Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
627/20.4T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
RECURSO DE APELAÇÃO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
PROVA TESTEMUNHAL
ALEGAÇÕES DE RECURSO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
O pedido, efectuado nas alegações de apelação, de requisição para junção aos autos de documentos de suporte de operações bancárias constantes de extractos bancários há muito juntos aos autos, não cumpre o requisito de superveniência dos mesmos constante do art.º 651.º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:
Recorrente: AA, autora

Recorrido: BB, réu



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I – Relatório

I.1 – relatório

AA intentou recurso de revista do acórdão proferido em12 de Outubro de 2023 pelo Tribunal da Relação do Porto, que julgou totalmente improcedente o recurso, e confirmou a decisão recorrida.

A recorrente apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:

1. Segundo cremos, a questão da admissibilidade da junção de prova em sede de recurso de Apelação, trata-se, de uma questão de indiscutível relevância jurídica, cujo esclarecimento se torna necessário para melhor aplicação do Direito, justificando-se por isso a pronúncia deste Colendo Tribunal.

2. Entende a Recorrente que o Douto Acórdão recorrido não efectuou a melhor e devida aplicação do Direito aos factos dados como assentes, à prova existente nos autos e ao requerido pela Recorrente, assim como não o fez a Douta Sentença proferida em primeira instância.

3. A recorrente não se conformado com a Douta Decisão proferida, de provimento parcial do pedido, apresentou recurso de Apelação, devido a erro de julgamento quanto à matéria de facto, do seu elenco e das conclusões daí retiradas.

4. A Relação, porém, pelo Douto Acórdão em recurso, mantido a decisão da primeira instância, com indeferimento dos pedidos formulados.

5. É desse douto aresto que vem interposto o presente Recurso de Revista Excecional, por a Recorrente considerar que o respetivo Acórdão se encontra em contradição com outros, proferidos no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de Direito, que decidiram de forma divergente questões apreciadas e decididas no presente, para além de estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor apreciação do Direito.

6. Na apreciação do recurso interposto da decisão em primeira instância, vem dito que “Assim, atentas as conclusões da recorrente, mostram-se colocadas à apreciação deste tribunal as seguintes questões, enunciadas por ordem de precedência lógico-jurídica:

A. A realização de diligências instrutórias nesta fase processual de recurso – concretamente, a notificação do Banco de Portugal para a prestação de informações diversas;

B. A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;

C. Procedendo a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, reanálise do enquadramento jurídico do litígio.”

7. O Tribunal a quo, no que à alínea A) supra concerne, diz que: “Consequentemente, não é admissível a junção de qualquer documento nesta fase, nem, muito menos, deve admitir-se a notificação qualquer entidade para prestar seja que informação for.”

8. A necessidade da junção da informação requerida radica no facto do Tribunal de 1ª Instância, por um lado não ter considerado suficiente o elenco de elementos probatórios à disposição, sendo que, atento o teor da decisão ali vertida, tal não pode deixar, em nossa modesta opinião, de se considerar uma surpresa, não obstante o tema a decidir fosse conhecido desde o início dos autos.

9. Da leitura conjugada dos artigos 651º, n.º 1 e 423º do C. P. Civil resulta que a junção de documentos na fase de recurso, pode ser admitida a título excecional, dependendo da alegação e prova em situações de impossibilidade de apresentação do documento até ao encerramento da discussão em 1ª instância, e por se ter tornada necessária a junção em virtude do julgamento realizado na 1ª instância, em face da decisão surpresa proferida.

10. No caso em apreço, a Recorrente requer a junção de documentos que sabe existir, pois são extratos bancários, mas que não se encontram, nem nunca se encontraram na sua posse.

11. Estes elementos tornam-se essenciais na avaliação do caso exposto, pois demonstrarão, sem dúvidas, os movimentos bancários realizados pelo Recorrido, em prejuízo do património comum do casal, tal como alegado, contrapondo de forma decisiva a motivação e decisões proferidas quer no âmbito do decidido em primeira instância quer no âmbito da decisão Relação.

12. Pois que se a prova documental existente nos autos, analisada à luz da experiência não permite concluir nos termos peticionados pela Recorrente, o que se afigurou como surpresa, torna-se, então essencial a junção dos documentos nos termos requeridos na Apelação.

13. A razão para admissão dos documentos que venham a ser juntos radique na impossibilidade da Recorrente ter tomado conhecimento anterior do referido, por referencia ao quadro apresentado em sede de fundamentação da sentença proferida na 1ª Instancia.

