Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1718/03.1TBILH.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: PENHORA DE DIREITOS
HERANÇA INDIVISA
PARTILHA
QUOTA IDEAL
INTERESSADO
REGISTO PREDIAL
PATRIMÓNIO INDIVISO
Data do Acordão: 05/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - DIREITO DAS SUCESSÕES
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE EXECUÇÃO
DIREITO DOS REGISTOS E NOTARIADO - REGISTO PREDIAL
Doutrina: - Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. II, reimpressão, pág. 224.
- Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. VI, anotação ao artigo 2024.º, pág. 6.
- José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 2003, pág. 371.
- J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, pág. 202, Porto, 1998.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, pág. 617.
- Vaz Serra, Realização Coactiva da Prestação, B.M.J. 73, pág. 297; R.L.J., Ano 109.º, págs 171/173, 176.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 819.º, 2103.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 722.º, 729.º, N.º3, 826.º, 862.º, 863.º.
CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL (CRGP): - ARTIGOS 5.º, N.º 1, AL. C), 6.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 28/4/1975, B.M.J. 246-114;
-DE 26/1/1999,B.M.J. 483-211.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 2/3/2000, PROCESSO N.º 0030288, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A divisão ou partilha de herança indivisa, da qual estiver penhorada uma quota-parte, uma quota hereditária, representa um ato de disposição do direito penhorado que tem como consequência a substituição desse direito por bens determinados.

II - A penhora do direito do executado a herança indivisa não está sujeita a registo e são ineficazes (art. 819.º do CC) em relação ao exequente os atos de disposição, designadamente a partilha, pois, se assim não fosse, o exequente poderia ser prejudicado por partilha que atribuísse ao executado bens de fácil ocultação ou dissipação ou de valor inferior ao direito penhorado.

III - No entanto, no caso de herança deferida a interessado único (art. 2103.º do CC) não há lugar a partilha e, por conseguinte, não pode ocorrer o prejuízo antes mencionado, pois o titular do direito sabe em que bens virá a preencher-se a sua parte na herança.

IV - Estando determinados os bens imóveis que se irão integrar no património do executado após aceitação, já registados em comum e sem determinação de parte ou quinhão a favor do executado e de sua mãe falecida à data da execução, o exequente deve proceder ao registo da penhora que pretende limitada ao direito do executado sobre a parte de sua mãe nesses bens, a fim de, beneficiando da prioridade do registo (art. 6.º do CRgP), não lhe ser oposta com sucesso a sua aquisição por comprador de boa fé (art. 5.º, n.º 1, al. c) do CRgP).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA titular de um crédito por alimentos instaurou em 6-12-2000 execução contra BB com base na qual foi efetuada a penhora em 22-1-2001 do direito à herança deixada por óbito de CC falecida no dia 22-1-2000, mãe do referido BB, do qual ele é único e universal herdeiro, tendo sido adjudicado em 28-5-2002 à própria exequente, aqui autora, o referido direito pelo valor de 44.891,80€.

2. Na presente ação declarativa ordinária instaurada em 2-12-2003 a autora AA demanda o mencionado BB e ainda DD e mulher EE, FF e mulher GG, HH e mulher II.

3. Deduziu quanto a estes réus os seguintes pedidos (que se transcrevem nos seus precisos termos):

A) Que se declarem nulos e de nenhum efeito os seguintes atos:

I- O contrato de compra e venda realizado entre os RR BB e aos negócios de compra e venda e DD e mulher, EE, através da escritura de 22/8/01, outorgada a fls. 89 e seguintes do Livro ... do Cartório Notarial de Ílhavo que teve por objeto o prédio inscrito na matriz predial da freguesia da Gafanha da Nazaré sob o n.º …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o n.º ….

II- O contrato de compra e venda realizado em 13-5-2002, entre o mesmo réu BB e os réus FF e mulher, GG, através da escritura outorgada a fls. 137 e segs. do Livro ... e que teve por objeto os seguintes prédios:

a) Prédio rústico sito na freguesia da Gafanha da Nazaré, inscrito na matriz sob o artigo 1082 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o nº 3215 pelo preço de 10.000 euros.

b) Prédio rústico sito na freguesia da Gafanha da Nazaré, inscrito na matriz sob o artigo 1093 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o n.º ... pelo preço de 10.000 euros.

c) Prédio rústico sito na freguesia da Gafanha da Nazaré, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o nº ..., omisso na matriz pelo preço de 29.783 euros.

Prédio rústico sito na freguesia da Gafanha da Nazaré descrito na Conservatória do registo Predial de Ílhavo sob o nº ..., omisso na matriz pelo preço de 30.000 euros.

III- A hipoteca que dos mesmos prédios fez o R. BB a favor dos RR HH e mulher, II, através da escritura.

B) Ordenado o cancelamento, na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo, dos registos correspondentes aos atos supra referidos.

E subsidiariamente, no caso de improcedência do pedido referido em A) supra:

C) Declarados os mesmos atos ineficazes e sem qualquer efeito em relação à autora e à penhora do direito à herança deixada por CC decretada pelo Tribunal de Família e Menores de Aveiro no processo de execução n.º 988/90 de que é único e universal herdeiro BB.

