Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2008/17.8T8BRG-B.G1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: PRAZO PEREMPTÓRIO
PRAZO PERENTÓRIO
PRAZO DILATÓRIO
CONTAGEM DE PRAZOS
CONTESTAÇÃO
EXTEMPORANEIDADE
CITAÇÃO
DILAÇÃO DO PRAZO
APOIO JUDICIÁRIO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REQUISITOS
Data do Acordão: 06/06/2019
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / ACTOS PROCESSUAIS / ACTOS EM GERAL / ACTOS ESPECIAIS / CITAÇÃO E NOTIFICAÇÕES / CITAÇÃO DE PESSOAS SINGULARES – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Parte Geral e Processo de declaração, Coimbra, Almedina, 2018, p. 637;
- Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018, 5.ª edição, p. 59, 471-477;
- Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, 2.ª edição, p. 63 e 334;
- José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Coimbra, Almedina, 2018, 4.ª edição, p. 293.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 142.º, 245.º, N.º 1, ALÍNEA A) E 569.º, N.º 1.
ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS, AROVADO PELA LEI N.º 34/2004, DE 29 DE JULHO: - ARTIGO 24.º, N.ºS 4 E 5, ALÍNEAS A) E B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


- DE 22-03-2012, PROCESSO N.º 1179/10.9TBLLE.E1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Realizando-se a citação em pessoa diversa do citando, ao prazo para a contestação de trinta dias previsto no artigo 569.º, n.º 1, do CPC acrescem cinco dias de dilação, por força do artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC.

II. Tendo sido formulado pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o prazo em curso interrompe-se, reiniciando-se a sua contagem a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono [cfr. artigo 24.º, n.ºs 4 e 5, als. a) e b), da Lei n 34/2004 de 29 de Julho].

III. Sendo estes os dois prazos distintos e autónomos, no caso de o prazo dilatório estar já decorrido, o prazo em curso, para efeitos de interrupção e de reinício de contagem, é unicamente o prazo peremptório previsto no artigo 569.º, n.º 1, do CPC.

IV. O fim do artigo 142.º do CPC, determinando que quando um prazo peremptório se segue a um prazo dilatório os dois prazos se contam como – como se fossem – um só, é apenas o de esclarecer que ao termo de um prazo deve seguir-se de imediato a contagem do outro, não significando, de todo, que os dois prazos se convertem num só.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. RELATÓRIO



AA e mulher, BB vieram instaurar a presenta acção declarativa de condenação contra a ré, CC.

Citada que foi, apresentou a ré contestação, sendo que, por despacho proferido nos autos a 28/11/2017, foi decido não admitir a contestação apresentada pela Ré, por extemporaneidade.

Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a ré para o Tribunal da Relação de Guimarães, pugnando pela revogação desta despacho e pela sua substituição por outra decisão que admita o articulado da contestação, anulando todo o processado subsequente, e ordenando o prosseguimento dos autos com as legais consequências.

Analisando a tempestividade da contestação, decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, por Acórdão de 18.10.2018, confirmar a decisão recorrida.

Inconformada com tal desenlace, recorreu a ré para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso foi interposto como de revista excepcional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, als. a), b) e c), do CPC e apresentava as seguintes conclusões:


“1 - O Acórdão recorrido confirmou a sentença proferida em 1.ª instância, proferindo a seguinte decisão:

I – Enquanto o prazo dilatório é o que difere para certo momento a possibilidade da realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo, o prazo peremptório é aquele de cujo resulta a extinção do direito de praticar o acto.

II – Quando o pedido de apoio judiciário é formulado na pendência da acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o pedido de apoio e reinicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação.

III – E se na data desta notificação já tinha decorrido o prazo da dilação e estava a correr o prazo da contestação, apenas este último prazo se interrompe.”

2 - Nos presentes autos a citação da Ré, ora Recorrente, ocorreu no dia 24-05-2017, tendo a mesma beneficiado de uma dilação de 5 dias que acrescentou ao prazo para a apresentação da contestação (de 30 dias, de acordo com o disposto no artigo 569.º, n.º 1 do C.P.C), dado que o aviso de recepção foi assinado por pessoa diversa da Ré (artigo 245.º, n.º 1, al. a) do C.P.C.).

3 - Todavia, a ora Recorrente formulou pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono em 26-06-2017, reiniciando-se a contagem a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação, que ocorreu no dia 26-07-2017.

4 - Como esta notificação ocorreu no período de férias judiciais, o reinício da contagem do prazo foi transferido para o 1º dia útil seguinte, ou seja, 01-09-2017.

5 - Pelo que, procedendo-se à contagem do prazo de 35 dias para a apresentação da contestação em juízo este terminou em 05 de Outubro, que sendo feriado, se transferiu para o 1.º dia útil seguinte, assim e, somando ao dia 06 de outubro de 2017, três dias úteis, o prazo de apresentação da contestação terminava em 11 de Outubro de 2017, conforme sucedeu.

6 – O n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil consagra uma excepção a esta inadmissibilidade da revista, admitindo a "Revista Excepcional" e como se demonstrará, o presente recurso é admissível no caso sub judice, nos termos do disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, preenchendo ainda as condições gerais de admissibilidade quanto ao valor da causa, nos termos do disposto no artigo 629.º do Código de Processo Civil.

7 - A alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º prevê a admissibilidade do Recurso de Revista "quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.".

