Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
164/09.8TCLRS.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
DIREITO DE PREFERÊNCIA
CADUCIDADE
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DE PREFERÊNCIA / CADUCIDADE / ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
Doutrina: - Agostinho Cardoso Guedes, «Exercício do Direito de Preferência», pág. 638, Dissertação apresentada para doutoramento em Ciência Civilistica, Universidade de Coimbra, UC, 2006;
- Pires de Lima e Antunes Varela, «Código Civil Anotado», vol. III, 2.ª edição, pág. 372.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL: ARTS. 259.º, N.º 1, 298.º, N.º 2, 331.º, N.º 1, 343.º, N.º 2, 416.º, N.º 2, 418.º, 421.º, N.º 2, 1091.º, N.º 4, 1117.º, N.º 1, 1409.º, 1410.º, 1535.º, 1535.º, N.º 2, 1555.º, N.º 1, 2130.º
CPC: ART. 636.º, N.º 1, 662.º, 665.º, 679.º.
Sumário :
I - Os direitos legais de preferência destinam-se, na maioria dos casos, a facilitar a extinção de situações que não são as mais consentâneas com a desejável exploração dos bens, como sejam a comunhão de direitos (artigos 1409º e 2130º do CC), a propriedade onerada com direitos reais limitados de gozo (artigos 1535º e 1555º, n.º 1, do CC) e a existência de terrenos agrícolas com área inferior à unidade de cultura (artigo 1380º do CC), bem como a proporcionar o acesso à propriedade de quem está a fruir os bens ao abrigo de um direito de gozo tendencialmente duradouro (artigo 1117º, n.º 1, do CC).

II - Na acção de preferência, prevista no artigo 1410º do CC, são dois os ónus que recaem sobre o preferente: (i) interpor a acção no prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação; (ii) depositar o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção.

III - A existência do prazo referido em II justifica-se na medida em que a alienação a terceiro faz com que a discussão, em torno do direito de preferir, extravase a relação entre preferente e sujeito passivo, criando uma situação de incerteza passível de afectar não só os direitos daquele, como ainda a própria segurança do tráfico jurídico, o que reclama uma rápida clarificação da situação jurídica.

IV - Trata-se de um prazo de caducidade que apenas pode ser impedido pela prática do acto a que a lei atribui efeito impeditivo e que, no caso dos autos, mais não é do que a propositura da acção antes de esgotado o prazo de 6 meses.

V - Tendo os autores tido conhecimento dos elementos essenciais da compra e venda em 24-06-2008 e tendo a presente acção dado entrada em Tribunal em 17-12-2014, é de concluir pela tempestividade do exercício do direito de preferência daqueles.

VI - Não releva, para efeitos de contagem do prazo de caducidade, a circunstância de os autores na réplica – em 11-06-2010, quando já havia decorrido mais do que os aludidos 6 meses – terem ampliado o pedido e a causa de pedir, na medida em que tal constitui o desenvolvimento e normal tramitação da acção, não se confundindo com a sua efectiva propositura.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



1.

AA e BB intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra CC e mulher DD, EE e mulher FF, GG e mulher HH, pedindo que (i) seja declarada a preferência dos autores no contrato de compra e venda do prédio rústico sito em …, freguesia de Santo Antão do Tojal, concelho de Loures, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … da Secção H, celebrado em 28 de Maio de 2007, entre os quatro primeiros réus como vendedores e os dois últimos como compradores e (ii) que sejam os réus condenados a verem transferido o prédio vendido para a esfera jurídica dos autores, ou seja, substituídos os dois últimos réus pelos autores na transmissão operada mediante o pagamento do preço pago por estes, ordenando-se o cancelamento das inscrições prediais feitas a favor deles.


Fundamentando a sua pretensão, alegaram, em síntese, não terem sido notificados para exercer o seu direito de preferência na venda em causa, direito de que são titulares em virtude de um prédio de sua pertença se encontrar sujeito a uma servidão de passagem a favor do prédio ora vendido, sendo que o prédio de sua propriedade confronta a sul com o prédio objecto do negócio em causa, tornando-os contíguos.

Contestaram os réus por impugnação e excepção, invocando neste último âmbito a caducidade do direito de preferência que os autores pretendem fazer valer.

Houve réplica onde os autores, além de responderem à matéria de excepção, disseram pretender ampliar o pedido e a causa de pedir.

Alegaram, em síntese, que, sendo confinantes, conforme já haviam afirmado na petição inicial, o prédio vendido e o de sua pertença, são titulares do invocado direito de preferência, já que ao caso se aplica o disposto no artigo 1380º do Código Civil, pois o prédio vendido – com 0,4640 hectares - tem área inferior à unidade de cultura (estabelecida através da Portaria 202/70, de 21/04, que continua em vigor, a titulo transitório, por força do artigo 53º do DL 103/90, de 22/03, e o prédio dos autores tem a área de 0.6120 hectares.

E, aventando a hipótese de o adquirente ser igualmente proprietário de prédio confinante, suscitam a aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do referido artigo 1380º.

Houve tréplica dos réus, opondo-se à pedida ampliação, tendo os réus compradores invocado a caducidade do direito de preferência, agora fundado na contiguidade dos prédios.

Em sede de despacho saneador, foi admitida a ampliação da causa de pedir pretendida pelos autores e relegou-se para final o conhecimento da excepção da caducidade.

Realizado o julgamento, houve decisão sobre os factos levados à base instrutória e, subsequentemente, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, decidiu:

a) - Condenar os réus “a reconhecer aos autores o direito de preferência na aquisição do imóvel mencionado no ponto 2º da matéria de facto assente na presente sentença

b) - Substituir “o adquirente na escritura pública outorgada em 28 de Maio de dois mil e sete, GG e HH pelos autores AA e BB, casado com II, na compra do “prédio rústico localizado em “…”, freguesia de Santo Antão do Tojal, concelho de Loures e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, da Secção H, com a área de 0, 4640 hectares, pelo preço de € 25.000 (vinte e cinco mil euros)”.


Inconformados, apelaram todos os réus, tendo o Tribunal da Relação julgado as apelações procedentes e, em consequência, revogou a sentença impugnada, absolvendo-os do pedido.

Não se conformando agora com a decisão da Relação, recorrem de revista os autores, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

1ª - Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu julgar as apelações procedentes, revogando a sentença impugnada, absolvendo os réus do pedido, que considerou nula a sentença por omissão de pronúncia quanto à excepção de caducidade do direito de preferência na alegada contiguidade dos prédios e declarou extinto, por caducidade, o direito de preferência, invocado pelos autores recorrentes, ao abrigo do artigo 1380º do Código Civil.

2ª - É desta parte do acórdão que os autores recorrem, pois consideram que, no caso sub judice, não subsiste qualquer caducidade do direito.

