Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
12743/14.7T8PRT-B.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: IRS
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
LEI ESPECIAL
PRAZO
PENHORA
INSCRIÇÃO
Data do Acordão: 10/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS / PRIVILÉGIOS MOBILIÁRIOS / CRÉDITOS DO ESTADO E DAS AUTARQUIAS LOCAIS.
Doutrina:
- LUÍS MENEZES LEITÃO, Garantia das Obrigações, 2.ª Edição, 2008, p. 299;
- SALVADOR DA COSTA, O Concurso de Credores, 3.ª Edição, 2005, p. 170.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 736.º, N.º 1.
CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINGULARES (CIRS): - ARTIGO 111.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 31-10-2000, IN CJSTJ, ANO VIII, TOMO III, P. 101;
- DE 27-03-2007, PROCESSO N.º 07A760), IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O art. 111.° do CIRS fixa o prazo de três anos reportado à data da penhora ou ato equivalente.

II - O crédito de IRS relativo a 2010 e 2011, não se incluindo no prazo de três anos a partir da penhora do imóvel, realizada em 2017, não goza do privilégio imobiliário estabelecido no art. 111.° do CIRS.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I – RELATÓRIO


          O Ministério Público reclamou, no Juízo de Execução do …, Comarca do Porto, no âmbito da execução movida pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., contra AA, o crédito de € 100 756,34, respeitante a IRS, e o crédito de € 452,69, referente ao IMI, pedindo, a final, a sua verificação e graduação no lugar que lhes competisse.

Os créditos não foram impugnados.

Proferiu-se então, em 21 de novembro de 2017, despacho saneador-sentença, que, julgando verificados os créditos reclamados, graduou-os, quanto ao produto da venda do imóvel penhorado, da seguinte forma:

1.º - O crédito de IMI, no valor de € 452,69;

2.º - O crédito de IRS, respeitante a 2014, no valor de € 5 325,92, e respetivos valores com privilégio;

3.º - O crédito exequendo.


Inconformado com essa decisão, o Reclamante recorreu, per saltum, para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:

a) A relação entre o art. 736.º, n.º 1, do CC, e o art. 111.º do CIRS é de complementaridade.

b) O art. 111.º do CIRS tem única exclusivamente por função estender o período de privilégio de dois para três anos e estender o privilégio creditório geral aos imóveis.

c) Essa norma, enquanto específica para este imposto direto, amplia a abrangência do disposto no art. 736.º, n.º 1, do CC, e nesta medida revoga-a por incompatibilidade, nos termos do art. 7.º, n.º 3, do CC.

d) Só uma interpretação literal, como fez o Tribunal a quo, permitiria defender o contrário, distorcendo a mens legislatoris e a ratio da norma ínsita no art. 111.º do CIRS.

e) O critério a atender na contagem do prazo do privilégio creditório é o da data da inscrição para cobrança.

f) Nesta medida, o Tribunal a quo, ao não graduar os créditos de IRS relativos ao período de 2010 e 2011, inscrito para cobrança em 2014, violou o disposto nos arts. 9.º,733.º, n.º 1, 736.º, n.º 1, do CC, e 111.º do CIRS.


Com a revista, o Recorrente pretende a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que gradue o crédito, relativo ao IRS de 2010 e 2011, em primeiro lugar.


Não foram apresentadas contra-alegações.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Neste recurso, per saltum, está em discussão a contagem do prazo do privilégio creditório imobiliário geral previsto no art. 111.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. Estão provados os seguintes factos:

1. A penhora do imóvel foi efetuada em 2017.

2. O Ministério Público reclamou, para além do mais, o crédito de € 39 628,13, respeitante a IRS de 2010, inscrito para cobrança em 2014, acrescido de juros de mora desde 1 de dezembro de /2014, e € 45 960,42, respeitante a IRS de 2011, inscrito para cobrança em 2014, acrescido de juros de mora desde 4 de dezembro de 2014.



***



2.2. Delimitada a matéria de facto, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente se o crédito respeitante a IRS dos anos de 2010 e 2011, reconhecido mas não graduado, goza do privilégio imobiliário geral.

