, 2º Tomo, 3ª edição, pág. 15.
- Vaz Serra, BMJ 91, pág .11 e segs..
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 405.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (APROVADO PELA LEI Nº 99/2003, DE 27-8): - ARTIGOS 120.º, N.º 1 ALÍNEA D), 123.º, 124.º, ALÍNEAS A), D) E F), A 126.º, 137.º, 147.º, N.º1, 447.º, N.º3.
CÓDIGO DO TRABALHO (APROVADO PELA LEI Nº 7/2009, DE 12-2): - ARTIGO 7º Nº 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 58.º, N.º1.
DL N,º 49.408, DE 24-11-1969 (LCT): – ARTIGO 36.º, N.º3.
DL N.º 405/91, DE 16-10: - ARTIGO 12.º, N.º3.
DL N.º 205/96, DE 25-10.
LEI N.º 35/2004, 29-7: - ARTIGOS 162.º, 168.º, 169.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 13-10-2010, PROCESSO Nº 185/08.8TTSTR.E1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;
-DE 04-05-2011, RECURSO N.º 455/08.5TTLSB.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
Sumário : I - A lei admite a celebração de pactos de permanência como forma de assegurar à empresa a recuperação do investimento feito com uma formação profissional do trabalhador que tenha exigido a realização de despesas extraordinárias, sendo que uma tal admissibilidade não contraria o disposto no art. 58.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que é razoável a protecção do empregador nas situações em que realizou aquelas despesas e da formação resultou a valorização profissional do trabalhador.

II - Além do mais, a possibilidade de desvinculação unilateral do trabalhador não está totalmente coarctada, uma vez que este sempre por essa via pode optar, conquanto restitua ao empregador a importância por ele despendida na formação.

III - Tendo as partes celebrado um contrato de formação profissional e promessa de contrato de trabalho a termo certo, no qual o trabalhador se obrigou, finda, com aproveitamento, a formação, a exercer a actividade profissional resultante da formação ministrada, durante um período mínimo de três anos a contar da outorga do contrato de trabalho, estamos perante um contrato misto.

IV - Entre o contrato-promessa de trabalho e o contrato definitivo verifica-se não só uma sequência temporal como também uma interligação, o que significa que o contrato definitivo está condicionado pelo que foi estabelecido no contrato-promessa, mormente quanto ao pacto de permanência, que vincula o trabalhador na vigência do contrato de trabalho.

V - O trabalhador que denuncie o contrato de trabalho antes de esgotado o período de permanência a que se vinculou torna-se responsável pela reparação do prejuízo causado ao empregador.
Decisão Texto Integral: 1---
             
             AA, SA, anteriormente designada por BB, SA, instaurou, em 16 de Julho de 2007, acção declarativa com processo comum, contra CC, pedindo a sua condenação no pagamento da importância de € 40 000,00 (quarenta mil euros), acrescida de juros de mora vencidos desde a interpelação para pagamento e que à data da propositura da acção ascendiam a € 460,00 (quatrocentos e sessenta euros), bem como dos juros vincendos até integral pagamento; pediu ainda que o R seja condenado a restituir-lhe a importância de € 675,00 (seiscentos e setenta e cinco euros), que lhe foi entregue a título de fundo de maneio e € 32,98 (trinta e dois euros e noventa e oito euros) a título de ajudas de custo que recebeu em excesso, quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal, sendo, a final, o crédito da autora compensado com as remunerações a que o réu tem direito por efeito da cessação do contrato de trabalho, no montante líquido de € 2793,29 (dois mil setecentos e noventa e três euros e vinte e nove cêntimos).
              Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que:
- o réu foi admitido ao seu serviço a 11 de Junho de 2005 para exercer as funções de oficial piloto;
- no entanto, em 16 de Fevereiro de 2005, autora e réu haviam outorgado um contrato de formação profissional e promessa de contrato a termo certo, mediante o qual lhe foi dada formação, incluindo voo assistido em linha (voo de largada), obrigando-se este a exercer a actividade profissional resultante da formação ministrada, durante um período mínimo de três anos a contar da data da outorga do contrato de trabalho;
- mais foi acordado que em caso de recusa ou impossibilidade por parte do réu da celebração do contrato de trabalho, este arcava com o encargo de indemnizar a autora pelos encargos decorrentes do curso de formação profissional ministrado;
- acontece que a 12 de Março de 2007, o réu unilateralmente denunciou o contrato que o ligava à autora, passando a trabalhar para a DD, SA, colocando à disposição desta os conhecimentos adquiridos naquele curso de formação, pelo que tem de indemnizar a A no montante que foi acordado.
              Realizada a audiência de partes e não tendo esta derivado em conciliação, foi ordenada a notificação do réu para contestar, o que fez, concluindo pela procedência da excepção de ilegitimidade que invocou, com a consequente absolvição da instância ou, pela improcedência da acção e com a consequente absolvição do pedido, devendo reconhecer-se a anulabilidade do pacto de permanência, nos termos do art. 282.º do Cód. Civil, ou caso assim se não entenda, a sua nulidade por violação do disposto no art. 147.º do Cód. Trab., reconhecendo-se ainda que o réu não é devedor à autora de qualquer quantia, mas antes pelo contrário, sendo aquele que detém um crédito sobre esta no valor de € 2739,29.
              Para tal alegou resumidamente que:
- a autora é parte ilegítima;
- limitou-se a apor a sua assinatura no contrato de formação que lhe foi apresentado pela autora não tendo tido qualquer capacidade para negociar o seu conteúdo;
- o curso ministrado pela autora englobou apenas sessões de simulador e voo assistido em linha, que o habilitou a pilotar aviões AIRBUS A310-300 e A300-600, sendo certo que já antes frequentara na DD a ground school, cujo custo não foi suportado por aquela;
- aquando da sua contratação pela DD esta contratou pessoal com e sem qualificação no equipamento AIRBUS;
- a cláusula 5ª do contrato de formação celebrado com a autora é nula ou anulável.
              Na resposta a autora pronunciou-se pela improcedências das excepções e concluiu como na petição inicial, alegando, além do mais, o facto de o contrato de formação profissional e de promessa de contrato de trabalho celebrado com o réu ter passado a integrar o contrato individual de trabalho do demandado.
              O despacho saneador julgou improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pelo réu.
              Instruída e julgada a causa foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo o réu do pedido.
              Inconformada com essa decisão, da mesma interpôs a autora recurso de apelação, que julgada parcialmente procedente, revogou a sentença recorrida e condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 11 387,71 (onze mil trezentos e oitenta e sete euros e setenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos a partir do trânsito em julgado do acórdão e até integral pagamento.
              Inconformado recorreu agora o R de revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