3ª - O Tribunal da Relação considerou verificada a caducidade da preferência fundada na contiguidade dos prédios invocada pelos autores, ao abrigo do artigo 1380º do Código Civil, absolvendo os réus do pedido e, em consequência, não apreciou as demais questões suscitadas nas apelações dos Réus.

4ª - Não podem os autores aceitar esta decisão pois entendem que detêm o direito de preferência invocado na acção, não tendo ocorrido qualquer causa extintiva do mesmo.

5ª - Não compreendem e nem podem aceitar o entendimento vertido no acórdão de que se recorre, e com base no qual se considera verificada a caducidade do direito de preferência com base no artigo 1380º do Código Civil.

6ª - Refere o acórdão:

"Nos termos do n.º 1 do artigo 1410º citado, o direito dos autores haverem para si o prédio alienado tivesse de ser requerido, sob pena de caducidade, no prazo de seis meses, a contar da data em que tiveram conhecimento dos elementos essenciais da alienação.

Ora, segundo eles próprios alegaram, o seu conhecimento desses elementos data de meados de Junho, altura em que terão acedido a uma certidão da respectiva escritura.

Entre meados de Junho de 2008 e 11 de Junho de 2010, data em que invocaram o direito de preferência assim configurado, decorreram muito mais de seis meses, o que determina a caducidade desse mesmo direito, o que se deixa declarado".

7ª - Os recorrentes não podem aceitar este raciocínio, uma vez que a data de 11 de Junho de 2010, não corresponde à data em que os autores propuseram a ação, mas a data da ampliação do pedido e causa de pedir.

8ª - O prazo de seis meses estabelecido no artigo 1410º do Código Civil deve contar-se desde a data em que os autores tiveram conhecimento dos elementos essenciais da alienação, (cfr. alínea D), a 24 de Junho de 2008, sendo que a ação foi interposta a 17 de Dezembro de 2008, portanto, ainda não haviam decorrido os seis meses legalmente previstos para a sua propositura.

9ª - Na data de 11 de Junho de 2010, os autores através da réplica ampliaram o pedido e a causa de pedir, o que lhes era permitido, não constituindo tal acto a "interposição da acção" mas antes o desenvolvimento e a normal tramitação processual da acção que propuseram a 17 de Dezembro de 2008.

10ª - Nos termos do disposto no artigo 552º, n.º. 1, alínea d) do C.P.C., na petição deve o autor expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção, e formular o pedido. A petição inicial há-de assim traduzir um facto jurídico concreto (causa de pedir) e tirar dele, como conclusão, um efeito de direito que o autor impetra lhe seja reconhecido (pedido).

11ª - Uma vez citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, pedido e causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei: é o que se extrai do princípio da estabilidade da instância, consignado no artigo 260º do C.P.C.

12ª - No caso dos autos, a pretendida modificação da instância obedece às condições previstas no artigo 265º do actual CPC, (correspondendo ao artigo 273º do CPC em vigor à data do pedido).

13ª - Sem prejuízo do regime da alegação de factos supervenientes, apenas na réplica será admissível a alteração ou ampliação da causa de pedir, idêntico regime está previsto para a alteração ou ampliação do pedido, que apenas terá lugar no mesmo articulado.

14ª - Na verdade, a modificação operada pelos autores constitui uma mera ampliação da causa de pedir, que não afecta a relação jurídica descrita na petição inicial. O que, à face da lei, se afigura admissível.

15ª - Dispõe artigo 273º nº 1 do CPC, em vigor à data, que, "na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor".

16ª - O processo comum ordinário admite réplica (artigo 502º) e esta serve para os fins previstos no artigo 502º e/ou para, querendo, o autor alterar ou ampliar a causa de pedir ou o pedido (nº.2 do artigo 273º), pelo que, correndo os presentes autos a forma de processo comum ordinário, aos autores assistia a possibilidade de ampliar a causa de pedir na réplica, como fizeram.

17ª - Da réplica dos autores não existe qualquer contradição entre a ampliação da causa de pedir invocada e o pedido.

18ª - Considerando o pedido dos autores, o efeito jurídico pretendido (artigo 581º, nº 3, CPC), ou seja, no caso em apreciação, o reconhecimento do direito legal de preferência a favor dos autores.

19ª - A causa de pedir numa acção real, como sucede na presente acção, consiste no facto jurídico de que deriva o direito real (artigo 581º, 2ª parte do nº 4, CPC), ou seja, no caso em apreço, a título principal, a confinância de imóveis de área inferior à unidade de cultura nos termos do artigo 1380º do Código Civil.

20ª - Não pretendendo mais os autores apoiar o pedido formulado na causa de pedir invocada na petição inicial, e não existindo, agora, qualquer contradição entre a ampliação e a (nova) causa de pedir e o pedido, não podia o tribunal recorrido entender como entendeu, ou seja considerar a réplica como uma nova acção e um novo pedido, que não é.

21ª - O prazo previsto no artigo 1410º, nº 1 do Código Civil é um prazo de caducidade, e esta só é impedida pela prática do acto dentro do prazo legal – artigo 331º do Código Civil que tem de ser exercido através de uma acção judicial a propor dentro de certo prazo.

22ª – E, para o efeito impeditivo da caducidade referido no artigo 1410º, nº. 1, do Código Civil, não se pode considerar a data de 11 de Junho de 2010 que se refere á data da réplica e não da petição inicial, sendo que esta ocorreu a 17 de Dezembro de 2008.

23ª - Por isso, a propositura da acção por parte dos autores foi dentro do prazo estabelecido no artigo 1410º, nº do Código Civil que teve como efeito imediato a exclusão da caducidade.

24ª - O pedido dos autores de lhes ser reconhecido o direito legal de preferência na venda que os primeiros réus vendedores fizeram aos segundos réus compradores do prédio rústico, localizado em "…", freguesia de Santo Antão do Tojal, concelho de Loures, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … da seção H, foi formulado na petição que interpuseram a 17 de Dezembro de 2008 e que se manteve na réplica.

25ª - Os recorrentes tomaram conhecimento de todos os elementos do negócio de compra e venda em 24/06/2008, tendo a presente acção dado entrada em Tribunal a 17/12/2008, pelo que não se verificou o prazo de caducidade, referido no artigo 1410º, nº 1, Código Civil, de seis meses, e a acção foi tempestivamente proposta.

26ª - O Tribunal da Relação, ao declarar extinto, por caducidade, o direito de preferência, invocado pelos Autores recorrentes, ao abrigo do artigo 1380º do Código Civil, violou o disposto nos artigos 331º, 1380º e 1410º do Código Civil, para além de que a decisão recorrida interpretou erradamente o disposto nos artigos 268º, 273º, 467º e 502º Código Processo Civil em vigor à data dos factos, com a respectiva correspondência nos artigos 260º, 265º, 552º e 584º do Código de Processo Civil (Novo CPC) aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.


