Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
540/14.4TVLSB.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: CONTRATO DE SWAP
PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
REGULAMENTO CE 44/2001
TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 01/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO EUROPEU - COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA / RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE DECISÕES EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - TRIBUNAL / COMPETÊNCIA / COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES / MODIFICAÇÕES DA COMPETÊNCIA / PACTOS ATRIBUTIVOS DE JURISDIÇÃO.
Doutrina:
- Paula Costa e Silva, “A longa vacatio legis da Convenção de Bruxelas; Anotação aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Julho de 1997 e de 5 de Novembro de 1998”, in http://www.oa.pt/upl/%7B104b4283-439d-4bec-877d-b8adcac59cf6%7D.pdf
- Kropholler/von Hein, Europäisches Zivilprozessrecht, 9.ª edição (2011), art. 23 eugvo 17.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 59.º, 62.º, 63.º, 94.º.
LCCG: - ARTIGO 19.º, N.º1, AL. G).
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) Nº 44/2001 DO CONSELHO, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2000 RELATIVO À COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA, AO RECONHECIMENTO E À EXECUÇÃO DE DECISÕES EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL (CONHECIDO POR REGULAMENTO BRUXELAS I: - ARTIGOS 1.º, N.º 1, 23.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 11-2-2015, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 1-10-2015, E A JURISPRUDÊNCIA DO TJUE QUE INDICA (IN WWW.DGSI.PT ).
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE):

- CASTELLETTI/TRUMPY (PROC. C-159/97), DE 16-03-1999.
- OWUSU (PROCESSO C- 281/02), DE 01-03-2005
- LINDNER (PROCESSO C- 327/10), DE 17-11-2011
- MALETIC (PROCESSO C-478/12), DE 14-11-2013
Sumário :

I - Se, no âmbito de dois contratos de swap de taxa de juro, subjacentes a contratos de financiamento celebrados com, respectivamente, um banco holandês e um banco italiano, sujeitos a um contrato padronizado denominado ISDA Master Agreement, as partes, ambas com domicílio em Estado-Membro da UE, sob a cláusula 13 (b) (i), atribuem a competência jurisdicional aos tribunais ingleses para dirimir litígios emergentes desses contratos, deve-se entender estarmos perante um pacto atributivo de jurisdição aos tribunais ingleses, ao qual é aplicável o art. 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22-12-2000, que prevalece sobre o direito interno português (art 8.º, n.º 4, da CRP).

II - Segundo jurisprudência pacífica do TJUE, os requisitos de validade e de convenção de competência apenas são aqueles que constam do art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, pelo que o direito dos Estados-Membros não pode acrescentar outros; e ainda para que a escolha do tribunal seja válida não é necessário que exista uma qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, consequentemente, hipotéticos inconvenientes para uma das partes (no caso, para a recorrente), decorrentes da localização do foro convencionado.

III - Em função da autonomia e exclusividade do normativo inserto no art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, não cabe aquilatar, por estar prejudicado, da eventual aplicação do disposto em normas de direito nacional, nomeadamente, as vertidas nos artigos 94.º do NCPC (2013) e 19.º, n.º 1, al. g), da LCCG.
Decisão Texto Integral:                                   

             Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                                         

                        I- Relatório:

      1-1- AAS.A., propôs a presente acção com processo ordinário contra o Banco BB formulando os seguintes pedidos:

a) Deverá a acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência declarados nulos os contratos de derivados financeiros em crise;

b) Caso assim se não entenda pede-se, subsidiariamente, que seja reconhecida a resolução dos contratos de derivados financeiros em crise com o fundamento na alteração de circunstâncias;

c) Caso assim se não entenda pede-se, subsidiariamente, que o Réu seja declarado civilmente responsável pelos danos causados à Autora;

d) Consequentemente, em caso de procedência do pedido feito em a), em b) ou emc), deve ser restituído ao seguinte montante à autora: € 2.783.624,99;

e) A este montante acrescem juros de mora à taxa comercial vincendos e vencidos até restituição integral do montante peticionado”.

Na contestação, para o que aqui importa, o Banco R. invocou a excepção dilatória de incompetência Internacional dos tribunais portugueses por violação de pacto de jurisdição.

No despacho saneador foi julgada procedente esta excepção e, consequentemente, o R. foi absolvido da instância.

             

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A., AA S.A., de apelação, tendo o Banco recorrido requerido, nos termos do disposto no art. 678º do C.P.Civil, o recurso per saltum para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

                       

                       A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

                       1- Na Sentença, considerou-se, erradamente, o pacto privativo de jurisdição celebrado pelas partes válido e eficaz à luz do ordenamento jurídico português e, como tal, o Réu, ora Recorrido, foi absolvido da instância, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 278°, nº 1, a), do CPC.

                       2- A Sentença merece vários reparos, tendo violado o artigo 23°, nº 1, do Regulamento de Bruxelas bem como o artigo 94.°, nºs 1 e 3, e 607.°, nº 4, do CPC, e o artigo 19.°, g), da LCCG.

                        A. Decisão da matéria de facto

                       3- Os seguintes factos, essenciais para dirimir a questão em apreço, deveriam ter sido dados como provados:

                        (i) Tal como a Recorrente, o Recorrido é uma sociedade de direito português com sede em Lisboa.

