Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2962/05.2TBCLD.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE DO ACÓRDÃO
Data do Acordão: 12/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS - CONTRATOS EM ESPECIAL
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA / RECURSOS
Doutrina: - José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, volume VI, 1953, 2.
- José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 3.º, tomo I, 2ª edição, 162/163.
- Pedro Romano Martinez, Contrato de Empreitada, 1994, 137/139, 141.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Volume II, 805/812.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 405.º, N.º1, 406.º, N.º1, 1207.º, 1214.º, N.ºS 1 E 3, 1215.º, 1216.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 671.º, 673.º, 690.º, N.ºS 1 E 2, 690.º-A, Nº1, ALÍNEA A),721.º, N.º2, 722.º, N.º2, 724.º, N.º1, 729.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 6/5/2004, 7/4/2005, 18/5/2011, 14/10/2010, 23/2/2012, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I Em sede de contrato de empreitada e havendo alterações à obra inicialmente projectada, não pode o empreiteiro sem autorização do dono da obra, fazer alterações ao plano convencionado, tendo essa autorização de ser dada por escrito, constituindo esta uma formalidade ad substantiam, conforme dispõe o normativo inserto no artigo 1214º, nº1 e 3 do CCivil.

II Se as alterações efectuadas pelo empreiteiro, cujo valor foi peticionado nos autos, não foram por si efectuadas de motu proprio e à la diable: umas quantas se impuseram por força das circunstâncias de execução da obra e, outras, a solicitação do Réu/Recorrente, tendo as mesmas sido efectuadas por acordo verbal com o sócio-gerente da Autora, afastada se encontra a operância do aludido normativo.

III Se o Recorrente, em sede de recurso de Revista se limitar a repetir na tese defendida na Apelação e não aponta especificamente as razões da sua dissidência com o Acórdão da Relação de que recorre, ao qual imputa a mesma violação de Lei processual que já havia imputado antes à sentença de primeira instância, isto é, a sua deficiente leitura da matéria de facto, sendo que esta, reportando-se apenas a uma materialidade supostamente deficiente e em relação à qual não é apontada qualquer das ofensas em sede de direito probatório material a que alude o normativo inserto no artigo 722º, nº2 do CPCivil, nenhuma censura poderá ser feita ao aresto sob impugnação.

(APB)

Decisão Texto Integral:  ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I X - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA., intentou a acção declarativa com processo comum ordinário contra M e F, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 36.669,08, acrescida do montante de € 10.360,77 a título de juros vencidos, à taxa legal, até 15 de Setembro de 2005 e nos juros vincendos, à taxa legal, desde aquela, até integral pagamento, relativo às alterações levadas a cabo na obra que executou para os RR, consistente na construção de dez moradias.

Na audiência de discussão e julgamento a Autora reduziu o pedido no montante de € 7.500,00, tendo esta redução sido homologada e foi proferida sentença final, em que foi julgada a acção totalmente procedente e os Réus condenados a pagar à autora as seguintes quantias: a) a quantia total de € 29.169,08 (vinte e nove mil cento e sessenta e nove euros e oito cêntimos); b)        Os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal dos juros moratórios de que são titulares empresas comerciais, contados nos seguintes moldes: sobre a quantia de € 30.421,58, desde 13/02/2003 até 07/09/2004; sobre a quantia de € 22.921,58, desde 08/09/2004 até integral pagamento; sobre a quantia de € 6.247,50, desde 21/02/2003 até integral pagamento.

Desta sentença interpuseram os Réus recurso de Apelação, o qual veio a ser julgado parcialmente procedente no tocante ao valor da condenação que passa a ser de € 11.955,50 (708,05+6.247,50) mantendo-se o mais decidido.

De novo inconformados recorreram os Réus de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- Não pode a Recorrente conformar-se com a douta decisão proferia pelo Meritíssimo Juiz a quo, porquanto foram dados como provados factos sem qualquer sustentação na prova produzida em audiência de julgamento ou em documentação junta aos autos.

- Toda a fundamentação jurídica da douta sentença colide com a lei, doutrina e melhor jurisprudência.

- Competia à A., ora recorrida, o ónus de provar que as pretensas alterações foram executadas a pedido do Recorrente marido, o que não logrou fazer.

- Foi dado como provado que a empreitada foi feita na modalidade "chave na mão"...» n.° 5 dos factos provados.