Contra – alegaram os Réus vendedores, CC e outros, concluindo:

1ª - Os ora recorridos, não se conformaram com a douta sentença proferida na 1ª instância e dela recorreram, no essencial e como se constata das conclusões transcritas, com duas ordens de fundamento:

a) – A caducidade do direito de preferência no tocante à invocação, em sede de réplica, de um novo fundamento para a acção de preferência, consubstanciada na contiguidade dos prédios dos autores e do que foi alienado, que não foi conhecida, nem apreciada na douta sentença;

b) - A inaplicabilidade do direito de preferência na alienação de prédios confinantes, quando a mesma não seja feita a terceiros, já que os adquirentes nos autos também já eram proprietários de prédio contíguo àquele que lhes foi vendido.

2ª - No acórdão ora recorrido, bem decidiram os Senhores Juízes Desembargadores, ao relevarem a não pronúncia na decisão da 1ª instância sobre a alegada excepção da caducidade relativamente ao facto novo da contiguidade dos prédios, só trazido aos autos cerca de dois anos depois do conhecimento dos elementos essenciais do negócio entre os réus vendedores e compradores.

3ª - A não pronúncia, na decisão da primeira instância, sobre a excepção da caducidade invocada quanto ao facto novo da contiguidade dos prédios feriu a mesma de nulidade.

4ª - No acórdão ora recorrido, os Senhores Juízes Desembargadores supriram a referenciada nulidade, bem entendendo que o não exercício do direito de preferência no prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 1380º do Código Civil teria sempre de conduzir à caducidade do direito e, consequentemente, à absolvição dos então recorrentes, ora recorridos.

5ª - A decisão da absolvição do pedido dos então recorrentes, sendo-lhe totalmente favorável, não mereceu qualquer reparo.

6ª - Pugnam os ora recorrentes pelo reconhecimento do direito de preferência invocado ao abrigo do artigo 1380º do Código Civil, por não ter ocorrido a caducidade deste direito nos termos do n.º 1, do 1410º do mesmo Código.

7ª - O recurso não poderá proceder.

8ª - Na posição assumida na tréplica, que agora se reitera, referiram os ora recorridos que os ora recorrentes se aperceberam da improcedência da acção com o fundamento da existência de uma servidão de passagem, tendo lançado mão, cerca de dois anos depois de terem conhecido os elementos essenciais da venda do prédio dos autos, de um novo fundamento: o da contiguidade dos prédios.

9ª - O prazo referido no nº 1 do artigo 1410º foi largamente ultrapassado e o Tribunal da Relação de Lisboa só poderia dar com extinto, como deu, por caducidade, o direito de preferência invocado pelos ora recorrentes.

10ª - Com a extinção do direito de preferência, por caducidade, a instância recorrida julgou correctamente, nessa parte, a questão que lhe foi submetida.

11ª - Tal julgamento não merece qualquer censura e, por conseguinte, deverá manter-se a decisão proferida.

12ª - O acórdão recorrido, por outro lado, considerou que, face à procedência da caducidade e da respectiva consequência, ficava prejudicada a apreciação de outros fundamentos dos recursos interpostos.

Por outro lado,

13ª - Os ora recorridos, então recorrentes, haviam pedido, no recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, a apreciação da questão de os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozarem reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante, a que alude o nº 1, do artigo 1380º do Código Civil.

14ª - Estabelece o n.º 1 do artigo 636º do actual Código de Processo Civil que, "no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o Tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação".

15ª - Embora acreditando na manutenção do doutamente decidido na 2a instância, no concernente à caducidade e extinção do direito de preferência, os ora recorridos entendem que, preventivamente, nada impede, mas antes aconselha, o requerimento da ampliação da revista relativamente à apreciação da questão então suscitada, se necessário se tornar.

16ª - A sentença de 1ª instância, fazendo um incorrecto julgamento de facto e de direito, reconheceu aos ora recorrentes o direito de preferência por o seu prédio e o que foi objecto da venda serem rústicos, contíguos e com área inferior à unidade de cultura.

17ª - Para tanto, louvou-se na alínea b), do n.º 2, do artigo 1380º, do Código Civil, na medida em que a área do prédio dos ora recorrentes, adicionada à área do prédio vendido, resultava numa área mais aproximada da unidade de cultura fixada para a zona, do que a soma das áreas do terreno vendido e do terreno dos ora recorridos GG e sua mulher HH.

18ª - Notoriamente, a alínea b), do nº 2, do artigo 1380º, do Código Civil, não se aplica ao caso concreto dos autos.

19ª - Para efeitos de preferência a que alude o normativo referido na conclusão anterior, não basta a alegação e prova da relação de contiguidade entre prédios com área inferior à unidade de cultura.

20ª - É necessário alegar e provar que, à data da compra, os adquirentes não eram donos de nenhum prédio confinante com o adquirente.

21ª - É pressuposto ou facto constitutivo do direito de preferência que a venda ou dação em cumprimento seja feita a quem não seja proprietário confinante.

22ª - Os ora recorrentes, para efeito de exercício do direito de preferência, deveriam ter alegado e provado que o terreno alienado o foi a um terceiro não proprietário confinante.

23ª - No caso "sub judice", o direito de preferência não se pode exercer ou manifestar porque os adquirentes, ora também recorridos, eram, como ainda são, proprietários do prédio confinante do alienado.

24ª - No sentido da obrigatoriedade de se mostrar comprovado que o direito de preferência previsto no n.º 1, do artigo 1380º, do Código Civil, só pode ocorrer com venda ou dação em cumprimento a pessoa que não seja proprietário confinante, pronunciou-se de entre muitos outros o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/05/2007, no Processo nº 07A958, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Nuno Cameira.

25ª - O referido acórdão refere que "a venda feita a um dos confinantes satisfaz o fim da lei, que é reunir dois prédios num só (quando um deles ou ambos tenham área inferior à unidade de cultura) sem necessidade de fazer intervir o mecanismo da preferência que constitui sempre um entrave à liberdade de contratar".

26ª - No caso dos autos mostra-se afastada a aplicação do disposto na alínea b), do n.º 2 do artigo 1380º, do Código Civil, em virtude de este normativo, ao consagrar na parte inicial, "sendo várias os proprietários com direito de preferência, cabe este direito... ", se encontra subordinado ao nº. 1, relativamente ao qual se constatou não serem os ora recorrentes preferentes, por inexistir o pressuposto por este exigido, de que a venda tem de ser feita a quem não for proprietário confinante.

27ª - Ao decidir como decidiu, pelo reconhecimento do direito de preferência dos ora recorrentes, com base no disposto na alínea b), do n.º 2, do artigo 1380º, do Código Civil, a sentença proferida na 1ª instância fez uma errónea interpretação e julgamento do disposto no n.º 1, do mesmo artigo, de acordo com o qual não poderiam aqueles ser reconhecidos como preferentes, em virtude da venda ter sido efectuada a proprietário de prédio confinante.