                        (ii) Os contratos de swap foram celebrados em Portugal.

                        (iii) O lugar previsto para o cumprimento da integralidade das obrigações deles decorrentes é também em Portugal.

                        (iv) Todas as obrigações decorrentes do contrato foram efectivamente cumpridas em Portugal.

              (v) A distância e os custos decorrentes de litigar no estrangeiro, a língua a adoptar no processo, bem como a circunstância de a Recorrente não ter qualquer experiência em litígios do mesmo género e perante jurisdições estrangeiras, são obstáculos a uma defesa eficaz dos seus interesses.

                        (vi) O litígio está sujeito à aplicação de todas as normas de direito português de carácter imperativo.

B. Carácter puramente interno da relação jurídica em crise

      4- A aplicação do Regulamento de Bruxelas pressupõe a existência de uma relação jurídica transnacional, ou seja de um elemento de estraneidade que ligue a relação jurídica a mais do que uma jurisdição, tal como reconhecido na sentença recorrida.

      5- No caso vertente, não há nenhum elemento do tipo dos elencados na jurisprudência do TJUE - cf. Acórdãos Maletic, Owusu e Linder - susceptível de conferir carácter transnacional à relação jurídica em crise, visto que ambas as partes são pessoas colectivas de direito português, os contratos em crise foram celebrados em Portugal e o lugar do cumprimento da integral idade das obrigações deles decorrentes é também em Portugal.

    6- Contrariamente ao que pretende a Sentença, a internacionalidade do litígio não pode fundar-se: (i) na possibilidade, nunca concretizada, de o Recorrido poder fazer e receber pagamentos através das suas filiais em Londres e no Luxemburgo; (ii) no facto de os contratos de financiamento celebrados pela Recorrente com terceiros possuírem elementos de conexão com outras ordens jurídicas; (iii) no facto de o capital social do Recorrido ser detido por uma pessoa colectiva estrangeira; ou (iv) na suposta actuação do Recorrido como mero intermediário; nem noutros fundamentos referidos pelo Recorrido como (i) o uso da língua inglesa; (ii) a aplicação da lei inglesa; (iii) o facto de estarmos perante um produto importado que se insere num mercado internacional ou (iv) o uso da taxa Euribor como taxa de referência.

   7- O facto de, ao abrigo do contrato ISDA, o Recorrido poder receber e fazer pagamentos através das filiais em Londres e no Luxemburgo, não configura elemento de estraneidade relevante.

  8- Tal implicaria que através de mera referência contratual, e independentemente da sua verificação factual, se poderia afastar a competência dos tribunais portugueses para dirimir uma situação puramente interna.

9- Não se compreende como pode ser dada relevância a uma possibilidade prevista como meramente hipotética num contrato-quadro que servirá em teoria para regular uma infinidade de transacções por um período de tempo indefinido e não ao que concretamente foi estipulado para as transacções swap ora em discussão.

 10- As próprias Confirmations (contratos que documentam as transacções ora em crise e que prevalecem sobre o ISDA e o Schedule) não prevêem a possibilidade de o Recorrido actuar através das suas filiais em Londres ou no Luxemburgo, estabelecendo antes que o Recorrido actuaria sempre através da sua sede, sita na Rua …, nº …, … Lisboa.

 11- Assim, nas transacções ora em discussão, a utilização das filiais em Londres e no Luxemburgo pelo Recorrido não só não aconteceu (como já vimos o local de cumprimento das obrigações foi Portugal) como nem sequer era uma possibilidade concreta prevista pelas partes nas Confirmations.

12- Não há qualquer ligação entre os contratos de mútuo celebrados pela Recorrente e os swaps em crise, já que os segundos não contêm qualquer referência aos primeiros, sendo a respectiva existência totalmente autónoma.

13- Ademais, como salienta o Recorrido na sua contestação, a abstracção relativamente à realidade subjacente é característica dos derivados em geral: de facto, e como de resto aconteceu no caso do swap de 2006, o contrato de mútuo, mesmo que sirva de referência a um contrato swap, pode ser resolvido antecipadamente sem que isso implique a resolução automática do contrato swap.

14- Os swaps em crise não têm qualquer relação material com os supostos financiamentos subjacentes, conforme alegado na petição inicial.

15. O facto de o Recorrido pertencer a um grupo internacional não é relevante para este efeito.

16- Não basta a existência de um accionista domiciliado além-fronteiras para que estejamos perante uma situação transnacional; tal corresponde, desde logo, à desconsideração da autonomia jurídica da entidade contratante.

17. O Recorrido não actuou como mero intermediário nos contratos swap.

18- A Recorrente nunca teve conhecimento, nem aquando da celebração dos contratos, nem ao longo da respectiva execução, de que o Recorrido tenha celebrado contratos simétricos com terceiros ou quem seriam esses terceiros, sendo que, em todo o caso, tais contratos não têm qualquer relação jurídica com os contratos aqui em disputa.

19- Seria absurdo que a redacção de um contrato numa língua estrangeira ou a mera escolha de uma lei estrangeira - que só será efectiva na medida em que não contrarie as disposições imperativas da lei portuguesa, nos termos do artigo 3.°, nº 3, da Convenção de Roma ­fosse critério bastante de transnacionalidade para este efeito.

20- O mesmo se diga relativamente à alegação de que estamos perante um produto importado que se insere num mercado internacional.