4. A A., no que respeita aos pedidos deduzidos em A), sustenta que os RR HH e mulher não concederam ao réu BB qualquer crédito que justificasse a hipoteca para garantia do pagamento de 50.000 euros, visando apenas estorvar o andamento da execução e tentar excluir os bens da venda na ação executiva, incorrendo, assim, em simulação (artigo 240.º do Código Civil); quanto aos demais réus compradores, sabiam que os aludidos imóveis eram os únicos que integravam a herança deixada por óbito da mãe do réu BB e, desse modo, tinham a consciência do prejuízo que causariam à A que, assim, veria frustrada a cobrança do seu crédito de alimentos, impossibilitando- -a de conseguir a cobrança do respetivo crédito, devendo, assim, julgar-se procedente a impugnação pauliana (artigo 610.º do Código Civil)

5. A autora pretende também, através desta ação, " obter a declaração de que os referidos atos de compra e venda e hipoteca praticados entre os réus são ineficazes em relação a si, enquanto credora, exequente e penhorante compradora do direito que integra esses prédios em ante data à da realização daqueles e depois compradora de tal direito".

6. Contestaram e deduziram reconvenção todos os réus, com exceção dos réus HH e mulher, tendo sido deduzidos os seguintes pedidos reconvencionais pelos RR DD (1) e pelos RR FF e GG (2):

(1) Deve ser declarada válida e eficaz a questionada venda do primeiro réu aos reconvintes ou, subsidiariamente, ser a autora reconvinda condenada a pagar aos réus reconvintes a quantia de 75.000€ a título de enriquecimento sem causa pelo custo das benfeitorias que os reconvintes levaram a efeito no mencionado prédio.

(2) Julgar-se a reconvenção procedente, por provada, declarando-se válida e eficaz e oponível erga omnes a compra e venda outorgada entre o 1º e os 3ºs RR no Cartório Notarial de Ílhavo em 13-5-2002; ordenar-se o cancelamento de quaisquer registos que com isso sejam incompatíveis.

Caso assim se não entenda deve a declaração de nulidade, ineficácia e ausência de efeitos da venda feita pelo 1º aos 3º RR ser reduzida à quota-parte de 1/ 2 que a mãe detinha nos bens identificados; deve declarar-se que a compra e venda outorgada entre o 1º e os 3.ºs RR no Cartório Notarial de Ílhavo em 13-5-2002 é válida pelo menos no que respeita à quota-parte de 1/2 nos bens que este detinha antes da morte de sua mãe com todas as legais consequências; que os 3.ºs RR têm direito a uma indemnização de 75.000€ pela construção que incorporaram no prédio urbano registado com o n.º ....

7. Na 1ª instância a ação foi julgada improcedente e julgados procedentes os pedidos reconvencionais nestes termos:

- Julgar procedente, por provada, a reconvenção deduzida pelos réus DD e mulher, EE e, em consequência, declarar válida e eficaz a escritura pública de compra e venda celebrada em 22-8-2001, no Cartório Notarial de Ílhavo a fls. 89 e segs. do Livro 143-E, melhor descrita no item 5 da factualidade provada

- Julgar procedente, por provada, a reconvenção deduzida pelos réus FF e mulher, GG e, em consequência, declarar válida e eficaz a escritura pública de compra e venda, celebrada em 13-5-2002, no Cartório Notarial de Ílhavo, a fls. 89 e ss do Livro ..., melhor descrita no item 6 da factualidade provada, ordenando-se o cancelamento de quaisquer registos que com isso sejam incompatíveis.

8. Interposto recurso pela autora, o Tribunal da Relação deu-lhe provimento decidindo " declarar a ineficácia, em relação à exequente aqui recorrente, dos atos de alienação relativamente aos prédios em causa celebrados entre os três primeiros réus; ordenando-se o cancelamento, na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo, dos registos correspondentes aos atos supra mencionados".

9. Desta decisão recorrem, de revista para o Supremo Tribunal, os réus FF e mulher e os réus DD e mulher.

10. Sustentam os primeiros, em síntese, o seguinte:

- Que o acórdão violou o disposto no artigo 661.º do C.P.C. pois a pretendida penhora incidiu apenas sobre a pretensa herança da mãe do réu BB e não sobre a parte que este já recebera, muitos anos antes, do pai.

- Que o réu BB era único e universal herdeiro de sua mãe e aceitou a herança antes da mencionada penhora o que resulta dos factos alegados em 24.º a 29.º da contestação (fls. 55) que não foram quesitadas mas deviam ter sido tomados em consideração ao abrigo do artigo 264.º/2 do C.P.C. ou, então, considerados para efeito de ampliação da matéria de facto ( artigo 729.º/3 do C.P.C.); certo que o facto que desses factos instrumentais resultaria - o constante do quesito 17º (" desde a data da morte da mãe, o réu BB BB comportou-se como o único dono dos bens referidos em E) e F)?" - ao qual o Tribunal não respondeu por conclusivo, mereceria, porém, se fosse respondido, resposta positiva, o que foi expressamente reconhecido na motivação ( ver fls. 617); assim sendo, demonstram tais atos aceitação tácita da herança já em 2000 ( artigos 217.º e 2056.º/1 do Código Civil).

- Que ocorre também aceitação expressa da herança por via da escritura de habilitação outorgada no dia 30-11-2000 no 2.º Cartório Notarial de Aveiro visto que um dos outorgantes da escritura era advogado e mandatário do réu BB, facto que indicia que houve uma decisão de todos (habilitado , advogado e amigo) para que se atuasse nesse sentido, ou seja, havia vontade inequívoca do réu BB aceitar a herança, havendo, assim, aceitação expressa da herança (artigo 2056.º do Código Civil).

- Que a execução foi instaurada depois de ter sido outorgada a aludida escritura.

- Que a certidão de fls. 541/553 não permite concluir em que data foi efetuada a notificação da penhora.