28ª - Preventivamente, caso se torne necessário, em virtude a decisão recorrida não ser acolhida, deverá ser considerada a apreciação da ampliação da revista, relativamente à questão suscitada perante o Tribunal da Relação de Lisboa, da aplicação pela sentença da 1ª instância, do nº 2, do artigo 1380º, do Código Civil, sem considerar, como devia, o disposto no nº 1, do mesmo artigo, e sobre o qual aquele não se pronunciou.


Contra – alegaram, também, os Recorridos compradores GG e outra, concluindo:

1ª - Pretendem os recorrentes que propuseram a presente acção atempadamente e que, em 11 de Junho de 2010, ao exercerem o direito de preferência nos termos do artigo 1380º, n.º 1, do Código Civil, se limitaram a ampliar o pedido e a causa de pedir, constituindo estes o mero desenvolvimento daquela acção, que não uma nova acção, mas tal posição contraria frontalmente a letra e o espírito da lei, para além de que os autores, ora recorrentes, confundem exercício do direito de preferência com propositura de acção. Na verdade,

2ª - Não é verdade que o acórdão recorrido tivesse considerado a réplica dos recorrentes como uma nova acção e um novo pedido, pois que o que foi efectivamente apreciado pelo tribunal foi a aferição da existência da caducidade do direito de preferência fundado na contiguidade dos prédios e no regime consagrado no artigo 1380º, n.º 1, do Código Civil, sendo que tal direito de preferência apenas foi invocado na réplica, que não aquando da propositura da acção.

3ª - Acresce que, apesar de relegado para final o conhecimento das excepções de caducidade do direito legal de preferência dos autores, invocado pelos réus, a sentença proferida em 1ª instância não se pronunciou sobre uma das excepções, dela não conhecendo a final, pelo que, muito bem, tal questão foi apreciada pelo acórdão recorrido em suprimento de tal omissão de pronúncia e respectiva nulidade de sentença, pugnando pela caducidade do direito de preferência com fundamento na contiguidade dos prédios e no regime do artigo 1380º, n.º 1 do Código Civil.

4ª - Efectivamente, apenas na réplica, apresentada em juízo em 11 de Junho de 2010, é que os autores, em ampliação da causa de pedir inicialmente deduzida, invocaram o seu hipotético direito de preferência com fundamento na contiguidade dos prédios, e em que ambos possuem área inferior à unidade de cultura, reconduzindo, assim, a situação à previsão normativa do artigo 1380º do Código Civil.

5ª - Ora, a referida disposição legal, no seu n.º 4, dispõe que ao direito de preferência conferido é aplicável o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º, todos do Código Civil, pelo que nos termos do n.º 1 desta última disposição legal, os recorrentes tinham que ter invocado o direito de preferência, sob pena de caducidade, no prazo de seis meses, a contar da data em que tiveram conhecimento dos elementos essenciais da alienação.

6ª - Assim, alegando os próprios recorrentes que tiveram conhecimento dos elementos do negócio em meados de Junho de 2008, não subsistem quaisquer dúvidas de que em 11 de Junho de 2010, data em que invocaram o direito de preferência assim configurado, decorreram muito mais de seis meses, o que, como muito bem decidiu o acórdão recorrido, determina a caducidade desse mesmo direito.

7ª - Nesta conformidade, ao contrário do pretendido pelos recorrentes, o acórdão recorrido não violou os artigos 331º, 1380º e 1410º do Código Civil, nem os artigos 268º, 273º, 467º e 502º do Código de Processo Civil.

8ª - O acórdão recorrido não se pronunciou sobre outros fundamentos apresentados pelos recorrentes, ora recorridos, em sede de alegações para o Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que se requer a sua apreciação, ampliando-se, assim, o objecto do presente recurso para o caso de vir a ser dado provimento ao recurso dos ora recorrentes.

9ª - Assim, o recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa tinha por objecto também a reapreciação da prova gravada, sendo que, ao não apreciar a questão da matéria de facto, terá que se considerar que o acórdão recorrido acabou por incorrer em nulidade.

10ª - Deste modo, na pressuposição de que a questão sobre a reapreciação da matéria de facto colocada ao Tribunal da Relação de Lisboa colhe provimento, resulta, à saciedade, dos depoimentos das testemunhas JJ e KK, que o Recorrente BB teve conhecimento da venda, da escritura e do pagamento no fim do Verão de 2007, pelo que se pretendia exercer o arrogado direito de preferência, devia ter actuado na obtenção de certidão da referida escritura com maior diligência, pois, ao ficar completamente inactivo durante quase um ano, criou nos recorridos a convicção de que tinha "desistido" do terreno e renunciado tacitamente a qualquer direito de preferência.

11ª - Esta inércia e negligência dos recorrentes têm consequências jurídicas, como seja a caducidade do exercício do direito que se arrogam, sob pena de se sacrificarem os princípios gerais do direito da segurança e certeza jurídicas, pelo que, ao decidir em sentido contrário, a sentença da 1ª instância violou os referidos princípios, bem como o artigo 1410º, do Código Civil.

12ª - Ficou também provado que os 1.os réus/recorridos colocaram uma placa de venda no terreno e que a mesma foi retirada antes da escritura, e, ainda, que os autores vão com frequência ao seu terreno, pelo que, segundo juízos de probabilidade e de acordo com o senso comum, se permite concluir que era praticamente impossível que não vissem a placa com a oferta pública de venda, sendo que nada tendo feito no sentido da aquisição do prédio em apreço, criaram nos recorridos a convicção de que não estariam interessados e teriam renunciado a qualquer eventual e hipotético direito de preferência.

13ª - Assim, atenta a inércia e o comportamento dos recorrentes, deviam ter sido retiradas as devidas consequências e ter-se considerado verificada a excepção da caducidade, tendo sido violados os princípios gerais do direito da segurança e certeza jurídicas, o artigo 1410º, do Código Civil e os artigos 493º e 496º, do CPC.

14ª - Quanto aos pressupostos legais para se aferir se efectivamente assistia aos autores/recorrentes, "in casu", o alegado direito de preferência, também aqui a sentença da 1ª instância incorre em erro de julgamento, ao basear toda a sua fundamentação no n.º 2, alínea b), do artigo 1380º, do Código Civil e esquecendo o que estipula o seu n.º 1 "in fine".

15ª - Na verdade, a Jurisprudência e a Doutrina são unânimes no sentido de que, para que estejam preenchidos todos os pressupostos do direito real de preferência previsto no n.º 1, do artigo 1380º, do Código Civil, em acção intentada para tal efeito, o autor precisa de alegar e provar que os prédios são confinantes, que um deles tem uma área inferior à unidade de cultura e, ainda, que, à data da compra, o réu adquirente não era dono de nenhum prédio confinante com o vendido, sendo este último pressuposto constitutivo do direito de preferência, que só se verifica se a venda for efectuada a quem não seja proprietário confinante.

16ª - Aliás, esta interpretação resulta, quer do elemento literal da norma, quer do seu elemento histórico, designadamente, da alteração introduzida pelo artigo 18º, n.º 1, do DL 384/88, de 25/10, ao ampliar o direito dos titulares de prédios confinantes, mesmo que a sua área exceda a unidade de cultura, bastando que apenas um deles tenha área inferior.