21- Trata-se de um contrato de balcão ("over the counter") e não de um contrato transaccionado em mercado organizado, pelo que não se vislumbra o conteúdo material destes dois conceitos.

22- O facto de os contratos swap usarem como referência a taxa Euribor não pode obviamente ser critério para os definir como contratos internacionais. Usando tal argumentação, cairíamos no absurdo de sustentar que todos os contratos que tomam como referência esta taxa, incluindo, por exemplo, os contratos de crédito à habitação celebrados entre bancos e cidadãos nacionais, domiciliados em Portugal, seriam ipso facto contratos internacionais.

23- A teleologia subjacente à exigência de um elemento efectivo de estraneidade como pressuposto de aplicação do Regulamento de Bruxelas prende-se com a necessidade de garantir que cada Estado-Membro mantenha jurisdição efectiva sobre disputas puramente internas, desiderato que manifestamente se frustraria caso fossem considerados relevantes elementos de conexão ténues e, ou, artificiais.

24- Caso assim não fosse - ou através de construções de maximalismo extremo do conceito de elemento de estraneidade - permitir-se-ia a atribuição de competência à jurisdição de um Estado membro para dirimir litígios que dizem exclusivamente respeito a um outro Estado membro.

 25- Ora, de tal interpretação decorreria que a jurisdição nacional passaria a ser meramente facultativa o que não foi, nem poderia ter sido, a intenção do legislador europeu. Desde logo, semelhante interpretação violaria frontalmente os princípios da proporcional idade e da subsidiariedade que enquadram o processo legislativo europeu.

26- O que releva neste âmbito é a nacionalidade, o domicílio das partes bem como o local efectivo do cumprimento contratual, conforme jurisprudência do TJUE acima referida.

27- Não se conhece nenhuma decisão de qualquer destes tribunais que tenha fundamentado a internacionalidade do litígio em qualquer outro elemento.

28- Estamos, pois, perante uma situação jurídica portuguesa puramente interna, que não apresenta nenhuma conexão com o território de qualquer outro Estado, pelo que não se encontra preenchido o pressuposto espacial ou pessoal de aplicação do Regulamento de Bruxelas.

B. Inadmissibilidade do pacto de jurisdição à luz do artigo 94º do CPC

29- Sendo inaplicável o Regulamento de Bruxelas, a designação convencional da jurisdição competente para conhecer dos litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica tem de se conformar com o disposto no artigo 94º do CPC, que pressupõe, entre outros requisitos, cumulativamente que: (i) a relação controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica; (ii) [a designação seja) justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que não envolva inconveniente grave para a outra.

30- Conforme exposto, a situação é puramente interna sendo, que cumulativamente, a escolha da jurisdição inglesa não é justificada por um interesse sério das partes e envolve inconveniente grave para a Recorrente.

31- Efectivamente, a distância, os custos decorrentes de litigar no estrangeiro, a língua a adoptar no processo, bem como a circunstância de a Recorrente não ter qualquer experiência em litígios do mesmo género e perante jurisdições estrangeiras, constituirão obstáculos insuperáveis a uma defesa eficaz dos seus interesses.

32- Entre custas judiciais, honorários de advogados, honorários de peritos e outros custos, incluindo traduções, a Recorrente precisaria de, no mínimo, despender dois milhões de euros para conduzir um litígio deste tipo perante os tribunais ingleses.

33- O facto de todo o direito imperativo português ser aplicável, por força do artigo 3°, nº 3, da Convenção de Roma, à discussão material do litígio constitui, evidentemente, um obstáculo de monta, i.e., um grave inconveniente, à respectiva dirimição por um tribunal de uma jurisdição estrangeira.

C. Inadmissibilidade do pacto de jurisdição à luz da LCCG:

        34- Ainda que se qualificasse a relação jurídica em crise como internacional para efeitos do Regulamento de Bruxelas, exercício que se faz sem conceder, o pacto de jurisdição sempre seria inválido à luz da LCCG, designadamente do respectivo artigo 19°, alínea g).

      35- O contrato ISDA é um contrato padronizado, estando inclusivamente, as partes impossibilitadas de o alterar ao abrigo da protecção jurídica dada aos direitos de autor e direitos conexos existindo, portanto, um "pacto privativo de jurisdição assente numa cláusula elaborada de antemão, que as partes se limitaram a aceitar, cujo conteúdo não foi previamente elaborado e que o destinatário não pode influenciar, remetendo-nos, assim, para a apreciação do regime das cláusulas contratuais gerais e para a necessidade de ponderar a protecção do aderente a este tipo de negociação pré-formulada, sejam as cláusulas gerais elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros (artigo 1º nºs 1 e 2, e artigo 2º do Decreto-Lei n. o 446/85) ", conforme considerou o Tribunal da Relação de Lisboa, a propósito de documentação ISDA igual à dos presentes autos.

 36- Estamos, claramente, perante um contrato padronizado, pré-elaborado por uma entidade estranha à relação contratual, sendo que, atentas as circunstâncias do caso concreto, elencadas supra, existem graves inconvenientes na escolha da jurisdição inglesa para a Recorrente sem que exista um interesse sério do Recorrido.