1º - A segurança dos negócios jurídicos e a boa fé que deve nortear os mesmos, impõe que as partes e sobretudo nos contratos a termo, expressamente façam consignar no seu clausulado todas as condições que pretendem ver enxertadas, não se podendo sujeitar qualquer dos contraentes ao que expressamente não foi convencionado.

2º - Assim, se no contrato definitivo, os promitentes não manifestaram, por forma clara e precisa, a vontade de se vincularem à celebração nos termos acordados no contrato promessa, se é duvidosa e incerta a posição por eles assumida, não será legítimo o recurso a outros meios de prova, ou a uma argumentação abrrogante, para se determinar qual foi a vontade dos contraentes, pois a lei exige, imperativamente, que logo no documento escrito fique expresso em termos inequívocos a vontade respectiva à obrigação de cumprir a promessa, o que não sucede.

3º - O montante fixado pelas partes no pacto de permanência a que se reporta o art. 147º do CT de 2003, funciona como limite máximo da indemnização a pagar pelo trabalhador ao empregador, no caso de deixar de trabalhar para este, antes de terminado o prazo convencionado. O valor concreto da indemnização tem de corresponder ao montante das despesas extraordinárias, comprovadamente feitas pelo empregador, com a formação do trabalhador. Não tendo a entidade patronal comprovado nos autos, ter efectuado quaisquer despesas extraordinárias com essa formação, não pode o trabalhador ser condenado a pagar-lhe qualquer quantia.

4º - Apesar de a lei consentir na celebração de pactos de permanência durante a vigência do contrato de trabalho, que visam garantir o retorno do investimento efectuado pela entidade empregadora na formação do trabalhador, impõe o art. 147º do Cód. de Trabalho à entidade patronal o ónus da prova da despesa comprovadamente realizada com o trabalhador, não tendo ficado demonstrado o quanto a Recorrente despendeu na formação em concreto do trabalhador em causa; diz ainda o dispositivo legal que o retorno do investimento deverá advir de despesa extraordinária com a formação, facto que também ficou por demonstrar

5º - A licitude daquela cláusula, depende da existência de uma despesa extraordinária, em que entidade empregadora, assume a seu custo, os encargos e despesas, com vista ao enriquecimento pessoal do trabalhador em concreto, não devendo incluir-se as despesas pagas no âmbito de um plano global de formação profissional dos trabalhadores da empresa,

6º - Devendo, ser declarada nula a cláusula quinta do Acordo de Formação, porque contrário à lei:

7º - Atentos os factos assentes e a prova documental junta aos autos, a Recorrida, sempre soube que as alegadas despesas extraordinárias decorrentes da formação ministrada, não correspondiam ao montante fixado na cláusula, no entanto, preferiu alhear-se de tal facto, onerando o Recorrente com um pacto de permanência desfasado da situação real;

8º - A prova produzida e vazada na douta sentença, impunha ainda, que o Tribunal declarasse a nulidade da cláusula penal, obtendo-se a destruição do acto inquinado, atenta a conduta da Recorrida, a falta de seriedade na declaração, a reserva mental, a sua motivação ilícita, indevidamente fixando um montante indemnizatório, que em nada corresponde à despesa realizada,

9º- O art.147º n.º1 do Cód. de Trabalho, contrariando as garantias e os direitos dos trabalhadores, mais não é que um aval do Estado concedido às entidades empregadoras, para, através de uma alegada cláusula penal, limitarem a liberdade dos trabalhadores e abusiva e unilateralmente alterarem os contratos de trabalho.

10º - Nos autos o trabalhador manteve, até à data da rescisão do contrato, um vínculo precário com a entidade patronal, sujeitando-se [à sua] discricionariedade, caso esta pretenda resolver o mesmo vínculo.

11º - Alheio às garantias do trabalhador, o Tribunal admite que a relação laboral seja regulada por um pacto de permanência, onde só o Recorrente, que fica obrigado ao pagamento de uma indemnização caso o viole, admitindo que a Recorrente, impeça o trabalhador de exercer o seu direito, rescindir livremente o contrato de trabalho, e aceitando que aquela, sem respeitar o dever de informação ao trabalhador, altere o termo do contrato, art. 101º n.º 1 e 98º n.º 1 al. e) do Cód. de Trabalho, agravado pelo facto de, com manifesta violação dos ditames da boa fé, obrigar o trabalhador a uma indemnização francamente excessiva, quarenta mil euros, em nada correspondentes ao valor efectivamente despendido pela recorrida na formação ministrada ao recorrente, art. 97º e 93º do Cód. de Trabalho.