17ª - Assim, "in casu", tendo a venda sido feita a um proprietário confinante à data da compra e venda "sub judice", faltava um pressuposto para que os autores se pudessem arrogar o direito de preferência com fundamento na confinância dos prédios, pelo que, decidindo em sentido contrário, a sentença da 1ª instância violou o artigo 1380º, n.º 1, "in fine", do Código Civil.

18ª - Aliás, neste sentido, veja-se, a título de exemplo, o Ac. TRL, de 21/10/2010, proc.º n.º 13867/05.7TMSNT.Ll-6 e Ac, STJ, de 15/5/2007, proc.º 07A958, ambos in www.dgsi.pt, sendo que este último aponta no sentido de que a venda feita a um dos confinantes satisfaz o fim da lei - reunir dois prédios quando um deles tenha área inferior à unidade de cultura (como é o caso dos autos), sem necessidade de fazer intervir o mecanismo de preferência, que sempre constitui um entrave à liberdade contratual.

19ª - Deste modo, ao fazer "tábua rasa" do artigo 1380º, n.º 1, "in fine", do Código Civil e ao fundamentar-se apenas no n.º 2, alínea b), deste dispositivo legal para considerar a presente acção procedente, a sentença da 1ª instância violou este normativo legal, pois o n.º 2 do artigo 1380º está subordinado ao seu n.º 1, não podendo ser aplicado autonomamente.

20ª - Por outro lado, de acordo com o PDM de Loures, ainda em vigor, o prédio vendido localiza-se em 3 tipos de Espaços, sendo um deles "Espaços Urbanizáveis - Verde Urbano Equipado", que se destina à implantação de espaços verdes urbanos, podendo este ser complementado com construções (equipamentos desportivos, cafés, restaurantes, quiosques, esplanadas, etc.), pelo que o prédio em questão não é exclusivamente destinado à cultura, pelo que, ao considerar inexistir qualquer facto impeditivo do exercício do alegado direito de preferência, a sentença da 1ª instância violou o artigo 1381º, n.º 2, alínea a), 2ª parte, do Código Civil.

21ª - Além do mais, o PDM de Loures foi objecto de revisão, encontrando-se em apreciação para publicação, sendo que se encontra proposta a classificação do prédio como "Solo Urbanizado - Espaços Residenciais a Colmatar", sendo possível, do ponto de vista legal, admitir construção na referida parcela, pelo que, ao contrário do decidido pela sentença da 1ª instância, encontra-se preenchida a previsão da alínea a), 2a parte, do n.º 2, do artigo 1381º, do Código Civil, que, funcionando como facto impeditivo da preferência, constitui excepção peremptória, pelo que a referida sentença violou igualmente este dispositivo legal e o artigo 493º, do CPC (actual artigo 576º).

2.

Vêm descritos como provados os seguintes factos:

1º – Encontra-se inscrita a favor dos autores a propriedade em comum e sem determinação de parte ou direito, sobre o prédio rústico, sito em «Vale ou Sandorim», freguesia de Santo Antão do Tojal, concelho de Loures, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º … como tendo a composição de terra de cultura arvense, inscrito na matriz sob o artigo …, secção H, com a área de 0,6120 hectares - (Alínea A).

2º – Por escritura pública datada de 28 de Maio de 2007, os quatro 1.os réus venderam aos 2.os réus um prédio rústico localizado em “…”, freguesia de Santo Antão do Tojal, concelho de Loures, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … da Secção H, terra de cultura arvense, com a área de 0, 4640 hectares, pelo preço de vinte e cinco mil euros - (Alínea B).

3º – A venda aludida em 2º, nomeadamente o preço e condições de pagamento, não foi pelos réus dada a conhecer aos autores - (Alínea C).

4º - Os autores obtiveram certidão da escritura de compra e venda aludida em 2º, em 24 de Junho de 2008 - (Alínea D).

5º – Uma vez conhecedores dos elementos essenciais da compra e venda realizada, mormente do preço e condições em que o mesmo se realizou, os autores manifestaram por escrito, tanto aos vendedores (anteriores comproprietários) como aos compradores (atuais proprietários) intenção de arguir a anulabilidade do referido negócio, nos termos constantes das cartas juntas aos autos a fls. 23 a 25, cujo teor aqui se dá por reproduzido - (Alínea E).

6º - O prédio propriedade dos autores, confronta a sul com o prédio objeto do negócio em causa, tornando-os contíguos - (Alínea F).

7º - A ação deu entrada em juízo em 17 de Dezembro de 2008 - (Alínea G).

8º - Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial a favor dos 5º e 6º réus a propriedade sobre o prédio rústico «Courela às Andorinhas ou Sandorninhas» da freguesia de Santo Antão do Tojal, descrito na CRP de Loures sob a ficha nº …/… e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …” da Secção H, nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 97 e seguintes, cujo teor aqui se dá por reproduzido, com a área de 0,3720 hectares - (Alínea E).

9º – Antes da escritura de compra e venda celebrada a 28 de Maio de 2007, os ora réus colocaram uma placa no prédio em causa, que lhes pertencia, anunciando publicamente o propósito de venda do mesmo – (Resposta ao quesito 1º).

10º – A aludida placa foi retirada antes da data da celebração da escritura - (Resposta ao quesito 2º).

11º – Os autores vão com frequência ao seu prédio - (Resposta ao quesito 3º).

12º – O autor tomou conhecimento dos elementos do negócio, como sejam o preço e condições de pagamento, quando confrontado com a certidão da escritura de compra e venda datada de 24 de Junho de 2008 - (Resposta ao quesito 5º).

13º – A Câmara Municipal de Loures prestou a informação constante de fls. 166 e seguintes, na qual se consigna, como enquadramento, o seguinte:

“Foi solicitado à DPPDM parecer sobre a eventual legalização de moradia e anexo na Rua …, …, freguesia de Santo Antão do Tojal, no âmbito da revisão do PDM que está a decorrer. O esclarecimento incide sobre a pretensão localizar-se em “Espaços Não Urbanizáveis Florestais e Silvo-pastoris”, Espaços Não Urbanizáveis de Exclusivo Uso Agrícola” e “Espaços Urbanos Verde Urbano Equiparado”, segundo o PDM em vigor” – Documento junto a fls. 165 e seguintes dos autos).

14º – Na conclusão da informação aludida em 13º pode ler-se o seguinte:

“Relativamente ao ordenamento constante da Proposta do PDM, a parcela está classificada sobretudo como “Solo Urbano – Área de Urbanização Programada Habitacional tipo D”, pelo que será eventualmente possível admitir construção na parcela em análise, prevendo-se que sejam aplicados os índices anteriormente indicados. Relativamente à questão da entrada em vigor da actual Proposta de Plano Director Municipal, salienta-se que esta informação prestada é meramente indicativa, e possui um carácter não vinculativo. Reporta-se à versão proposta à data, tendo sido aprovada em Reunião de Câmara em 22 de Julho de 2009, remetida à Comissão Técnica de Acompanhamento em 24 de Julho de 2009, estando sujeita a eventual alteração antes da sua publicação, pelo que deve ser entendido como um documento não eficaz. Apenas produzirá efeitos após a sua publicação em Diário da República”.