    37- A Recorrente, enquanto investidor não qualificado, é equiparada a consumidor para efeitos de aplicação da LCCG, nos termos do artigo 321°, nº 3, do Código dos Valores Mobiliários.

                                     

         O recorrido contra-alegou, defendendo ser o pacto de jurisdição, em si mesmo, um elemento de estraneidade para efeitos de aplicação do Regulamento (CE) nº 44/2001 de 16/1 e, ainda que assim não se entendesse, sempre estariam verificados elementos suficientes de conexão com mais de uma ordem jurídica, fundamentadora dessa aplicação, pronunciando-se, assim, pela confirmação da sentença recorrida.

                       

                        Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

                        II- Fundamentação:

       2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas a questão que ali foi enunciada (art. 639º nºs 1 e 2 do Novo C.P.Civil)

                        Nesta conformidade, será a seguinte o tema a apreciar e decidir:

                        - Se as partes estabeleceram validamente, nos contratos de swap que celebraram, um pacto privativo de jurisdição (a favor dos tribunais ingleses), em razão do qual resulta a incompetência internacional dos tribunais portugueses.

                       

                        2-2- Com vista à decisão, foi considerada assente na 1ª instância a seguinte matéria de facto:

                        - A A é uma empresa regional da Madeira.

  - No âmbito do desenvolvimento da sua actividade e prossecução do seu objecto social a A. e outras, na qualidade de mutuárias, celebraram em 13/12/2002 (alterado em 17/01/2003), com CC B.V. (sociedade com sede na Holanda), na qualidade de mutuante, um contrato de financiamento no montante de € 190.000.000,00, com vencimento em 2022.

  - Este contrato de financiamento está integralmente redigido em inglês e o lugar de pagamento era Londres.

  - No âmbito do desenvolvimento da sua actividade e prossecução do seu objecto social a A e outras, na qualidade de mutuárias, celebraram em 30/10/2007, com Banco DD, S.A. e Banco EE, S.p.A, (com sede em Itália) na qualidade de mutuantes, um contrato de financiamento no montante de € 125.000.000,00, com vencimento em 2022.

  - Este contrato está totalmente redigido em inglês, a lei aplicável é a portuguesa e os Tribunais Portugueses são os competentes.

  - Em ambos os contratos a taxa de juro estabelecida encontrava-se indexada à taxa de juro euribor a 6 meses.

                        - Para cobrir o risco inerente à flutuação da taxa de juro, no que diz respeito ao contrato de financiamento com CC, B.V., foi celebrado o contrato de SWAP de taxa de juros - ref. nº 137, com data de 11/05/2006, no montante nocional inicial de € 42.636.000,00, com data de maturidade de 13/13/2022 (Confírmation ref. …).

- Este contrato foi reestruturado em 14/12/09 (Confírmation ref. …).

                        - Para cobrir o risco inerente à flutuação da taxa de juro, no que diz respeito ao contrato de financiamento com o Banco DD e Banco EE, foi celebrado o contrato de SWAP de taxa de juros - ref. nº 118, com data de 09/06/2008, no montante nocional inicial de € 7.000.000,00, com data de maturidade de 08/11/2032 (Confírmation ref. …).

- Este contrato foi reestruturado em 04/05/11 (Confirmation ref. …).

                        - Os Swaps foram assinados na sequência de contacto e convite da FF ao BB, entre outros bancos.

- Estes dois contratos de SWAP foram suportados por um contrato-quadro, de acordo com o modelo do ISOA, denominado "/SOA Master Agreement", assinados em 13/06/2006, o qual estabelece as condições gerais entre as partes que pretendam celebrar contratos relativos a produtivos financeiros derivados.

   - A Cláusula 13ª do /SOA Master Agreement - entre SOPS, S.A e BB, sob a epígrafe "Lei aplicável e Foro", dispõe:

      (a) Lei aplicável. O presente Contrato será regulado e interpretado de acordo com as leis especificadas em Anexo.

   (b) Foro. Em relação a qualquer processo, acção ou procedimento relativo a este Contrato ("Processos"), cada parte de modo irrevogável:

  (i) submete-se ao foro dos tribunais ingleses, caso se especifique que este Contrato seja regulado pela lei inglesa, ou ao foro não-exclusivo dos tribunais do Estado de Nova Iorque e do Tribunal Federal dos Estados Unidos da América CUnited States District Courf) localizado na Área de Manhantan da Cidade de Nova Iorque, caso se especifique que este Contrato seja regulado pela lei do estado de Nova Iorque; e

   (ii) renuncia a qualquer objecção que possa vir a ter, a qualquer momento, à escolha dos mencionados tribunais como foro para quaisquer Processos, renuncia a qualquer queixa com fundamento de que tais Processos tenham sido intentados num foro incompetente e ainda renuncia ao direito de contestar, em relação a tais Processos, que o mencionado tribunal não tenha jurisdição sobre tal parte.

( ... ).

   - Nesta mesma data de 13/06/2006 foFF definidos os termos contratuais que complementam o "Master Agreement" no "Schedule" sendo que este contém cláusulas individualmente negociadas.

     - No Anexo deste Contrato-Quadro dispõe na Parte 14: ( ... )

    h) Legislação Aplicável. O presente Contrato será redigido e interpretado em conformidade com o direito inglês. ( ... ).

     - A Confirmation estabelece as condições especiais de cada contrato de Swap da taxa de juro.