12º - Quando, ab initio, deveria o Tribunal declarar a nulidade da cláusula, não podendo considerar o advérbio de modo, comprovadamente, ínsito no texto da lei, um mero e dispensável formalismo, pondo em causa a segurança e boa fé negocial, nomeadamente o sujeito passivo, que assim se vê submetido à álea da Autora, que conscientemente fixa um valor a título de cláusula penal em nada correspondente com a situação real.

13º - Pois, dos factos assentes e da prova documental junto aos autos, ressalta, que em momento anterior ou posterior à outorga do acordo de formação, a Recorrente, sabia que as alegadas despesas extraordinárias decorrentes da formação ministrada, não correspondiam ao montante fixado na cláusula sexta, no entanto, preferiu alhear-se de tal facto, com manifesta violação dos ditames da boa fé que devem prevalecer nos negócio jurídicos, obrigou o Recorrido a um montante que em nada correspondia à realidade, abstendo-se de comprovar a quantia despendida.

14º - É sobre a Recorrente que recai o ónus de demonstrar quanto despendeu na formação do Recorrido, não basta a remissão para o contrato de prestação de serviços celebrado entre esta e a "DD, S.A."; e onde, atentas as combinações dos cursos ministrados é impossível individualizar o custo da formação já que o seu cálculo não se pode cingir a uma simples divisão aritmética;

15º - Acresce que a formação ministrada mais não é do que o cumprimento da obrigação patronal de contribuição para a elevação do nível profissional do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional, art.º 120º, alínea d), do Cód. de Trabalho. Mais, a Recorrente é uma empresa de transporte aéreo, o que pressupõe, para a realização do seu objecto social, que a mesma deva possuir aeronaves, e pilotos qualificados nas mesmas, não podendo considerar-se extraordinária, a despesa que resulta do exercício corrente da actividade da empresa, e que a própria administração, como aliás reconheceu em juízo, determinou em meados de Novembro de 2004, que iria ser realizada e afecta à continuidade e manutenção da empresa e respectivos postos de trabalho,

16º - Dependendo a licitude da cláusula penal da demonstração que a despesa afecta à formação não corresponde ao dever genérico do art.120º al. d) do Cód. de Trabalho, ora perante a prova produzida conclui-se, que nas companhias aéreas, à excepção da primeira qualificação ministrada aos pilotos, em que os mesmos se vinculam a pactos de permanência, tal situação não se verifica com nenhuma das qualificações posteriores ministradas aos tripulantes técnicos, não podemos olvidar que as companhias aéreas em decorrência do seu objecto social, tendem sempre a possuir equipamentos mais fiáveis e adequados ao tipo de operação que realizam, encargos estes que nunca podem ser imputados ao trabalhador que, por inerência profissional deverá beneficiar sempre da respectiva formação.

17º - Não podendo sufragar a tese da Autora, que na busca incessante do ressarcimento de um prejuízo que não demonstra, venha iludir o Tribunal afirmando custos diferentes na formação de oficiais pilotos e comandantes, quando dos autos consta suporte documental bastante que atestam que a formação de ambos é semelhante que aos mesmos é ministrada a mesma formação teórica e prática.

18º - Nem pode este Tribunal superior permitir que a Recorrente, à guia de case law se socorra de casos semelhantes para prevalecer a sua tese quando em termos de matéria de facto mal andou o Tribunal para sustentar a sua tese, bem sabendo que em tal instância nunca foi discutida a natureza ordinária ou extraordinária da despesa, limitando-se a uma divisão aritmética para apurar valor da formação, e bem andou o Tribunal quando refere nessa instância não ter sido provado o quanto a Recorrente despendeu na formação dos seus trabalhadores, ónus que legalmente se lhe impunha

19º - A cláusula em apreço, visa conferir ao trabalhador uma salvaguarda contra condutas abusivas, como a ora controvertida, impondo à entidade patronal, para segurança da relação jurídica sob pena de nulidade da mesma, que esta demonstre, no momento da outorga do pacto de permanência, o quanto custa a formação individual do trabalhador.

20º - Não sendo de admitir, em manifesta violação com o disposto no art. 58º da Constituição que o plano global de formação de todos os pilotos da Recorrida, verificado no ano de 2005, limite a liberdade de trabalho do Recorrente, não sendo neste contexto tal opção uma despesa extraordinária, considerando-se esta todo o encargo assumido pela entidade empregadora, a seu custo, com vista ao enriquecimento profissional do trabalhador.

Pede-se assim que se revogue o acórdão recorrido.

A recorrida também alegou pugnando pela manutenção do acórdão.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal, foi emitido parecer pelo Ex.mº Senhor Procurador Geral Adjunto que opinou pela improcedência do recurso.

E corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2----

            Para tanto, deram as instâncias como provada a seguinte matéria de facto:
1.O réu foi admitido ao serviço da autora, por contrato individual de trabalho a termo, com início a 11 de Junho de 2005, pelo qual se obrigou a executar as funções próprias de oficial piloto, cuja natureza supõe uma especial relação de confiança, sob as ordens, direcção e fiscalização da demandante.
2.No exercício das suas funções de piloto, o réu teve acesso/ conhecimento a informações sobre procedimentos técnicas, operacionais e de emergência, métodos, sistemas, rotas, critérios, planos e equipamentos de voo, adoptados pela autora.
3.A 12 de Março de 2007, o réu denunciou o contrato de trabalho que o ligava à autora, com efeitos a partir de 12 de Abril de 2007, apesar do interesse e vontade da autora em manter a relação laboral.
4. Em 23 de Fevereiro de 2005, autora e réu assinaram o documento constante de fls. 20 a 22, intitulado “Contrato de Formação Profissional e Promessa de Contrato de Trabalho a Termo Certo”, em cuja cláusula quinta se mostra escrito:
“1.Concluída com aproveitamento a acção de formação aqui acordada, incluindo voo assistido em linha (voo de largada), o Formando obriga-se a exercer a actividade profissional resultante da formação ministrada, com a categoria profissional de Oficial Piloto, durante um período mínimo de três anos a contar da data da outorga do contrato de trabalho, sem prejuízo de lhe poder ser proposta contratação, por período inferior, ajustado às necessidades da BB;
2.Em caso de recusa ou impossibilidade, por parte do Formando, da celebração do contrato de trabalho que lhe seja proposto pela BB, o Segundo Outorgante incorre no dever de indemnizá-la pelos encargos decorrentes do Curso de Formação Profissional ministrado, bem como dos valores que haja recebido a título de bolsa de formação profissional fixando-se desde já o montante total da indemnização em € 40.000,00 (quarenta mil euros)”,[alteração que consta do acórdão da Relação] .
 
5.A obrigação de permanência ao serviço da empresa formadora é, na actividade de transporte aéreo, uma obrigação comummente estabelecida, quer ao nível internacional, quer em Portugal, e encontra razão no elevado custo da formação profissional específica.
6.A autora facultou ao réu, a suas expensas exclusivas, um curso, incluindo voo assistido em linha, que ele concluiu com aproveitamento, que o habilitou / qualificou para o desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto nos equipamentos/ aviões AIRBUS A310-300 e A300-600.
7.Qualificação que o réu não detinha.
8.O referido curso pago pela autora, ministrado por uma terceira empresa, a DD, SA (actual entidade patronal do réu) – envolveu formação teórica e prática, incluindo sessões de simulador e de voo assistido em linha naquele equipamento.
9.Esta formação, que inclui um voo de largada, enriqueceu particularmente os conhecimentos, formação e o currículo profissional do réu.
10.Habilitando-o de imediato e para o futuro, a operar ambos os referidos modelos daquela marca de avião.
11.A qualificação para operar AIRBUS A310-300 e A300-600 que o réu operava à data da denúncia, as horas de voo nele realizadas como piloto ao serviço da autora, enquanto elementos valorizadores do seu “curriculum” pessoal, estão a beneficiar o réu na sua carreira e actividade profissional – que prossegue e continua a exercer como piloto de linha aérea, agora na DD, SA, para a qual se mudou depois de qualificado à custa da autora, ali voando no mencionado equipamento AIRBUS A310.
12.Sempre lhe aproveitarão no futuro em termos de progressão na carreira profissional, no seu acesso a outros tecnicamente mais evoluídos e eventualmente a comando, bem como na sua contratação por outros operadores de transporte aéreo, o que aliás já aconteceu na sua vinculação à DD.
13.A qualificação proporcionada ao réu pela autora, relevou significativamente no seu recrutamento pela DD, na qual está a operar AIRBUS A310.
14.Na sequência da qualificação naquele avião, a autora assegurou ao réu sessões de simulador de voo, nos prazos fixados pelas autoridades aeronáuticas, para que o réu continuasse a manter válidas as qualificações adquiridas à custa da demandante e em conformidade com as exigências legais.
15.A DD é uma conhecida companhia de transporte aéreo regular, com uma frota mais ampla e com aviões mais sofisticados.
16.Por carta datada de 21 de Março de 2007, dirigida ao réu e enviada para o seu domicílio por correio registado com aviso de recepção, e por ele recebida, a autora interpelou o réu para o pagamento da quantia de quarenta mil euros (40.000,00), no prazo de oito dias, oferecendo disponibilidade para estabelecer um plano de pagamento faseado no tempo.
17.O réu não aceitou a disponibilidade para negociar, nem satisfez até hoje, o pagamento daquela importância.
18.O réu não restituiu à autora a importância de € 675,00, que pertencem à autora e que esta lhe havia adiantado a título de Fundo de Maneio.
19.O réu outorgou o contrato junto a fls. 20 a 22, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, tendo a autora apresentado o clausulado previamente elaborado, para que o mesmo nele se limitasse a apor a sua assinatura.
20.A autora pagou a formação a pilotos, a quem já havia ministrado a formação teórica na “DD”, o curso ministrado ao réu, englobou sessões de simulador e voo assistido em linha que o habilitou a voar aviões AIRBUS A 310-300 e A300-600.
21.O autor quando celebrou o contrato referido em 19), havia frequentado junto da “DD” a vulgarmente designada “ground school” e cujo custo não foi suportado pela autora.
22.A autora ministrou ao réu o curso A310, porquanto iria deixar de operar a única aeronave que possuía, um Lockhead 1011, tendo no ano de 2005, formado diversas tripulações.
23.Foi a autora quem decidiu proceder à renovação da frota não sendo prática usual, entre as maiores e mais conceituadas companhias aéreas europeias, que os pilotos, já funcionários das empresas, fiquem obrigados a qualquer pacto de permanência, à excepção da formação inicial que lhes é ministrada.
24.O A310 pertence à primeira geração da Airbus, e à geração onde se insere o Lockhead 1011.
25.O equipamento em causa não permite o acesso directo à mais recente geração Airbus, as grandes companhias já iniciaram o seu “phase out”, sendo actualmente preferido por congéneres menores, dedicadas a voos charter, de alta densidade, voos “acmi” – aircraft, crew, maintenance and insurance – e voos de carga.
26.No momento da contratação do réu pela “DD” esta admitiu pilotos com e sem qualificação para integrarem as frotas A310 e A320.
27.Foi a autora quem marcou a sessão de simulador, fazendo-a publicar na escala de serviço do mês de Março de 2007, continuando o réu a voar para a autora até ao dia 1 de Abril de 2007.
28.A autora, mercê das constantes avarias da sua única aeronave, nos anos de 2004 e 2005, esteve à beira de cessar a sua actividade.
29.O réu é piloto de linha aérea, profissão a que só acedem pessoas cujos perfis psicológicos integrem elevados índices de determinação da vontade, fortaleza de carácter, percepção, ponderação, avaliação de perigos e riscos e capacidades de decisão.
30.A 15 de Fevereiro de 2005, a BB, SA e a DD, SA acordaram nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 152 a 162, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
31.O contrato individual de trabalho referido em 1, foi outorgado em 11 de Junho de 2005 e tinha termo previsto para 10 de Junho de 2006.
32.Na cláusula 1.ª do contrato referido em 4. e 19, lê-se o seguinte:
“1. A BB facultará ao 2.º Outorgante a frequência de um Curso com vista a habilitar o formando ao desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto no equipamento AIRBUS – A310-300;
2. O presente Curso terá início em 28/02/2005 e será constituído por acções de formação de carácter teórico e prático, num total de 174 horas de formação.”
33. No âmbito do acordo referido em 30, a DD ministrou cursos para formação de oito comandantes e oito co-pilotos, entre os quais o réu, tendo a autora despendido a quantia de € 344 001,10, correspondente aos seguintes preços:
- por cada curso de um Comandante mais dois Co-pilotos: € 87 165,72;
- por cada curso de um Comandante mais um Co-piloto: € 66 700,12;
- por cada curso de dois Comandantes: € 36 269,42;
34. O autor frequentou um curso de um Comandante mais dois Co-pilotos.