3.

Atendendo às conclusões do recurso dos autores, que afinal delimitam o objecto e o âmbito do recurso, a questão que importa apreciar consiste em saber se acaso se verifica a excepção de caducidade do direito de preferência invocada, por inobservância do prazo de seis meses para a propositura da acção.

E, no caso de procedência do recurso dos autores, se cumpre ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer das questões que o Tribunal da Relação considerou prejudicadas, face à requerida ampliação da revista pelos réus/recorridos

4.

DO DIREITO DE PREFERÊNCIA

PROCESSO ADEQUADO PARA O SEU EXERCÍCIO:

Para uma melhor compreensão do objecto do recurso importará tecer umas breves considerações sobre o direito de que se arrogam os autores.

Para além da preferência de origem negocial, a lei concede a certos titulares de direitos reais ou pessoais de gozo sobre determinada coisa a preferência na venda ou dação em cumprimento da coisa objecto desse direito. “Estamos, nessa situação, perante o que se denomina de preferências legais, as quais se caracterizam por terem sempre eficácia real, permitindo aos que dela disfrutam exercer o seu direito de preferência, mesmo perante o terceiro adquirente”[1].

Assim, ao lado da preferência de origem negocial, há os direitos legais de preferência (que são direitos reais de aquisição), destinados a facilitar, na maioria dos casos, a extinção de situações que não são as mais consentâneas com a boa exploração dos bens, como sejam a comunhão de direitos (artigos 1409º e 2130º), a propriedade onerada com direitos reais limitados de gozo (artigos 1535º e 1555º, n.º 1) e a existência de terrenos agrícolas com área inferior à unidade de cultura economicamente aconselhável (artigo 1380º) e, noutros casos, a proporcionar o acesso à propriedade a quem está (ou esteve) a fruir os bens ao abrigo de um direito pessoal de gozo tendencialmente duradouro, mencionando-se, exemplificativamente, a este propósito o artigo 1117º, n.º 1[2].

A lei regula genericamente o regime da obrigação de preferência nos artigos 416º a 418º, sendo este regime também aplicável em relação aos direitos reais de preferência, atentas as remissões que, na sede própria, são efectuadas para essas disposições.

Relativamente à forma de cumprimento da obrigação de preferência, ela encontra-se prevista no artigo 416º que nos refere o seguinte:

“1 – Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.

2 – Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo”.


Vimos, porém, que o direito de preferência pode gozar de eficácia real, o que sucederá sempre que se trate, como in casu acontece, de direitos legais de preferência.

Nesse caso, o titular da preferência possui um direito real de aquisição, que pode opor erga omnes, mesmo a posteriores adquirentes da propriedade.

Neste caso, o processo adequado para o exercício do direito de preferência é a denominada acção de preferência. Embora prevista no artigo 1410º (redacção do DL 68/96, de 31 de Maio), a mesma é extensível a qualquer titular de direitos reais de preferência (artigo 421º, n.º 2; artigo 1091º, n.º 4; artigo 1535º, n.º 2).

5.

SINOPSE DO CASO EM APREÇO

Através desta acção, pretendem os autores exercer o direito de preferência a que se arrogam na venda do prédio rústico, referido no ponto 2º/alínea B) da matéria de facto assente.

Começaram por invocar como fundamento do direito de preferência, a que se arrogam, a qualidade de proprietários de prédio onerado com uma servidão de passagem a favor do prédio transmitido, sendo ambos os prédios (serviente e dominante) confinantes.

Tendo sido deduzida por todos os réus a excepção da caducidade do direito de preferência, fundado na referida existência de servidão de passagem, os autores vieram na réplica ampliar o pedido e a causa de pedir, passando também a invocar como fundamento do direito de preferência o facto de ambos os prédios serem confinantes e se aplicar ao caso o disposto no artigo 1380º do Código Civil, pois o prédio vendido tem área de 0,4640 hectares, área inferior à unidade de cultura e o prédio dos autores tem a área de 0.6120 hectares e, aventando a hipótese de o adquirente ser igualmente proprietário de prédio confinante, suscitam a aplicação do disposto na alínea b) do nº 2 do referido artigo 1380º do Código Civil.

Houve tréplica dos réus, manifestando a sua oposição à requerida ampliação da causa de pedir, tendo os réus compradores aproveitado essa oportunidade para voltarem a suscitar a caducidade do direito de preferência, agora fundado na contiguidade dos prédios.

No saneador, foi admitida a ampliação da causa de pedir pretendida pelos autores e relegou-se para final o conhecimento da excepção da caducidade.

Os autores invocam, assim, como fundamento do direito de preferência, a que se arrogam, a dupla qualidade de proprietários de prédio que, por um lado, está onerado com uma servidão de passagem a favor do prédio transmitido e, por outro lado, que é confinante com aquele, tendo, no entanto, estes fundamentos sido invocados em momentos diferentes, na petição inicial e na réplica.

6.

DECURSO DO PRAZO DE CADUCIDADE PARA A PROPOSITURA DA ACÇÃO:

O direito de preferência em geral confere ao respectivo titular a faculdade de se substituir, em igualdade de condições, ao adquirente do direito sobre a coisa, designadamente em contrato de compra e venda.

Como se salientou na sentença, trata-se de um direito que confere ao respectivo titular o poder de adquirir um direito real de gozo sobre determinada coisa quando ocorram determinados pressupostos, concretizado na altura em que ocorrer o acto de alienação, sendo aplicável, na espécie, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416º a 418º, 1409º e 1410º do Código Civil.

6.1.

OS ÓNUS QUE RECAEM SOBRE O PREFERENTE

Esta acção, como claramente o comprova o n.º 1 do artigo 1410º do Código Civil, deve ser intentada no prazo de seis meses a contar da data em que o titular da preferência teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, tendo como condição de procedência que ocorra o depósito do preço devido nos quinze dias posteriores à propositura da acção.

São, assim, dois os ónus que recaem sobre o preferente, relacionados com a acção de preferência:

1º - Interpor a acção no prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação;

2º - Depositar o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da mesma acção.

6.1.1.

Quanto à necessidade de o preferente interpor a acção no prazo de seis meses a contar da data em que o sujeito passivo teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, importa esclarecer alguns aspectos[3], prendendo-se o primeiro com a necessária articulação entre, por um lado, o exercício do direito de preferência na sequência de uma notificação regular, o qual deverá ocorrer dentro do prazo de oito dias previsto no artigo 416º, n.º 2, do Código Civil e, por outro, o exercício do mesmo direito por via judicial, cujo prazo passa a ser o previsto no artigo 1410º, n.º 1 do mesmo diploma.

