Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
66/13.3PTSTR-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
ADMISSIBILIDADE
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
DECISÃO QUE PÕE TERMO AO PROCESSO
DECISÃO PENAL CONDENATÓRIA
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 12/19/2019
Nº Único do Processo:
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO.
DIREITO PROCESSUAL PENAL – ACTOS PROCESSUAIS / FORMA DOS ACTOS E SUA DOCUMENTAÇÃO – JULGAMENTO / AUDIÊNCIA / ACTOS INTRODUTÓRIOS / PRODUÇÃO DA PROVA – RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / REVISÃO.
Doutrina:
- Luís Osório, Comentário ao Código de Processo Penal Português, 6.º vol., C. Ed., p. 403;
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª ed., UCE, p. 1215 e ss.;
- Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, 2.ª ed., p. 1507.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 56.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 97.º, N.º 1, ALÍNEA A), 338.º, 449.º, N.º 2, 450.º, N.º 1, ALÍNEAS B) E C), 461.º, N.º 1 E 464.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 20-10-2016, PROCESSOS N.º 14217/03.2TDLSB-A.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O despacho que revoga a suspensão da execução da pena não põe fim ao processo, antes dá sequência à condenação antes proferida, abrindo a fase da execução da pena de prisão, como decorre do n.º 2 do art. 56.º do CP ao prescrever que a revogação da suspensão determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença.

II - Despacho que põe fim ao processo é o despacho que faz cessar a relação jurídico-processual por razões substantivas ou adjectivas; é o que tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do objecto do processo, ainda que não tenha conhecido do mérito; é o que obsta ao prosseguimento do processo para conhecimento do seu objecto, como o despacho de não pronúncia, de não recebimento da acusação, de arquivamento decorrente de conhecimento de questão prévia ou incidental em audiência, ou de nulidade (art. 338.º do CPP) ou a decisão sumária do relator. Já não o despacho que revogou a suspensão da execução da pena.

III - A matriz da revisão é a de condenação/absolvição, aí estando em causa a justiça da condenação, o que por força da equiparação do n.º 2 do art. 449.º, tem de perpassar também pelo despacho que põe fim ao processo, como decorre das als. b) e c) do n.º 1 do art. 450.º do CPP, o que não acontece com o despacho revogatório da suspensão, onde desde logo não é a justiça da condenação decretada na sentença que é posta em causa, mas a justeza e a legalidade do despacho que ordenou o cumprimento da pena.

IV - Acresce que essa al. c) só confere legitimidade ao arguido para a revisão quanto a sentenças condenatórias pelo que, obviamente não se tratando o despacho revogatório da suspensão de uma sentença (art. 97.º, n.º 1, al. a) do CPP), sempre o condenado carecerá de legitimidade para o recurso.

V - Resulta do art. 464.º do CPP que o Supremo “se conceder a revisão, declara sem efeito o despacho e ordena que o processo prossiga” o que quer dizer, que o efeito útil da revisão se traduz no prosseguimento do processo, pelo que o despacho susceptível de revisão há-de ser um despacho que antes tenha abortado o seu prosseguimento, o que, de todo, não é o caso do despacho que revogou a suspensão da execução da pena.

VI - Em caso de condenação do arguido por crime cometido durante o período da suspensão e na hipótese de, na sequência de revisão autorizada, essa condenação vir a ser substituída por sentença absolutória, nessa situação e na resposta dada pelo n.º 1 do art. 461.º do CPP, mais não restará que ser anulada a revogação da suspensão e o arguido restituído à situação jurídica anterior à condenação, v. g., de suspensão de execução da pena.

Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:




I. Relatório


AA veio, nos termos do art.º 449.º, n.º 1, alín. d), do CPP, interpor recurso extraordinário de revisão do despacho judicial de 04.12.2018, transitado em julgado em 30.01.2019, que revogou a suspensão da execução da pena única de 2 anos e 10 meses de prisão e ordenou o seu cumprimento, em que havia sido condenado por decisão de 27.09.2013, transitada em julgado em 30.06.2014, proferida nos autos à margem indicados, do Juízo Local Criminal de … – Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca de … .

