Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1152/15.0T8VFR.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
CASO JULGADO
ACÇÃO DE REGRESSO
AÇÃO DE REGRESSO
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- A. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE P. DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, I, 2018, p. 756;
- A. RIBEIRO MENDES, Recursos em Processo Civil, 2009, p. 71;
- AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, p. 99;
- CARDONA FERREIRA, Guia de Recursos em Processo Civil, 5.ª edição, 2010, p. 131 e 132;
- EURICO LOPES CARDOSO, Código de Processo Civil Anotado, 4.ª edição, 1972, p. 368;
- J. LEBRE DE FREITAS A. RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, 3.º, 2003, p. 21;
- J. LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, 1.º, 1999, p. 602;
- LBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, Reimpressão, 1981, p. 272;
- LUÍS LAMEIRAS, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, 2009, p. 93;
- SALVADOR DA COSTA, Os Incidentes da Instância, 9.ª edição, 2017, p. 115.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 631.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 07-12-1993, BMJ N.º 432, P. 298;
- DE 13-11-2007, CJSTJ, ANO XV, TOMO III, P. 141;
- DE 17-04-2008, PROCESSO N.º 08A1109, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-03-2010, PROCESSO N.º 428/1999.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. O prejuízo para o interveniente acessório, decorrente do caso julgado, é apenas reflexo e indireto, que se materializa na ação de regresso, a propor eventualmente.

II. Não sendo o prejuízo direto e efetivo, é inadmissível a interposição de recurso, autónomo, pelo interveniente acessório, por efeito do disposto no art. 631.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – RELATÓRIO


AA instaurou, em 3 de abril de 2015, no Juízo Central Cível de …, Comarca de Aveiro, contra BB - Companhia de Seguros, S.A., que, entretanto, passou a denominar-se BB - Companhia de Seguros, S.A., ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que a Ré fosse condenada, a pagar-lhe a quantia de € 172 296,56, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, alegando, para tanto, danos sofridos em resultado de acidente de viação, no dia 16 de agosto de 2012, e em que interveio o veículo automóvel, marca Toyota, modelo Corolla, matrícula QN-...-..., conduzido por DD e segurado na Ré.

Contestou a Ré, por impugnação, concluindo pela improcedência da ação e requerendo ainda a intervenção assessória do condutor do veículo automóvel.

Deferida tal intervenção e citado o Interveniente DD, veio este a contestar, por impugnação, concluindo pela improcedência da ação.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 25 de junho de 2018, sentença, que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 37 500,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4 %, desde a citação, quanto à quantia de € 17 500,00 (danos patrimoniais), e desde a data da sentença, quanto à quantia de € 20 000,00 (dano não patrimonial); a Ré foi ainda condenada a pagar ao Instituto da Segurança Social a quantia de € 1 492,94, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação.

Inconformado, o Interveniente apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 22 de maio de 2019, confirmou o despacho do Relator, que decidira não conhecer do objeto do recurso, por o Recorrente não possuir legitimidade ad recursum.


Inconformado, o Interveniente recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:

a) Da conjugação dos artigos 321.º, n.º s 1 e 2, 323.º, n.º s 1 e 4, e 332.º, todos do CPC, o chamado não pode ser considerado como assistente, devendo aplicar-se, com as necessárias adaptações o disposto nos artigos 328.º e seguintes do CPC, gozando dos mesmos direitos e deveres da parte principal assistida.

b) O chamado tem interesse em contestar a existência do direito de regresso em futura ação.

c) Nessa ação, o chamado está vinculado ao caso julgado desta ação.

d) Nos termos do art. 680.º, n.º 2, do CPC, o Recorrente tem todo o interesse em não ver vingadas as pretensões do A. da ação.

e) O Recorrente é um interessado confesso na não condenação da Ré.

f) A sentença proferida é claramente suscetível de causar prejuízo sério, direto, real e efetivo ao Recorrente.

g) Trata-se de um prejuízo direto e imediato, que resulta imediatamente da sentença.

h) Não pode deixar de se reconhecer que o Recorrente tem efetivamente legitimidade para recorrer da sentença.

i) A decisão violou os artigos 332.º, n.º 4, 671.º, 673.º e 680.º, n.º 2, todos do CPC.


Com o provimento do recurso, o Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido.