3----
              E decidindo:
               Sendo pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, conforme flui dos artigos 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC, constatamos que o recorrente suscita as seguintes questões:
a)- nulidade da cláusula respeitante ao pacto de permanência aposto no acordo de formação;
b)- ausência desta cláusula no contrato de trabalho que foi celebrado;
c)- inconstitucionalidade do artigo 147º nº 1 do Código do Trabalho.
d) falta de prova das despesas efectuadas pela A.
Vejamos então como decidir.

3.1----
              Quanto às três primeiras questões e que são conexas entre si, decorre da matéria de facto apurada, que as partes celebraram, em 23 de Fevereiro de 2005, um “Acordo de Formação Profissional e Promessa de Contrato de Trabalho”, na sequência do qual a A facultou ao réu, e a expensas suas, um curso de formação, que ele concluiu com aproveitamento, e que o habilitou e qualificou para o desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto nos equipamentos/ aviões AIRBUS A310-300 e A300-600, qualificação que o réu não detinha.
              Este curso foi pago pela autora, embora ministrado por uma terceira empresa, a DD, SA, e envolveu formação teórica e prática, incluindo sessões de simulador e de voo assistido em linha naqueles equipamentos, que incluiu um voo de largada.
              Tratou-se duma formação que enriqueceu particularmente os conhecimentos, a qualificação e o currículo profissional do réu, habilitando-o de imediato e para o futuro, a operar os modelos AIRBUS A310-300 e A300-600.
              Aquele acordo incluía também uma cláusula quinta, que era do seguinte teor:
“1.Concluída com aproveitamento a acção de formação aqui acordada, incluindo voo assistido em linha (voo de largada), o Formando obriga-se a exercer a actividade profissional resultante da formação ministrada, com a categoria profissional de Oficial Piloto, durante um período mínimo de três anos a contar da data da outorga do contrato de trabalho, sem prejuízo de lhe poder ser proposta contratação, por período inferior, ajustado às necessidades da BB;
2.Em caso de recusa ou impossibilidade, por parte do Formando, da celebração do contrato de trabalho que lhe seja proposto pela BB, o Segundo Outorgante incorre no dever de indemnizá-la pelos encargos decorrentes do Curso de Formação Profissional ministrado, bem como dos valores que haja recebido a título de bolsa de formação profissional fixando-se desde já o montante total da indemnização em € 40.000,00 (quarenta mil euros)”.
              Ora, concluída a formação profissional acima referida, o réu foi admitido ao serviço da autora, por contrato de trabalho com início a 11 de Junho de 2005 e termo em 10 de Junho de 2006, por força do qual se obrigou a executar as funções próprias de oficial piloto, e em cujo exercício o réu teve acesso a informações dos procedimentos e técnicas operacionais e de emergência, métodos, sistemas, rotas, critérios, planos e equipamentos de voo, adoptados pela autora.
              Este contrato renovou-se por mais um ano, mas o R, em 12 de Março de 2007, veio denunciá-lo, com efeitos a partir de 12 de Abril de 2007.
              Posteriormente o R passou a trabalhar para DD, conhecida companhia de transporte aéreo regular, com uma frota mais ampla e com aviões mais sofisticados do que os da A, tendo a qualificação proporcionada por esta relevado significativamente para o seu recrutamento para esta empresa, na qual está a operar com AIRBUS A310.
              Assim sendo, o que se discute agora é se a cláusula de permanência constante do acordo de formação permaneceu vigente, apesar do contrato de trabalho a termo, que foi celebrado com o R, não a incluir.
              Tudo se passa em plena vigência do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, pois apesar deste ter sido substituído pelo Código de Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, o caso dos autos continua a reger-se por aquele primeiro diploma, pois este último só entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009, salvaguardando as condições de validade e os efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento, conforme estabeleceu o artigo 7º nº 1.
              Por isso, sendo os factos anteriores a 12 de Abril de 2007, será tendo em conta a disciplina do Código de Trabalho de 2003 que teremos de resolver a questão[1].
              Ora, estatuía o nº 1 do seu art. 147.º, que “é lícita a cláusula pela qual as partes convencionem, sem diminuição de retribuição, a obrigatoriedade de prestação de serviço durante certo prazo, não superior a três anos, como compensação de despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação profissional, podendo este desobrigar-se restituindo a soma das importâncias despendidas”.
              Esta norma correspondia ao nº 3 do artigo 36º da LCT, que em termos idênticos consagrava que “é licita igualmente a cláusula pela qual as partes convencionem, sem diminuição de retribuição, a obrigatoriedade de prestação de serviço durante certo prazo, não superior a três anos, como compensação de despesas extraordinárias feitas pela entidade patronal na preparação profissional do trabalhador, podendo este desobrigar-se restituindo a soma das importâncias despendidas”.
              Resulta assim daquele primeiro preceito, que a lei admitia a celebração de pactos de permanência como forma de assegurar à empresa a recuperação do investimento feito com uma formação profissional do trabalhador que tivesse exigido a realização de “despesas extraordinárias”. 
              Foi este “pacto de permanência” com a duração de três anos, que as partes acordaram na cláusula 5ª.
              Ora, tratando-se dum desvio ao princípio constitucional da liberdade de trabalho ínsito no art.º 58.º n.º 1 da CRP, na medida em que fica limitado o direito à desvinculação unilateral do trabalhador, que estava consagrado no artigo 447º nº 3, poderia logo à partida suscitar-se a questão da constitucionalidade da dita norma que permitia a aposição de cláusula de permanência do trabalhador no contrato de formação.