8 - Ora, pressupõe este fundamento que "estejamos perante uma questão de manifesta dificuldade e complexidade, cuja solução jurídica imponha estudo e reflexão, quer porque se trata de questão que suscita divergências a nível doutrinal, sendo conveniente a intervenção do Supremo para orientar os tribunais inferiores ou porque se trata de questão nova, que à partida se revela susceptível de provocar divergências, por força da sua novidade e originalidade, que obrigam a operações exegéticas de elevado grau de dificuldade, susceptíveis de conduzir a decisões contraditórias, justificando igualmente a sua apreciação pelo STJ para evitar ou minorar as contradições que sobre ela possam surgir." in Acórdão do STJ de 02-02-2010, Processo n.º 3401/08.2TBCSC.L1.S1 in www.dgsi.pt.

9 - Trata-se ou de “vexata quaestio”, ou seja, uma questão muito controversa e debatida na doutrina, muito agitada e cuja resolução se impõe, se possível “sine discrepante”, ou de questão que, pelo seu ineditismo, deva ser apreciada para sedimentação futura.

10 - Pelo que, a questão jurídica que nos prende nos presentes autos é de facto aferir se o prazo que se reiniciou inclui também a dilação prevista no artigo 245.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil (?)

11 - Desta forma, a questão de sabermos se o prazo de dilação se contabiliza para efeitos de reiniciar a contagem do prazo para a apresentação do articulado de Contestação, é de extrema e particular relevância jurídica, por forma a acautelar os interesses quer das partes envolvidas, quer dos próprios advogados inscritos no Sistema de Acesso ao Direito.

12 - Na verdade, a apreciação deste recurso excepcional de revista e a tomada de posição por esta instância superior irá trazer uma maior certeza e segurança jurídica na contabilização dos prazos processuais, o que assume enorme importância, pois estamos a lidar com eventuais e potenciais situações de preclusão do direito de que as partes se arrogam.

13 - Pelo que, o conceito de relevância jurídica poderá, no caso em apreço, ser analisado na vertente de evitar futuras situações de contabilizações erróneas de prazos processuais, com a responsabilização dos advogados no domínio do instituto da perda de chance, o que para além de contribuir para o entupimento da justiça, leva também ao desprestígio da classe profissional em causa.

14 - Além disso, convém ter presente o disposto no artigo 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, na sua redacção actual, que consigna expressamente que o prazo que estiver em curso na acção judicial pendente se interrompe por mero efeito da junção aos autos do documento comprovativo da apresentação nos serviços de segurança social do requerimento com o pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono; e, no n.º 5, prevê-se que o prazo interrompido se inicia, isto é, começa a correr por inteiro (cf. artigo 326.º, n.º 1, do Código Civil), a partir da notificação da decisão que conhecer do pedido de apoio judiciário, nos termos ali especificados.

15 - Ou seja, parece fácil proceder a uma leitura num duplo sentido desta norma: por um lado, poderá fazer-se a leitura de que se inicia a contagem do prazo que estiver em curso - o prazo dilatório conjuntamente com o prazo peremptório (5+30) - e, por outro lado poderá igualmente fazer-se a leitura que se inicia a contagem somente do prazo peremptório da contestação (30).

16 - Estamos, portanto, perante a situação em que a admissão deste recurso de revista se reveste de relevância jurídica e, em que se manifesta claro interesse objectivo (dado que transpõe os limites do caso concreto aqui em apreciação, constituindo um caso “tipo” que se repete e previsivelmente continuará a repetir-se) e, em que também se reconhece a utilidade de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, com vista a uma pronúncia que possa servir como orientação para os tribunais e advogados, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito.

17 - Neste sentido, há relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito quando se trate de questão manifestamente complexa, cuja subsunção jurídica imponha um importante, e detalhado, exercício de exegese, um largo debate pela doutrina e jurisprudência com o objectivo de se obter um consenso em termos de servir de orientação, quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação, com que poderão contar, das normas aplicáveis, quer para as instâncias, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direitovide, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 3990/08.1TBBRG.G1.S1, de 07/09/2010, disponível em www.dgsi.pt. [sublinhado nosso]

18 - Com efeito, “os fundamentos específicos da revista excepcional mostram que este recurso não visa, em primeira linha, a defesa dos interesses das partes, mas antes a protecção do interesse geral na boa aplicação do direito, cf. ensina MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA -Reflexões sobre a Reforma dos Recursos em Processo Civil (Conferência proferida na Relação de Coimbra em 1212/2007, disponível em http://www.trc.pt/doc/confintmts.pdf), p. 16. [sublinhado nosso]

19 - Em face do exposto, em nossa opinião, não há dúvidas que se trata de uma questão de especial relevo jurídico, cuja apreciação por este Supremo Tribunal de Justiça se mostra necessária para uma melhor aplicação do direito.

20 - Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, sempre se dirá que a alínea b) do n.º 1 da mesma disposição legal prevê a admissibilidade da Revista quando "estejam em causa interesses de particular relevância social", uma vez que estamos perante uma situação que põe em causa a eficácia do direito e em dúvida a sua credibilidade, abrangendo-se aqui casos em que há “um invulgar impacto na situação da vida que as normas jurídicas em apreço visam regular”, in Acórdão do STJ de 02-02-2010, Processo n.º 3401/08.2TBCSC.L1.S1, in www.dgsi.pt.

21 - Será uma situação que possa propiciar uma colisão entre uma decisão jurídica com valores sociais ou culturais dominantes que, em princípio, deveriam orientar o preenchimento do conceito em apreço e, cuja eventual ofensa possa causar sentimentos de inquietação a minarem a tranquilidade de uma generalidade de pessoas, situações em que haja um invulgar impacto na situação da vida que tais normas visem regular ou em que exista um interesse comunitário ou que os interesses em jogo ultrapassem os limites do caso concreto.