O Autor contra-alegou, nomeadamente no sentido de ser negado provimento ao recurso.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Neste recurso, está essencialmente em discussão a legitimidade para o recurso do interveniente acessório.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. Descrita a dinâmica processual, importa conhecer do objeto do recurso, delimitado pelas suas conclusões, nomeadamente da legitimidade para o recurso do interveniente acessório.

O acórdão recorrido negou essa possibilidade, baseando-se, designadamente, no disposto no art. 631.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC).

Por sua vez, o Recorrente insiste na legitimidade de recorrer da sentença, entendendo que goza dos mesmos direitos da parte principal, sendo certo que fica vinculado pelo caso julgado formado na ação.

Esquematizada, assim, a controvérsia emergente dos autos, vejamos então o direito aplicável.


Recordando, o Recorrente foi chamado a intervir na ação, como parte acessória, pela Ré, intervenção que foi admitida, tendo aquele apresentado contestação e vindo, depois, a ser proferida sentença, que condenou a Ré a pagar ao Autor, designadamente, a indemnização de € 37 500,00.

O Recorrente recorreu da sentença, o que não sucedeu com a Ré, que se conformou.

Ainda que o recurso interposto tenha sido admitido na 1.ª instância, o mesmo já não sucedeu na Relação, nomeadamente com fundamento do Recorrente carecer de legitimidade, nos termos do art. 631.º, n.º 2, do CPC.

Depois do n.º 1 do art. 631.º do CPC estabelecer a regra de que os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido, possibilita-se também, a título de exceção, o recurso às “pessoas direta e efetivamente prejudicadas” pela decisão, ainda que tais pessoas não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.

A legitimidade para o recurso, por terceiros ou partes acessórias, advém do prejuízo direto e efetivo causado pela decisão judicial na sua esfera jurídica.

A exceção prevista na norma do n.º 2 do art. 631.º do CPC remonta a tempos antigos, consagrada por influência da jurisprudência e doutrina, porquanto, até então, apenas as partes principais podiam recorrer. Permitiu-se, desse modo, que aquele que tivesse sido “prejudicado diretamente” pela decisão podia impugná-la mediante recurso. O prejuízo não podia, por um lado, ser “indireto ou reflexo” e, por outro, tinha de ser “atual e positivo”, não sendo “suficiente o prejuízo eventual, incerto e longínquo” (ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, Reimpressão, 1981, pág. 272).

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que, então, se foi formando, acentuava a doutrina de ser preciso que o prejuízo resultasse “imediatamente” da decisão proferida, não bastando que fosse “eventual” ou dependesse de circunstância futura que pudesse “vir a surgir” como consequência do julgado (ALBERTO DOS REIS, ibidem).

Nos termos da doutrina enunciada, nos casos em que o prejuízo se apresentasse como “indireto” e “mediato”, não era admissível o recurso de decisão por quem não fosse parte principal.

Em 1961, na norma, substituiu-se o advérbio “diretamente” pela locução “direta e efetivamente”, para afastar a ideia do “prejuízo eventual ou meramente possível” (EURICO LOPES CARDOSO, Código de Processo Civil Anotado, 4.ª edição, 1972, pág.368).

Desde então, a norma (art. 680.º, n.º 2) manteve-se inalterável.


Conhecido o sentido normativo originário, torna-se mais fácil a compreensão da norma plasmada no atual art. 631.º, n.º 2, do CPC, nomeadamente quanto à expressão “direta e efetivamente prejudicadas com a decisão”.

Neste âmbito, a doutrina maioritária tem vindo a pronunciar-se no sentido de não ser admissível o recurso por parte do interveniente acessório (F. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, pág. 99, J. LEBRE DE FREITAS A. RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, 3.º, 2003, pág. 21, A. RIBEIRO MENDES, Recursos em Processo Civil, 2009, pág. 71, A. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS FILIPE P. DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, I, 2018, pág. 756, e LUÍS LAMEIRAS, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, 2009, pág. 93).

Diferentemente, no sentido da legitimidade para o recurso do interveniente acessório, conta-se CARDONA FERREIRA (Guia de Recursos em Processo Civil, 5.ª edição, 2010, págs. 131 e 132) e também “propende” SALVADOR DA COSTA (Os Incidentes da Instância, 9.ª edição, 2017, pág. 115).

Por sua vez, a jurisprudência também se encontra dividida.

