Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
970/18.2T8STR.E1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
ILICITUDE
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
DEPÓSITO A PRAZO
BANCO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO MOBILIÁRIO – INTERMEDIAÇÃO / ORGANIZAÇÃO E EXERCÍCIOS / DISPOSIÇÕES GERAIS / PRINCÍPIOS / INFORMAÇÃO A INVESTIDORES / DEVERES DE INFORMAÇÃO.
Doutrina:
- Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, p. 85-86;
- Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, p. 691 e 692.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGOS 304.º E 312.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 06-06-2013, PROCESSO N.º 364/11.0TVLSB.L1.S1;
- DE 19-12-2018, PROCESSO N.º 9633/ 16.2T8LSB.L1.S1, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I – O intermediário financeiro encontra-se vinculado às normas do que estabelecem regras próprias inerentes à sua atividade, designadamente cumprimento de deveres de informação (arts. 304º e 312º, ambos do CVM);

II - O dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa - em absoluto – o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento;

III – Não cabe, em regra, nas funções dos intermediários financeiros assumir o compromisso de reembolsar os clientes pelos investimentos efetuados em produtos emitidos por outras entidades.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório


1. AA e mulher, BB, intentaram a presente ação declarativa, com processo comum, contra Banco CC, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhes a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de € 4.000,00, e vincendos até integral pagamento;


Subsidiariamente, pediram a declaração de nulidade de qualquer contrato de adesão que a ré invoque como fundamento da aplicação do montante de € 50.000,00 que os autores lhe confiaram em obrigações subordinadas SLN 2006, sendo declarada a ineficácia em relação aos autores da aplicação que a ré tenha feito desse montante, condenando-se a ré a restituir-lhes a indicada quantia, acrescida de juros vencidos, no montante de € 4.000,00, e vincendos até integral pagamento.


Cumulativamente, pediram a condenação da ré no pagamento da quantia de € 6.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento.


Para tanto, alegaram, em síntese, que:


Em Abril de 2006, subscreveram uma aplicação financeira que foi apresentada ao autor marido, pelo respetivo gestor de clientes e funcionário do Banco, como sendo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo Banco, quando afinal se tratava de produto de risco que não lhes foi dado a conhecer e que não pretendiam subscrever.


Mais alegaram que o capital investido não lhes foi devolvido na data de vencimento da subscrição, tendo apenas sido creditados juros na respetiva conta até novembro de 2015, o que lhes causou os danos patrimoniais e não patrimoniais que descrevem.


2. Na contestação, a ré, defendendo-se por exceção, invocou a incompetência do tribunal em razão do território e a prescrição; por impugnação, alegou, em breve síntese, não ter havido violação de quaisquer deveres que sobre si impendessem, devendo, consequentemente, ser absolvida.


3. Na 1ª instância, foi proferida sentença que, julgando a ação procedente, condenou a ré a pagar aos autores a quantia de € 50 000,00 (cinquenta mil euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal, calculados sobre aquela quantia, desde 10 de maio de 2016 até integral e efetivo pagamento, e a quantia de € 6 000,00 (seis mil euros), a título de danos morais, acrescida dos juros de mora à taxa legal, calculados sobre aquela quantia, desde a data da citação do réu até integral e efetivo pagamento., julgando a ação improcedente, absolveu a ré do pedido.


4. Inconformada com a sentença, a ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que, julgando a apelação parcialmente procedente:


a) – Absolveu a ré do pedido de condenação em indemnização por danos não patrimoniais;


b) - Confirmou, quanto ao mais, a sentença recorrida.


5. Irresignada com o assim decidido, veio, de novo, a ré interpor a presente revista excecional, admitida pela Formação a que se alude no art. 672º, nº3, do CPC, formulando as seguintes conclusões:


1) O recurso ora interposto é de revista excecional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objeto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

4) Pontifica a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação do risco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exata expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

Além disso,

7) O volume do contencioso exatamente com este objeto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma atividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

8) Além do mais, o acórdão recorrido contradiz frontalmente vária, e já vasta, jurisprudência de várias instâncias que se pronunciam quanto ao ónus da prova do nexo de causalidade, citando-se a título de fundamento o douto acórdão proferido no âmbito do processo nº 2468/16.4T8LSB.L1.S1.

9) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º nº 1. als. a), b) e c) do Código de Processo Civil.

Acresce que:

10) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

11) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

12) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

13) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

14) Insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

15) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

16) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

17) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações DD, porque sendo a DD dona do Banco a 100%, o risco da DD estava indexado ao risco do próprio Banco.

18) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto,

19) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

20) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

21) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospetos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme. Até porque que defenda que deveria o intermediário financeiro transmitir a informação das primeiras páginas do prospeto não pode deixar de defender que a mesma diligência deveria ser obrigatória quanto ao restante conteúdo do mesmo documento!

22) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospeto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

23) A adequação da informação começa exatamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efetiva informação.

24) O CdVM estabelece objetiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objeto dessa intermediação.

25) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redação refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redação aplicável ao caso).

26) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redação anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

27) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

28) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

29)  São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

30) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer fator extrínseco ao mesmo.

31) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

32) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

33) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

34) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

35) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

36) Não cometeu o R. qualquer ato ilícito!

37) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redação aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.


6. Nas contra-alegações, pugnou-se pela confirmação do acórdão recorrido.


***


7. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608.°, n.°2, 635.°, n°4 e 639°, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas.


Por sua vez - como vem sendo repetidamente afirmado - os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal que proferiu a decisão impugnada, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal a quo.


Sendo assim, a única questão de que cumpre conhecer consiste em saber se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil contratual que constituam a ré na obrigação de indemnizar a autora.



***



II - Fundamentação de facto


8.      Vem provado que:


1. O Banco réu, até 2012 denominado Banco EE, S.A. e daí em diante com a atual denominação, dedicava-se e dedica-se ao exercício da atividade bancária com intuitos lucrativos.

2. Os autores eram e são clientes da Agência de … do Banco réu, com a conta n.º 1…01, na qual movimentam, tanto a, crédito, como a débito, parte do seu dinheiro e possuem as suas poupanças.

3. Em data não concretamente apurada, mas que se situa entre 10 e 19 de abril de 2006, o autor marido foi contatado pelo seu Gestor de Clientes da Agência de …, à data da subscrição, FF, para oferta da possibilidade de subscrever o produto consistente na aquisição de Obrigações DD 2006, constituindo esse produto valores mobiliários em representação de dívida da sociedade emitente.

4. Apresentou-lhe as condições do produto, em tudo semelhante a um depósito a prazo, concretamente a sua remuneração, vantajosa relativamente àquele, o seu prazo de 10 anos e que se tratava de capital com reembolso garantido pelo Banco réu e com rentabilidade assegurada.

5. Com data de 19 de abril de 2006, o autor marido subscreveu o documento de fls. 25 verso, cujo teor se dá por reproduzido, nos termos do qual aplicou a quantia de € 50 000,00 de que era titular em Obrigações DD 2006, sem que soubesse concretamente em que consistia tal produto financeiro.

6. E cujo reembolso deveria ter ocorrido no dia 9 de maio de 2016, o que não se verificou, nem naquela data, nem até hoje. 7. As Obrigações DD 2006 foram emitidas pela “DD, SGPS, S.A.”, sociedade titular de 100% do capital social do EE, participação que deteve de forma permanente até novembro de 2008, altura em que foi nacionalizado.

8. O Gestor de Cliente da Agência de … do Banco réu, à data da subscrição, FF, sabia que o autor marido era uma pessoa que não possuía qualificações ou formação técnica que lhe permitisse saber os vários tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles.

9. Motivos pelos quais sempre havia aplicado as suas poupanças em depósitos a prazo.

10. O autor marido foi emigrante em …, onde exerceu a profissão de …, e tem como habilitações literárias o 4.º ano de escolaridade.

11. O autor marido apenas autorizou a realização da aplicação porque o seu Gestor de Cliente na Agência de … do Banco réu lhe disse que o capital era garantido pelo mesmo Banco, que os juros eram pagos semestralmente e que podia dispor total ou parcialmente do capital e/ou juros quando entendesse, bastando avisar a agência.