22 - Na densificação deste conceito deverá fazer-se apelo à “repercussão (até alarme, em caso limite), larga controvérsia, por conexão com valores sócio – culturais, inquietantes implicações politicas que minam a tranquilidade ou, enfim, situações que põem em causa a eficácia do direito e põem em dúvida a sua credibilidade, quer na formulação legal, quer na aplicação casuística”, (Acórdão deste Colectivo no Processo n.º 725/08 – 2 TVLSB L1.S1; no mesmo sentido o Acórdão proferido no Processo n.º 3401/08. 2TBCSC.L1.S1).

23 - De facto, no caso em apreço, consideramos que a contagem do prazo que se reiniciou com a nomeação do patrono inclui a dilação prevista no artigo 245.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil, na medida em que os prazos peremptórios e dilatórios se contam como um só.

24 - Na verdade, com o reiniciar da contagem do prazo a ora Recorrente ficou com a legítima expectativa e a fundada confiança de que poderia praticar tal acto no prazo de 35 dias, como inicialmente [antes do pedido de apoio judiciário] estava fixado (30 dias mais 5 dias da dilação).

25 - Desta forma, não se pode conceber a ideia de que um cidadão que recorreu à protecção jurídica veja o seu prazo reduzido em cinco dias, apenas podendo apresentar a contestação em 30 dias, face a outro cidadão que não tendo feito esse pedido a poderia apresentar em 35 dias!

26 - Ora, as expectativas legitimamente criadas pelos cidadãos, resultantes de comportamentos dos poderes públicos impõem a previsibilidade da actuação destes, ínsita no princípio do estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, nas suas vertentes dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança.

27 - Por isso, incumbindo aos tribunais, no exercício do essencial poder judicial do Estado, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (Cf. artigo 202.º da CRP), estes não esperam da parte daqueles, ao administrarem a justiça em concreto, qualquer afronta ao clima de boa-fé e de confiança em que os cidadãos têm o direito de acreditar, na sua relação com todos os poderes públicos.

28 - Neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo: 50/14.0T8CNT.C1, de 05-05-2015 - IV – Ora, incumbindo aos tribunais, no exercício do essencial poder judicial do Estado, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, estes não esperam da sua parte qualquer afronta ao clima de boa-fé e de confiança em que têm o direito de acreditar na sua relação com todos os poderes públicos, porquanto as expectativas por eles legitimamente criadas, resultantes de comportamentos dos poderes públicos, impõem a previsibilidade da actuação destes, ínsita no princípio do estado de direito democrático, nas suas vertentes dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança.”

29 - Com efeito, o mencionado direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva é também parte integrante do princípio material da igualdade ínsito ao artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e do próprio princípio democrático, pois este não pode deixar de exigir uma democratização do direito e uma democracia do direito, veja-se Constituição da República Portuguesa Anotada – J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Coimbra Editora, Volume I, 4.ª Edição Revista, 2007.

30 - A interpretação constante do acórdão recorrido consagra uma restrição intolerável à actuação processual das partes, que, nesse contexto, não podem adequada e eficazmente exercer os seus direitos e ver julgada a lide que estão envolvidos, violando o princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais que o artigo 20.º da Constituição consagra, pois, feriu o princípio do contraditório, traduzindo, na prática, uma intolerável desigualdade de armas, na justa medida em que, do mesmo passo, cerceia à ora Recorrente a possibilidade de uma defesa técnica efectiva, pois, ordenou o desentranhamento da sua contestação.

31 - Desta forma, na situação em apreço, estamos claramente perante uma colisão entre a decisão jurídica da qual se recorre, que considerou que a Contestação foi intempestiva e, entre valores sociais dominantes, como sejam a contagem de prazos processuais, que assumem uma clara relevância social, sob pena de ocorrem factos extintivos dos direitos, incluindo a prescrição ou caducidade de direitos, já que na verdade o decurso do prazo peremptório faz extinguir o direito de praticar o ato.

32 - Pelo que, a análise pelo Supremo Tribunal de Justiça da questão supra enunciada de aferir se o prazo que se reiniciou inclui também a dilação prevista no artigo 245.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil, por forma a criar uma linha de orientação e assumir relevância jurídica e social, por forma a evitar uma eventual ofensa de direitos, de sentimentos de inquietação a minarem a tranquilidade de uma generalidade de pessoas. Pois que, são situações que têm um invulgar impacto na vida das pessoas, assumem até um interesse comunitário que, pela sua peculiar importância e os interesses em jogo ultrapassam os limites do caso concreto, o que leva necessariamente à admissão da presente revista excepcional.

33 - Assim, sendo sabido, que as partes ao longo do processo estão sujeitas ao cumprimento de diversos ónus, sob pena de verem precludidas as suas pretensões, o que resulta dos princípios fundamentais do nosso processo civil, concretamente, para o caso em análise, os princípios da auto responsabilidade das partes e da preclusão.

34 - Pelo que, se trata de uma situação merecedora de protecção até às últimas instâncias, na medida em que a sua apreciação é de extrema relevância para a credibilidade da justeza das decisões judiciais perante os cidadãos e da manutenção da própria ordem jurídica.

35 - Por outro lado, a alínea c) do n.º 1 da mesma disposição legal prevê a admissibilidade da Revista Excepcional quando “O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.

36 - Entende e sumaria o Acórdão do TRE, datado de 22/03/2012, processo n.º 1179/10.9TBLLE.E1, disponível em www.dgsi.pt1ª – A comprovação nos autos de que foi requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono faz interromper qualquer prazo que esteja em curso. 2ª – A interrupção inutiliza o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir da notificação do patrono nomeado da sua designação. 3ª – A notificação ao patrono da sua designação é efetuada por transmissão eletrónica pelo que se presume feita na data da expedição a qual se presume efetuada no terceiro dia posterior ao da elaboração ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil”, (cfr. doc. n.º 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais).