14. Em sentido de ser admitida a junção de documentos em sede de Apelação, Acórdão proferido pela Relação de Lisboa, em 04/07/2023, processo 9761/10.8YYLSB-A.L1, onde vem dito:

“Questão Prévia – Da admissibilidade da junção de documentos com as alegações

Juntamente com as suas alegações, a recorrente apresentou dois documentos. Um deles corresponde à decisão proferida pelo agente de execução que procedeu à extinção da execução, pelo que relativamente a esta nenhuma questão de admissibilidade se suscita, porquanto se trata apenas de cópia de uma peça processual que consta dos autos de execução de que este processo constitui apenso.

O outro documento junto é um documento intitulado “Transacção Extrajudicial”, com data de 22 de Novembro de 2018, em que a recorrente foi outorgante e no qual se louva para justificar que a extinção da execução ocorreu por desistência da exequente, atento o teor das cláusulas nele vertidas e de onde decorre, designadamente, que competia à Petrogal, S. A. desistir do pedido deduzido no âmbito da execução n.º 9761/10.8YYLSB, assumindo as custas judiciais, honorários e despesas de agentes de execução que ali viessem a ser liquidados.

Os momentos normais para a junção dos documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção e da defesa são: 1) com o articulado respectivo (cf. art.º 423º, n.º 1 do CPC); 2) até ao encerramento da discussão em 1ª instância com multa (ou sem ela, se feita a prova da indisponibilidade no primeiro momento) – cf. n.º 2 do art.º 423º.

Depois do encerramento da causa, a junção de documentos apenas é admissível para aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior (art.º 425º do CPC).

Dispõe o art.º 651º, n.º 1 do CPC: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”

Por sua vez, o art.º 425º do CPC estatui que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”

Da conjugação destas normas resulta que a junção de documentos em sede de recurso (junção que é considerada apenas a título excepcional) depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações:

a. a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remissão do artigo 651º, n.º 1 para o artigo 425º;

b. o ter o julgamento da primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí – até ao julgamento em primeira instância – se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este.

A impossibilidade de apresentação anterior não se cogita no caso em apreço, quer pela circunstância de o documento ser objectivamente anterior à decisão impugnada, atenta a data que dele consta como sendo a da sua elaboração, para além de ser necessariamente do conhecimento da apresentante, pois que nele interveio.

No que tange à necessidade da junção em virtude do julgamento da primeira instância “a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» - cf. Antunes Varela et al, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pp. 533-534.

Como tal, não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa ab initio e não apenas após a sentença, ou seja, não é admissível a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.

Por outro lado, uma vez que a junção de documentos tem em vista a prova de factos que hajam sido alegados, a possibilidade de junção de documentos, em sede de recurso, não poderá ter como objectivo ou finalidade a prova de factos que não hajam sido alegados. “Se os documentos visam a prova de factos alegados apenas no recurso e se, neste, o tribunal ad quem não pode atender a esses factos, não se vê qualquer utilidade na junção dos documentos com o recurso.” – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-09-2010, processo n.º 304/08.4TTPRT.P1 disponível em www.colectaneadejurisprudencia.com.

Alguma doutrina sustenta que a junção do documento será admissível sempre que a decisão se baseie numa norma jurídica com cuja aplicação as partes não tivessem contado.

De acordo com outra, a admissibilidade da junção dos documentos prevista na norma do art.º 651º do CPC destina-se a contraditar, pelo documento, meios probatórios introduzidos de surpresa no processo, que venham apesar na decisão, que determinem, embora não necessariamente de forma exclusiva, o seu sentido; ou seja, considerando a amplitude do Tribunal no tocante à indagação e interpretação das regras de direito, a junção é admissível sempre que a aplicação da norma jurídica com que as partes justificadamente não contavam seja o reflexo da introdução no processo, pelo juiz, de um meio de prova com que as partes foram, inesperadamente, sempre possível; se, pelo contrário, a aplicação, pela sentença, de norma com que as partes não contavam, não resulta da consideração de um novo meio de prova, a apresentação deve ter-se por inadmissível.

Uma outra doutrina defende que o legislador quis cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário fazer a prova de um facto ou factos com cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, contar antes do proferimento da decisão. Na situação em apreço, é patente que o documento oferecido não foi anteriormente apresentado, nem foi feita qualquer menção anterior nos autos relativamente à sua existência, sequer aquando da apresentação pela exequente do requerimento para extinção da execução, em 12 de Dezembro de 2018.

Por outro lado, tal documento não se destina a efectuar a contraprova de qualquer meio probatório que tenha sido tido em consideração pelo Tribunal, mas antes a auxiliar a interpretação que a parte pretende efectuar do conteúdo da decisão de extinção da execução proferida pelo agente de execução e respectivos fundamentos e, por consequência, a sua repercussão na oposição à execução, para efeitos de determinação da responsabilidade pelo pagamento das respectivas custas.

Na verdade, pode aceitar-se que, de acordo com a perspectiva da recorrente e face ao requerimento apresentado pela exequente, conhecedora da razão subjacente ao pedido de desistência por esta formulada, aquela não tivesse contado com a possibilidade de o tribunal recorrido não entender que a inutilidade superveniente da instância de oposição à execução era imputável à exequente/embargada.