- Os recorrentes não tinham conhecimentos de construção civil pelo que aceitaram algumas sugestões que lhe foram sendo dadas pelo empreiteiro para alterações do inicialmente previsto.

- Os recorrentes nunca sugeriram alterações.

- Nunca foi informado que as alterações de execução lhe trariam um custo acrescido, porque se o fosse, teriam que calcular previamente esse custo e reduzir a escrito, tudo conforme clausula DÉCIMA SEGUNDA do contrato.

 - Os recorrentes discordam que tenha sido dado como provado que "No decurso da obra foram efectuadas algumas alterações, umas motivadas pela execução da mesma, e outras a solicitação do réu marido, que foi quem dos dois réus acompanhou a execução da obra, tendo estas alterações sido efectua das por acordo verbal com o sócio-gerente da autora" ­facto 15.

- Não houve qualquer peritagem que fixasse o valor das alterações, nem acordo quanto a esses valores.

- Não se fez prova da quantidade, qualidade e preço da mão de obra utilizada.

- Tais valores foram fixados unilateralmente pela recorrida que não fez, como lhe competia, prova do preço dos materiais utilizados, nem prova da qualidade e quantidade dos materiais aplicados.

- Resulta da prova produzida em audiência de julgamento que o contrato assinado foi por um valor global e que, não foi dado conhecimento aos recorrentes dos valores parcelares que deram origem ao preço global da empreitada 190.000.000$00.

- Resulta dos autos que as alegadas "mais valias" correspondem a pormenores de execução indispensáveis para que fosse emitida, pela Câmara Municipal de …., a licença de utilização das vivendas constantes do contrato de empreitada.

- Deu-se como provado que algumas alterações foram em substituição de trabalhos já previstos na referida empreitada

- Deste facto não se retirou qualquer conclusão.

- Não se diz quais as alterações que foram autorizados pelos recorrentes.

- Nos termos do n.º3 do art.o 1214.º do CC, fixado que seja para a obra um preço global e a autorização para as alterações não tiver sido dada por escrito, o empreiteiro só pode exigir o dono da obra uma indemnização correspondente ao enriquecimento deste.

- Resulta da prova produzida que as alterações não foram solicitadas, nem autorizadas por escrito pelos RR.

- A A. não alegou nem provou que, as alegadas alterações, acarretaram para a esfera jurídica dos recorrentes qualquer enriquecimento - de facto não resultaram.

- A exigência de forma prevista no artigo 1214.º do CC é uma formalidade ad substantiam.

- Não logrou a recorrida fazer prova de que as alterações foram exigidas pelo dono de obra, pelo que, não pode o Tribunal da Relação decidir como decidiu.

- O Tribunal da Relação fez uma incorrecta interpretação do artº 406° do Código Civil, pois entendeu que a recorrida podia alterar o contrato sem o consentimento dos recorrentes, isto é, permitindo-lhe que possa exigir o valor titulado pelas facturas, sem que previamente tenha havido orçamento e fixação do preço.

- Ao decidir como o acórdão violou os artigos 342.º, 406.º e 1214.º do Código Civil.

Não foram apresentadas contra alegações.

II A questão decidenda neste recurso consiste em apurar se foi violado o preceituado no artigo 1214º do CCivil

As instâncias deram como assente a seguinte factualidade:

- A autora é uma sociedade por quotas, que se dedica à construção civil (A).

- Os réus, que são casados no regime da comunhão de adquiridos (B).

- No exercício da sua actividade a autora celebrou com os réus um contrato de empreitada para a construção de dez moradias unifamiliares de acordo com os respectivos projectos pelo preço total de Esc. 190.000.000$00, incluindo IVA (C).

- A fotocópia que os autores juntaram aos autos como documento 1 (fls. 8 a 181) corresponde ao referido contrato e demais cláusulas estipuladas, o qual se dá por integralmente reproduzido (D).

- Constam no contrato atrás mencionado nos n.°s 3 e 4 as seguintes cláusulas: "DÉCIMA PRIMEIRA

A presente empreitada é feita na modalidade "chave na mão", ficando a firma Segunda Outorgante com o encargo de dar garantia ao imóvel por cinco anos, a contar da data da entrega da obra, assumindo a reparação de quaisquer defeitos de construção detectados durante esse prazo. DÉCIMA SEGUNDA

Caso os primeiros Outorgantes pretendam alterações às obras que constem dos projectos de arquitectura e especialidades atrás descriminados, as mesmas só serão efectuadas, depois de devidamente orçamentadas, com mútuo acordo entre ambas as partes, ficando desde já estipulado que a qualquer atraso causado unicamente por essas negociações se não aplicará a penalidade estipulada na Sexta Cláusula." (30.°).