                        - Nestas Confirmations consta a sujeição à aplicação da lei inglesa e a jurisdição dos tribunais ingleses.

  - Estas estão redigidas em língua inglesa. -----------------

      2-3- Como se vê, o que divide a recorrente e o Banco recorrido é o saber-se que tribunais terão competência para apreciação do litígio decorrente dos contratos de swap celebrados pelas partes, se os tribunais portugueses, onde a acção foi interposta, se os tribunais ingleses, como defende o R.. A 1ª instância decidiu atribuir a competência a estes tribunais, em face do pacto atributivo de jurisdição celebrado pelas partes, competência que a recorrente não aceita. Daí o presente recurso per saltum para este STJ.

                       Para o que aqui interessa foi dado como provado que, para cobrir o risco inerente à flutuação da taxa de juro no que diz respeito ao contrato de financiamento com CC B.V. acima aludido, foi celebrado o contrato de swap de taxa de juros, contrato que foi reestruturado em 14/12/09, e para cobrir o risco inerente à flutuação da taxa de juro no que respeita ao contrato de financiamento com o Banco DD e Banco EE acima referenciado, foi celebrado um (outro) contrato de swap de taxa de juros, contrato que foi reestruturado em 04/05/11. Estes dois contratos de swap foram suportados por um contrato-quadro, de acordo com o modelo do ISOA, denominado "ISOA Master Agreement", assinados em 13/06/2006, o qual estabelece as condições gerais entre partes quanto a produtivos financeiros derivados, sendo que na cláusula 13ª do ISOA Master Agreement - entre SOPS, S.A e BB, sob a epígrafe "Lei aplicável e Foro", se dispõe que “(a)Lei aplicável. O presente Contrato será regulado e interpretado de acordo com as leis especificadas em Anexo. (b) Foro. Em relação a qualquer processo, acção ou procedimento relativo a este Contrato ("Processos"), cada parte de modo irrevogável: (i) submete-se ao foro dos tribunais ingleses, caso se especifique que este Contrato seja regulado pela lei inglesa…”. No Anexo deste Contrato-Quadro dispõe na Parte 14: ( ... ) que “h) Legislação Aplicável. O presente Contrato será redigido e interpretado em conformidade com o direito inglês. ( ... ). Na Confirmation estabelece-se as condições especiais de cada contrato de swap da taxa de juro e nelas consta a sujeição à aplicação da lei inglesa e a jurisdição dos tribunais ingleses.

  Na decisão recorrida entendeu-se dever aplicar-se à situação o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000 relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (conhecido por Regulamento Bruxelas I). Isto porque, sob o âmbito temporal, o diploma se deve aplicar a acções judiciais instauradas posteriormente à sua entrada em vigor (01/03/02), sendo directamente aplicável em todos os Estados Membros em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia[1]. Além disso, como a presente acção foi instaurada num Estado-Membro da União Europeia e ambas as partes têm domicílio num Estado-Membro e porque os contratos em questão se inscrevem na matéria civil e comercial a que alude o art. 1 º nº 1 do Regulamento, este tem todas as condições de ser aplicado, devendo ser à luz do seu art. 23º que se deve aferir da admissibilidade e validade do pacto de jurisdição convencionado pelas partes. Considerou-se, então, resultar do disposto neste preceito serem dois os pressupostos cumulativos do pacto de jurisdição o de, pelo menos, uma das partes, se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro (sendo que ambas estão domiciliadas num Estado-Membro) e que o pacto atribua competência a um tribunal ou aos tribunais de um Estado-Membro (sendo que as partes atribuíram competência aos tribunais ingleses). Acrescentou-se que se discute ainda a existência de um terceiro pressuposto cumulativo, a internacionalização da situação jurídica, afirmando-se que “não obstante não haver uma alusão expressa a tal no art. 23º do Regulamento afigura-se-nos que, da ratio do mesmo se retira a necessidade de nos encontrarmos perante uma "situação jurídica internacional", tendo-se considerado dever admitir-se o conceito amplo do pressuposto da internacionalidade[2], existindo no caso evidentes elementos desta estraneidade. Concluiu-se, assim, pela validade dos pactos atributivos de jurisdição em causa o que conduz “à infracção das regras de competência decorrentes do estipulado na convenção que estabelece um pacto atributivo de jurisdição determina a incompetência relativa deste Tribunal, que é uma excepção dilatória e que tem como consequência a absolvição da R. da instância (art. 1 ü2º, 278º nº 1 e) 576º nº 2, 577º a) do C.P.C.)”, pelo que se julgou procedente a presente excepção dilatória de incompetência dos tribunais portugueses por violação de pacto atributivo de jurisdição.