- Que no caso havia apenas um único e universal herdeiro pelo que a penhora carecia de ser registada para se considerar relevante (artigo 838.º/4 do C.P.C. anterior redação.

- Que o direito à herança não se confunde com os direitos sobre cada um dos bens que dela fazem parte, extinguindo-se o direito à herança após aceitação e partilha, ingressando na esfera jurídica do herdeiro outros direitos, isto é, aqueles inerentes a cada bem partilhado.

- Que a partir do momento em que os bens indeterminados foram devidamente especificados e determinados, os factos que os afetam são registáveis, o que resulta da conjugação dos nºs 1 e 2, alínea c) do artigo 5.º do Código do Registo Predial e, não tendo a autoras procedido a registo deixou de prevalecer-se da inoponibilidade consagrada no artigo 819.º do Código Civil e 838.º/4 do C.P.C.

- Que foi deduzido pedido reconvencional tendo em vista a redução da ineficácia da venda a uma parte dos bens já que a outra parte resultava da herança recebida do pai do réu BB, não podendo, por conseguinte, o Tribunal deliberar no sentido de a ineficácia abranger a totalidade dos bens e não apenas a quota-parte relativa à herança da mãe, mostrando-se, assim, violado o disposto no artigo 661.º/1 do C.P.C.

- Que ficou por demonstrar que as benfeitorias se poderiam levantar sem detrimento do prédio, não se conseguindo compreender como se possa pôr a possibilidade de se " levantar" essas benfeitorias sem detrimento do prédio, devendo declarar-se o direito dos recorrentes ao valor das benfeitorias sob pena de enriquecimento à custa dos réus ( artigo 473.º do Código Civil).

- Que a pretensão da exequente deve ser negada com fundamento em abuso do direito considerando que os autos prosseguiram contra pessoas, os réus, que , apesar de nada constar das certidões do registo predial, se veem agora face à decisão da Relação compelidos a aceitar que, apesar de a penhora não ser registável, lhes é todavia oponível.

Sustentam os segundos recorrentes, em síntese, o seguinte:

- Que desde 10-7-1998 o réu e mãe tinham registado o imóvel em comum, a favor de ambos, passando a ser comproprietários pelo que, quando o autor instaurou execução e nomeou à penhora o direito à herança em 6-12-2000, tinha a especial obrigação de saber que o réu BB era titular do imóvel, não pertencendo este apenas à mãe e poderia também ter indicado à penhora o direito do réu BB à titularidade do prédio por direito próprio, não podendo a penhora do direito à herança da mãe abranger ou confundir-se, e muito menos estender-se, aos direitos próprios sobre o imóvel que não herdou da mãe; assim, a penhora sobre todo o questionado prédio excedeu a quota ideal do direito à herança, não podendo, por conseguinte, ser declarada, pelo menos na totalidade, a ineficácia em relação à exequente de todos os atos de alienação do réu BB.

- Que se devem manter as resposta aos quesito 21.º e 24.º.

- Que o réu BB se encontra divorciado da autora desde 9-3-1998 e sabia os bens que integravam o património do referido réu, constatando-se que, quando a autora indicou à penhora o direito à herança da mãe em 6-12-2000, já a falecida mãe do réu BB se tinha comprometido a alienar aos réus compradores os direitos que detinha no questionado prédio.

- Que os recorrentes sempre agiram de boa fé havendo uma substancial diferença de valores entre o montante pelo qual a autora adquiriu o direito à herança da sogra e o preço pelo qual foram os bens alienados aos compradores pelo réu BB.

- Que os recorrentes procederam no imóvel a benfeitorias, constituindo seu direito, sob pena de enriquecimento sem causa, o que implica o alargamento do âmbito do recurso e a baixa dos autos à 1ª instância a fim de se suprir a falta de elementos de facto indispensáveis à apreciação das questionadas obras conforme o disposto no artigo 684.º-A/3 do C.P.C.

11. Factos provados:

1. - Em 06.12.2000, a autora instaurou no Tribunal de Família e Menores de Aveiro ação executiva para pagamento de alimentos, que correu termos com o n.º 998/00, contra o aqui réu BB. - al. A) dos factos assentes.

2. - (…) e foi, neste processo, nomeado à penhora, em 04.01.01, o direito à herança do executado, deixado por óbito de CC. - al. B)

3. - (…) após a citação de credores, em 20.09.05 esse direito foi adjudicado à aí exequente e aqui autora. - al. C).

4. - O réu BB tomou conhecimento da penhora referida em B) e não apresentou qualquer contestação. - al. D).

5. - Por escritura pública de compra e venda, celebrada em 22.08.2001, no Cartório Notarial de Ílhavo, a fls. 89 e s. do livro ..., o réu BB declarou vender ao réu DD, que por sua vez declarou comprar, o prédio rústico, sito na …, Freguesia da Gafanha da Nazaré e inscrito na matriz predial sob o n.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o n.º …, pelo preço de 9.000.000$00. - al. E).

6. - Por escritura de compra e venda, celebrada em 13.05.2002, lavrada no Cartório Notarial de Ílhavo, a fls. 137 e s., do Livro ..., … BB declarou vender e por sua vez FF declarou comprar, pelo preço total de 89.783,62€, os seguintes prédios sitos na freguesia da Gafanha da Nazaré, assim descriminados:

a) - prédio rústico, inscrito na matriz sob o n.º …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o n.º …, pelo preço de 10.000,00€;

b) - prédio rústico, inscrito na matriz sob o n.º .., descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o n.º ..., pelo preço de 10.000,00€;

c) - prédio rústico, inscrito na matriz sob o n.º ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo, sob o n.º ..., pelo preço de 10.000,00€;

d) - prédio urbano, omisso na matriz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o n.º ..., pelo preço de 29,783,00€;

e) - prédio urbano, omisso na matriz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o n.º ..., pelo preço de 30.000,00€. - al. F).