- As moradias referidas no contrato seriam edificadas nos dez lotes de terreno para construção urbana, todos denominados …., propriedade dos réus (E).

- Os réus pagaram à autora o respectivo preço acordado no contrato e aceitaram a obra (F).

- A autora emitiu a factura n.º10 de 13/02/2003 no valor global de € 30.421,58 (G).

- A autora emitiu a factura n.º11 de 21/02/2003 no valor global de € 6.247,50 (H).

- Os réus foram interpelados por carta registada com aviso de recepção, para procederem ao pagamento, mas não o fizeram (I).

- A autora entregou a cobrança ao seu advogado, que dirigiu aos réus em 28/04/2004 carta registada (J).

- Segundo a cláusula sexta do contrato referido nos n.°s 3 e 4 a autora comprometeu-se a entregar a totalidade das obras acordadas no prazo de dezoito meses a contar da data de assinatura do contrato, tendo esta assinatura ocorrido em 14 de Maio de 2001, pelo que o prazo de conclusão das obras era 14 de Novembro de 2002 (1.°).

- As moradias previstas no contrato foram dadas como concluídas pela autora nas seguintes datas:

-       Moradia do lote n.°1, em 22/10/2002;

-       Moradia do lote n.°2, em 15/01/2003;

-       Moradia do lote n.°3, em 16/01/2003;

-       Moradia do lote n.°4, em 19/02/2003;

-       Moradia do lote n.°5, em 22/10/2002;

-       Moradia do lote n.° 6, em 18/10/2002;

-       Moradia do lote n.°7, em 03/08/2002;

-       Moradia do lote n.°8, em 19/02/2003;

-       Moradia do lote n.°9, em 19/02/2003;

-       Moradia do lote n.°10, em 19/02/2003 (1.°).

- A obra foi sempre acompanhada:

-       Pelo réu marido, todos os dias;

-       Pelo arquitecto director técnico da obra, em média, duas vezes por semana (2°).

- No decurso da obra foram efectuadas algumas alterações, umas motivadas pela execução da mesma, e outras a solicitação do réu marido, que foi quem dos dois réus acompanhou a execução da obra, tendo estas alterações sido efectuadas por acordo verbal com o sócio-gerente da autora (3.°, primeiro parágrafo).

- As alterações aludidas no art.° 3.°, lª parte são as que vão discriminadas nas respostas aos art.s 11.°, 12.°, 13.°, 14.°, 15.°, 16.° e 17.°da BI., no valor global de € 16.349,15 (3.°, segundo parágrafo).

- A autora executou 700m2 de calçada de acesso às garagens das moradias a € 17,46 o m2, no valor de € 12.222,00 (5.°).

- A autora procedeu ao fornecimento e aplicação de toutvenant e lancil para calçada de acesso às garagens das moradias a € 7,48 o m2, no valor de € 5.236,00 (6.°)

- Os trabalhos referidos nos n.°s 18 e 19 eram, em parte, trabalhos realizados em substituição da calçada à portuguesa em redor das moradias, prevista no plano inicial (7.°).

- Os valores referidos nos n.°s 18 e 19 foram facturados pela autora aos réus apenas em 50% dos trabalhos realizados, ou seja, em € 8.729,00, sendo que tal sucedeu devido ao referido no n.° 20 (8.°).

- A autora executou rampas no lancil exterior, tirou e repôs, abriu vala na moradia n.°3, para retirar tubo de abastecimento de água ao lote e passá-lo, para fora da moradia, fornecimento e aplicação, no valor de € 748,20 (9.°).

- A autora executou casas para arrumação das botijas de gás e respectivas portas a € 498,80, cada, no valor de € 4.988,00 (10.°).

- A autora executou muro de suporte de terras com 27 ml x 4 m de altura x 0,21 de espessura, igual a 21,60 m3 de betão x € 299,28 m3, no valor de € 6.464,45 (11.°).

- A autora executou sapata de 27 ml x 1,00 m de largura x 50 altura, igual a 13,50 m3 de betão x € 249,40, no valor de € 3.366,90 (12.°).