                        Contrariando esta tese afirma a recorrente, AAS.A., que ambas as partes são sociedades de direito português com sede em Lisboa, sendo que os contratos de swap foram celebrados em Portugal e o lugar previsto para o cumprimento da integralidade das obrigações deles decorrentes é também em Portugal, pelo que o litígio está sujeito à aplicação de normas de direito português de carácter imperativo. A aplicação do Regulamento de Bruxelas pressupõe a existência de uma relação jurídica transnacional, ou seja de um elemento de estraneidade que ligue a relação jurídica a mais do que uma jurisdição, tal como reconhecido na sentença recorrida. Ora, no caso vertente, não há nenhum elemento do tipo dos elencados na jurisprudência do TJUE susceptível de conferir carácter transnacional à relação jurídica em crise. Contrariamente ao que pretende a sentença, a internacionalidade do litígio não pode fundar-se na possibilidade, nunca concretizada, de o recorrido poder fazer e receber pagamentos através das suas filiais em Londres e no Luxemburgo, no facto de os contratos de financiamento celebrados pela recorrente com terceiros possuírem elementos de conexão com outras ordens jurídicas, no facto de o capital social do recorrido ser detido por uma pessoa colectiva estrangeira, ou na suposta actuação do recorrido como mero intermediário, nem noutros fundamentos referidos pelo recorrido como o uso da língua inglesa, a aplicação da lei inglesa, o facto de estarmos perante um produto importado que se insere num mercado internacional ou o uso da taxa euribor como taxa de referência. Estamos, pois, perante uma situação jurídica portuguesa puramente interna, que não apresenta nenhuma conexão com o território de qualquer outro Estado, pelo que não se encontra preenchido o pressuposto espacial ou pessoal de aplicação do Regulamento de Bruxelas.  

                        Vejamos:

 Discute-se, como já se disse, a competência internacional dos tribunais portugueses para apreciar o presente pleito, decorrente da realização, pelas partes, dos dois contratos de swaps acima referenciados, em razão de terem convencionado, no anexo do contrato-quadro, a competência jurisdicional dos tribunais ingleses para apreciar e decidir todos os litígios relacionados com esses contratos.

   A competência é a medida de jurisdição de um tribunal. Sempre que uma causa esteja, através dos seus elementos, em contacto com mais de uma ordem jurídica, origina-se um problema de competência internacional, isto é, de determinação de competência dos tribunais de um país, no seu conjunto, face aos tribunais estrangeiros.

No que toca à competência internacional dos tribunais portugueses estabelece o art. 59º do C.P.Civil que “sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º”.

  Os tribunais portugueses podem, assim, receber competência internacional por efeito de aplicação de normas de regulamentos europeus, de normas de outros instrumentos internacionais ou de normas de direito interno português, sucedendo que aquelas, no seu campo específico de aplicação, prevalecem sobre as normas processuais portuguesas.

 O foro português pode ser eleito, por convenção das partes, internacionalmente competente (competência convencional). O pacto mediante o qual se concede a competência a um ou vários tribunais portugueses denomina-se pacto atributivo de jurisdição.

  Por sua vez, o pacto privativo é aquele que retira a competência dos tribunais portugueses e a atribui a um ou a vários tribunais estrangeiros. “ (…) É perspectiva do Estado português que o pacto se qualifica como privativo quando se retira a jurisdição aos tribunais portugueses ou atributivo quando atribui jurisdição aos tribunais portugueses” (Paula Costa e Silva, a longa vacatio legis da Convenção de Bruxelas; Anotação aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Julho de 1997 e de 5 de Novembro de 1998).

  No caso, as partes ao elegerem os tribunais ingleses, para a composição dos litígios relativos às relações jurídicas decorrentes dos ditos contratos, estabeleceram um pacto atributivo de jurisdição a favor desses tribunais. Esta prorrogativa decorre, directamente, do art. 94º nº 1 do C.P.Civil que afirma que as partes podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou os litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica, contanto que a relação controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica. Ou seja, o pacto atributivo (ou privativo) de competência pressupõe uma situação transnacional, traduzindo-se no direito das partes convencionarem a determinação lei competente para dirimir os identificados conflitos de direito privado.

                       Quer dizer e, em síntese, os tribunais portugueses serão competentes, sob o ponto de vista internacional, quando se verifique qualquer dos elementos de ligação a que aludem os arts. 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham concedido a competência de harmonia com o disposto no art. 94º. Mas isto tudo, sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus ou em outros instrumentos internacionais. Em caso da situação ser prevista em regulamentos europeus ou em outros meios internacionais, aquelas regras de direito interno não terão aplicação, devendo ceder face a esses instrumentos. Ou seja, em matéria de competência civil, primeiramente haverá a atender ao previsto nos regulamentos comunitários e tratados, convenções internacionais. Só depois devem vigorar as leis internas. É a afirmação do primado do direito comunitário e da sua clara prevalência sobre o direito português[3].

   Para o que aqui interessa, haverá que analisar o Regulamento (CE) nº 44/2001 de 16 de Janeiro[4], relativo à competência judiciária (e ao reconhecimento e execução) em matéria civil e comercial, diploma invocado pelo recorrido e que foi objecto de análise e discussão na sentença recorrida, disposições deste Regulamento que, face ai dito, devem prevalecer sobre as normas de direito interno.

   Segundo cremos, a própria recorrente aceita este entendimento[5], pelo que nos abtsemos de desenvolver mais o tema.

                        Estabelece o art. 1º do Regulamento, no que respeita ao seu âmbito de aplicação, que ele se aplica “em matéria civil e comercial e independentemente da natureza da jurisdição”.

                        Tratando o presente pleito de matéria claramente civil, o Regulamento poderá ser aplicado[6].

                        Estipula o art. 23º do Regulamento:

1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Esse pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou

b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou

c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado …”.