Assim, confrontada com a sua condenação no pagamento das custas da oposição à execução, surgiu para a recorrente a necessidade de demonstrar que esse não é o entendimento correcto em face das razões subjacentes à extinção da execução, para o que a junção de tal documento pode revelar-se útil. Aliás, foi precisamente pelo objecto da condenação – na parte atinente a custas -, que se tornou necessário demonstrar factos com cuja relevância processual a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23-02-2017, processo n.º 1954/15.8...-A.E1[5].

Face a este enquadramento, e atento o estatuído no art.º 651º, n.º 1 do CPC, admite-se a junção aos autos do documento apresentado.”

15. Este Acórdão sustenta, directamente, posição diversa da vertida no Acórdão recorrido, encontrando-se, no essencial, em oposição a este.

16. Em reforço da argumentação vertida no acórdão fundamento supra, aproveitando para o caso presente os fundamentos da decisão, com as devidas adaptações, devendo por isso ser feito juízo inverso, ou seja, deferindo a pretensão da Recorrente, por se encontrarem os pressupostos para o efeito, temos os Acórdãos:

17. Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, Processo 3988/17.8T8GMR.G1, de 24/04/2019, disponível em www.dgsi.pt.

No sumário deste Acórdão, no que se refere a este assunto, vem dito:

“I. Da conjugação entre o disposto nos artigos 651º, n.º 1 e 423º do C. P. Civil resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: a) a impossibilidade de apresentação do documento até ao encerramento da discussão em 1ª instância; b) por se ter tornada necessária a junção em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, face à “novidade” ou “surpresa” da decisão proferida.

II. No que se refere à primeira situação, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objetiva ou superveniência subjetiva.

III. Objetivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjetivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.

IV. Neste caso de superveniência subjetiva, é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.

V. Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.

VI. Quanto à segunda situação, a mesma pressupõe que, em face da fundamentação da sentença ou do objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida.

VII. Daí que se entenda que o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperado junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.”

18. No mesmo espírito, Acórdão da Relação de Coimbra, de 18/11/2014, Processo 628/13.9TBGRD.C1, disponível em www.dgsi.pt:

“I – Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.

II – Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.

III – Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.

IV – Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.

V – Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.

VI – Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento)só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.”

19. Ainda a este propósito, Acórdão da Relação de Évora, de 23/02/2017, Processo n.º 1954/15.8T8STR-A.E1, disponível em www.dgsi.pt:

“I -A competência para apreciar da admissibilidade de junção de documentos apresentados com as alegações de recurso encontra-se subtraída ao juiz a quo porque cometida ao Relator no tribunal ad quem, em face do disposto no artigo 652.º, n.º 1, alínea e), do CPC.

II - O recurso não é normalmente o meio próprio para juntar documentos aos autos, já que a sede própria para a instrução da causa é o tribunal de primeira instância, donde resulta a natureza excepcional da admissão de documentos nesta sede, uma vez que a referida reapreciação das decisões deve ser efectuada em função dos meios de prova constantes dos autos no momento em que as mesmas foram proferidas.

III - Considerando que os recursos se destinam ao controle da decisão impugnada, hão-de admitir-se apenas os documentos que tenham relevância processual quanto a factos supervenientes estranhos ao objecto da lide ou que se destinem a pôr-lhe termo; ou aqueles que, tendo havido impugnação da matéria de facto, se enquadrem na previsão do n.º 1, do artigo 662.º, isto é, aqueles documentos que, sendo novos e supervenientes, só por si, tenham força probatória suficiente para destruir a prova em que a decisão da primeira instância assentou.

IV - Quanto aos documentos cuja apresentação se tenha tornado necessária apenas por virtude do julgamento proferido pela primeira instância, interpretando o preceito de harmonia com o seu carácter excepcional, não bastará para possibilitar a junção com este fundamento que a decisão seja desfavorável ao recorrente para que ele junte em sede de recurso documentos cuja junção poderia ter efectuado com os articulados,

V - para que seja possível a apresentação de documento em momento posterior ao encerramento da discussão, designadamente em sede de recurso de apelação, nos termos do artigo 425.º do CPC, é necessário que estejamos perante uma decisão de primeira instância absolutamente surpreendente, com a qual não era razoável a parte contar face aos elementos probatórios constantes do processo, podendo tal imprevisão da decisão proferida assentar quer em razões de prova quer em razões jurídicas com cuja aplicação a parte razoavelmente não pudesse contar.”…

20. Analisados os referidos Acórdãos, contrapondo o sucedido nos presentes autos, os motivos pelos quais se torna necessário admitir a junção, nos termos requeridos aquando da interposição de Recurso de Apelação, dos documentos ali indicados, parecem de molde a suprir as faltas evidenciadas para as recusas ali decididas.