              E embora Jorge Leite/Moitinho de Almeida, citados no Código do Trabalho, anotado e comentado, por Paula Quintas e Hélder Quintas, pgª 387, edição de 2010, levantem o espectro da inconstitucionalidade da norma (36º nº 3 da LCT que corresponde ao artigo 147º do Código do Trabalho de 2003), pois a rescisão por iniciativa do trabalhador constitui a expressão da sua liberdade pessoal e da sua liberdade de trabalho, acabam estes autores, no entanto, por admitir que, tratando-se de despesas excepcionais da entidade patronal, feitas obviamente no interesse da empresa, mas também no interesse da valorização profissional do trabalhador, parece razoável a protecção do empregador.
               Concluímos assim que tal preceito não viola o artigo 58º da CRP, pois o pacto de permanência nele previsto, para além de corresponder a uma limitação voluntária e legal dos direitos de personalidade do trabalhador, também é seguro que a sua revogação é livre desde que se indemnizem os prejuízos causados às expectativas legítimas do empregador, conforme resulta da parte final do preceito.
              Por isso, tal liberdade de desvinculação unilateral do trabalhador não está totalmente coarctada, pois este pode desobrigar-se, restituindo ao empregador a importância por este despendida na formação[2].
              Permitia pois, este preceito que o trabalhador assumisse a obrigação de permanecer ao serviço da empresa durante certo lapso de tempo, não superior a três anos, renunciando, assim, ao direito de rescindir o contrato por decisão unilateral, sob pena de se sujeitar a ter de reembolsar a entidade empregadora das despesas extraordinárias que a mesma tenha investido na sua formação profissional, funcionando o acordo ou pacto de permanência como compensação para esse investimento.
              No caso presente, tal pacto de permanência do trabalhador foi incluído num acordo de formação que foi anterior à celebração do contrato de trabalho, mas esta circunstância é irrelevante, tratando-se portanto dum pacto de permanência absolutamente legal e que se aceita para permitir à empresa o retorno do investimento feito na formação e qualificação do futuro trabalhador[3].
              E assim sendo, o acordo de formação podia inserir a cláusula que obrigava o formando a exercer a actividade profissional resultante da formação ministrada, com a categoria profissional de Oficial Piloto, durante um período mínimo de três anos a contar da data da outorga do contrato de trabalho.
              Efectivamente, a formação profissional podia assumir, à data, duas vertentes: a formação profissional inserida no sistema educativo e cujo regime jurídico constava do DL nº 205/96 de 25/X; e a formação profissional inserida no mercado de trabalho, que foi regulada pelo Decreto-Lei 405/91 de 16/10.
      E assim, embora esta última se destinasse especificamente a activos empregados, por conta própria ou por conta de outrem, abrangia também trabalhadores desempregados e candidatos ao primeiro emprego, conforme se colhe do artigo 1º nº 2 deste último diploma.
              E por outro lado, podia assumir a forma de formação inicial, ou de formação contínua, sendo esta última destinada a trabalhadores cujo contrato de trabalho estivesse em execução, consagrando até o artigo 162º da Lei 35/2004 um verdadeiro direito individual a formação anual, que se não for exercido, confere ao trabalhador o direito à retribuição correspondente às horas de formação que lhe não foram proporcionadas (artigos 168º e 169º desta Lei). 
              De qualquer maneira e apesar da formação profissional prevista no Código do Trabalho pressupor, em regra, a existência dum contrato de trabalho, também se prevêem no seu artigo 124º, situações que não se reconduzem àquela situação, pois prevêem-se acções de formação destinadas a jovens que pretendam ingressar no mercado de trabalho [alínea a)]; destinadas a desempregados [alínea d)]; e a grupos com especiais dificuldades de inserção [alínea f)].
              Por isso, rege para estes casos o artigo 12º, nº 3, do Decreto - Lei 405/91, donde resulta que o contrato de formação não gera nem titula relações de trabalho subordinado e caduca com a conclusão do curso ou acção de formação para que foi celebrado, o que evidencia claramente que nem toda a formação profissional pressupõe a existência de um contrato de trabalho.
              No entanto, resultando do seu nº 1, que o quadro de direitos e deveres das partes será fixado no respectivo contrato de formação, concluímos que nada impedia que a entidade formadora se precavesse contra a recusa de celebração do contrato de trabalho ou contra a sua cessação unilateral antes de completados os três anos que foram acordados, clausulando que o R se constituiria na obrigação de a indemnizar, como forma de compensar o investimento que estava a fazer com a sua preparação (cláusula 5ª).
              No entanto, o R foi contratado a termo de um ano, contrato que foi renovado, não constando qualquer cláusula de permanência deste contrato de trabalho.
              Perante este quadro, sustenta o recorrente que a segurança dos negócios jurídicos e a boa fé que deve nortear os mesmos, impunham que as partes e sobretudo nos contratos a termo, expressamente fizessem consignar no seu clausulado todas as condições que pretendiam. Por isso e como no contrato definitivo não manifestaram, de forma clara e precisa, a vontade de se vincularem à celebração nos termos acordados no contrato promessa, é duvidosa e incerta a posição por eles assumida.
              Ora sobre esta problemática, escreveu-se no acórdão recorrido que:
                   “O princípio da liberdade contratual faculta às partes a livre fixação do conteúdo dos contratos e a celebração de contratos diferentes dos legalmente tipificados, e a reunião no mesmo contrato de regras próprias de diversos contratos – art. 405.º do Cód. Civil.
                   No quadro dessas relações contratuais complexas, distingue-se, além do mais, conforme os casos, entre contratos mistos e união ou coligação de contratos.
                   O critério para aferir da unidade ou pluralidade negocial, isto é para se saber se há um ou mais contratos implica um problema de metodologia jurídica, já que cabe à ordem jurídica determinar quando determinada formação contratual se apresenta, para determinados efeitos, como unitária ou plural.