    Significa isto que, face a este dispositivo, e não se colocando qualquer vício ou imperfeição formal em relação ao pacto atributivo de jurisdição, para que um tribunal (ou os tribunais) de um Estado-Membro da Comunidade Europeia tenha competência para decidir quaisquer litígios surgidos ou a surgir entre as partes de “uma determinada relação jurídica” será necessário que, pelo menos, uma das partes se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro e que o pacto atribua competência a um tribunal ou aos tribunais de um Estado-Membro.

       No caso vertente claramente que estas duas condições se verificam dado que ambas as partes estão domiciliadas num Estado-Membro da U.E. e o pacto de jurisdição atribuiu a competência aos tribunais de um Estado-Membro (tribunais ingleses).

  A própria recorrente parece aceitar estes pressupostos. Porém, afirma e defende que para além dos aludidos requisitos será também necessário, para aplicação do Regulamento de Bruxelas, a existência de uma relação jurídica transnacional, ou seja, de um elemento de estraneidade que ligue a relação jurídica a mais do que uma jurisdição, o que não sucede no caso vertente. No seu prisma, não existe nenhum elemento, do tipo dos elencados na jurisprudência do TJUE, susceptível de conferir carácter transnacional à relação jurídica em crise.

                        Face à forma como se encontra redigida a disposição em análise, numa primeira aproximação à questão, poderíamos ser levados a afastar, perante o Regulamento, a necessidade do elemento de estraneidade de que fala a recorrente. Porém, pese embora não haja uma alusão expressa a tal no dito art. 23º, afigura-se-nos que da ratio do diploma se deve retirar a necessidade de, para sua aplicação, ocorrer ou surgir uma situação jurídica internacional. Neste sentido vai a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) que considera a necessidade da internacionalização da situação jurídica controvertida para aplicação do dito art. 23º, pelo que analisaremos, em concreto, este cumulativo pressuposto.

            Desde logo, será de sublinhar que, para o efeito da qualificação do litígio em causa como tendo carácter meramente interno ou internacional, é manifestamente inócuo ou irrelevante o elenco factual carreado pela recorrente nas suas alegações recursivas, na medida em que, ou correspondem a uma versão parcial (a sede em Lisboa do banco recorrido) ou não foram sequer inicialmente alegadas (o cumprimento efectivo das obrigações em Portugal), mantendo-se, ademais, controvertida a matéria atinente ao alegado lugar (em Portugal) previsto para cumprimento das obrigações, bem aos alegados inconvenientes para a A. decorrentes de litigar no estrangeiro[7].

 Face às circunstâncias factuais assentes no despacho saneador-sentença da 1ª instância e acima referenciadas, não poderemos deixar de confirmar a ocorrência de uma relação jurídica com carácter internacional, na senda do decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, nos acórdãos Owusu (processo C- 281/02), de 01-03-2005[8], Lindner (processo C- 327/10), de 17-11-2011[9], e Maletic (processo C-478/12), de 14-11-2013[10], visto que os contratos swap se apresentam como contratos internacionais, em conexão com mais de uma ordem jurídica (têm subjacentes contratos de financiamento celebrados com bancos holandês e italiano, redigidos em língua inglesa, encontrando-se um deles sujeito à lei inglesa e aos tribunais ingleses), sujeitos a um quadro negocial padronizado, com actuação do R., no respectivo âmbito, como uma Multibranch Party, um verdadeiro banco internacional, podendo fazer e receber pagamentos através das suas filiais em Londres e no Luxemburgo. Isto mesmo se afirma na sentença recorrida.

Quer isto dizer que, no caso, tendo as partes domicílio num Estado-Membro, tendo convencionado que o tribunal de um outro Estado-Membro tem competência para decidir o litígio, ocorrendo os aludidos elementos de estraneidade e tendo o pacto respeitado a forma exigida[11], (celebrado por escrito), é o mesmo válido, à luz do disposto no art. 23º, nº 1, al. a), do Regulamento.

  Por outro lado, haverá a sublinhar que, como tem sido orientação sedimentada do TJUE, a escolha do tribunal designado numa cláusula atributiva de jurisdição, só pode ser apreciada à luz de considerações ligadas às exigências estabelecidas pelo anterior art. 17º da Convenção, agora art. 23.º do Regulamento, razão pela qual este normativo se aramrai de qualquer elemento objectivo de conexão entre a relação controvertida e o tribunal designado[12] [13] [14] [15]. Assim, primeiro, os requisitos de validade e de convenção de competência só podem ser aqueles que constam do art. 23º do Regulamento, pelo que o direito dos Estados-Membros não pode acrescentar outros requisitos de validade a essa convenção; segundo, para que a escolha do tribunal seja válida não é necessário que exista uma qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, consequentemente, hipotéticos inconvenientes para uma das partes (no caso, para a A.), decorrentes da localização do foro convencionado.

Este Supremo Tribunal foi chamado a pronunciar-se, recentemente, sobre a presente temática em caso análogo, tendo decidido no sentido de que “perante uma situação jurídica plurilocalizada e transnacional, tem de se atender às regras da competência internacional e, particularmente, quando envolva Portugal e algum dos Estados-Membros da União Europeia, ao direito da competência internacional da União Europeia, constante do Regulamento (CE) n.º 44/2001, e desde 10/01/2015, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012) – cf. art. 8.º, n.º 4, da CRP” (acórdão de 11-2-2015, acessível em www.dgsi.pt/jstj.nsf) e, consequentemente, declarou a validade do pacto de jurisdição que atribuiu a competência aos tribunais ingleses, considerando a incompetência internacional dos tribunais portugueses.