21. Assim sendo, com respeito por opinião diversa, impõe-se alterar a decisão do Douto Acórdão proferido nos presentes de não admitir a junção de nova prova documental nos termos requeridos.

22. Pelo que, o Acórdão de que se recorre deverá ser substituído por um outro, no qual seja reconhecido o direito da Recorrente de serem juntos os documentos por si requeridos.

23. Em consequência, junta a prova sindicada, deverão os restantes pedidos formulados na Apelação, referentes à matéria de facto, mas também de direito, ser analisados com a inclusão dos meios de prova que vierem a ser juntos, deferindo as alterações ali suscitadas, devolvendo, se assim se considerar adequado, os presentes autos ao Douto Tribunal Recorrido, com todas as legais consequências.

Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, aceitando a existência dos pressupostos invocados para que o Supremo Tribunal de Justiça conheça do presente Recurso e julgando-o procedente,

Foram apresentadas contra-alegações pelo recorrido que encerram com as seguintes conclusões:

1. Não estamos perante uma realidade jurídica de admissibilidade de junção de documentos em fase de interposição de recurso nos termos dos artigos 651º nº 1 e 423º do Código de Processo Civil.

2. Estamos, sim, perante a pretensão da Recorrente da realização de outras diligências probatórias, após o encerramento da audiência e discussão de julgamento.

3. O artigo 651º do Código de Processo Civil não confere uma segunda oportunidade à parte para provar o que, no momento oportuno, não o logrou fazer.

4. No mesmo sentido, também não podemos concluir que estamos perante um fator surpresa, uma vez que a decisão proferida não extravasou o objeto do litígio.

5. Em suma, não encontramos qualquer fundamento jurídico que leve a concluir que o acórdão, ora recorrido, se encontra em contradição com os acórdãos mencionados pela Recorrente.

6. Não se trata da mesma questão fundamental de direito, muito pelo contrário, nem tão pouco proferidos no âmbito da mesma legislação.

7. Pelo que, a interposição do presente recurso de revista extraordinário, com fundamento nos artigos 672º, nº 1 alíneas a) e c) do Código de Processo Civil, deve improceder por não se verificar nenhuma das situações do elenco normativo invocado.

8. Eis, pois, as razões e os fundamentos que levam o aqui recorrido, a impetrar a Vossas Excelências Senhores Juízes Conselheiros se dignem a julgar este recurso improcedente, pelo que o Tribunal a quo decidiu em conformidade com o direito constituído devendo a decisão proferida manter-se na integra e assim, será feita inteira e merecida JUSTIÇA!

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I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

O recurso de revista é admissível ao abrigo do disposto nos art.º 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil dado ter sido interposto de uma decisão final de mérito, mas estar em causa uma decisão que lhe é prévia – aceitação de novos documentos - que podem conduzir à alteração da matéria de facto, não tendo a Formação a que se refere o art.º 672.º do Código de Processo Civil admitido a revista excepcional.

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I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão:

1. Direito da recorrente a serem juntos os documentos por si requeridos.

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I.4 - Os factos

O acórdão recorrido considerou relevantes para a decisão do recurso os seguintes factos:

1. Autora e réu casaram em primeiras núpcias de ambos, no regime da comunhão de adquiridos em 6 de Maio de 2000 (ponto 1 dos factos assentes).

2. O casamento foi dissolvido, por sentença proferida em 25 de Outubro de 2017, no âmbito do processo de divórcio que correu termos sob o n.º 2606/17.0..., no Juízo de Família e Menores de ..., Tribunal Judicial da Comarca do Porto (ponto 2 dos factos assentes).

3. A acção declarativa referida em 2- foi proposta em 23 de Agosto de 2017 (art. 5.º da p.i.).

4. Sendo que, para partilha do património comum do casal, correu termos no Cartório Notarial da ..., processo de inventário por divórcio, a que foi atribuído o n.º ..87/18 (ponto 3 dos factos assentes).

5. Por despacho de 29 de Maio de 2019, com cópia junta como cópia junta como documento n.º 4 com a petição inicial, proferido nos autos referidos em 4-, foi decidido que, quanto à verba n.º 16, integrada por diversos depósitos bancários no montante de €300.000,00, nos termos especificados na relação de bens junta com o mesmo documento n.º 4, que aqui se dá por integralmente reproduzida, “tendo em conta a complexidade da matéria de facto, abstenho-me de decidir e remeto os interessados para os Meios Judiciais Comuns” (art. 8.º da p.i.).

6. Por acordo de vontades anterior, autora e réu são co-titulares, da conta bancária de depósitos à ordem n.º 494 10.......-6, junto do Banco Montepio, S.A., que em 23 de Agosto de 2017 apresentava um saldo de €432,40 (art. 9.º da p.i.).