                   Nesta perspectiva, partindo de elementos juspositivos, a doutrina civilista distingue o contrato misto da coligação ou união de contratos (Vaz Serra, BMJ 91, pág .11 e segs, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 2ª ed., pág. 224, Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, pág.281).
                   No contrato misto há uma unidade contratual, um só negócio jurídico, cujos elementos essenciais respeitam a tipos contratuais distintos.
                   Já na coligação existe uma pluralidade de contratos, ligados entre si por um nexo funcional, de tal modo que constituem uma unidade económica, embora cada um mantenha a sua individualidade própria. Mas dada a dependência recíproca ou unilateral, ambos os contratos se completam na obtenção da finalidade económica comum, e uma subordinação que implica que as vicissitudes de um se repercutam no outro.
                   Como ensina Inocêncio Galvão Telles (“Direito das Obrigações”, Coimbra, 1997, págs. 86 a 88) os contratos coligados são pensados pelas partes como um conjunto económico envolvente de um nexo funcional, do que resulta depender a validade e a vigência de um dos contratos, da validade e vigência do outro, embora essa consequência não seja absoluta, porque, ao abrigo do princípio da liberdade negocial, as partes podem afastar o referido efeito – art. 405.º do Cód. Civil.
                   O fenómeno da coligação negocial, perspectivado inicialmente segundo uma concepção atomística, ao pressupor uma pluralidade jurídica, com uma unidade económica funcional, autonomizando estruturalmente cada um dos contratos, produtores dos seus próprios efeitos, tem vindo a ser abordado através de uma “concepção unitária” (Francisco Pereira Coelho, “ Coligação Negocial e Operações Negociais Complexas”, Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, 2003, pág.209 e segs.).
                   Isto significa, além do mais, que todas as normas e institutos dirigidos directa ou indirectamente ao conteúdo “económico” do contrato (à avaliação económica das cláusulas, prestações ou obrigações, à avaliação económica do próprio contrato ou dos singulares contratos que compõem o complexo, à correlação económica de forças, aos equilíbrios e desequilíbrios económicos gerados em conclusão do contrato e no desenvolvimento da execução contratual, à própria utilidade ou inutilidade económica de sobrevivência autónoma de contratos singulares pertencentes ao complexo, etc.) devem ser objecto de uma aplicação unitária (ob. cit., pág. 255 ), embora não de forma mecânica, mas flexível.
                   Uma das consequências desta concepção situa-se no âmbito da interpretação e integração negocial, que deve atender ao conjunto de todos os elementos, de forma complexiva, ou em sede de incumprimento.
                   Pelo designado Contrato de Formação Profissional e Promessa de Contrato de Trabalho a Termo Certo, o réu, concluída com aproveitamento a acção de formação acordada, obrigou-se para com a autora a exercer a actividade profissional resultante da formação ministrada, com a categoria profissional de Oficial Piloto, durante um período mínimo de três anos a contar da data da outorga do contrato de trabalho, sem prejuízo de lhe poder ser proposta contratação, por período inferior, ajustado às necessidades daquela, o que configura uma verdadeira promessa bilateral de trabalho com pacto de permanência – note-se que a cláusula que impõe ao trabalhador a subsistência do vínculo laboral pode ser aposta no contrato de trabalho, incluída em qualquer alteração deste ou constar de pacto autónomo coligado com o contrato de trabalho (Romano Martinez “Direito de Trabalho”Almedina, 2.ª ed., 2005, pág. 621). Esta era a contrapartida exigida pela autora ao réu pelas acções de formação que se obrigou a prestar-lhe, e que tinham um custo que o réu não tinha que suportar.
                   Resta, então, saber qual a relação entre este contrato misto, que reúne, em termos de fusão, elementos próprios de dois contratos distintos – o de formação profissional e o de promessa de contrato de trabalho – mas assumindo-se como um único contrato e o contrato individual de trabalho.
                   Como ensina Romano Martinez (ob. cit., pág. 628), entre o contrato-promessa de trabalho e o contrato definitivo verifica-se não só uma sequência temporal como também uma interligação: o contrato definitivo está condicionado pelo que foi estabelecido no contrato promessa. Trata-se da chamada coligação genética.
                   No caso em apreço, temos de considerar que as partes quiseram os dois contratos como um todo, como um conjunto económico, estabelecendo entre eles uma dependência (Galvão Telles “Manual dos Contratos em Geral”, 4ª ed., pág. 476).
                   Efectivamente, resulta claramente daquele texto que a obrigação assumida pelo réu de exercer a actividade profissional para que a formação ministrada o havia qualificado, ficou sujeita à outorga do contrato de trabalho, a partir da qual operaria o pacto de permanência e começaria a contar o período mínimo de três anos pelo qual vigoraria…
                   Conclui-se, assim, que a cláusula que consigna o pacto de permanência vincula o réu na vigência do contrato de trabalho”.
              Também sufragamos este entendimento que foi seguido no acórdão.
              Efectivamente, a A, para além de ter obtido do R a vinculação de exercer a actividade profissional resultante da formação ministrada, com a categoria profissional de Oficial Piloto, durante um período mínimo de três anos a contar da data da outorga do contrato de trabalho, salvaguardou expressamente que lhe poderia ser proposta contratação, por período inferior, de acordo com as necessidades da empresa.
              O que desde logo inculca a ideia de que se mantinha tal obrigação do R apesar de ela não constar expressamente do contrato de trabalho que foi celebrado.
              Face ao exposto, tendo o R denunciado o contrato antes de esgotado o período de permanência a que se obrigara, tornou-se responsável pela reparação do prejuízo causado.
              Improcedem assim as três primeiras questões suscitadas pelo recorrente.