Concluiu o respectivo requerimento com as seguintes prolixas conclusões:

1 - O Recorrente foi condenado, nestes autos, por sentença datada de 27.09.2013 e transitada em julgado em 30 de Junho de 2014, na pena única 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa por igual período, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, um crime de condução sem habilitação legal e um crime de resistência e coacção sobre funcionário.

2 - Conforme o CRC e certidão da decisão proferida no Proc. Sumário nº 399/16.7G… da Secção de Competência Genérica J… da Instância Local de …, o aqui recorrente foi condenado, pela prática, em 22.08.2016, ou seja, no decurso do período de suspensão de execução da pena, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 8 (oito) meses de prisão substituída por 240 (duzentos e quarenta) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

3 - Por douto despacho datado de 24.03.2017 (Refª 74…6, fls. 139/140 dos autos), o tribunal decidiu “prorrogar o período de suspensão da execução da pena pelo período de 1 (um) ano, sujeito à condição de, durante esse período, o arguido AA, se inscrever em escola de condução, com vista à aquisição de habilitação para conduzir veículos ligeiros”.

4 - Em 14.05.2018, o IMTT, através do of. n.º 00…6/DVSA/DIG (fls. 154 dos autos), informou os autos que “…à data (o ora recorrente) não é titular de carta ou licença de condução”.

5 - Pelo ofício com a Refª 79…3 de 02.11.2018 - com prova de depósito efectuada em 07.11.2018 - o ora recorrente foi notificado do despacho com a Refª 79…31 “para, querendo, em cinco dias se pronunciar sobre o teor da promoção com a Refª 79…79.

6 - Porém, nada disse, por razões atinentes ao seu defensor e portanto impróprias e irrelevantes nesta sede.

7 - No entanto, ficou bastante preocupado, daí que foi pedir apoio judiciário a fim de lhe ser nomeado outro defensor - cf. “Recibo de Entrega de Documentos” passado pela Segurança Social em 21.11.2018 e junto como DOC. 1 no requerimento apresentado no dia 16.01.2019 com a Refª 59…22.

8 - Por decisão judicial de 04.12.2018 (Refª 79…74), o tribunal decidiu “revogar a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado e, em consequência, ordenar, após o trânsito em julgado deste despacho, a emissão de mandato de detenção do Arguido para cumprimento de pena”.

9 - Em 18.12.2018, o ora recorrente foi notificado pela PSP de Santarém do douto despacho revogatório com a Refª 79…74, remetido àquele OPC pelo ofício com a Refª 79…05 de 05.12.2018 (cf. fls. 161 e 161 dos autos).

10 - Em 15.01.2019 - na sequência do pedido de apoio judiciário supra referido (vd. Cls. 7) - a Ilustre Advogada Dra. BB foi nomeada Defensora ao aqui recorrente (cf. fls. 162 dos autos).

11 - Em 16.01.2019, o ora recorrente apresentou, através do Mandatário ora signatário, o requerimento com a Refª 55…22, subscrito por ele e pelo Mandatário (cf. anexa certidão que também integra tal requerimento) e de que se destacam os seguintes pontos:

1 - No supra referido despacho com a Refª 79…74, o Tribunal decidiu “revogar a suspensão da pena de prisão em que o Arguido foi condenado e, em consequência, ordenar, após o trânsito em julgado…a emissão de mandados de detenção do Arguido para cumprimento de pena”.


8 - O facto é que, (apenas) por absoluta impossibilidade financeira (é que) o arguido não veio conseguindo cumprir a dita condição, por isso não veio entretanto juntar prova bastante.


23 - Requer e manifesta a sua total disponibilidade para ser ouvido pessoalmente pelo Tribunal.

24 - Face a todo o exposto, mormente porque o arguido já está cumprir a condição ordenada pelo Tribunal, requer a V.Exª se digne revogar o despacho de revogação da suspensão da pena de prisão, dando assim uma derradeira oportunidade ao arguido (e à sua família que dele precisa).

24 - Pede CLEMÊNCIA a V.Exª.

...”