7. - (…) hipotecados a favor de HH e mulher, II, que declararam renunciar à mesma. - al. G).

8. - Por escritura outorgada em 12.09.2001, no Cartório Notarial de Ílhavo, o réu BB declarou dar de hipoteca os prédios referidos em F) a HH e mulher, para garantia de pagamento da quantia de 50.000.000$00, acrescida de juros. - al. H).

9. - Foi realizada, no 2.° Cartório Notarial de Aveiro, em 30 de novembro de 2000, escritura de habilitação de herdeiros por óbito de CC, onde se declara que o réu BB é o único herdeiro de CC e que esta faleceu no estado de viúva, sem deixar qualquer disposição de última vontade. - al. I).

10. - O pai do réu BB BB, marido de CC, faleceu em 14.10.1984 e esta em 22.01.2000. - al. J).

11. - Os pais do réu BB foram casados, em primeiras núpcias do pai e segundas da mãe, sob o regime da comunhão geral de bens, e faleceram sem declaração de última vontade. - documento junto a fls. 539 e resposta ao quesito 2º

12. - Os prédios referidos em E) e F) pertenciam, em comum, sem determinação de parte ou direito, à herança deixada por óbito de CC e ao réu BB. - resposta ao quesito 3º

13. - Alguns dos réus conheciam a autora e o réu BB; - resposta ao quesito 4º

14. - Os réus HH e mulher não emprestaram qualquer quantia monetária ao réu BB - resposta ao quesito 11º

15. - O jornal onde foi publicitada quer a citação de credores desconhecidos, que a penhora, quer a venda é um dos mais lidos da Gafanha da Nazaré; - resposta ao quesito 15º

16. - Os réus FF e mulher realizaram obras no prédio registado sob o n.º ..., reconstruindo a casa aí implantada, tendo despendido quantia não concretamente apurada. - resposta aos quesitos 18º, 19º e 20º

17. - Datada de 15.08.99, a mãe do réu BB, CC, apresentou ao réu DD um documento onde consta: “declaro que recebi de DD (…) a quantia de 500.000$00 como sinal e princípio de pagamento de um terreno e anexos sito na ... da Freguesia da Gafanha da Nazaré, e com artigo n.º ..., (…) o negócio e de 9.000.000$00 e os restantes 8.500.000$00 serão pagos assim que se possa fazer a respetiva escritura publica - resposta ao quesito 21º

18. […]

19. - Desde data não concretamente apurada, os réus DD e mulher utilizam o prédio referido em E), aí tendo efetuado obras, de valor não concretamente apurado. - resposta aos quesitos 30º a 37º.

Apreciando

12. A autora instaurou execução em 6-12-2000 contra o aqui demandado BB com quem foi casada no regime de comunhão de adquiridos (fls. 76) tendo sido penhorado nessa execução em 22-1-2001 - data que o Tribunal da Relação houve por verificada, no âmbito dos seus poderes de cognição em matéria de facto ( ver 5.2.2.1 do acórdão da Relação) e que cumpre ao Supremo Tribunal acatar ( cf. artigo 722.º do C.P.C.) - o direito à herança deixada por óbito de CC, mãe do executado BB, falecida em 22-1-2000.

13. Esse direito veio a ser adjudicado à exequente em 28-5-2002 conforme auto de abertura de propostas de 28-5-2002 ( fls. 20).

14. Na pendência da execução, e já depois de penhorado o referido direito, o executado, depois de habilitação extrajudicial outorgada no dia 30-11-2000 que foi efetuada antes da penhora, veio a registar pela Ap. 09/010921 em seu nome a transmissão da posição de CC por sucessão por morte nos imóveis referenciados que foram vendidos em 22-8-2001 aos RR FF e mulher e pela Ap. 02/131201 o imóvel vendido em 13-5-2002 aos RR DD e EE nos termos indicados na matéria de facto.

15. Não se provaram os factos atinentes às invocadas simulação e impugnação pauliana salvo no que respeita à hipoteca (ver 3.A), III supra) que, no entanto, foi cancelada por renúncia, mostrando-se, assim, prejudicado o conhecimento da aludida simulação, o que foi salientado na decisão de 1ª instância ( ver fls. 640).

16. Estão, assim, em causa as escrituras de compra e venda entre o réu BB e os réus compradores que foram outorgadas sem que estivesse inscrita no registo predial nenhuma inscrição de penhora a favor da exequente sobre os referidos imóveis mas dele constando já a transmissão a favor de BB da posição de sua mãe CC por sucessão por morte no que respeita à escritura outorgada em 13-5-2002

17. Sustenta a exequente que, no caso, é aplicável o disposto no artigo 819.º do Código Civil segundo o qual " sem prejuízo das regras de registo, são inoponíveis à execução os atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados", pois, penhorado o direito à herança por óbito da mãe do réu BB antes da venda dos imóveis, verifica-se relativamente à exequente a figura da ineficácia relativa.

18. Como é sabido, " os negócios feridos de ineficácia relativa produzem, pois, efeitos, mas não estão dotados de eficácia relativamente a certas pessoas. Daí que sejam, por vezes, apelidados de negócios bifrontes ou negócios com cabeça de Jano (numa alusão a uma divindade da mitologia latina, representada na estatutária por uma figura com duas caras).