  Em consonância com o exposto, prevalecendo o art. 23º do Regulamento, fica prejudicada a apreciação da validade do pacto de jurisdição em apreço à luz de normas de direito interno português (o art. 94º do C.P.C. e/ou o art. 19º, al. g), da LCCG).

   Por isso, a posição da recorrente é insubsistente, não existindo qualquer razão para dissentir da orientação assumida pela 1ª instância, pelo que o recurso improcede.

                       

                        III- Decisão:

                        Por tudo o exposto, nega-se a revista.

                        Custas pela recorrente.

Elabora-se o seguinte sumário (arts. 679º e 663º nº 7 do Novo C.P.Civil):

                       

Lisboa, 26 de janeiro 2016

Garcia Calejo (relator)

Helder Roque

Gregório Silva Jesus

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[1] Considerou-se na decisão recorrida não ser aplicável ao caso a nova versão constante do Regulamento (UE) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2012 (Regulamento Bruxelas I Revisto) uma vez que, nos termos do art. 81 º, apenas entrou em vigor em 10/01/2015.
[2] Para tal se defender analisou-se a enunciada jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.
[3] Sublinhando esta primazia estabelece o art. 8º nº 2 da Constituição da República Portuguesa que “as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.
[4] Este Regulamento foi substituído, a partir do dia 10/01/2015, pelo Regulamento (UE) nº 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2012 (art. 81.º), que reformula, no espaço da União Europeia, as regras relativas à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, constantes do Regulamento n.º 44/2001, que, no entanto, não é aplicável ao caso (art. 66.º do mesmo regulamento).
[5] O que entende a recorrente é que no caso não se deve aplicar o Regulamento, mais particularmente o disposto no art. 23º, por não se preencherem os correspondentes e necessários requisitos concretos.
[6] Não se coloca qualquer questão relativa ao âmbito temporal de aplicação do diploma.
[7] Elementos, porém, irrelevantes para a decisão.
[8] Este proferido quanto à aplicabilidade do artigo 2.º da Convenção de Bruxelas «É verdade que a própria aplicação das regras de competência da Convenção de Bruxelas (…) exige a existência de um elemento de estraneidade. Todavia, para efeitos da aplicação do artigo 2.º (…), o carácter internacional da relação jurídica em causa não tem de necessariamente decorrer da implicação de diversos Estados contratantes, devido ao mérito da questão ou ao domicílio respectivo das partes no litígio. A implicação de um Estado contratante e de um Estado terceiro, em virtude, por exemplo, do domicílio do demandante e de um demandado no primeiro Estado e da localização dos factos controvertidos no segundo, também é susceptível de conferir natureza internacional à relação jurídica em causa. Com efeito, esta situação é susceptível de suscitar no Estado contratante, como acontece no processo principal, questões relativas à determinação da competência dos órgãos jurisdicionais na ordem jurídica internacional, que constitui precisamente uma das finalidades da Convenção de Bruxelas, como resulta do terceiro considerando do seu preâmbulo.».
[9] «(…) o Regulamento n.º 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que a aplicação das regras de competência por este estabelecidas pressupõe que a situação em causa no litígio submetido a um órgão jurisdicional de um Estado-Membro seja susceptível de levantar questões relativas à determinação da competência internacional desse órgão jurisdicional. Essa situação verifica-se num caso como o do processo principal, no qual um órgão jurisdicional de um Estado-Membro é chamado a conhecer de uma acção intentada contra um nacional de um outro Estado-Membro cujo domicílio é desconhecido por esse órgão jurisdicional».
[10] «(…) a aplicação das regras de competência desta Convenção (a de Bruxelas) exige a existência de um elemento de estraneidade e que o carácter internacional da relação jurídica em causa não tem necessariamente de decorrer, para efeitos de aplicação do artigo 2.º da Convenção de Bruxelas (actual artigo 2.º do Regulamento n.º 44/2001), da implicação de diversos Estados contratantes, devido ao mérito da questão ou ao domicílio respectivo das partes no litígio (…)».
[11] Questão formal que, aliás, se não coloca.
[12] A título de exemplo e onde se citam outros acórdãos, veja-se o Ac. Castelletti/Trumpy (proc. C-159/97), de 16-03-1999.
[13] O que é ligeiramente diferente do que se lê no Considerando (8) do Regulamento n.º 44/2001, nos termos do qual «Os litígios abrangidos pelo presente regulamento devem ter conexão com o território dos Estados-Membros que este vincula. Devem, portanto, aplicar-se, em princípio, as regras comuns em matéria de competência sempre que o requerido esteja domiciliado num desses Estados-Membros.»
[14] Esta orientação vem reafirmada em vária doutrina, nomeadamente, Kropholler/von Hein, Europäisches Zivilprozessrecht, 9.º Edição (2011), art. 23 EuGVO 17, e em Portugal, Sofia Henriques, ob. cit., p. 81/82.
[15] Vide ainda a este propósito o acórdão da Relação do Porto de 1-10-2015, e a jurisprudência do TJUE que indica (in www.dgsi.pt/jtrp.nsf).