- A autora instalou motores eléctricos para estores (10) x € 104,20, no valor de € 1.042,00 (13.°).

- A autora substituiu a bancada de cozinha, da moradia 1 (Rosa Monção para Lioz) no valor de € 225,80 (14.°).

- A autora executou uma casa para quadro da luz da bomba eléctrica e porta; casa para gerador, pintura e porta de alumínio; abertura de valas para descobrir tubos, baixadas, tapamento e aplicação de calçada; degraus na traseira da moradia n.° 6, tudo no valor de € 3.000,00 (15.°).

- A autora executou a aplicação de gradeamento nos muros laterais da moradia n.°8 e rampa da cave; lancil e degraus na moradia n.°2; abertura de portão e aplicação de cancela na moradia n.°2, tudo no valor de € 1.000,00 (16.°).

- A autora executou dois poços nas moradias n.°s 7 e 10 e respectivas bombas elevatórias, para bombear águas pluviais e respectivas ligações eléctricas e tubagem de esgoto, tudo no valor de € 1.250,00 (17.°).

- Terminados estes trabalhos foram entregues e aceites pelos réus (18.°).

- Os referidos valores, dos materiais aplicados e dos serviços prestados, foram definidos pela autora tendo por base os preços já praticados na empreitada celebrada, com base no tipo, qualidade e quantidade do material e preço de mercado, bem como, no preço/hora dos diversos trabalhos, praticado à data pela autora e quantidade de horas de serviço prestado, sendo que os referidos valores correspondem também aos preços corrente de mercado à data (19.°).

- Os réus respondem ao envio das referidas facturas em 17 de Dezembro de 2003, tendo essa resposta sido dada através da carta de fls. 23 a 26, aqui dada por reproduzida (20.°).

- A autora, por carta de 2 de Janeiro de 2004, cuja cópia, constante de fls. 27 a 30, se dá por integralmente reproduzida, deu aos réus as explicações que reputou de convenientes (21.°).

- A autora construiu uma casa para o quadro da luz da bomba eléctrica e porta e uma casa para gerador, pintaram e puseram uma porta de alumínio porque estas obras eram necessárias para guarda do quadro e do gerador (28.°).

- Os réus, por conta das alterações atrás mencionadas, pagaram à autora a quantia de € 7.500,00, através de cheque emitido em 07/09/2004 (34.°).

- Pela Autora:

- Foram demolidos 5 vãos de janela, um por moradia, tapados os mesmos vãos, estucados e rebocados;

- Foi substituída uma porta de sacada por janela, tendo sido executados posteriormente dois panos de tijolo à altura de 90 cm com revestimento;

- Foi substituído um vão envidraçado por duas portas de sacada, caixa de estore, estore, enroladores e tampa de estore (35.° e 36.°).

- A A instalou apenas uma lareira, numa moradia, não tendo instalado as restantes nove, por decisão do dono da obra (37.°).

- A autora deixou por colocar cinco grelhas cerâmicas em varandas (38.°).

- A autora deixou por colocar tubos de protecção em cinco varandas (39.°).

- A autora não fez calçada à portuguesa em redor das moradias, com largura de 1 metro, e respectivo lancil a acompanhar a calçada (42.° a 44.°).

- A autora não instalou canalização de água-redução dos calibres ao mínimo e ventiladores "Unitas" nas cozinhas (45.°).

-A autora não utilizou tinta especial nas cozinhas e nas casas de banho (46.°).

1. Da impugnação da decisão em relação à factualidade assente.

Insurgem-se os Réus/Recorrentes contra o Acórdão recorrido, uma vez que na sua tese foram dados como provados factos sem qualquer sustentação na prova produzida em audiência de julgamento ou em documentação junta aos autos.

Vejamos.

É às instâncias, e designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo o Supremo Tribunal de Justiça, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de Revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no nº2 do artigo 722º do CPCivil, na redacção dada pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, aplicável in casu, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova, cfr José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol 3º, tomo I, 2ª edição, 162/163 e inter alia os Ac STJ de 6 de Maio de 2004 (Relator Araújo de Barros), 7 de Abril de 2005 (Relator Salvador da Costa), 18 de Maio de 2011 (Relator Pereira Rodrigues), de 23 de Fevereiro de 2012 (Távora Victor), in www.dgsi.pt.

A Revista, no que tange à decisão da matéria de facto, só pode ter por objecto, em termos genéricos, aquelas situações excepcionais, ou seja quando o Tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência; o Tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico; e ainda, quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no artigo 729º, nº3 do CPCivil.