37 - Ora, se atentarmos no corpo do referido Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 22/03/2012, processo número 1179/10.9TBLLE.E1, disponível em www.dgsi.pt:O réu dispunha do prazo de 25 (5+20) dias para contestar a ação. (…) No caso dos autos tendo a elaboração de notificação da patrona nomeada ao ora recorrente, ocorrido em 20/10/2011, conforme, até é atestado pelo Conselho Distrital de Faro da Ordem dos Advogados, a expedição dessa notificação embora possa ocorrer automaticamente, tem-se por efetuada em 24/11/2011, já que o terceiro dia posterior à elaboração do documento (notificação) é um Domingo.

Desta forma o prazo de 25 dias concedido ao réu para alegar iniciou-se, somente, em 25/10/2011, e sendo de 25 (5+20) dias teve o seu termo em 18/11/2011. Tendo o réu apresentado a sua contestação nesta última aludida data é evidente que deverá considerar-se atempado o seu oferecimento”.

38 - Ora, é claro que os Meritíssimos juiz no referido acórdão referem que o prazo que se encontra em curso é de 25 dias (5+20), mesmo após a interrupção do prazo com a apresentação do comprovativo de pedido de apoio judiciário e nomeação de patrono.

39 - Com interesse para a decisão da questão, da extemporaneidade da apresentação da contestação há que considerar com relevo os seguintes factos: o Réu foi citado em 20 de Setembro de 2011, beneficiava do prazo de 20 + 5, sendo que o prazo interrompeu-se em 29 de Setembro, ora nesse dia já havia decorrido o prazo de dilação de 5 dias, mais concretamente no dia 25 de Setembro e, já se encontrava em curso o prazo peremptório de apresentação da Contestação (diga-se desde o dia 26 de Setembro até ao dia 29 de Setembro, data em que se interrompeu).

40 - Sendo que, na fundamentação de direito que iremos transcrever em parte infra, sendo que no corpo do presente recurso é integralmente reproduzido, é notório que mesmo tendo decorrido o prazo dilatório de 5 dias antes da interrupção do prazo, ele foi novamente contabilizado após o reiniciar do prazo: Consequentemente, o prazo interrompido começou a correr de novo, por inteiro, a partir da data em que a patrona nomeada ao réu foi notificada da sua designação. Desta forma o prazo de 25 dias concedido ao réu para alegar iniciou-se, somente, em 25/10/2011, e sendo de 25 (5+20) dias teve o seu termo em 18/11/2011. Concluindo que “Há, assim, que anular o processado a partir do despacho de não admissão da contestação e determinar que se proceda à adequada tramitação processual tendo-se em conta o teor de tal peça processual.”

41 - Desta forma, é claro que o Acórdão proferido pelo tribunal a quo encontra-se em contradição com outro acórdão supra referido proferido pelo Tribunal da Relação de Évora sobre a mesma questão de facto e de direito.

42 - Assim, o presente recurso de revista é interposto com fundamento na contradição do Acórdão recorrido com um outro acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, datado de 22/03/2012, processo número 1179/10.9TBLLE.E1 transitado em julgado (cfr. doc. n.º 1), no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo certo que sobre esta matéria não foi ainda proferida acórdão de uniformização de jurisprudência com o acórdão recorrido.

43 - Pelo que, deve o presente recurso ser julgado procedente, ordenando-se a baixa do processo e, se determine que a Contestação apresentada nos presentes autos é tempestiva, com as legais consequências daí advenientes”.


Sendo, como se disse, o recurso interposto como de revista excepcional, foi ele endereçado à Formação a que se refere o artigo 672.º, n.º 3, do CPC.

Proferiu esta Formação, em 11.04.2019, Acórdão em que, manifestando não ter dúvidas quanto à dupla conformidade das decisões, julgou a revista não admissível por via excepcional, pelo que os autos deveriam ser remetidos à distribuição para que o relator pudesse efectuar a apreciação a que alude o artigo 652.º, n.º 1, do CPC.

Distribuídos os autos como revista normal, cabe, então, apreciar a questão prévia da admissibilidade do recurso.

O Acórdão sob recurso incide sobre uma decisão interlocutória de natureza processual e, por isso, é enquadrável no artigo 671.º, n.º 2, do CPC, ficando a admissibilidade da revista dependente da verificação dos pressupostos definidos nessa disposição, ou seja, ser um dos casos em que é sempre admissível o recurso [al. a)] ou existir contradição do Acórdão recorrido com Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça [al. b)].

O Acórdão recorrido é um acórdão do qual não cabe recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal. A recorrente alega que ele está em contradição com outro Acórdão da Relação. Há, assim, que pôr a hipótese de este ser um dos casos é que é sempre admissível recurso ao abrigo do disposto na al. d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC.

A oposição de julgados para os efeitos desta norma deve ser apreciada segundo critérios idênticos aos adoptados nos restantes recursos de revista que dependem de oposição de julgados, ou seja, nos recursos interpostos ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, al. c), e do artigo 671.º, n.º 2, al. b), do CPC, nos recursos de revista excepcional interpostos ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, al. c), do CPC e nos recursos para uniformização de jurisprudência, interpostos ao abrigo do artigo 688.º, n.º 1, do CPC[1].