7. Associadas à conta referida em 6-, autora e réu eram em 23 de Agosto de 2017 co-titulares de 140 unidades de participação no fundo de investimento Montepio Global, no valor global de €1.837,26, 117 unidades de participação no fundo de investimento Montepio Capital, no valor global de €792,59, e de 191 unidades de participação no fundo de investimento Montepio Ações Internacional, no valor global de €771,54 (art. 9.º da p.i.).

8. Associada à conta referida em 6-, autora e réu eram em 23 de Agosto de 2017 co-titulares de uma carteira de títulos composta por 50 acções de Martifer SGPS, no valor global de €18,95, e por 980 acções de REN – Redes Energ. Nacionais, no valor global de € 2 609,12 (art. 9.º da p.i.).

9. Por acordo de vontades anterior, a autora é titular da conta bancária de depósitos à ordem n.º 494 10.....22-1, junto do Banco Montepio, S.A., que em 16 de Agosto de 2017 apresentava um saldo de €642,81 (art. 9.º da p.i.).

10. Por acordo de vontades anterior, autora e réu são co-titulares, da conta bancária de depósitos à ordem n.º 494 10.....04-6, junto do Banco Montepio, S.A., que em 23 de Agosto de 2017 apresentava um saldo de €4,92 (art. 9.º da p.i.).

11. CC é titular de uma inscrição de aquisição de propriedade na Conservatória do Registo Automóvel, datada de 18/08/2017, averbada à descrição do veículo marca Mitsubishi, matrícula n.º ..-..-EP (arts. 46.º e 50.º da p.i. e 27.º da contestação).

12. As anteriores inscrições de aquisição de propriedade deste veículo foram tituladas pelo réu, datada de 2/04/2007, e por M..., Lda., datada de 8/06/1995 (arts. 46.º e 50.º da p.i. e 27.º da contestação).

13. A inscrição referida em 11- foi precedida de acordo entre CC e o réu, mediante o qual o réu não auferiu qualquer contraprestação pela cedência do veículo (arts. 46.º e 50.º da p.i. e 27.º da contestação).

14. A inscrição referida em 12- a favor do réu foi precedida de acordo entre M..., Lda. e o réu, mediante o qual aquela sociedade não auferiu qualquer contraprestação pela cedência do veículo (arts. 46.º e 50.º da p.i. e 27.º da contestação).

15. CC é titular de uma inscrição de aquisição de propriedade na Conservatória do Registo Automóvel, datada de 18/08/2017, averbada à descrição do veículo marca Toyota, matrícula nº NS-..-.. (arts. 47.º e 50.º da p.i. e 27.º da contestação).

16. A anterior inscrição de aquisição de propriedade deste veículo, por compra e venda, foi titulada pelo réu, e é datada de 25/07/2017 (arts. 47.º e 50.º da p.i. e 27.º da contestação).

17. A inscrição referida em 15- foi precedida de acordo entre CC e o réu, mediante o qual o réu não auferiu qualquer contraprestação pela cedência do veículo; (arts. 47.º e 50.º da p.i. e 27.º da contestação).

18. CC é titular de uma inscrição de aquisição de propriedade, por compra e venda, na Conservatória do Registo Automóvel, datada de 18/08/2017, averbada à descrição do veículo marca BMW, matrícula n.º QQ-..-...

19. A anterior inscrição de aquisição de propriedade deste veículo, por compra e venda, foi titulada pelo réu, e é datada de 31/12/2014.

20. A inscrição referida em 18- foi precedida de acordo entre CC e o réu, mediante o qual o réu não auferiu qualquer contraprestação pela cedência do veículo (arts. 48.º e 50.º da p.i. e 27.º da contestação).

21. A autora assinou o documento n.º 12 junto com a petição inicial (fls. 36), cujo teor aqui se dá por reproduzido, do qual consta nomeadamente que “declaro ser devedor a DD (…) da quantia de €12.004,80 (doze mil quatro euros e oitenta cêntimos” (arts. 57.º a 59.º da p.i.).

22. Entre Dezembro de 2008 e Novembro de 2014 a autora auferiu rendimentos de trabalho nos termos discriminados na informação junta em 12/01/2021 (fls. 116 a 117), cujo teor aqui se dá por reproduzido (arts. 11.º, 13.º a 15.º, e 44.º a 46.º da contestação).