             

Todavia a Recorrente insurge-se contra o Acórdão recorrido, neste conspectu factual, uma vez que na sua tese foram dados como provados factos sem qualquer sustentabilidade na prova testemunhal e/ou documental produzida em audiência

A Ré/Recorrente, no seu acervo conclusivo, repete ipsis verbis os argumentos anteriormente expendidos em sede de recurso de Apelação, cfr conclusões de fls 253 a 258, com excepção da matéria de impugnação fáctica específica em obediência ao preceituado no artigo 690º-A, nº1, alínea a) do CPCivil, referidas nos pontos 9 a 12, 17, 18 e 23 a 30, daquela peça processual.

Como deflui do normativo inserto no artigo 721º, nº2 do CPCivil «O fundamento específico do recurso de revista é a violação da lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável;(…)» aplicando-se a esta espécie de recurso no que tange à sua interposição as mesmas regras da Apelação, cfr artigo 724º, nº1, do mesmo diploma, de onde, em termos formais, ser aplicável à Revista, além do mais, o preceituado no artigo 690º, nº1 e 2 do CPCivil, impendendo sobre o Recorrente o ónus de alegar e formular conclusões, sendo que estas terão de versar, obrigatoriamente, sobre as razões da discordância do Recorrente em relação à Lei substantiva aplicada no Acórdão recorrido, porque este recurso de Revista abrange, unicamente, a violação desta, sendo a função do STJ, neste particular, corrigir os eventuais erros de interpretação e de aplicação das normas jurídicas cometidos pelo Tribunal da Relação, cfr José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume VI, 1953, pag 2.

In casu, a Recorrente, para além de se limitar a repetir na tese que defende não aponta especificamente as razões da sua dissidência com o Acórdão da Relação de que recorre, ao qual imputa a mesma violação de Lei processual que já havia imputado antes à sentença de primeira instância, isto é, a sua deficiente leitura da matéria de facto, sendo que esta, reportando-se apenas a uma materialidade supostamente deficiente e em relação à qual não foi apontada qualquer das ofensas em sede de direito probatório material a que alude o normativo inserto no artigo 722º, nº2 do CPCivil, nenhuma censura há a fazer ao Acórdão sob impugnação, soçobrando as conclusões neste particular.

2.Da aplicação do direito.

Insurgem-se ainda os Réus/Recorrentes contra o aresto sob censura, uma vez que nos termos do nº3 do artigo 1214º do CCivil, fixado que seja para a obra um preço global e a autorização para as alterações não tiver sido dada por escrito, o empreiteiro só pode exigir do dono da obra uma indemnização correspondente ao enriquecimento deste, resultando da prova produzida que as alterações não foram solicitadas, nem autorizadas por escrito pelos Recorrentes, nem a Recorrida alegou e provou que aquelas alterações tenham acarretado para os mesmos um enriquecimento.

Quid inde?

Estamos face a um contrato de empreitada tal como o mesmo nos é definido pelo artigo 1207º do CCivil e pelo qual a Autora, aqui Recorrida se obrigou para com os Réus, ora Recorrentes, a construir-lhes dez moradias unifamiliares, conforme acordo junto de fls 8 a 81, cfr matéria assente alíneas C) e D), mediante uma contrapartida monetária estipulada em 190.000.000$00.

Todavia, o que cura aqui é saber se os Recorrentes estão ou não obrigados a satisfazer à Recorrida a quantia peticionada, ou pelo menos parte dela, como se concluiu no Acórdão recorrido, a título de alterações introduzidas na obra.

 

Nesta sede de alterações à obra inicialmente projectada, dispõe o normativo inserto no artigo 1214º, nº1 do CCivil, que «O empreiteiro não pode, sem autorização do dono da obra, fazer alterações ao plano convencionado.», acrescentando o seu nº3, segmento aqui convocado pelos Recorrentes em abono da tese que defendem que «Se tiver sido fixado para a obra um preço global e a autorização não tiver sido dada por escrito como fixação do aumento de preço, o empreiteiro só pode exigir do dono da obra uma indemnização correspondente ao enriquecimento deste.».