A ineficácia relativa surge-nos em situações caracterizadas pela existência de um direito de uma expectativa ou de um interesse legítimo de um terceiro, que seriam prejudicados pelo negócio de disposição ou de vinculação em causa […]. É necessário proteger o terceiro na medida apropriada à não frustração do seu direito, mas não se deve limitar o poder de disposição ( ou a legitimidade para agir) do titular mais do que for necessário a essa proteção. Logo, o negócio só é eficaz em face do terceiro, mas não o é entre as partes ou em face de outras pessoas" (Teoria Geral do Direito Civil, Mota Pinto , 4ª edição, pág. 617).

19. Por isso, a questão que se suscita nos presentes autos é a de saber se, penhorado e não registado o direito a herança deixada por óbito da mãe do executado de que este é o único e universal herdeiro por ser filho único, deve considerar-se inoponível à execução a subsequente venda a favor de compradores de boa fé dos imóveis que, quando da penhora, estavam registados em nome de mãe e filho sem determinação de parte ou direito por meação e sucessão hereditária dos bens de JJ que foi casado em comunhão geral com a mãe do executado.

20. Como se sabe, o artigo 826.º do C.P.C. na redação vigente ao tempo, prescrevia que " nos casos de comunhão num património autónomo ou de compropriedade em bens indivisos, se a execução for movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada dos bens indivisos". Este regime abrange várias eventualidades, designadamente a penhora do direito a uma herança por partilhar ou, o que é o mesmo, a penhora de um quinhão hereditário. Do aludido preceito resulta, portanto, admitir-se a penhora do direito que a esses bens tiver o executado (Curso de Processo Executivo Comum, J. P. Remédio Marques, pág. 202, Porto, 1998).

21. Já se decidiu que, penhorado o direito e ação do executado a uma herança indivisa, a partilha desta na pendência da execução é ineficaz em relação ao exequente dado o disposto no artigo 819.º do Código Civil, perante o qual tem de ceder a solução de que a penhora do direito se converte automaticamente com a partilha na penhora dos bens que nesta vierem a caber ao executado (Ac. do S.T.J. de 28-4-1975, B.M.J. 246-114 e também na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 109.º, 1976/1977, pág. 171/173).

22. Não houve, porém, no caso vertente nenhuma partilha nem a ela podia haver por ser a herança deferida a um único interessado, caso em que o inventário a que haja de proceder-se tem apenas por fim relacionar os bens e, eventualmente, servir de base à liquidação da herança (artigo 2103.º do Código Civil).

23. O Tribunal da Relação, contrariamente à decisão de 1ª instância, considerou que a escritura notarial de habilitação de herdeiros que não teve a intervenção do demandado BB não constitui aceitação expressa da herança nem sequer tácita (artigos 217.º e 2056.º do Código Civil) muito embora ela constitua título bastante para que se possam fazer em comum, a favor de todos os herdeiros e do cônjuge meeiro, designadamente, registos nas conservatórias do registo predial (artigo 86.º do Código do Notariado).

24. Assim também nos parece, mas os recorrentes argumentam que alegaram matéria de facto que permitiria concluir que houve aceitação da herança antes mesmo da outorga da escritura de habilitação face aos atos ( v.g. mandar podar e tratar das árvores, mandar cultivar terrenos, abrir as janelas, arejando as casas, fazer reparações nos imóveis ao nível das carpintarias e paredes, tratar das árvores e do jardim, encomendar um plano de viabilidade para construção de várias moradias: pág. 55) que, em seu entender, apontam nesse sentido.

25. Tais factos , porém, não permitem concluir que " com toda a probabilidade" se revela a aceitação da herança; com efeito, e sendo o réu único sucessível, o que lhe permitiria com facilidade a prática de atos significativos reveladores de um comportamento próprio de proprietário, os mencionados atos não se distinguem dos comuns atos de administração; por isso, não se justificaria, no caso vertente, a ampliação da matéria de facto.

26. Não esquecemos que o tribunal de 1ª instância confrontado com quesito que considerou encerrar juízo conclusivo de valor ( Q17: desde a data da morte da mãe o réu BB comportou-se como o único dono dos bens referidos em E) e F)?) consignou que, caso se entendesse que o quesito devia ser respondido, a resposta devia ser positiva , o que inculca a ideia de que, com base nos mencionados factos alegados, se imporia uma conclusão de facto positiva.

27. Mas o certo é que o Tribunal não respondeu ao aludido quesito nem se pronunciou no sentido de que tinha os aludidos factos por provados e, por isso, não poderia agora o Supremo Tribunal, que conhece de direito, definir realidades de facto que as instâncias não definiram. Justificar-se-ia a ampliação da matéria de facto ao abrigo do artigo 729.º/3 do C.P.C. se os mencionados factos permitissem , na verdade, considerar uma aceitação tácita e, por conseguinte, haver-se a transmissão dos bens integrativos do património hereditário efetuada para o réu BB antes de instaurada ação executiva e, portanto, antes de ser penhorado o direito à herança por óbito da sua mãe se, como é evidente, esta questão fosse decisiva para a sorte do litígio.

28. Essa transmissão deve ter-se seguramente por efetuada a partir do momento em que os imóveis foram inscritos no registo predial (21-9-2001 e 13-12-2001) em nome do réu BB; mas aceita-se que a transmissão tenha ocorrido em momento anterior, ou seja, desde a data (22-8-2001) em que o réu BB vendeu o imóvel rústico ao réu DD e mulher; no entanto, todas estas ocorrências, como se verifica, são ulteriores à data da penhora (22-1-2001).