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Factos Não Provados

a) que durante o casamento tenha sido sempre o réu quem efectuou a gestão do património do casal, em especial das contas bancárias (arts. 6.º e 7.º da p.i.);

b) que em 23 de Agosto de 2017 a autora ou o réu fossem titulares de créditos de saldo bancário junto do Millennium BCP, do Barclays, do Novo Banco, S.A., no Banco BIC Português, S.A., Banco Santander Totta, S.A. (art. 9.º da p.i.);

c) que o réu tenha transferido a seu favor ou a favor de terceiros, com quem acordou fazê-lo por sua conta, saldos bancários titulados por ambos ou por algum dos membros do casal, com intenção de os fazer apenas seus, existentes no Millennium BCP, no Barclays, no Novo Banco, S.A., no Banco BIC Português, S.A., ou antes no Banco Português de Negócios, no Banco Santander Totta, S.A., ou antes Banco Popular Portugal, S.A., e no Banco Montepio, antes Finibanco, S.A. (arts. 9.º e 33.º da p.i.);

d) que o casal ou a autora com consentimento do réu, ou no interesse de ambos, se tivessem obrigado a pagar €12.004, 80 a DD (arts. 57.º a 59.º da p.i.);

e) que a autora se apropriasse ou despendesse exclusivamente em seu favor os rendimentos de trabalho por si auferidos entre Dezembro de 2008 e Novembro de 2014 (arts. 11.º, 13.º a 15.º, e 44.º a 46.º da contestação);

f) que a autora tenha transferido a seu favor ou a favor de terceiros, com quem acordou fazê-lo por sua conta, com intenção de o fazer apena seu ou suportar despesas próprias, o valor de €79.000,00, proveniente de venda de uma fracção autónoma do casal.


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II - Fundamentação

1. Direito da recorrente a serem juntos os documentos por si requeridos

A recorrente requereu no seu recurso de apelação – conclusões 34 a 39ª e 63ª do recurso – que o Tribunal recorrido procedesse à notificação das entidades bancárias ali mencionadas para juntarem aos autos cópias dos documentos que terão titulado as operações bancárias que ali identifica, nomeadamente cheques e ordens de transferência. Porém, no final das suas alegações de recurso, requereu, apenas, a solicitação de informação ao Banco de Portugal quanto às consta bancárias tituladas pelo réu, com fundamento no disposto nos art.º 423º e 651º, ambos do Código de Processo Civil.

Eu seu entender, expresso nas alegações de apelação, e nas alegações de revista, tais documentos conduzirão o Tribunal a proceder à alteração da matéria de facto e a concluir, como sempre concluiu a recorrente, que o recorrido dissipou em seu próprio proveito, ou, em proveito de terceiros, o património financeiro do casal.

O Tribunal recorrido indeferiu tal pretensão pelas razões que passam a transcrever-se:

“Escusado seria recordá-lo, após o encerramento da discussão, em caso de recurso só é admitida a junção de documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento [artigo 425º do Código de Processo Civil], ou nos casos de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento em 1ª instância [nº 1 do artigo 651º do Código de Processo Civil].

Pretende a autora que a «necessidade desta junção no presente momento radica no facto de para a Recorrente constituir uma surpresa que da análise dos elementos probatórios disponíveis nos autos, nomeadamente análise aos extractos, em conjugação com a falta de colaboração do Réu com o tribunal ao não permitir o levantamento do sigilo bancário nas contas por si tituladas, não ter o Tribunal a quo constatado pela existência de movimentos bancários suspeitos» [conclusão 38ª].

Mas não lhe assiste qualquer razão.

Em primeiro lugar, claro que não estamos perante a junção de um qualquer documento – o que a recorrente pretende é que o Tribunal se lhe substitua diligenciando pela obtenção de meios de prova, realidade regida pelos artigos 429º e 432º, ambos do Código de Processo Civil.

Como parecerá óbvio, juntar documento significa apresentá-lo no processo, não requerer que outros o juntem.

Tanto assim que é diverso o procedimento destinado a aferir da relevância do documento para os interesses do processo - previamente à junção no caso dos artigos 429º e 432º; após a junção, no caso dos artigos 423º, 425º e 443º, todos do Código de Processo Civil.

E os artigos 425º e 651º do Código de Processo Civil não admitem outras diligências probatórias que não a literal junção de documentos pela parte.

Ainda que assim não fosse, a pretensão da recorrente esbarra na evidente falta de demonstração da necessidade da junção.

É que a «necessidade em virtude do julgamento proferido na 1ª instância» de que fala o nº 1 do artigo 651º do Código de Processo Civil refere-se ao caso de a decisão ser “(…) de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo” [Consº. Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4ª edição, página 229].

“A lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida” [Prof. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2ª edição, páginas 533 e 534 – sublinhado nosso].

Por outras palavras, o artigo 651º do Código de Processo Civil não oferece à parte uma segunda oportunidade de provar o que no momento próprio não logrou, antes constitui um meio de reacção a decisões-surpresa [sempre neste sentido, veja-se o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos de 26 de Setembro de 2012, processo nº 174/08.2TTVFX.L1.S1, e de 21.01.2014, processo nº 9897/99.4TVLSB.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.jstj.pt/].