12 - Em 13.02.2019, através do ofício com a Refª 60….97, foi o Mandatário ora signatário notificado do douto despacho de 12.02.2019 com a Refª 80…90, com o seguinte teor sintético:

“Requerimento referência 55…22: O meio próprio para reagir ao despacho que revogou a suspensão da pena é o recurso, tendo-se esgotado o poder jurisdicional deste tribunal com a prolação do referido despacho. Pelo exposto, indefere-se ao requerido”.

12 (A) - O “Requerimento referência 55…22” deu entrada dentro do prazo de recurso e atentos os princípios da economia e celeridade processuais, cooperação com o tribunal e boa-fé, destinava-se precisamente suprir a nulidade insanável resultante da falta de audição presencial do condenado (cf. art.º 119°, alínea c), do CPP), mas tem razão o tribunal a quo no primeiro segmento do despacho em apreço.

12 (B) - Porém, já não terá no outro segmento, pois, conforme jurisprudência assente, o poder jurisdicional do juiz não se esgota com a prolação do despacho de revogação, antes abrangendo a verificação do cumprimento do mesmo e as diligências necessárias a assegurar o cumprimento do mesmo, nomeadamente a emissão do mandado de condução à cadeia.

13 - A ideia de que o poder jurisdicional do juiz se esgota com a prolação do despacho de revogação nos “termos gerais” do art.º 613°, n° 1 do CPC, aplicável por força do art.º 4º do CPP, será válida na generalidade dos processos, incidentes e/ou procedimentos judiciais.

14 - Não parece que possa ser esse o caso na revogação da suspensão da execução da pena de prisão, cuja previsão legal aparece funcionalizada ao objectivo de permitir a efectivação e exigir a efectivação plena, pelo legislador ordinário, do direito constitucional ao contraditório e da audição prévia - neste caso concretizado no direito a ser ouvido presencialmente (art.ºs 32° da Constituição e 61°, n° 1, b), e 495°, n° 2, ambos do CPP), tanto mais que a suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição em sentido próprio.

15 - Impunha-se, pois, ao Mº Juiz a quo a consideração do requerimento apresentado pelo condenado/recorrente, sem se resguardar no princípio do esgotamento do poder jurisdicional

16 - Tanto o despacho com a Refª 79…74 (que revogou a suspensão da pena de prisão), como o despacho com a Refª 80…90 (que declarou esgotado o poder jurisdicional do tribunal) apresentam-se, à luz do princípio da protecção da confiança (art.º 2° da CRP) como desproporcionalmente gravosos e imprevistos, visto frustrarem as expectativas criadas no arguido.

17 - Devidamente balizada a desvantagem processual em que se viu colocado o ora recorrente, pretende-se a sindicância por esse Colendo Tribunal da justeza da manutenção na ordem jurídica portuguesa do douto despacho com a Refª 79…74, que ordena o cumprimento da pena de prisão pelo Arguido, atenta a ocorrência de um facto/meio de prova superveniente - inscrição na “CC, LDA - ESCOLA DE CONDUÇÃO” no dia 18.12.2018 e frequência de 3 aulas nesta escola (cf. Docs. 17 a 19 juntos com o requerimento com a Refª 55…22 e que constam da anexa certidão requerida ao tribunal nos termos do art.º 451º, nº 3, do CPP) - e a sua conjugação com os factos invocados pelo tribunal "a quo" para revogar a suspensão da execução da pena constantes do despacho em apreço, bem como do despacho que considerou esgotado o poder jurisdicional do tribunal.

18 - A revisão de despacho transitado em julgado é admissível quando, nos termos da alínea d) do n.º 1 e do nº 2 do art.º 449.º do CPP, se descubram novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, sendo que à sentença é equiparado despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão.

19 - É certo que, em bom rigor, o facto novo agora trazido à apreciação desse Colendo Tribunal não será “novo” no sentido em que ainda não se tinha verificado no período de suspensão e nem mesmo antes da prolação do despacho revogatório, sendo pois, existencialmente, superveniente (o período de suspensão terminava a 24.03.2018, a decisão revogatória é de 04.12.2018, a inscrição do recorrente na escola de condução ocorreu em 18.12.2018).