29. Tem sido salientado que a herança constitui um património autónomo coletivo dispondo os respetivos contitulares de um quinhão - ou seja, por óbito do pai do autor o quinhão deste era de 25% e o de sua mãe de 75% - que constitui uma fração " do todo, não concretizada sobre as coisas que o integram, e só através da ulterior operação de partilha dos bens do património é que o direito de cada um passa a incidir sobre coisas determinadas, cessando a comunhão" (ver Código de Processo Civil Anotado, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Vol 3.º, 2003, pág. 371; veja-se Ac. do S.T.J. de 26-1-1999 - Silva Paixão - B.M.J. 483-211).

30. A penhora no direito a bens indivisos, designadamente a penhora do direito a herança aberta, não carece de ser registada e assim se entende há muito. Alberto dos Reis referia que se " regista a penhora quando ela recai sobre determinados bens imóveis; não é este o caso da penhora do direito a herança indivisa, ainda que entre os bens da herança haja prédios" (Processo de Execução, vol 2º , reimpressão, pág. 224).

31. Não registou a exequente penhora sobre os imóveis já depois de estar averbada a transmissão da posição sucessória da mãe para o filho interessado único. Se o tivesse feito e a houvesse registado antes da venda é claro que nenhuma dúvida se poria quanto à inoponibilidade em relação ao exequente das aludidas vendas (artigo 819.º do Código Civil).

32. A autora considera que pelo facto de o réu ter procedido à venda dos imóveis o seu direito ao preenchimento da sua quota ficou afetado e, por isso, sustenta que a aludida penhora de uma quota há de ter o mesmo tratamento que a penhora dos bens concretamente determinados que integram o património hereditário.

33. Não se duvida que o artigo 863.º do C.P.C. visa os casos de penhora de direitos e, como salienta Vaz Serra, " se são ineficazes, em relação ao exequente, os atos de disposição ou oneração de bens materiais penhorados, são, pelo mesmo motivo, ineficazes, em relação ao exequente, os atos de disposição ou oneração de direitos penhorados" e " a divisão ou partilha de herança indivisa, da qual estiver penhorada uma quota-parte - uma quota hereditária - , representa um ato de disposição do direito penhorado, ato que tem por efeito a substituição desse direito por bens determinados ou a sua integração ou concretização em bens determinados: substituição, integração ou concretização que, podendo prejudicar o exequente, é ineficaz em relação a este, salvo se nela assentir ou nela intervier" (R.L.J., Ano 109.º, pág. 176).

34. Não estando penhorados os bens determinados que integram o direito à herança, mas apenas o direito à herança ilíquida e indivisa, dir-se-á que, quanto a tais bens, o artigo 819.º do Código Civil não é aplicável, pois, para tanto, impor-se-ia a penhora dos bens em concreto e não do mero direito. No entanto, a própria lei obsta a que se proceda à penhora de uma parte especificada de bem indiviso e esse é o caso da herança (artigos 826.º e 862.º do C.P.C.).

35. Se, face aos elementos dos autos, não se duvida da boa fé dos compradores que desconheciam a existência da penhora do direito à herança da mãe do réu BB, constata-se que os réus FF e GG adquiriram (13-5-2002) os imóveis quando já estava registada a transmissão a favor do réu vendedor (21-9-2001); já no caso dos RR Lopes a escritura foi outorgada em 22-8-2001, portanto, antes de registada a transmissão da posição a favor do vendedor e , por isso, só com o registo dessa transmissão em 21-9-2001 é que se efetivou o registo da aquisição anterior, o que se compreende por se impor assegurar o trato sucessivo.

36. Assim, se não se pode duvidar da boa fé dos compradores, atentos os factos provados, não se duvida igualmente que o réu BB sabia que, assim procedendo, subtraía os mencionados bens ao património hereditário que passou a ficar integrado com o produto da venda.

37. Refira-se que a penhora que não incide sobre bens determinados, tal o caso da penhora de herança indivisa, produz efeitos contra terceiros independentemente do registo (artigo 5.º/1, alínea c) do Código do Registo Predial); precisamente por isso, se os herdeiros que não tinham conhecimento da penhora, procederem à partilha sem intervenção do exequente, não deixam de ficar sujeitos a que essa partilha seja considerada ineficaz em relação ao exequente que nela não haja intervindo ou assentido.

38. Se a penhora incide sobre bens determinados passíveis de registo há que atender às regras do registo ( artigo 819.º do Código Civil, 1ª parte), ou seja, a penhora tem de estar registada de modo a que a venda seja ineficaz para o exequente (artigo 838.º/4 do C.P.C. redação anterior).

39. Adquirido pelo exequente em 28-5-2002 o direito penhorado em 22-1-2001 que é o direito à herança deixada pela mãe do executado e da qual este é o único e universal herdeiro, poderemos considerar que a transmissão da posição sucessória da mãe do executado para este, verificada em 13-12-2001 e 21-9-2001 (no que respeita, respetivamente, aos imóveis vendidos ao recorrente DD e FF) , que foi averbada ao registo pré-existente de aquisição dos imóveis sem determinação de parte ou direito a favor do executado e de sua mãe, constitui ato de disposição, como sucede com a partilha?