A primeira questão que se coloca é a de que as alterações efectuadas pela Recorrida, cujo valor foi peticionado nos autos, não foram por si efectuadas de motu proprio e à la diable: umas quantas se impuseram por força das circunstâncias de execução da obra e, outras, a solicitação do Réu/Recorrente, que foi quem dos dois réus acompanhou a execução da obra, tendo estas alterações sido efectuadas por acordo verbal com o sócio-gerente da Autora, como deflui da resposta ao ponto 3. da base instrutória, sendo as aludidas alterações as que constam das respostas aos pontos 11. a 17. da mesma peça processual.

Assim sendo, afastada se encontra a operância do apontado normativo, o qual impõe que as alterações sejam da iniciativa do empreiteiro e nesta circunstância autorizadas por escrito pelo dono da obra, o que na espécie não se apurou que tenha acontecido, antes pelo contrário como supra se deixou consignado, a este propósito veja-se Pedro Romano Martinez, in Contrato de Empreitada, 1994, 137/139.

Aliás neste ponto, cumpre acentuar, tal como deflui do contrato havido entre as parte, fls 8 a 181, as mesmas ajustaram o seguinte: cláusulas «DÉCIMA PRIMEIRA A presente empreitada é feita na modalidade “chave na mão”, ficando a firma Segunda Outorgante com o encargo de dar garantia ao imóvel por cinco anos, a contar da data da entrega da obra, assumindo a reparação de quaisquer defeitos de construção detectados durante esse prazo. DÉCIMA SEGUNDA Caso os primeiros Outorgantes pretendam alterações às obras que constem dos projectos de arquitectura e especialidades atrás descriminados, as mesmas só serão efectuadas, depois de devidamente orçamentadas, com mútuo acordo entre ambas as partes, ficando desde já estipulado que a qualquer atraso causado unicamente por essas negociações se não aplicará a penalidade estipulada na Sexta Cláusula.».

Quer dizer, não obstante as partes tivessem estipulado que o acordo de empreitada das vivendas era na modalidade «chave na mão» (tradução livre da expressão inglesa “turn key”), ou seja, a obra seria entregue pela Autora aos Réus em perfeitas condições, mediante o preço acordado no contrato. Isto é, nesta modalidade contratual, o preço do serviço, o serviço e o prazo de entrega eram os definidos no próprio processo negocial, Autora e Réus estipularam ainda, pour cause e ao abrigo da livre estipulação negocial a que alude o normativo inserto no artigo 405º, nº1 do CCivil, que se os Réus pretendessem alguma alteração às obras que constavam dos projectos de arquitectura e especialidades descriminados no contrato de empreitada, as mesmas só seriam efectuadas, depois de devidamente orçamentadas, com mútuo acordo entre ambas as partes, ficando estipulado que a qualquer atraso causado unicamente por essas negociações se não aplicaria a penalidade estipulada na Cláusula Sexta.

Ora, o que provado ficou, cfr resposta ao ponto 3. da base instrutória, foi que houve necessidades de alteração do plano de obra inicial por banda da empreiteira aqui Recorrida e, ainda outras modificações decorrentes de pedido expresso do Réu/Recorrente, modificações essas que foram acordadas pelas partes, sendo que a alteração do negócio assim efectuada derivou de mútuo consenso de ambas, nos termos do artigo 406º, nº1, a qual segue os termos gerais, cfr Pedro Romano Martinez, ibidem, 141.

A discordância dos Réus em relação a esta factualidade apurada, como supra se deixou consignado, não tem qualquer fundamento e assim sendo há que fazer aplicar o disposto nos artigos 1215º e 1216º do CCivil.

Na espécie, a Recorrida tem apenas direito ao valor das alterações que tiveram lugar a pedido do Réu pois alegou e provou tal como lhe competia fazer a ratio das mesmas, posto que no tocante às demais, decorrentes da sua iniciativa mas acordadas com os Réus cujo ressarcimento lhe foi negado pela segunda instância por ter entendido que tinha havido incumprimento de ambas as partes, a Autora conformou-se com a decisão assim proferida, tendo as mesma por isso transitado em julgado nos termos dos artigos 671º, nº1 e 673º, cfr Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 805/812 e Ac STJ de 14 de Outubro de 2010 (Relator Pereira da Silva), citado aliás pelos Recorrentes, in www.dgsi.pt.

Falecem, assim, as conclusões dos Réus/Recorrentes

III Destarte, nega-se a Revista mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão impugnado.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2012

(Ana Paula Boularot)

(Pires da Rosa)

(Maria dos Prazeres Pizarro Beleza)