20 - Porém, salvo o devido respeito e melhor opinião, um tal rigor não parece compaginar com outros princípios que enformam o processo penal, pelo que uma interpretação da al. d) do nº 1 do art.º 449º do CPP com base apenas nesse critério temporal (anterioridade do facto “novo”) e como regra absoluta, ultrapassa largamente a medida proporcional da culpa e será mesmo inconstitucional por tratar-se da aplicação de uma pena privativa da liberdade, em clara violação do princípio da restrição mínima do direito à liberdade pessoal, previsto nos nºs 1 e 2 do art.º 18 da CRP e do princípio que a Doutrina tem denominado da necessidade das penas ou da máxima restrição das penas, quiçá também tendo em atenção a reintegração do agente na sociedade (art.º 40º do Código Penal).

21 - Reconhecendo-se a necessidade de uma regra geral, sob pena do caos e generalizado desrespeito pelas decisões judiciais, no entanto, cada caso é um caso e parece-nos que deve ser averiguado no caso concreto em que medida o cumprimento tardio / intempestivo pelo recorrente foi deliberadamente desconforme ao Direito e particularmente ao comando emanado pelo tribunal.

22 - O recorrente apresentou uma explicação cogente, assaz transparente, uma justificação bastante para a omissão verificada, pois deu a conhecer, pormenorizadamente, o(s) motivo(s) por que a inscrição na escola de condução não sucedeu antes.

23 - Nesta ou noutras situações que o justifiquem, parece-nos que a regra geral deverá ceder perante a maior força ou peso que apresentem, como sucede no caso concreto, determinados princípios (v.g. o cit. princípio da necessidade da pena), aceitando-se o facto “novo” superveniente, em nome de uma boa Justiça.

24 - No segundo parágrafo do cit. despacho revogatório, diz-se que “O Arguido notificado para se pronunciar, querendo, nada disse”, sendo que, mais à frente, na segunda página, se assevera que “…nada disse ou fez perante as diversas notificações que lhe foram dirigidas para informar os autos do incumprimento ou incumprimento de tal condição, não se dignando, sequer, apresentar uma justificação para tal incumprimento”.

25 - É sobre esta conclusão que se roga a V. Exas. seja formulado juízo sobre a virtualidade de a inscrição na escola de condução que sobreveio posteriormente ao despacho poder afastar a caracterização da actuação do Arguido como culposa, nos termos a que a ela se refere o despacho ora posto em crise.

26 - É que, além do mais, como se havia dito nos pontos 3 e 4 do requerimento com a Refª 55…22 de 16.01.2019, antes de ser notificado pela PSP … da decisão revogatória (após convocado por postal depositado na sua caixa de correio), o arguido apenas recebeu uma única notificação - Refª 79…43 de 02.11.2018 que o notificou do despacho com a Refª 79…31 para se pronunciar sobre a promoção com a Refª 79…79; antes da sobredita notificação de 02.11.2018, o arguido não recebeu na sua caixa de correio qualquer notificação do Tribunal (ou convocação da PSP) nesse sentido (ou noutro qualquer).

27 - Retomando a questão decidenda, pergunta-se se será justo, à face do direito penal português, que o Arguido cumpra pena de prisão, depois do verificado cumprimento da condição de suspensão, apesar de fora do prazo concedido, e qual a relevância que o facto - inscrição em escola de condução e frequência de 3 aulas nesta escola - assume enquanto facto novo relevante, na conjugação com os que foram apreciados no processo para efeitos do disposto no art.º 449.º, nº1, alínea d), do CPP.

28 - Sendo certo que o ora recorrente só não cumpriu antes a condição imposta, por absoluta impossibilidade financeira, logo, sem culpa.

29 - A conduta do arguido deve ser avaliada à luz daquele cit. novo facto, pois ainda que superveniente, é revelador da sua conformação com o Direito.

30 - Deve também ser ponderado que o ora recorrente é um bom pai de família, tem 3 filhos em idade escolar, embora desempregado é ele quem faz agora a lide da casa, encontra-se inserido na comunidade envolvente.

31 - O ora recorrente lamenta profundamente o sucedido, tendo há muito interiorizado o desvalor da sua conduta.

32 - Neste quadro factual, e dada a paz social e jurídica há muito conseguida, ordenar a prisão do Arguido recorrente revela-se um acto de profunda injustiça que urge reparar com o auxílio desse Colendo Supremo Tribunal de Justiça, dando-se assim primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.