12. O autor marido agiu convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura em tudo semelhante a um Depósito a Prazo, cuja responsabilidade de reembolso era exclusivamente do Banco réu.

13. Se o autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações DD 2006, produto financeiro de risco em que o capital não era garantido pelo Banco réu, jamais o teria autorizado.

14. Nunca foi intenção do autor marido investir em produtos financeiros de risco, o que era do conhecimento do Gestor de Cliente na Agência de … do Banco réu, estando o autor convicto de que aquele lhe restituiria o capital logo que o solicitasse.

15. O Gestor de Clientes na Agência de … do Banco réu, à data da subscrição, assegurou ao autor que a aplicação que iria realizar tinha a mesma garantia que um Depósito a Prazo.

16. Donde a convicção do autor na segurança da aplicação cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que reforçou tal convicção e crença naquilo que lhe havia sido dito pelo Gestor de Clientes na Agência de … do Banco réu, situação que se manteve até o Banco réu deixar de pagar os respetivos juros.

17. A Direção Comercial do Banco réu, anterior EE, e os seus comerciais repetiam junto dos seus clientes, como fizeram com o autor marido, que se tratava de um investimento sólido, rentável e sem qualquer risco porque o Banco garantia o reembolso do capital investido e dos juros.

18. O Banco réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos financeiros e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e/ou juros, o que era garantido pelo próprio Banco.

19. No mês seguinte ao da operação o autor recebeu por correio, em casa, um aviso de débito correspondente à subscrição efetuada, como também foi recebendo, desde então, um extrato periódico onde lhe aparecia essa obrigação como integrando a sua carteira de títulos.

20. Da mesma forma, quando eram creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, originava igualmente o competente registo no seu extratos e até a emissão de avisos de lançamento que lhe eram enviados para casa.

21. Na data do vencimento o Banco réu não restituiu ao autor o montante de € 50 000,00 que este lhe havia confiado.

22.[1] Eliminado pela Relação.


***


9. Por sua vez, foi dado como não provado que:


1. O investimento efeituado em Obrigações DD 2006 era um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.

2. Nesse momento não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.

3. Nunca o Banco réu, através dos seus colaboradores, transmitiu aos seus clientes que garantia a emissão, até porque esse era um problema que não era sequer colocado pelos clientes ou imaginado pelos colaboradores.

4. O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.

5. O Banco réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu de acordo com a vontade do autor marido.

6. O Banco réu, tal qual estava obrigado, prestou ao autor informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, quanto às obrigações por ele subscritas.

9. No momento da subscrição o Banco réu informou o autor marido de que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco réu – a DD, SGPS, S.A.

10. E que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da DD, SGPS, S.A., a partir do quinto ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

11. O autor marido foi, ainda, informado que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.

12. O Banco réu cumpriu então com todos os seus deveres de informação, designadamente informando o autor marido sobre todos os elementos que constavam da nota informativa do produto, que ademais se encontrava disponível para consulta pelo mesmo.


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III - Fundamentação de direito


10. Da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil

Insurgindo-se contra a decisão do Tribunal da Relação de Évora que julgou a ação (parcialmente) procedente, a ré pede, nesta revista, a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que a absolva do pedido.

Em abono da sua pretensão, sustenta que o Banco ao transmitir ao cliente que o capital era garantido estava a dar-lhe conhecimento que o valor de reembolso, no vencimento, seria feito pelo valor nominal do título, correspondente ao respectivo valor de subscrição.

E que, transmitindo uma característica técnica do produto, não se pode afirmar que o Banco, ou os seus colaboradores, tenham agido com culpa, e, muito menos, culpa grave.

Acrescenta, ainda, que o CdVM, ao obrigar o intermediário financeiro a informar o investidor sobre “os riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”, está a referir-se ao negócio de intermediação financeira (e não ao instrumento financeiro em si).

Vejamos.