40. Vaz Serra salienta que uma partilha feita depois de o exequente haver penhorado o direito do executado a uma herança indivisa " é um ato de disposição que, nos termos do artigo 819.º do Código Civil, é ineficaz ao exequente: penhorado o direito do executado à herança, não pode esse direito ser afetado, relativamente ao exequente, por atos de disposição a que seja estranho". E acrescenta: " se pudesse o exequente poderia ser prejudicado mediante uma partilha em que ao executado fossem atribuídos bens de fácil ocultação ou dissipação ou de valor inferior ao do direito penhorado"

41. A exequente sabia que o executado era sucessor único de sua mãe, seu único e universal herdeiro, e foi nestes termos que requereu a penhora do direito à herança; não havendo por tal razão lugar a partilha por óbito da mãe do executado, não se vê que a exequente possa ser prejudicado. Na verdade, falecida a mãe do executado antes de penhorado o direito do executado à herança e não havendo nenhum outro sucessível não podia substituir-se o direito penhorado por outros bens de valor inferior.

42. Os bens da herança, antes de realizada a partilha, constituem uma massa indivisa " e o direito a ela representa um direito ideal a uma universalidade, pois o titular desse direito não sabe ainda em que bens virá a preencher-se a sua parte na herança; das operações de partilha depende a formação da sua quota, que tanto pode ser constituída neste ou naquele imóvel, como em móveis ou dinheiro" (Alberto dos reis, Processo de Execução, Vol 2.º, pág. 224). No caso em apreço não há, como se disse, lugar a partilha, ou seja, o património do executado preenche-se com os bens integrativos do património da sua mãe que estão determinados.

43. Não existindo, assim, um património indiviso enquanto património por partilhar, a exequente, uma vez determinados os bens pertencentes em comum ao executado e sua mãe, podia registar penhora, obstando, assim, a que lhe fosse oponível a venda dos imóveis; podia fazê-lo desde logo e podia fazê-lo também depois de registada a transmissão da posição sucessória a favor do executado.

44. Com efeito, como salienta Vaz Serra " a penhora do direito a herança indivisa não está sujeita a registo, nem pode ser registada, porque o direito à herança não partilhada é um direito a uma parte indeterminada de bens, desconhecendo-se que bens virão a formar a parte do executado. Não há, pois, bens determinados sobre que possa fazer-se o registo. O registo apenas poderá e deverá efetuar-se, quando os bens se determinarem, sobre aqueles que, pelo seu caráter de inscrevíveis no registo, sejam suscetíveis de sobre eles se registarem direitos […]. Se, feita a partilha, ao executado couberem bens dessa espécie, sobre eles deve então registar-se a penhora".

45. Prossegue o ilustre professor: " a penhora do direito a coisa indivisa determinada está sujeita a registo, porque, em tal caso, o direito incide sobre coisa determinada e o seu registo e, por isso, possível. É o exemplo de ser penhorada a quota do executado em certo prédio" ( ver Realização Coactiva da Prestação, B.M.J. 73, pág. 297).

46. No caso em apreço, quando a exequente requereu a penhora do direito do executado enquanto único e universal herdeiro de sua mãe já tinha falecido CC (22-1-2000), mãe do executado, juntamente com o qual estava registada a meação e sucessão hereditária dos bens de JJ casado que foi na comunhão geral com a dita CC. A quota do executado no património hereditário estava, portanto, determinada.

47. Ainda que se admita que a exequente não pudesse registar penhora sobre os imóveis porque, para tanto, se imporia o registo de transmissão da posição sucessória a efetuar com base em habilitação para a qual apenas o executado teria legitimidade ( habilitação, diga-se, já efetuada em 30-11-2000, mas que, por si, não se considerou valer como aceitação da herança, não se sabendo se a exequente dela tinha conhecimento) a penhora do direito em tais condições não pode ser vista como um mero ato de registo enunciativo, mas como um ato de registo que obviamente põe o exequente ao abrigo de transmissões ulteriores sobre o imóvel enquanto coisa indivisa mas determinada por fazer parte integrante do determinado quinhão do executado. A não ser assim, podia dar-se a situação de o executado alienar, após aceitação da herança, o imóvel, registando simultaneamente a transmissão da posição hereditária sem que o exequente pudesse beneficiar da prioridade do registo.

48. No entanto, a circunstância de se aceitar que o exequente não possa registar desde logo a penhora sobre todo o imóvel por não estar ainda registada a favor do executado a transmissão da posição sucessória da sua mãe, não significa que o seu quinhão não estivesse desde já determinado e concretizado em tais bens contrariamente ao que sucede, tal como se referiu, quando estamos face a um direito a herança não partilhada em que se desconhecem os bens que virão a formar parte do quinhão do executado.

49. Prescreve o artigo 5.º/1 do Código do Registo Predial que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo excetuando-se, para o que agora importa, " os factos relativos a bens indeterminados, enquanto estes não forem devidamente especificados e determinados"; ora, pelo que se expôs, afigura-se que, no caso de comunhão em que estão determinados os bens e em que não há lugar a partilha, o exequente deve registar a penhora sobre o quinhão do interessado único nesses bens.

50. Por outro lado, a transmissão da posição sucessória, na sucessão legítima, exprimindo a aceitação da herança, não envolve nenhum ato de disposição por parte do de cujus " (que nem sequer designa os beneficiários) nem sequer por parte da lei ( visto o Estado não poder naturalmente dispor daquilo que não lhe pertence). E o mesmo pode afirmar-se mutatis mutandis em relação à sucessão testamentária, assente no negócio unilateral do testamento, que poderá logicamente servir de base ao chamamento do herdeiro ou do legatário, mas já não ao fenómeno da devolução de bens subsequente à aceitação do chamado" (Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol VI, anotação ao artigo 2024.º, pág. 6).