33 - A caracterização da conduta do Arguido como culposa, traduzida no não cumprimento atempado da condição imposta no âmbito da suspensão de execução da pena, merece nova reflexão ao abrigo de um facto novo - inscrição em escola de condução e frequência de 3 aulas nesta escola, embora para além do prazo concedido - traduz-se num elemento probatório que, a juntar aos demais existentes no processo, faz suscitar (senão impor) que a conduta do Arguido não possa ser qualificada como culposa, mas adveniente da sua condição financeira precária.

34 - Através deste meio extraordinário de reacção contra um despacho já transitado em julgado, pretende-se obter, nesta fase rescindente, autorização desse Colendo Supremo Tribunal de Justiça para que seja novamente apreciada aquela decisão, mediante uma nova apreciação dos factos, até a poder ultrapassar as limitações ínsitas no despacho de 12.02.2019 em que o Meritíssimo Juiz "a quo" vem esclarecer encontrar-se esgotado o poder jurisdicional do tribunal.

35 - Para o efeito, impetra-se a V. Exas que sejam avaliados os fundamentos da presente revisão, e determinada a reapreciação, pelo tribunal “a quo", da conduta do Arguido no incumprimento da condição imposta por sentença, à luz deste novo facto superveniente - inscrição em escola de condução e frequência de 3 aulas nesta escola, embora para além do prazo concedido -, pois que, de outro modo, frustrar-se-iam valores supremos defendidos constitucionalmente.

36 - O recurso de revisão, assenta num compromisso entre a salvaguarda do caso julgado, que é condição essencial da manutenção da paz jurídica, e as exigências da justiça, mecanismo que se afigura como uma espécie de remédio a aplicar a situações em que seria chocante, em nome da paz jurídica, manter uma decisão de tal forma injusta (aparentemente injusta) que essa própria paz jurídica ficaria posta em causa.

37 - É este, salvo o devido respeito, o caso dos autos para o que se roga a intervenção, nesta sede, desse Colendo Supremo Tribunal de Justiça, dado que a paz jurídica actualmente existente nos valores em confronto neste processo sairia melindrada.

38 - Afigurar-se-ia chocante que o Arguido, cumprida que se mostra a condição de suspensão de execução da pena, embora tardiamente, fosse obrigado a cumprir pena de prisão passados volvidos mais de 2 anos, e numa altura em que a paz entre o Arguido e a comunidade se acha há muito restabelecida.

39 - No quadro dado, em abono do superior interesse da Justiça, da reposição da verdade e da realização da justiça, o Arguido merece que a sua conduta possa vir a ser reapreciada à luz deste novo facto e, considerada a inexistência de culpa no cumprimento intempestivo da condição de suspensão, assim se julgando a mesma integralmente cumprida, declarando-se a pena extinta pelo cumprimento.

40 - Requer a V. Exas, ao abrigo do disposto no art.º 457º, n.º 3, do CPP, uma vez que ainda não iniciou o cumprimento da sanção, a aplicação de medida de coacção não privativa da liberdade.

Pelos fundamentos precedentemente expostos, deve o presente recurso extraordinário de revisão de despacho revogatório, previsto pelo artigo 449º do CPP, com fundamento no seu nº 1, alínea d), ser admitido, deste modo fazendo prevalecer a Justiça sobre a estabilidade de uma decisão judicial já transitada em julgado.

Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso extraordinário de revisão de despacho revogatório, autorizando a revisão e revogando-se a decisão condenatória que revogou a suspensão da pena de prisão de 2 anos e 10 meses, seguindo-se os ulteriores termos previstos no art.º 457º do CPP, deste modo permitindo-se obter uma nova decisão judicial que substitua a anterior e assim corrigir e evitar a lesão grave de direitos fundamentais de AA”.

O M. P.º respondeu no sentido da negação da revisão.

No cumprimento do art.º 454.º do CPP o Exmo. Juiz do processo proferiu a seguinte informação:

“- O Recorrente veio, nos termos do artigo 449.º do Código de Processo Penal, apresentar recurso extraordinário de revisão do despacho de revogação da suspensão da pena proferido nos presentes autos, oportunamente transitado em julgado.