Discorrendo a propósito dos recursos do último tipo, enuncia Abrantes Geraldes os requisitos fundamentais da contradição de julgados[2]. Destacar-se-ia, de entre eles, com especial interesse para o caso em apreço, os seguintes estar em causa uma ou mais questões de direito, existir uma relação identidade da questão de direito, a questão de direito em causa ser essencial para o resultado das decisões e existir uma oposição ou contradição frontal entre as decisões.

Concluir-se-á, em suma, que existe oposição de julgados ou contradição jurisprudencial quando – e apenas quando – o Acórdão recorrido estiver em oposição frontal com outro proferido no domínio da mesma legislação que respeite à mesma questão de direito de carácter essencial.

Passe-se, pois, à análise.

Invoca a recorrente contradição do Acórdão recorrido com o Acórdão, proferido em 22.03.2012 pelo Tribunal da Relação de Évora, Proc. 1179/10.9TBLLE.E1 [3] (doravante qualificado como Acórdão fundamento). Segundo ela, os dois Acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, verificando-se todos os requisitos da contradição relevantes para aqueles efeitos. Será assim?

Deve dizer-se, em primeiro lugar, que, tanto numa como noutro casos, a questão a decidir (aliás, expressamente formulada) era se a contestação havia sido apresentada tempestiva ou intempestivamente.

Deve dizer-se, em segundo lugar, que a resposta à questão implicava a interpretação das mesmas normas, pois, tanto num como noutro casos, estava em causa a dilação de cinco dias prevista no artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC (citação realizada em pessoa diferente do réu) e a interrupção prevista no artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho[4] (pedido de apoio judiciário na pendência de acção judicial, na modalidade de pedido de nomeação de patrono).

Olhando agora para o teor das decisões, verifica-se que, enquanto no Acórdão fundamento se entendeu que “[a] comprovação nos autos de que foi requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono faz interromper qualquer prazo que esteja em curso” e que “o prazo interrompido começou a correr de novo, por inteiro, a partir da data em que a patrona nomeada ao réu foi notificada da sua designação[5], no Acórdão recorrido entendeu-se que “a dilação não se interrompeu, pelo que, neste caso, o único prazo que se interrompeu foi o prazo da contestação”. Quer dizer: enquanto no Acórdão fundamento se considerou o prazo composto da dilação de cinco dias e do prazo para a contestação como um prazo unitário e se entendeu, portanto, que a interrupção do prazo por força do artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o abrangia, por inteiro, no Acórdão recorrido entendeu-se o contrário. O Tribunal recorrido distinguiu bem os dois prazos, tendo-se detido, na senda do Tribunal de 1.ª instância, a explicar e a destacar a autonomia do prazo de dilação relativamente ao prazo peremptório previsto para a contestação no artigo 569.º, n.º 1, do CPC.

Chegados aqui, há que reconhecer, de facto, razão à recorrente no que toca à admissibilidade do recurso pois é visível que existe uma oposição frontal do Acórdão recorrido com aquele outro Acórdão, tendo sido ambos proferidos no domínio da mesma legislação e respeitando ambos à mesma questão de direito essencial.

Sendo assim, passa-se, já de seguida, a conhecer e a decidir da(s) questão(ões) que constituem o objecto do presente recurso.

Sendo estas questões delimitadas, pelo recorrente, nas conclusões de recurso (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), verifica-se que a única questão consiste em saber se a interrupção abrange ou não a dilação prevista no artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC, devendo a contestação, no caso negativo, ser considerada intempestiva.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

A título de fundamentação de facto, entendeu o Tribunal recorrido transcrever, por considerar com relevância para a decisão do recurso de apelação, a seguinte parte da fundamentação de direito da decisão recorrida:

(…)

A Ré CC foi ainda notificada para se pronunciar sobre a tempestividade ou não da contestação por si apresentada, tendo pugnado pelo cumprimento dos prazos legais destinados ao efeito (cfr. requerimento de 03-11-2017, a fls. 132 e 133 do processo físico).

Notificados, os Autores AA e BB defenderam a extemporaneidade da contestação (cfr. requerimento de 23-11-2017, a fls. 139 a 141 do processo físico).

Cumpre decidir.

Já foi acima referido que a contestação foi apenas apresentada em juízo no dia 11 de Outubro de 2017 (cfr. fls. 123 a 128).

Ora, como resulta de fls. 114 dos autos, a citação da Ré ocorreu no dia 24-05-2017, tendo a mesma beneficiado de uma dilação de 5 dias que acresceu ao prazo para a apresentação da contestação (de 30 dias, de acordo com o disposto no art. 569º nº 1 do c.P.c.), dado que o aviso de recepção foi assinado por pessoa diversa da Ré (art. 245º0 1 aI. a) do c.P.c.).

Estamos, pois, perante um prazo dilatório de 5 dias a que se seguiu um prazo peremptório de 30 dias, o que significa que os dois prazos se contam como um só, de acordo com o disposto no art. 142º do C.P.C .. Como tal, o prazo de dilação terminava no dia 29-05-2017 e o prazo peremptório em 28-06-2017.

Todavia, a Ré formulou pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono em 26-06-2017, ou seja, quando estava em curso o prazo para a apresentação da contestação, pelo que o prazo em curso foi interrompido por força do disposto no art. 24º n 4 da Lei n 34/2004 de 29 de Julho, reiniciando-se a sua contagem a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação, que ocorreu no dia 26-07-2017.

Como esta notificação ocorreu no período de férias judiciais, o reinício da contagem do prazo foi transferido para o 1.º dia útil seguinte, ou seja, 01-09-2017.

Será, então, que o prazo que se reiniciou nesta altura inclui também a dilação prevista no art. 245º 1 al. a) do C.P.C. como defende a Ré?