A título de exemplo, na senda da inadmissibilidade do recurso, pronunciaram-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de março de 2010 (428/1999.P1.S1), acessível em www.dgsi.pt, e de 7 de dezembro de 1993 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 432, pág. 298).

Em sentido diverso, porém, foi a pronúncia dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de novembro de 2007 (Coletânea de Jurisprudência, STJ, Ano XV, t. 3, pág. 141, e de 17 de abril de 2008 (08A1109), acessível em www.dgsi.pt).

O argumento dos que defendem a admissibilidade do recurso baseia-se, em especial, no caso julgado da sentença da ação, na qual se procedeu ao chamamento, e que inclui o interveniente acessório, designadamente quanto aos pressupostos do direito de regresso. Por efeito da extensão do caso julgado ao interveniente acessório, considera-se que este é “direta e efetivamente” prejudicado pela sentença proferida na ação, acrescentando-se que aquela expressão tem uma “carga jurídica, não necessariamente fáctica” (CARDONA FERREIRA, ibidem, pág. 132).


Não obstante esta última argumentação poder impressionar de algum modo, porém, no nosso entendimento, não resiste a uma outra análise, nomeadamente quanto aos efeitos jurídicos do estatuto do interveniente acessório.

Na intervenção acessória, o chamado beneficia do estatuto de assistente, definido no art. 328.º do CPC, nos termos expressos no n.º 1 do art. 323.º do mesmo Código.

Ora, tendo os assistentes a “posição de auxiliares de uma das partes principais”, não lhes é permitido recorrer autonomamente, a não ser na situação especial de revelia do assistido, prevista no art. 329.º do CPC. Fora deste caso especial, ao assistente é apenas facultado, em recurso próprio, completar ou desenvolver a alegação apresentada no recurso pela parte principal, sem olvidar ainda que é a vontade desta última que prevalece, em caso de divergência insanável.

Por outro lado, é evidente que a sentença proferida não tem incidência direta nos interesses e na esfera jurídica do Recorrente, relevando, somente, de forma reflexa e indireta, no âmbito da eventual e futura ação de regresso.

Além do referido, e como resulta do contexto histórico que esteve na origem da norma legal em causa, a extensão da legitimidade para recorrer além das partes principais, não foi concebida para uma situação como a vertida nos presentes autos.

Acresce ainda também que o caso julgado pode estar limitado no seu alcance.

Efetivamente, para além de poder não abranger os fundamentos da ação, o caso julgado é ainda suscetível, perante certas circunstâncias, de poder ser revertido, nomeadamente quando a posição do interveniente acessório, enquanto mero auxiliar da parte principal, não lhe tenha garantido suficientemente o exercício do contraditório, designadamente por impedimento de alegação e prova de um facto ou desconhecimento de facto relevante não alegado ou da existência de um meio de prova que permitiria provar um facto relevante, alegado ou não no processo (J. LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, 1.º, 1999, pág. 602).

Nesta perspetiva, o efeito do caso julgado fica algo esbatido.


De qualquer modo, o prejuízo para o interveniente acessório, decorrente do efeito do caso julgado (não havendo outro), é apenas reflexo e indireto, que se materializa na ação de regresso, a propor eventualmente.

Assim, no caso, não sendo o prejuízo direto e efetivo, é inadmissível a interposição de recurso, autónomo, pelo interveniente acessório, nomeadamente por efeito do disposto no art. 631.º, n.º 2, do CPC, tal como se decidiu no acórdão recorrido.

Neste contexto, o acórdão recorrido não violou qualquer disposição legal aplicável, em particular as especificadas pelo Recorrente.


Assim, motivado pela falta de legitimidade do interveniente acessório para o recurso, autónomo, é de negar a revista, confirmando a decisão recorrida.



2.2. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. O prejuízo para o interveniente acessório, decorrente do caso julgado, é apenas reflexo e indireto, que se materializa na ação de regresso, a propor eventualmente.

II. Não sendo o prejuízo direto e efetivo, é inadmissível a interposição de recurso, autónomo, pelo interveniente acessório, por efeito do disposto no art. 631.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.


2.3. O Recorrente, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC, o qual, todavia, é inexigível, por efeito do benefício do apoio judiciário.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.


2) Condenar o Recorrente (Interveniente Acessório) no pagamento das custas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.


Lisboa, 24 de outubro de 2019


Olindo dos Santos Geraldes (Relator)

Maria do Rosário Morgado

Oliveira Abreu