51. No que respeita aos bens imóveis que já estavam registados sem determinação de parte ou quinhão a favor do executado e de sua mãe, falecida, como se disse, antes de requerida a penhora pelo exequente, tais bens estavam determinados e, assim sendo, procedendo o exequente ao registo da penhora do direito do executado sobre a parte do imóvel integrada no património da sua já falecida mãe, essa penhora converte-se automaticamente na penhora do imóvel com a transmissão da posição sucessória

52. Na jurisprudência já se defendeu que, constatada a situação em que há um único interessado, a penhora se converte automaticamente na penhora dos bens com que foi formado o quinhão hereditário ( ver Ac. da Relação do Porto de 2-3-2000 - Coelho da Rocha - 0030288 in www.dgsi.pt assim sumariado:

I - A penhora do direito a uma herança indivisa não está sujeita a registo nem pode ser registada, por se tratar de direito a uma parte indeterminada de bens, desconhecendo-se aqueles que virão a constituir a quota do executado.

II - Mas se o executado está habilitado como filho único das heranças de seus pais, a penhora do direito à herança converte-se automaticamente na penhora dos bens com que foi formado o quinhão hereditário, impondo-se o registo da penhora sobre os bens imóveis que a compõem.

III - A partir dessa altura, se o executado alienar ou onerar imóveis dessa herança e o adquirente ou credor registar a aquisição da propriedade ou hipoteca, estes factos prevalecem sobre a penhora anterior não registada, por aplicabilidade da cláusula de proteção dos registos previamente efetuados, nos termos do artigo 819.º do Código Civil.

53. Tudo isto para se evidenciar que, quando a execução foi instaurada, o réu BB era já o herdeiro único do património que, indiviso quando do óbito do pai por dele serem herdeiros o réu e a sua mãe, deixou de estar indiviso com a morte da mãe. A dita quota de 75% seria efetivamente a quota que caberia à mãe no âmbito da partilha por morte do marido, mas, com o decesso daquela, o filho adquiriu a posição de interessado único sobre a totalidade do património. No entanto, nenhuma expressão registal resultava dessa situação nem para a exequente, aqui autora, nem para os réus DD pois, quando adquiriram o imóvel, constava do registo apenas " a aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito a favor de GG[…] e de BB […] da meação e sucessão hereditária dos bens de JJ […] casado que foi[…] com a dita GG […].

54. No caso vertente afigura-se que a exequente podia penhorar os imóveis vendidos em 13-5-2002 porque já estava registada desde 21-9-2001 a favor do único herdeiro a transmissão da posição de sua falecida mãe, ou seja, a exequente podia, tal como sucede quanto aos bens adjudicados em partilha homologada, requerer o registo da penhora desses imóveis e então, por força da prioridade do registo, ser-lhe-iam inoponíveis as vendas ulteriores in casu efetuadas em 13-5-2002; já quanto à venda em que o casal DD adquiriu imóvel em 22-8-2001, a transmissão da posição da mãe a favor do filho apenas foi registada em 13-12-2001 (ap. 02), viabilizando-se o registo de aquisição a favor dos compradores nessa mesma data (ap. 03). Este ato de compra e venda de 22-8-2001, que é obviamente um ato de disposição, dá-se, por conseguinte, num momento anterior àquele em que está registada a aludida transmissão da posição da mãe do executado. No entanto, mesmo em relação a este caso, já se viu que o exequente podia ter anteriormente registado a penhora sobre o quinhão do executado enquanto interessado único na herança da mãe e, por tal razão, tal alienação não é igualmente oponível ao exequente.

55. Face ao exposto o recurso deve proceder, subsistindo a decisão de 1ª instância.

Concluindo:

I- A divisão ou partilha de herança indivisa, da qual estiver penhorada uma quota-parte, uma quota hereditária, representa um ato de disposição do direito penhorado que tem como consequência a substituição desse direito por bens determinados.

II- A penhora do direito do executado a herança indivisa não está sujeita a registo e são ineficazes (artigo 819.º do Código Civil) em relação ao exequente os atos de disposição, designadamente a partilha, pois, se assim não fosse, o exequente poderia ser prejudicado por partilha que atribuísse ao executado bens de fácil ocultação ou dissipação ou de valor inferior ao direito penhorado.

III- No entanto, no caso de herança deferida a interessado único (artigo 2103.º do Código Civil) não há lugar a partilha e, por conseguinte, não pode ocorrer o prejuízo antes mencionado, pois o titular do direito sabe em que bens virá a preencher-se a sua parte na herança.

IV- Estando determinados os bens imóveis que se irão integrar no património do executado após aceitação, mas que já estão registados em comum e sem determinação de parte ou quinhão a favor do executado e de sua mãe, pré-falecida, o exequente deve proceder ao registo da penhora que pretende limitada ao direito do executado sobre a parte de sua mãe nesses bens, a fim de, beneficiando da prioridade do registo (artigo 6.º do Código do Registo Predial), não lhe ser oposta com sucesso a sua aquisição por comprador de boa fé (artigo 5.ª/1, alínea c) do Código do Registo Predial).

Decisão: concede-se a revista, ficando a subsistir a decisão de 1ª instância.

Custas pela recorrida em todas as instâncias

Lisboa, 29 de Maio de 2012

Salazar Casanova (Relator)

Fernandes do Vale

Marques Pereira