Sustenta o condenado ter encontrado factos ou meios de prova susceptíveis de infirmar a decisão de revogação da pena.

Realizadas as diligências de prova consideradas necessárias à instrução do presente recurso de revisão, cumpre neste momento emitir parecer acerca do mérito do pedido, nos termos do disposto no artigo 454.º, do Cód. Proc. Penal.

Estabelece artigo 449.º, n.º1, al. d), do Cód. Proc. Penal que “a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que forem apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Foi inquirida a testemunha DD.

Afigura-se que as diligências de prova realizadas não são susceptíveis de pôr em causa a fundamentação fáctica da decisão ora em crise.

Destarte, afigura-se que o recurso se mostra desprovido de qualquer mérito”.

Já neste STJ o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu proficiente parecer, onde suscitou a questão prévia da recorribilidade, ou não, do despacho objecto de revisão, que assumiu favoravelmente e quanto à revisão propriamente dita pronunciou-se pela sua denegação.

Na conferência, face à impossibilidade de formação de maioria com os votos do primitivo relator e do juiz-adjunto, após desempate do Exmo. Presidente da Secção, houve lugar a mudança de relator.


*


II. Fundamentação

Conforme se referiu, o objecto do pedido de revisão consiste num despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado e que, em consequência, determinou o cumprimento da pena que lhe foi aplicada.

Como é sabido, o recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, a que aludem os art.ºs 449.º e ss. do CPP, com a dignidade constitucional conferida pelo n.º 6 do art.º 29.º da CRP, assume-se como um meio processual especialmente vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários, ou casos de flagrante injustiça, em ordem a sobrepor o princípio da justiça material à segurança do direito e à força do caso julgado.

Dado o seu carácter extraordinário ou excepcional, está sujeito às causas taxativas e imperiosas elencadas no n.º 1 daquele preceito legal.

Foi precisamente com base no fundamento da alín. d) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP que o recorrente peticionou a revisão.

A obstar ao conhecimento do fundamento invocado para a revisão interpõe-se a questão prévia a que importa dar resposta e que tem a ver com a admissibilidade ou inadmissibilidade do próprio recurso, tendo em conta a natureza do despacho objecto de revisão.

Seguindo aqui de perto o que enquanto relator expusemos no acórdão deste STJ de 20.10.2016 (Proc. n.º 14217/03.2TDLSB-A.S1, disponível em www.dgsi.pt), o art.º 449.º do CPP sob a epígrafe “fundamentos e admissibilidade da revisão”, depois de no seu n.º 1 fixar os fundamentos da revisão da sentença transitada em julgado, no seu n.º 2 equipara, para esse efeito, à sentença o “despacho que tiver posto fim ao processo”.

Ora, é sobre a natureza final ou não do despacho que revoga a suspensão da execução de uma pena que neste STJ se confrontam duas orientações acerca da admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso de revisão desse despacho.

A que não admite o recurso[1] baseia-se nos seguintes argumentos:

- O despacho que revoga a suspensão da execução da pena não põe fim ao processo, antes dá sequência à condenação antes proferida, abrindo a fase da execução da pena de prisão, como decorre do n.º 2 do art.º 56.º do CP ao prescrever que a revogação da suspensão “determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença”.

O despacho que põe fim ao processo é o despacho que faz cessar a relação jurídico-processual por razões substantivas ou adjectivas; é o que tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do objecto do processo, ainda que não tenha conhecido do mérito; é o que obsta ao prosseguimento do processo para conhecimento do seu objecto, como o despacho de não pronúncia, de não recebimento da acusação, de arquivamento decorrente de conhecimento de questão prévia ou incidental em audiência, ou de nulidade (art.º 338.º do CPP) ou a decisão sumária do relator. Já não o despacho que revogou a suspensão da execução da pena.[2]

A matriz da revisão é a de condenação/absolvição, aí estando em causa a justiça da condenação, o que por força da equiparação do n.º 2 do art.º 449.º, tem de perpassar também pelo despacho que põe fim ao processo, como decorre das alíns. b) e c) do n.º 1 do art.º 450.º do CPP, o que não acontece com o despacho revogatório da suspensão, onde desde logo não é a justiça da condenação decretada na sentença que é posta em causa, mas a justeza e a legalidade do despacho que ordenou o cumprimento da pena.