Ora, no caso, no que respeita às disponibilidades monetárias do casal constituído que foi por autora e réu depositadas em instituições bancárias, na sua petição inicial [a partir do artigo 7º] a recorrente afirmava já que ascenderiam a cerca de € 300 000,00, e que, tendo desde sempre sido o réu a dispor e gerir dos dinheiros do casal, não tinha a recorrente acesso às informações que lhe permitissem com precisão quantificar a realidade em presença.

E, ainda na sua petição inicial, concluiu pedindo, entre o mais, o reconhecimento de o réu se ter apropriado do valor depositado em contas bancárias da titularidade do casal, bem como a condenação do réu a restituir tais quantias ao património conjugal.

Ou seja, a questão da indevida apropriação, ou não, de dinheiros comuns pelo réu desde o início da acção integra o objecto do processo.

Logo, a autora, agora, ao referir que «a necessidade desta junção no presente momento radica no facto de para a Recorrente constituir uma surpresa que da análise dos elementos probatórios disponíveis nos autos, nomeadamente análise aos extractos, em conjugação com a falta de colaboração do Réu com o tribunal ao não permitir o levantamento do sigilo bancário nas contas por si tituladas, não ter o Tribunal a quo constatado pela existência de movimentos bancários suspeitos [conclusão 38ª]», precisamente afirma ter sido subjectivamente surpreendida pelo juízo probatório decidido pelo tribunal a quo relativamente a factos e questões que desde o início integravam o objecto do processo – pelo que, na perspectiva da própria recorrente, não estamos perante uma decisão-surpresa mas antes face a um erro de julgamento, cuja rectificação, a existir, deve ser feita por apelo apenas aos meios de prova já produzidos, respeitando-se a natureza de «remédio processual» ínsita à fase de recurso, para a reapreciação da decisão proferida em 1ª instância tendo presente somente o acervo factual sobre que o tribunal se pronunciou e apreciando os mesmos meios de prova já produzidos [cfr, por todos, Consº. Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, Livraria Almedina, 3ª edição, 2016, página 109; bem como o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 22 de Setembro de 2021, processo nº 797/14.0TAPTM.E2.S1, disponível em www.dgsi.jstj.pt/]

Consequentemente, não é admissível a junção de qualquer documento nesta fase, nem, muito menos, deve admitir-se a notificação qualquer entidade para prestar seja que informação for. “

O recurso da A. mais não é que uma tentativa, muito criativa, de tentar inverter a decisão proferida pelas instâncias em que se verifica dupla conforme.

Pretende a recorrente que seja apreciada a questão da admissibilidade da junção de prova e realização de outras diligências instrutórias em sede de recurso de Apelação.

Identifica como objecto do recurso de revista a decisão do tribunal recorrido quanto à realização de diligências instrutórias nesta fase processual de recurso – concretamente, a notificação do Banco de Portugal para a prestação de informações diversas.

Em causa está o requerimento final das alegações de apelação:

A notificação do Banco de Portugal para, no prazo que lhe for concedido, informar quais as contas bancárias, aplicações financeiras e outra informação financeira relevante, em que o Réu tenha tido ou ainda tenha participação, ou seja parte, titular ou cotitular no período compreendido entre 6 de Maio de 2000 e Outubro de 2017”.

Curiosamente, o mesmo requerimento que encerra a petição inicial e que se mostra satisfeito ao longo de todo o processo, em 1.ª instância a partir do despacho saneador proferido em 21 de Dezembro de 2020 que, além do mais, determinou: “Solicite os elementos requeridos pelas partes”.

Alega que “se a prova documental existente nos autos, analisada à luz da experiência não permite concluir nos termos peticionados pela Recorrente”, o que se caracterizou como decisão surpresa, torna-se, então essencial a junção dos documentos nos termos requeridos na Apelação.

A razão para admissão dos documentos que venham a ser juntos radica na invocada impossibilidade da Recorrente ter tomado conhecimento anterior do referido, em face do quadro apresentado em sede de fundamentação pela sentença proferida na 1ª Instância.

Apresenta vários acórdãos que invoca estarem em oposição com o acórdão recorrido.

O objecto do recurso de revista está delimitado pelo pedido de reconhecimento do direito da recorrente de que sejam juntos aos autos os documentos por si requeridos.

Apesar de numa primeira impressão poder pensar-se que estamos face à discussão da possibilidade/impossibilidade de junção de documentos na fase de recurso, em verdade o que a recorrente pretende com a revista é que o tribunal recorrido solicite os elementos que já foram solicitados ao Banco de Portugal e, em conjugação com outros já constantes do processo conclua, como ela entende que é correcto, que o réu dissipou o património comum do casal em seu próprio proveito, conclusão a que as instâncias não chegaram com a amplitude que a recorrente quer ver reconhecida. Mesmo admitindo que para além da notificação ao banco de Portugal, já efectuada, também pretende mais documentos bancários das operações que identificou, pedido que no final do recurso de apelação não chegou a concretizar, sempre estaremos perante documentos ou que já estão nos autos, ou que se não estão a recorrente ou não os juntou, ou não requereu que fossem juntos durante a fase de instrução do processo, como lhe competia.