A resposta a esta questão terá que ser necessariamente negativa.

Com efeito estamos perante dois prazos de natureza e funções distintas e não perante um único prazo.

O prazo peremptório tem por função marcar o período de tempo durante o qual pode praticar-se um acto de processo, como sucede com o já mencionado prazo para o oferecimento da contestação. Por sua vez, o prazo dilatório destina-se a estabelecer uma pausa, uma dilação, um compasso de espera (cfr. neste sentido Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3a. Edição, 1982, pág. 273), de que é exemplo o prazo dilatório acima referido.

Por outro lado, enquanto que o decurso do prazo peremptório faz extinguir o direito de praticar o acto, o decurso do prazo dilatório põe termo à pausa, à suspensão do início do cômputo do prazo peremptório, tendo por efeito o começo do curso deste último prazo.

Assim, tratando-se de prazos com funções distintas, constituem também eles próprios prazos distintos, distinção esta que resulta expressamente do elemento literal subjacente à interpretação dos arts. 142º e 569º nº 1, ambos do C.P.C.: ambos os dispositivos legais distinguem sempre a existência de dois prazos, ainda que um seja imediatamente seguido do outro. Não estamos, pois, perante um único prazo de 35 dias, mas sim dois prazos, um de 5 dias e outro diverso de 30 dias.

Pelo que a interrupção do prazo peremptório não pode ter por virtualidade o reinício do cômputo do prazo dilatório que tenha já decorrido antes do facto interruptivo.

E compreende-se que assim seja, também pela razão de ser da existência destes prazos de dilação.

Efectivamente, a dilação em causa visa estabelecer uma pausa na contagem do prazo para o oferecimento da contestação, dado que a carta de citação é entregue a pessoa diversa do citando, o que implica a necessidade de conceder algum tempo adicional para que a citação lhe chegue às mãos e para que, assim, o Réu possa exercer cabalmente o seu direito de defesa.

Nos casos de reinício do prazo para contestar, decorrente de interrupção, é claro que aquela necessidade já não se verifica, uma vez que o desígnio legal foi cumprido antes do acto interruptivo.

Por isso a concessão de nova dilação constituiria uma vantagem injustificada para o Réu e sem razão de ser.

A título de exemplo, veja-se o que sucederia com a dilação nos casos de citação edital: o Réu dispõe de uma dilação de 30 dias (com fundamento nas dificuldades para tomar conhecimento de que foi proposta contra si uma acção judicial, decorrentes desta modalidade de citação) e de um prazo para a apresentação da contestação de mais 30 dias; na sequência de pedido de apoio judiciário, após a notificação do seu deferimento iria beneficiar de mais 60 dias (!) para contestar. Seria manifestamente irrazoável e injustificado.

Apenas poderia defender-se esta solução caso o facto interruptivo ocorresse ainda no decurso do prazo dilatório, o que não foi manifestamente o caso.

A esta interpretação não obsta o disposto no já citado art. 142º do C.P.C., que refere que " ... os dois prazos contam-se como um só".

Na verdade, esta norma, para além de distinguir, como se disse, dois prazos, ficciona que se trata de um só apenas para efeitos de contagem de ambos os prazos. Visa-se com esta norma evitar que deixe de contar-se o dia em que começa a correr o prazo peremptório, como teria que ser, atento o disposto no art. 279º aI. b) do Cód. Civil, se a norma não existisse.

Conclui-se, assim, que o prazo que se encontrava em curso no momento do facto interruptivo era o prazo de 30 dias para o oferecimento da contestação e não, como defende a Ré, um prazo de 35 dias que não se encontra legalmente previsto, já que a dilação estabelecida no art. 245º 1 al. a) do C.P.C. constitui um prazo distinto e autónomo relativamente àquele prazo peremptório e já tinha decorrido naquela altura.

Nesta conformidade, não restam dúvidas de que na data da apresentação da contestação (11 de Outubro de 2017) há muito havia já decorrido o prazo de 30 dias previsto para o efeito e que se havia reiniciado no dia 1 de Setembro de 2017.

Por tudo o exposto, decide-se não admitir a contestação apresentada pela Ré, por extemporaneidade.

(…)”.


O DIREITO

Admitida a presente revista nos termos anteriormente expostos, cabe, por fim, responder à questão que constitui o objecto do presente recurso de revista.

Alega a recorrente, nas conclusões, que:

“7 - Nos presentes autos a citação da Ré, ora Recorrente, ocorreu no dia 24-05-2017, tendo a mesma beneficiado de uma dilação de 5 dias que acrescentou ao prazo para a apresentação da contestação (de 30 dias, de acordo com o disposto no artigo 569.º, n.º 1 do C.P.C), dado que o aviso de recepção foi assinado por pessoa diversa da Ré (artigo 245.º, n.º 1, al. a) do C.P.C.).

8 - Todavia, a ora Recorrente formulou pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono em 26-06-2017, reiniciando-se a contagem a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação, que ocorreu no dia 26-07-2017.

9 - Como esta notificação ocorreu no período de férias judiciais, o reinício da contagem do prazo foi transferido para o 1º dia útil seguinte, ou seja, 01-09-2017.

10 - Pelo que, procedendo-se à contagem do prazo de 35 dias para a apresentação da contestação em juízo este terminou em 05 de Outubro, que sendo feriado, se transferiu para o 1.º dia útil seguinte, assim e, somando ao dia 06 de outubro de 2017, três dias úteis, o prazo de apresentação da contestação terminava em 11 de Outubro de 2017, conforme sucedeu”.

A questão subjacente é, como se disse, uma única: saber se a interrupção abrange ou não a dilação prevista no artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC, devendo a contestação, no caso negativo, ser considerada intempestiva.