Acresce que essa alín. c) só confere legitimidade ao arguido para a revisão quanto a sentenças condenatórias pelo que, obviamente não se tratando o despacho revogatório da suspensão de uma sentença (art.º 97.º, n.º 1, alín. a) do CPP), sempre o condenado carecerá de legitimidade para o recurso.

Finalmente, resulta do art.º 464.º do CPP que o Supremo “se conceder a revisão, declara sem efeito o despacho e ordena que o processo prossiga”.

Quer dizer, o efeito útil da revisão traduz-se no prosseguimento do processo, pelo que o despacho susceptível de revisão há-de ser um despacho que antes tenha abortado o seu prosseguimento.

O que, de todo, não é o caso do despacho que revogou a suspensão da execução da pena.

A outra orientação jurisprudencial considera que o despacho de revogação da suspensão da execução da pena não se limita a dar mera sequência à decisão condenatória, antes dela faz parte integrante, mormente ambas as decisões se equiparando quanto ao efeito suspensivo de recurso que de uma e outra seja interposto, a subir nos próprios autos.[3]

Temos para nós que o entendimento que consagra a não possibilidade de revisão do despacho em causa, de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, consubstancia maior consistência argumentativa, nela nos revendo.

Sem querer repetir os fundamentos expostos, que adoptamos, diremos, em suma, que o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao recorrente decididamente não pôs fim ao processo, antes abriu a fase de execução da pena de prisão em que foi condenado, em consequência não podendo ser objecto de revisão (art.º 449.º, n.º 2, do CPP).

Uma nota final, sobre a hipótese, que já vimos colocada, de a suspensão ser revogada com fundamento na condenação do arguido por crime cometido durante o período da suspensão e de, na sequência de revisão autorizada, essa condenação vir a ser substituída por sentença absolutória: nesse caso e na resposta dada pelo n.º 1 do art.º 461.º do CPP, mais não restaria que ser anulada a revogação da suspensão e o arguido restituído à situação jurídica anterior à condenação, v. g., de suspensão de execução da pena, sem que daí resultar qualquer conflito com a posição sustentada de que o despacho de revogação da suspensão de execução da pena de prisão não cabe na previsão do n.º 2 do art.º 449.º do CPP.


*


III. Decisão

Face ao exposto, na procedência da questão prévia, acordam os juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em não conhecer do recurso, por o mesmo não ser admissível, em consequência se denegando a revisão.

Custas pelo recorrente, com 4 UC de taxa de justiça.


*

*



Supremo Tribunal de Justiça, 19 de Dezembro de 2019


Francisco Caetano (Relator)

Nuno Gomes da Silva (vencido, conforme declaração junta)

Manuel Braz


_________


Vencido

Admitiria o recurso em conformidade com a argumentação dos acórdãos proferidos, designadamente, nos processos nºs 329/10.0JAFAR-A.S1, de 2017.03.02, e 404/11.3PULSb-C.S3, de 2017.09.14 que relatei.

     Mas não autorizaria a revisão em virtude de não haver factos novos, ou seja, factos que sendo embora anteriores à decisão revidenda são trazidos a lume depois desta ser proferida. Que, por conseguinte, poderiam eventualmente ser ponderados antes dela ser proferida e ser molde a influenciar o seu sentido e resultado.

   Tendo sido proferida a decisão revidenda em 2018.12.04, decisão essa que revogou a suspensão da execução da pena e determinou o seu cumprimento, as diligências que o recorrente haja levado a cabo depois disso para cumprir a condição que há muito lhe fora imposta – concretamente em 2017.03.24, já então no âmbito de uma prorrogação da suspensão antes decretada, e cujos efeitos não poderia deixar de conhecer alertado como tinha sido pelo tribunal – não poderiam de modo algum ser consideradas como configurando factos novos.