O cumprimento exacto do dever de comunicar previsto no artigo 416º, n.º 1 tem um efeito liberatório para o devedor e torna certo o prazo dentro do qual deve ser exercido o direito de preferir, sob pena de caducidade. Ao contrário, a falta de comunicação regular faz subsistir o dever de realizar a comunicação a cargo de o respectivo devedor (se tal ainda for possível) e faz ainda com que o prazo para o exercício do direito de preferir continue a decorrer sem fim á vista e sem perigo de caducidade, portanto.

6.1.2.

Mas será que esta possibilidade de exercer o direito de preferência a todo o tempo se manterá até que o sujeito passivo proceda à notificação, independentemente de, entretanto, celebrar com terceiro o contrato projectado?

O artigo 1410º, n.º 1, do Código Civil impede, justamente, o exercício do direito de preferir a todo o tempo, pois fixa um prazo de seis meses a contar da data em que o sujeito passivo teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, para a propositura da acção de preferência: no limite, o direito de preferência terá de ser exercido dentro daquele prazo.

Esta solução é, de resto, justificada por razões substantivas, importando, salientar, além de outras, que a alienação a terceiro faz com que a discussão à volta do exercício ou não exercício do direito de preferir extravase a relação entre preferente e sujeito passivo e passe a afectar também a situação de terceiro e, eventualmente, a própria segurança do tráfico jurídico, pois não só está em causa a aquisição de terceiro como todos os actos que por este sejam praticados relativamente ao objecto sujeito á preferência, designadamente a sua alienação ou oneração.

Na medida em que esta situação de incerteza passa a afectar direitos de terceiro e a própria segurança do tráfico jurídico, torna-se necessária uma rápida clarificação da mesma e daí que seja exigida ao preferente uma decisão célere sobre se quer ou não quer para si o bem alienado.

Note-se que, apesar de os seis meses se contarem da data em que o preferente teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, tanto o terceiro adquirente como o sujeito passivo (e no limite qualquer outra pessoa) podem precipitar o início do decurso desse prazo, levando ao conhecimento do preferente esses elementos essenciais.

6.2.

ELEMENTOS ESSENCIAIS DA ALIENAÇÃO:

O artigo 1410º, n.º 1 do Código Civil visa conciliar, como se referiu, “a protecção dos interesses do titular do direito, assegurando-lhe um prazo adequado para decidir se quer ou não exercer o seu direito (agora através da via judicial) e a exigência de uma rápida clarificação da situação jurídica do bem sujeito à prelação, esta imposta pela necessidade de proteger a segurança do tráfico jurídico. Por um lado, a lei submete o exercício do direito de prelação a um prazo de seis meses a contar do momento em que o preferente tenha conhecimento dos elementos essenciais da alienação e não da alienação propriamente dita, mas, por outro lado, conhecidos estes elementos essenciais, o preferente passa a ter apenas seis meses para decidir se quer recorrer à via judicial e para efectuar as diligências necessárias à preparação da demanda”[4].

“É a esta luz que se explica a diferença de formulação (e de alcance) do artigo 416º, n.º 1, no que se refere ao conteúdo da comunicação e a locução usada pelo legislador no artigo 1410º, n.º 1, ambos do Código Civil, quando alude aos factos que, uma vez conhecidos pelo preferente, tornam certo o prazo para o exercício coercivo do direito de preferir. Com efeito, “projecto de venda e cláusulas do respectivo contrato” não são a mesma coisa que “elementos essenciais da alienação” e presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, a conclusão a retirar não pode ser outra senão a de que com estas diferentes formulações o legislador pretende designar diferentes realidades.

Quando se trata de definir o conteúdo obrigatório da comunicação para preferência, interessa considerar unicamente os interesses dos sujeitos da relação de preferência.

Diversamente, tratando-se de definir o acontecimento que deverá tornar certo e limitado o prazo para o exercício coercivo do direito de preferência, interessa considerar os interesses do sujeito passivo e do preferente e os interesses do terceiro que adquiriu o bem sujeito à prelação, bem como a protecção devida à segurança do tráfico jurídico.

Assim sendo, podemos concluir com segurança que a locução “elementos essenciais da alienação” designa uma realidade menos vasta do que aquela designada pela locução “projecto de venda e cláusulas do respectivo contrato”.

“Os elementos essenciais da alienação”, a que alude a norma do n.º 1 do artigo 1410º, referem-se a uma alienação já efectuada e, assim sendo, “não faz sentido perguntar o que seria importante àquele preferente conhecer para decidir se quer ou não exercer o seu direito, mas sim o que, em abstracto e dentro dos dados objectivos de uma alienação já efectuada, deverá ser importante para alguém decidir se quer ou não adquirir certo bem em condições já determinadas. O preferente carece de conhecer as cláusulas que, objectivamente, constam do contrato celebrado e, de entre estas, apenas as que, em abstracto, são necessárias para que um sujeito, também abstracto, possa decidir se quer ou não acompanhar”.

“A conclusão que se impõe parece ser só uma: o artigo 1410º, n.º 1, do Código Civil, basta-se com o conhecimento por parte do preferente da alienação propriamente dito, com a identificação do bem alienado, e do sacrifício económico global suportado pelo terceiro na aquisição, que será também aquele que o preferente terá de suportar se efectivamente exercer a sua prioridade de aquisição”.

E, com todo o brilhantismo da argumentação expandida, refere o ilustre Professor Agostinho Cardoso Guedes:

“De facto, se a lei atendesse aos elementos essenciais para aquele preferente concreto, ou mandasse contar o prazo para exercício do direito a partir do momento em que o preferente tivesse conhecimento de todas as cláusulas do contrato celebrado, permitir-lhe-ia manipular o prazo de caducidade prolongando-o quase indefinidamente, pois seria permitido ao preferente continuar a alegar o desconhecimento de elementos que ele reputaria essenciais ou esperar o tempo que lhe conviesse para conhecer as demais cláusulas do contrato, assim prolongando a situação de incerteza com evidentes prejuízos para a segurança do tráfico jurídico. Ao contar o prazo de caducidade a partir do momento em que o preferente toma conhecimento dos elementos essenciais da alienação, atrás indicados, a lei impõe ao preferente um dever de diligência para se informar das demais condições convencionadas no contrato se ele entender que tal é importante para a sua decisão”.

“Naturalmente, fica sempre salvaguardada a possibilidade de o sujeito passivo, o terceiro adquirente ou qualquer outra pessoa informarem o preferente do conteúdo do negócio celebrado, precipitando a determinação do prazo para a propositura da acção de preferência”.

7.

NATUREZA DO PRAZO PREVISTO NO ARTIGO 1410º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL:

O prazo previsto nesta norma é um prazo de caducidade. É o que decorre do artigo 298º, n.º 2 do Código Civil e é essa a opinião expressa de doutrina autorizada[5].