Não foi requerida a junção de qualquer documento que até aí se não conhecesse a existência, ou relativo a uma questão que só tenha surgido com a decisão pois, desde a petição inicial que a recorrente diz que apenas o seu ex-cônjuge geria o património comum e teve possibilidade de o dissipar em seu proveito, dado que a recorrente não realizava operações bancárias, e, desconhecia as realizadas pelo seu ex-cônjuge. Por isso requereu, e obteve a notificação das mais diversas entidades bancárias para facultarem os dados que dispunham sobre as movimentações ocorridas nas diversas contas bancárias que foram por eles tituladas na pendência do matrimónio. Dos documentos bancários resulta que foram levantados montantes em numerário, efectuadas transferências bancárias e emitidos cheques, entre outras operações. Perante esses elementos, qualquer jurista, sem qualquer surpresa apenas poderá concluir que os montantes depositados nas contas bancárias foram delas retirados. Mas isso não basta para considerar que tais movimentações dos valores constantes dessas contas foram feitas em proveito do casal ou apenas de um dos cônjuges, ou, até para beneficiar um terceiro.

A constituição de mandatário é obrigatória em muitas situações, como no caso presente e o erário público suporta o custo do trabalho dos patronos nomeados oficiosamente exactamente para garantir que os cidadãos ao pleitear em juízo estão devidamente acompanhados por um especialista que conhece as regras do ónus da prova, as regras de processo civil, os tempos da prática dos actos, o conceito de litigância de má fé, entre várias outras questões adjectivas e substantivas que permitem que, para além da visão emocional que as partes tenham do litigio e da razão que lhes possa assistir, não se surpreendam quando por errada condução processual, falta de engenho ou até inexistência de comprovação de factos que podem mesmo ter tido lugar mas não se conseguem comprovar, a decisão da acção não lhes seja totalmente favorável.

A junção dos documentos com o recurso de apelação tem como primeiro pressuposto que se trate de documentos supervenientes – art.º 651.º do Código de Processo Civil -. A superveniência dos documentos, como decorre do art.º 452.º do Código de Processo Civil, verifica-se quando apresentação não tenha sido possível até ser proferida a decisão do tribunal de 1.ª instância seja porque os documentos não existiam ainda àquele momento, ou, porque existindo, a parte apresentante desconhecia justificadamente essa existência.

Na presente situação os documentos existiam muito antes de ter sido proposta a acção, pelo que a sua apresentação, ou requerimento de notificação de terceiros para os apresentar teria de constar da petição inicial, e não consta relativamente aos documentos bancários de suporte das operações registadas nos extractos bancários. A autora desde sempre teve conhecimento da existência dos ditos documentos. A necessidade da sua junção está exposta desde o seu conhecimento da contestação. Pensar que bastava o conhecimento de terem existido movimentos a débito nas ditas contas bancárias efectuados pelo réu para comprovar que ele utilizara em seu proveito próprio ou de terceiros e em prejuízo do património comum do casal tais montantes é um erro de direito por desconsideração das regras do ónus da prova.

Os recursos são meios de corrigir erros de direito praticados pelo tribunal e patentes na decisão recorrida e não meios de permitir que as partes voltem a exercer os direitos processuais que deixaram precludir.

Quando foram juntos os extractos bancários era o momento processual adequado para que a autora requeresse a junção dos documentos de suporte das operações neles documentadas. Porém, a prova do caminho seguido pelos montantes financeiros de todas e cada uma dessas operações, que competia à autora, dificilmente decorreria exclusivamente dos cheques e outros movimentos em causa. Poderia ter sido um início da prova de que aqueles montantes não tinham sido retirados das ditas contas bancárias para proveito comum do casal, mas isso carecia de outras provas, movimento a movimento que permitisse estabelecer a ausência do proveito comum do casal que a autora não curou de fazer.

Os documentos nem são supervenientes nem sequer decisivos para a alteração da matéria de facto que a autora pretende, pelo que a sua junção em sede de recurso deveria, como foi, ser rejeitados nos termos do disposto no art.º 651.º do Código de Processo Civil, tendo o acórdão recorrido feito uma correcta aplicação da lei ao caso concreto.

Improcede, pois, a revista.


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III – Deliberação

Pelo exposto acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrida.


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Lisboa, 28 de Fevereiro de 2024

Ana Paula Lobo (relatora)

Maria da Graça Trigo

Isabel Salgado