A decisão recorrida negou tal privilégio creditório, justificando que apenas se aplica aos créditos respeitantes aos três anos imediatamente anteriores àquele em que foi efetuado o ato da penhora.

Por sua vez, o Recorrente, que representa a Fazenda Pública, insurgindo-se contra tal entendimento, insiste que a contagem do prazo do privilégio creditório é a partir da data da inscrição do imposto direto para cobrança, por complementaridade entre o disposto no art. 736.º, n.º 1, do Código Civil (CC), e o art. 111.º do CIRS, devendo o crédito, por consequência, ser graduado em primeiro lugar.


Desenhada assim, de forma sumária, a controvérsia emergente dos autos, impõe-se tomar posição, nomeadamente se o crédito da Fazenda Pública, relativo ao IRS de 2010 e 2011, goza do privilégio imobiliário geral e satisfaz a condição temporal inscrita na norma que criou, especificamente, tal privilégio creditório.

Dispõe o art. 111.º do CIRS:


Para pagamento do IRS relativo aos três últimos anos, a Fazenda Pública goza do privilégio mobiliário geral e do privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro ato equivalente”.


Esta disposição legal, fixando os privilégios creditórios a favor do crédito da Fazenda Pública, relativo ao IRS, designadamente o privilégio imobiliário geral (LUÍS MENEZES LEITÃO, Garantia das Obrigações, 2.ª edição, 2008, pág. 299), estabeleceu, especificamente, a sua abrangência temporal. Neste âmbito, os créditos de IRS relativos aos três últimos anos à data da penhora ou outro ato equivalente têm a seu favor os privilégios creditórios.

O art. 111.º do CIRS fixa o prazo de três anos reportado à data da penhora ou ato equivalente para a Fazenda Pública dispor da preferência de pagamento, por efeito do privilégio creditório fixado.

Diferentemente do que dispõe o art. 736.º, n.º 1, do CC, quando refere os “impostos diretos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou ato equivalente, e nos dois anos anteriores”, a norma do CIRS fixa o prazo de três anos, contado a partir da penhora ou ato equivalente (SALVADOR DA COSTA, O Concurso de Credores, 3.ª edição, 2005, pág. 170).

Para além do prazo mais alargado, quis-se também prever uma incidência temporal diferente, nomeadamente com o prazo a ser contado a partir da penhora ou ato equivalente e não da inscrição do imposto para cobrança, como está previsto no art. 736.º, n.º 1, do CC. No seguimento deste sentido normativo, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de março de 2007 (07A760), acessível em www.dgsi.pt, e de 31 de outubro de 2000, in Coletânea de Jurisprudência (STJ), Ano VIII, t. 3, pág. 101.

Ao contrário do alegado, não existe uma relação de complementaridade entre o disposto no art. 736.º, n.º 1, do CC, e no art. 111.º do CIRS, mas, diferentemente, uma relação de especialidade em matéria de pagamento do IRS.


Nesta perspetiva, o crédito reclamado de IRS relativo a 2010 e 2011, não se incluindo, manifestamente, no prazo de três anos a partir da penhora do imóvel, realizada em 2017, não goza do privilégio imobiliário geral estabelecido no art. 111.º do CIRS.

Consequentemente, a Fazenda Pública, tendo perdido a garantia advinda do privilégio creditório, não dispõe da preferência no pagamento do crédito relativo a IRS, designadamente em relação à Exequente.

Assim sendo, improcede a revista e confirma-se a decisão recorrida, que está em conformidade com a lei aplicável.

2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. O art. 111.º do CIRS fixa o prazo de três anos reportado à data da penhora ou ato equivalente.

II. O crédito de IRS relativo a 2010 e 2011, não se incluindo no prazo de três anos a partir da penhora do imóvel, realizada em 2017, não goza do privilégio imobiliário estabelecido no art. 111.º do CIRS.


2.4. O Recorrente, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Negar a revista, confirmando a decisão recorrida.


2) Condenar o Recorrente (Reclamante) no pagamento das custas.


Lisboa, 4 de outubro de 2018


Olindo Geraldes (Relator)

Maria do Rosário Morgado

José Sousa Lameira