Quanto à questão foram claras e firmes ambas as instâncias. Na sequência daquilo que já havia feito, desenvolvidamente, o Tribunal de 1.ª instância, veio o Tribunal a quo advertir para as diferenças, quanto à natureza e à função, entre o prazo peremptório, de trinta dias, para a contestação (cfr. artigo 569.º, n.º 1, do CPC) e o prazo dilatório, de cinco dias, que, nas circunstâncias delimitadas no artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC, pode acrescer àquele.

Diz-se no Acórdão recorrido:

Como é consabido, a dilação (ou prazo dilatório) antecede a contagem do prazo peremptório da defesa (art. 145º, n.º 2) , sendo que, a contagem de ambos faz-se como se tratasse de um único prazo (art. 148º), sendo por isso irrelevante que, por exemplo, o termo do prazo dilatório seja dia de encerramento do tribunal.

Enquanto o prazo dilatório é o que difere para certo momento a possibilidade da realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo, o prazo peremptório é aquele de cujo decurso resulta a extinção do direito de praticar o acto.

Assim, considerado o prazo dilatório de 5 dias, a que se seguiu um prazo peremptório de 30 dias, os quais haverá de ser contados como um só, de acordo com o disposto no art. 142º do C.P.C., temos que o prazo de dilação terminava no dia 29-05-2017 e o prazo peremptório em 28-06-2017.

No entanto como aí se refere, tendo a Ré formulado pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono em 26-06-2017, ou seja, quando estava em curso o prazo para a apresentação da contestação, o prazo em curso foi interrompido por força do disposto no art. 24º n 4 da Lei n 34/2004 de 29 de Julho, reiniciando-se a sua contagem a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação, que ocorreu no dia 26-07-2017.

E como esta notificação ocorreu no período de férias judiciais, o reinício da contagem do prazo foi transferido para o 1.º dia útil seguinte, ou seja, 01-09-2017.

E assim, a questão sobre que versou a decisão recorrida e que é objecto da presente apelação a mais não se subsume do que `de saber o prazo que se reiniciou nesta altura inclui também, ou não, a dilação prevista no art. 245º, nº 1, al. a) do C.P.C., como defende a Recorrente.

Ora, embora o art. 142º do CPC, para efeitos de contagem de prazos, disponha que quando um prazo peremptório se segue a um prazo dilatório, os dois prazos contam-se como um só, temos sempre de ter em conta que a dilação e o prazo para contestar constituem dois prazos distintos e autónomos.

A dilação é o lapso de tempo que medeia entre a data da citação e a data em que começa a correr o prazo para contestar e o prazo para contestar só começa a correr a partir do termo da dilação.

Por último, dispõe o art. 24º n 4 da Lei n 34/2004 de 29 de Julho que, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.

No caso em apreço, como se deixou dito, a Ré formulou pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono em 26-06-2017, tendo sido notificado o patrono nomeado da sua designação, no dia 26-07-2017, pelo que, quando Ré apresentou o pedido de apoio judiciário, já estava em curso o prazo para a apresentação da contestação, e também já tinha decorrido a dilação de cinco dias prevista no art. 245, n.º 1, al. a), do CPC e estava a decorrer o prazo para a apresentação da contestação.

Ora, como já tinha decorrido o prazo da dilação e como só pode interromper-se um prazo que esteja em curso, a dilação não se interrompeu, pelo que, neste caso, o único prazo que se interrompeu foi o prazo da contestação, o prazo de trinta dias que a Ré tinha para contestar a acção, prazo esse que, nos termos do art. 24º n 4 da Lei n 34/2004 de 29 de Julho, se reiniciou no dia 1 de Setembro de 2017, pelo que na data da apresentação da contestação (11 de Outubro de 2017) há muito havia já decorrido o prazo de 30 dias previsto para o efeito.

Destarte, e concluindo, uma vez que na data desta notificação já tinha decorrido o prazo da dilação e estava a correr o prazo da contestação, apenas este último prazo se interrompeu, razão pela qual, uma vez que o pedido de apoio judiciário foi formulado na pendência da acção judicial quando o prazo que estiva em era o peremptório, e já havia decorrido o dilatório, foi o primeiro o que se interrompeu com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento de pedido de apoio e reiniciou-se a partir da notificação ao patrono nomeado do sua designação.

E assim sendo, improcede a apelação, confirmando-se a decisão recorrida”.

Sobre a questão é muito escasso o que pode acrescentar-se à argumentação expendida pelo Tribunal de 1.ª instância (constante da fundamentação de facto e reproduzida no Acórdão recorrido) e acolhida pelo Tribunal a quo.

O caso é simples de descrever:

A citação realizou-se em pessoa diversa da citanda / recorrente, beneficiando esta de um prazo para a contestação em que aos trinta dias habituais previstos no pelo artigo 569.º, n.º 1, do CPC acrescem cinco dias de dilação por força do artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC. Tendo, porém, a recorrente formulado, entretanto, pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o prazo em curso interrompe-se, conforme determinado no artigo 24.º, n.º 4, da Lei n 34/2004 de 29 de Julho, reiniciando-se a sua contagem a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação[6]. Como tal notificação ocorreu no período de férias judiciais, o reinício da contagem do prazo foi transferiu-se, em conformidade com o disposto no artigo 139.º, n.º 2, do CPC, para o 1.º dia útil seguinte. Nos temos do artigo 326.º, n.º 1, do CC, a interrupção inutiliza todo o tempo do prazo em curso decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo (a notificação ao patrono nomeado da sua designação).