Os Bancos são instituições de crédito que podem efetuar a generalidade das operações bancárias não vedadas por lei, designadamente atividades de intermediação financeira – cf. arts. 3º, al. a), 4, n°l e 293°, n°l, al. a), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), na redação em vigor à data dos factos.


Nas relações com a autora, o EE, como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta fixadas no RGICSF, designadamente as constantes dos arts. 73° e 74°, na redação então em vigor.


Por sua vez, enquanto intermediário financeiro (cf. arts. 289.°, n.° 1, al. a) e 290.°, n.° 1, al. c), do Código dos Valores Mobiliários[2]) encontrava-se vinculado às normas do que estabelecem regras próprias quanto aos deveres dos intermediários financeiros (cf. arts. 304° a 342°, ambos do CdVM).


Estava, por conseguinte, obrigado ao cumprimento dos deveres inerentes a esta atividade, designadamente deveres de informação, nos termos consignados nos arts. 304º[3] e 312°[4], ambos do CdVM.


Por sua vez, decorria do art. 7º do CVM, na redação aplicável, que “a qualidade da informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação (…)” deve ser “completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.”.


Tal preceito desenha o quadro geral da informação que se concretiza noutras disposições do Código, quer quanto ao conteúdo, quer quanto a aspetos procedimentais. É, contudo, uma norma de conduta incompleta, porque não estabelece deveres concretos nem as consequências jurídicas da sua eventual violação.


Pois bem.


Como refere Paulo Câmara[5], "um dos alicerces do sistema mobiliário reside na função de apoio, assistência, aconselhamento e conselho que os intermediários financeiros desempenham relativamente aos seus clientes.".


A informação - salienta o mesmo autor - constitui, por um lado, "um instrumento de proteção dos investidores, uma vez que estes poderão avaliar melhor os riscos de ganhos e de perdas ligados ao seu investimento" e, por outro lado, salvaguarda o regular e eficiente funcionamento dos mercados".[6]


Em todo o caso, muito embora o direito à informação reclame do intermediário financeiro um esforço sério de recolha de elementos com a maior fiabilidade possível, não obriga à previsão de enunciados de verificação incerta e/ou pouco provável.[7]


Como, a propósito, adverte Paulo Câmara, "com a cominação de uma malha apertada de deveres ligados à informação não se anula o risco do investimento (...).Assim, são, à partida, lícitas as decisões irracionais do ponto de vista económico, ainda que potenciando prejuízos. (...)"[8]


Dito isto, importa analisar se, no caso em apreço, a ré incorreu em responsabilidade civil perante os autores, sabido que, nos termos prescritos pelo art. 314°, do CdVM, os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados em consequência do que lhes seja imposto por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, presumindo-se a culpa quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.


Está em causa um contrato de intermediação financeira relativo à "receção e transmissão de ordens" (cf. art. 290°, al. a), do CdVM).


Como já referido, as normas do CdVM, na redação anterior à entrada em vigor do DL n° 357-A/2007 de 31.10, não densificavam o dever de informação, como hoje resulta das disposições dos arts. 312°-A a 312°-G, que apenas foram aditadas por aquele diploma.


Efetivamente, o Código dos Valores Mobiliários (na redação vigente à data da subscrição das obrigações aqui em causa), para além do cumprimento do dever geral de informação previsto no art. 312°, apenas afirmava no art. 323° uma regra geral quanto ao dever de informação, donde resultava a obrigação do intermediário informar o cliente sobre a execução e resultados da operação, da ocorrência de dificuldades especiais na execução ou a inviabilidade da operação, ou de qualquer circunstância que pudesse justificar a modificação ou revogação da ordem.


Ora, no caso sub judice, atento o quadro legal aplicável, há que reconhecer que a matéria de facto provada não permite imputar ao Banco réu a violação dos deveres que sobre si impendiam, mormente deveres de informação.


Na verdade, a circunstância de ter sido referido que era um produto com capital garantido, em tudo semelhante a um depósito a prazo, com rentabilidade assegurada, podendo dispor do capital e juros quando entendesse, não permite, sem mais, consubstanciar a violação do dever de informação.