   A inscrição em 2018.12.18 numa escola de condução e a frequência de 3 aulas nessa escola depois de ter sido proferida a decisão revidenda e cerca de um ano e oito meses de ter sido fixada a condição não cumprida não poderia ser considerado um facto novo que suscitasse graves dúvidas sobre a justiça da decisão.

    Assim como não o seria uma alegada «absoluta impossibilidade financeira» que, para ser considerada, deveria ter sido afirmada e comprovada na sequência das notificações que lhe foram feitas para vir aos autos dar explicações sobre a sua conduta; ou ainda a sua “ausência” do processo «por razões atinentes ao seu defensor».

    Finalmente, crê-se serem também irrelevantes para definir a putativa injustiça da decisão recorrida os factos alegados sobre a sua condição pessoal e familiar.

   Em suma, nenhuma informação pertinente e adequada o recorrente prestou ao tribunal que, a ser admitido o recurso, justificasse da parte deste uma eventual alteração da decisão.

     Essa condição tinha, quanto ao seu cumprimento, um carácter imperioso e obrigatório que o requerente não podia deixar de ter presente pois tinha-lhe sido dada a conhecer em devido tempo.

     É conveniente frisar que recurso de revisão não é mais uma chance, a derradeira, de procurar inverter uma marcha dos acontecimentos para os quais o recorrente contribuiu decisivamente primeiro ao averbar nova condenação por conduzir sem habilitação no período inicial de suspensão de execução da pena, e, depois, ao abster-se durante cerca de um ano e oito meses de uma atitude diligente que pelo menos fosse claramente explicativa das suas omissões.

   É certo que o Estado tem obrigação de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para evitar ou reparar o erro judiciário. Mas o cidadão tem, outrossim, a obrigação moral de se comportar perante o Estado ao menos com propósitos mínimos de boa-fé. E se a sua condição é a de arguido(a) ou a de condenado(a) tal não acoberta, bem pelo contrário, comportamentos trânsfugas, ainda que negligentes, que visem contornar os efeitos da condenação.

   No meu entendimento e em síntese, consideraria não haver nem factos novos nem qualquer erro manifesto e grave que pudesse ser assacado à decisão recorrida pondo em causa a justiça do que foi decidido.


__________

[1] V. entre outros os Acs. STJ de 12.03.2009, Proc. 09P0396-3.ª (e os aí indicados); 02.04.2009, Proc. 09P0106-5.ª, 29.09.2010, Proc. 520/00.7TBABT-A.S1-3.ª, 21.12.2011, Proc. 978/99.5TBPTM-A.S1-3.ª, estes dois do mesmo Relator; 17.10.2012, Proc. 1177/06.7GISNT-A.S1-3.ª, todos in www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido v. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª ed., UCE, pág. 1215 e ss. Este Autor, a propósito do entendimento dos que defendem a revisão do despacho de revogação da suspensão da execução da pena, salienta que tal se traduz numa “inadmissível interpretação frontalmente contra legem do art.º 449.º, n.º 2, que redunda numa aplicação analógica de normas excepcionais por via da “equiparação de efeitos” entre a condenação e a revogação da suspensão da execução da pena de prisão”. 
No mesmo sentido, Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, 2.ª ed., pág. 1507.
Já Luís Osório, em face do Código de 1929, perante preceito que só previa a sentença como susceptível de revisão (art.º 673.º), sustentava que também os despachos que “mandam arquivar o processo ou declaram não ter o arguido sido agente da infracção” podiam ser objecto de recurso de revisão, não fazendo qualquer referência, como seria curial, ao despacho revogatório da suspensão da execução da pena de prisão (Comentário ao Código de Processo Penal Português, 6.º vol., C. Ed., pág. 403.
[3] V., entre outros, os Acs. de 07.05.2009, Proc. 73/04.7PTBRG-D.S1-5.ª; 09.12.2010, Proc. 346/02.3TAVCD-B.P1.S1-5.ª, 20.02.2013, Proc. 2471/02.1TAVNG-B.S1-5.ª, todos do mesmo Relator; 05.11.2013, Proc. 62/04.1IDACB-A.S1-5.ª; 07.05.2015, Proc. 50/11.1PCPDL-A.S1-5.ª, ambos da mesma Relatora, este último com voto de vencido, todos in www.dgsi.pt