A caducidade é impedida pela prática do acto a que a lei atribua efeito impeditivo (artigo 331º, n.º 1 do Código Civil), acto que, no caso vertente, não é outro senão a propositura da acção de preferência.

Por outro lado, a acção considera-se “proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial (artigo 259º, n.º 1 do CPC).

Deste modo, a caducidade do direito do preferente de reclamar para si o bem objecto da prelação será impedida se a petição inicial der entrada na secretaria judicial antes de esgotados os seis meses, cabendo aos demandados provar que essa caducidade já se tinha verificado no momento da propositura da acção (vide artigo 343º, n.º 2 do Código Civil).

Do exposto resulta que, salvo o devido respeito, não podemos acompanhar o acórdão recorrido na parte em que se refere:

"Nos termos do n.º 1 do artigo 1410º citado, o direito dos autores haverem para si o prédio alienado tivesse de ser requerido, sob pena de caducidade, no prazo de seis meses, a contar da data em que tiveram conhecimento dos elementos essenciais da alienação.

Ora, segundo eles próprios alegaram, o seu conhecimento desses elementos data de meados de Junho, altura em que terão acedido a uma certidão da respectiva escritura.

Entre meados de Junho de 2008 e 11 de Junho de 2010, data em que invocaram o direito de preferência assim configurado, decorreram muito mais de seis meses, o que determina a caducidade desse mesmo direito, o que se deixa declarado".

Como se referiu, o prazo de seis meses estabelecido no artigo 1410º do Código Civil deve contar-se desde a data em que os Autores tiveram conhecimento dos elementos essenciais da alienação.

E, tal como ficou provado, os autores deles tiveram conhecimento por iniciativa própria, a 24 de Junho de 2008, data em que obtiveram a certidão da escritura celebrada.

Por outro lado, como também se referiu, para o efeito impeditivo da caducidade referido no artigo 1410º, n.º 1 do Código apenas nos poderemos ater ao momento em que a acção foi proposta.

O pedido dos autores de lhes ser reconhecido o direito legal de preferência na venda que os primeiros réus vendedores fizeram aos segundos réus compradores do prédio rústico, localizado em "…", freguesia de Santo Antão do Tojal, concelho de Loures, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … da seção H, foi formulado na petição da acção que interpuseram a 17 de Dezembro de 2008.

Na data de 11 de Junho de 2010, os Autores, através da réplica, ampliaram o pedido e a causa de pedir, o que lhes era permitido, não constituindo tal acto a "interposição da acção" mas antes o desenvolvimento e a normal tramitação processual da acção proposta.

Assim, tendo os recorrentes tomado conhecimento dos elementos essenciais do negócio de compra e venda em 24/06/2008 e tendo a presente acção dado entrada em Tribunal a 17/12/2008, a propositura da acção ocorreu dentro do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 1410º, tendo tal facto como efeito imediato a exclusão da caducidade reclamada pelos réus/apelantes.

Assim sendo, não poderá deixar de se revogar o acórdão recorrido.

7.

Servindo-se do disposto no n.º 1 do artigo 636º do CPC, pretendem os réus / recorridos que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie as questões que o Tribunal da Relação havia considerado prejudicadas e que tinham sido suscitadas pelos recorrentes, ora recorridos, no recurso de apelação por eles interposto.

Com efeito, estabelece a norma do n.º 1 do citado artigo 636º que, "no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o Tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação".

Porém, tal norma não se aplica ao julgamento do recurso de revista e isto porque, embora a regra seja a aplicação ao recurso de revista das disposições relativas ao julgamento da apelação, fica excluído, por expressa disposição do artigo 679º do CPC, “o que se estabelece nos artigos 662º e 665º e o disposto nos artigos seguintes”.

8.

Sumariando:

I - Os direitos legais de preferência destinam-se, na maioria dos casos, a facilitar a extinção de situações que não são as mais consentâneas com a desejável exploração dos bens, como sejam a comunhão de direitos (artigos 1409º e 2130º do CC), a propriedade onerada com direitos reais limitados de gozo (artigos 1535º e 1555º, n.º 1, do CC) e a existência de terrenos agrícolas com área inferior à unidade de cultura (artigo 1380º do CC), bem como a proporcionar o acesso à propriedade de quem está a fruir os bens ao abrigo de um direito de gozo tendencialmente duradouro (artigo 1117º, n.º 1, do CC).

II - Na acção de preferência, prevista no artigo 1410º do CC, são dois os ónus que recaem sobre o preferente: (i) interpor a acção no prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação; (ii) depositar o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção.

III - A existência do prazo referido em II justifica-se na medida em que a alienação a terceiro faz com que a discussão, em torno do direito de preferir, extravase a relação entre preferente e sujeito passivo, criando uma situação de incerteza passível de afectar não só os direitos daquele, como ainda a própria segurança do tráfico jurídico, o que reclama uma rápida clarificação da situação jurídica.

IV - Trata-se de um prazo de caducidade que apenas pode ser impedido pela prática do acto a que a lei atribui efeito impeditivo e que, no caso dos autos, mais não é do que a propositura da acção antes de esgotado o prazo de 6 meses.

V - Tendo os autores tido conhecimento dos elementos essenciais da compra e venda em 24-06-2008 e tendo a presente acção dado entrada em Tribunal em 17-12-2014, é de concluir pela tempestividade do exercício do direito de preferência daqueles.

VI - Não releva, para efeitos de contagem do prazo de caducidade, a circunstância de os autores na réplica – em 11-06-2010, quando já havia decorrido mais do que os aludidos 6 meses – terem ampliado o pedido e a causa de pedir, na medida em que tal constitui o desenvolvimento e normal tramitação da acção, não se confundindo com a sua efectiva propositura.

9.

Pelo que se deixa exposto, revoga-se o acórdão recorrido, devendo os mesmos Exc. mos Juízes Desembargadores conhecer das questões que, suscitadas pelos réus / recorrentes na apelação, foram consideradas prejudicadas.

Custas pelos recorridos.


Lisboa, 8 de Janeiro de 2015


Manuel F. Granja da Fonseca


António da Silva Gonçalves


Fernanda Isabel Pereira

_____________________________
[1] Vide Carlos Lima, Direitos legais de preferência, na ROA 65 (2005), 3, páginas 599 a 624, citado por Menezes Leitão, no Direito das Obrigações, Volume I, 8ª edição, página 252.
[2] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, página 389.
[3] Acompanhamos, nesta parte, de perto, Agostinho Cardoso Guedes, in Exercício do Direito de Preferência, páginas 638 e seguintes, Dissertação apresentada para doutoramento em Ciências Jurídico Civilísticas, na Universidade católica em Julho de 2004, Publicações Universidade Católica, Porto 2006.
[4] Autor e obra citada, página 645-646.
[5] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III Volume, 2ª edição, (com a colaboração de Henrique Mesquita), página 372.