É que "a probabilidade de a entidade emitente não cumprir era muito semelhante à do Banco EE não cumprir, tendo em conta a estrutura acionista existente à data da contratação. Neste contexto circunstancial, para além da obrigação de restituição do capital investido recair sobre a emitente das obrigações, que, em último grau, detinha o Banco EE, a "garantia" do capital por este último equiparava-se ou até podia ainda ser inferior à da DD, em virtude daquele ser detido pela DD, SGPS, S.A, a emitente das obrigações postas à subscrição. Aliás, se esta última não estivesse em condições de restituir o capital, menos ainda poderia estar o Banco EE."[9]


Como, a propósito, alega a recorrente “a mera afirmação de que Banco garantiria o investimento era completamente verdadeira, pois que o Banco era um ativo – o maior – da entidade emitente.”.


Afigura-se-nos, assim, que, no contexto dos autos, a expressão «capital garantido» apenas pode significar que, no vencimento, o reembolso seria feito pelo valor nominal do título, correspondente ao respetivo valor de subscrição, nada permitindo afirmar que as partes tivessem acordado uma garantia «absoluta» de cumprimento, no final do período de maturidade do produto financeiro, não cabendo, aliás, nas funções habituais dos intermediários financeiros assumir o compromisso de reembolsar os clientes pelos investimentos efetuados em produtos emitidos por outras entidades.


Acresce que:


As características específicas das obrigações intermediadas não faziam supor algum risco que devesse ser assinalado ao cliente, antes de este decidir, pois que, na referida ocasião, era praticamente indiferente que as obrigações tivessem uma ou outra característica, já que nada fazia supor a degradação financeira da emitente e/ou do grupo económico que integrava, tanto mais que pagou os cupões das obrigações até determinada data (cf. pontos 16, 19 e 20, dos factos provados).


Desta forma, e tal como se considerou no acórdão deste STJ, proferido em 6.6.2013, no proc. 364/11.0TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt., a respeito de uma situação com contornos semelhantes aos do caso em análise, é de concluir que a ré forneceu aos autores as informações de que dispunha, já que tudo se desenhava para que esse investimento fosse rentável, tanto mais que nada fazia antever nem a degradação do mercado financeiro mundial, nem a da emitente das obrigações.


Em face do exposto, mostra-se afastada a existência de ilicitude, primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil imputada à ré, ficando, consequentemente, prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas na revista.


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IV – Decisão

11. Nestes termos, concedendo provimento à revista, acorda-se em revogar o acórdão recorrido e em absolver a ré do pedido.

Custas na revista e nas instâncias a cargo dos autores, ora recorridos.


Lisboa, 10 de dezembro de 2019


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relatora)

Oliveira Abreu

Ilídio Sacarrão Martins

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[1] Era a seguinte a matéria dada como provada pela 1ª instância: “A atitude do Banco réu causou e continua a causar aos autores grande preocupação e ansiedade, com medo de não saber se e quando vão recuperar o seu dinheiro, bem como lhes acarretou tristeza uma vez que contavam com aquelas poupanças para poder passar urna velhice mais descansada e livre de preocupações económicas.”.
[2] Atendendo à data da subscrição das obrigações – Abril de 2006 - tem aplicação ao caso dos autos o Código dos Valores Mobiliários aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, embora sem as significativas alterações introduzidas pelo D.L. nº 357-A/2007 de 31 de outubro e diplomas posteriores.
[3] Estabelecia, então, o art.304º que: (1) “Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado”; (2) “Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”; (3) “Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
[4] Segundo o qual: (1) “O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (…).”
[5] Cf. Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, pág. 691.
[6] Ob.cit., pág. 685.
[7] Cf. Paulo Câmara, ob. cit. pág. 692 e Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, págs. 85-86.
[8] Ob. cit., pág. 684.
[9] Como se entendeu no acórdão deste STJ proferido em 19.12.2018, no processo n.° 9633/ 16.2T8LSB.L1.S1, de que foi relator o Conselheiro Olindo Geraldes, disponível em www.dgsi.pt    _