O problema está em saber quando se esgotou este prazo, o que implica saber que prazo estava em curso e foi interrompido. Nestas hipóteses em que a parte beneficia de dilação, deve considerar-se que o prazo que está em curso é o prazo global, unitário, composto do período previsto no artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC e do período previsto no artigo 569.º, n.º 1, do CPC, ou deve considerar-se que estão em causa dois prazos distintos, autónomos e dissociáveis, caso em que o primeiro, estando já decorrido, não pode ser considerado para efeitos de contagem de novo prazo?

Sem hesitação, afigura-se que a resposta correcta é a segunda. Veja-se por que razão.

Dispõe o artigo 139.º do CPC, quanto às modalidades do prazo, que o prazo pode ser dilatório ou peremptório (cfr. n.º 1), sendo que o primeiro difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de certo prazo (cfr. n.º 3) e o segundo extingue o direito de praticar o acto (cfr. n.º 3).

Não há dúvida de que o prazo de que a recorrente beneficia ao abrigo do artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC é um prazo dilatório (também designado “suspensivo [7]) que acresce ao prazo estabelecido para a contestação no artigo 569.º, n.º 1, do CPC, que, por seu turno, se classifica como peremptório[8](também designado “conclusivo, preclusivo, resolutivo[9]).

A diversidade de natureza de cada um dos prazos está patente nas respectivas designações e associa-se, inevitavelmente, à diversidade das respectivas funções. O prazo, peremptório, conclusivo, preclusivo, resolutivo, previsto no artigo 569.º, n.º 1, do CPC corresponde ao período de tempo dentro do qual o acto (in casu: a apresentação da contestação) pode ser praticado, sob pena de deixar de ser possível praticá-lo. Este último prazo é, por isso, considerado manifestação do princípio da preclusão[10]. Enquanto isso, a dilaçãoou suspensãodo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC corresponde ao período de tempo que antecede a contagem do prazo fixado para a apresentação da contestação e justifica-se pelo facto de a citação ter sido realizada em pessoa diversa do citando. Mais precisamente, a dilação visa assegurar apenas que a citação chega ao conhecimento do citando, ficando este, por fim, habilitado a exercer o seu direito de defesa nas mesmas condições em que estaria se a citação tivesse sido realizada directamente na sua pessoa.

Os dois prazos apresentam-se bem demarcados na letra da lei. O artigo 569.º, n.º 1, do CPC, tem a epígrafe “[p]razo para a contestação”, e determina que, quando haja lugar a dilação, o prazo para a contestação começa a correr desde o termo da dilação. E o artigo 142.º do CPC determina que quando um prazo peremptório se segue a um prazo dilatório “os dois prazos contam-se como [se fossem] um só”. Como explicam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, o objectivo desta última disposição é o de impedir que se conte, entre os dois prazos, o dia de interregno que seria normal contar-se[11], isto é, de esclarecer que ao termo de um deve seguir-se imediatamente a contagem do outro[12].

De tudo isto decorre que os dois prazos são prazos distintos e autónomos (são 5 dias + 30 dias e não 35 dias, como alega a recorrente), ainda que a lei ficcione, para efeitos de contagem – e só para efeitos de contagem –, o seu “englobamento” ou “fusão” num prazo único.

Voltando ao caso dos autos:

A recorrente foi citada em 24.05.2017 e formulou pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono em 26.06.2017, o que interrompeu o prazo em curso. O prazo dilatório encontrava-se já completamente esgotado nessa altura e – saliente-se – havia sido realizado o interesse em homenagem do qual a lei fixa este prazo ou que o justifica. O prazo em curso era, pois, o prazo peremptório (de trinta dias) para a contestação. A sua contagem deveria reiniciar-se aquando da notificação ao patrono nomeado da sua designação, ou seja, em 26.07.2017, mas, como a notificação ocorreu no período de férias judiciais, o reinício da contagem transferiu-se para o 1.º dia útil seguinte, ou seja, 1.09.2017. A recorrente dispunha, em suma, de trinta dias a partir de 1.09.2017 para apresentar a sua contestação mas apresentou-a apenas em 11.10.2017. Facilmente se vê que a contestação foi apresentada fora do prazo, mesmo considerando a possibilidade concedida no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, não restando senão concluir que é extemporânea.



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III. DECISÃO


Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o acórdão recorrido.



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Custas pela recorrente.



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LISBOA, 6 de Junho de 2019


Catarina Serra (Relatora)

Bernardo Domingos

João Bernardo

_________________

[1] Isto em razão da identidade de fundamento. Cfr., neste sentido, quanto aos recursos interpostos ao abrigo da al. c) e da al. d) do n.º 2 do artigo 629.º, do artigo 672.º, n.º 2, al. c) e do artigo 688.º, n.º 1, do CPC, Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), p. 59.

[2] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), pp. 471-477.

[3] Disponível em http://www.dgsi.pt.

[4] Altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.

[5] Sublinhados nossos.
[6] Cfr, neste sentido, Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume I – Parte Geral e Processo de declaração, Coimbra, Almedina, 2018, p. 637.
[7] Cfr. Antunes Varela / Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985 (2.ª edição), p. 63.
[8] Cfr., neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º - Artigos 1.º a 361.º, Coimbra, Almedina, 2018 (4.ª edição), p. 293
[9] Cfr. Antunes Varela / Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, ob. cit., loc. cit.
10] Cfr., neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, ob. cit., loc. cit.
[11] Atente-se no disposto no artigo 279.º, n.º 1, al. b), do CC: “[n]a contagem de qualquer prazo não se inclui o dia (…) em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr”.
[12] Cfr. Antunes Varela / Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, ob. cit., p. 334.