3.2---

Argumenta ainda este que a licitude da cláusula penal depende da demonstração de que não se tratou de despesa afecta à formação resultante do dever genérico do art.120º al. d) do Cód. de Trabalho, pois que nas companhias aéreas, à excepção da primeira qualificação ministrada aos pilotos, tal situação não se verifica com nenhuma das qualificações posteriores ministradas aos tripulantes técnicos, tanto mais que estas tenderão sempre a possuir equipamentos mais fiáveis e adequados ao tipo de operações que realizam.

Não podemos, no entanto, sufragar este entendimento.

Resulta com efeito do referido artigo 147º nº 1 que o pacto de permanência a que o trabalhador se vincula só é admissível como forma de compensação de despesas extraordinárias efectuadas na formação profissional do trabalhador.

Ora, conforme é jurisprudência assente, tais despesas extraordinárias contrapõem-se às despesas correntes em matéria de formação profissional ministrada ao abrigo das disposições constantes dos artigos 120º nº 1 alínea d) e 123º a 126º e 137º

Nesta linha, como se concluiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 13/10/2010, recurso nº 185/08.8TTSTR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, deve ter-se como despesa extraordinária a formação ministrada a um trabalhador que o habilitou a operar com os aviões Airbus A 310-300 e A300-600, como foi o presente caso.

Por isso, ficando o R habilitado com uma qualificação que não detinha e que o habilitou também a operar os referidos aviões Airbus A 310-300 e A300-600, temos de considerar que não se tratou duma formação que se possa incluir na formação ordinária que as entidades empregadoras estavam obrigadas por força daquelas disposições legais do CT/2003.

Por outro lado, não podemos deixar de considerar significativo e de montante elevado o custo da formação ministrada ao R, e que importou em € 34 515,05, valor de tal modo importante que é pouco consentânea com a formação profissional normal que as empresas estão obrigadas a facultar aos seus trabalhadores por força daqueles preceitos.

Além disso, esta formação proporcionada ao R representou uma mais valia profissional que foi fundamental para a sua admissão ao serviço da empresa para quem trabalha actualmente e onde opera aviões Airbus A 310, precisamente da categoria conferida pela formação ministrada pela A.
              Improcedendo assim todas as questões que vêm suscitadas pelo recorrente, só nos resta confirmar o acórdão recorrido.
                
4----

              Termos em que se acorda em negar a revista.
 
              Custas a cargo do R.


              Lisboa, 30 de Junho de 2011.

              Gonçalves Rocha (relator)

              Sampaio Gomes

              Pereira Rodrigues
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[1] Diploma a que pertencerão todos os preceitos sem outra proveniência
[2] Neste sentido também Romano Martinez, Direito do Trabalho, II volume, 2º Tomo, 3ª edição, pgª 15.
[3] Conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 04-05-2011, Recurso n.º 455/08.5TTLSB.L1.S1 - 4.ª Secção.