Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6577/15.9T8FNC-C.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
SENTENÇA NÃO CONDENATÓRIA
AÇÃO EXECUTIVA
Data do Acordão: 11/25/2020
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Referência de Publicação:

ANOTAÇÃO DE JOÃO LEAL AMADO, IN: ESCRITOS LABORAIS (2023), P. 627-649 - DTB.AMA 14060
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I- Na ação declarativa interposta pelo trabalhador em consequência de despedimento de que tenha sido alvo por parte do seu empregador, rege o princípio do dispositivo que vincula o Tribunal a decidir apenas em função daquilo que o trabalhador despedido lhe haja efetivamente peticionado;

II- Se o trabalhador pretender reagir contra esse despedimento, designadamente com fundamento na ilicitude do mesmo, e pretender obter, como consequência, os (ou alguns dos) efeitos dessa ilicitude, deve pedir, na ação instaurada para o efeito, para além da declaração de ilicitude do despedimento, a condenação do empregador na prestação de qualquer das obrigações daí decorrentes;


III- Nos presentes autos de execução movidos pelos Exequentes/Embargados contra a Executada/Embargante, uma vez que a sentença apresentada como título executivo se limitou a reconhecer a qualidade de entidade empregadora desta em relação àqueles e a declarar a ilicitude do despedimento de facto daqueles perpetrado por esta, a ação executiva não se radica em sentença de condenação (expressa ou implícita) de quaisquer prestações de facto ou de natureza pecuniária, ou seja, em título executivo que permita aos Exequentes/Embargados reclamar coercivamente da Executada/Embargante compensação prevista no artigo 390.° do CT/2009, não merecendo censura a decisão de procedência dos embargos de executado com a inerente extinção da instância executiva.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 6577/15.9T8FNC-C.L1.S1

Relator: José Feteira.

1º Adjunto: Cons. Leones Dantas.

2º Adjunto: Cons. Júlio Gomes

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça.

I

Relatório

1. AA, BB e CC, devidamente identificados nos autos, intentaram, em 12 de julho de 2018, uma ação executiva para pagamento de quantia certa contra a APRAM - Administração dos Portos da Região Autónoma da Madeira, S.A, igualmente identificada nos autos, alegando, em síntese, o seguinte:

Por sentença datada de 20 de julho de 2017, o despedimento dos Exequentes, perpetrado pela Executada em 09 de Setembro de 2015, foi declarado ilícito com base na seguinte:

«DECISÃO:

Com fundamento no atrás exposto, julgo procedente apresente ação, e, em consequência, decido:

1. Reconhecer a qualidade da l.ª Ré APRAM-SA como entidade empregadora dos Autores por efeito de transmissão dos respetivos contratos de trabalho.

2. Declarar a ilicitude do despedimento de facto, dos Autores perpetrado pela l.ª Ré APRAM-SA.

3. Absolver a Ré «33/16 - ASSISTÊNCIA NÁUTICA, S.A.» dos pedidos deduzidos contra si.

Custas pela l.ª Ré APRAM, S.A.-art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC».

Nos termos do número 1 do artigo 389.º do Código de Trabalho (CT), sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado a indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais e na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e nos termos do número 1 do artigo 390.º do CT, o trabalhador tem ainda direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.

Não se conformando com a sentença proferida, a Executada interpôs recurso, em 20 de setembro de 2017, tendo sido proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 23 de maio de 2018, que culminou com a seguinte decisão:

«Nestes termos acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas a cargo da Ré/Apelante».

Deste acórdão não foi interposto qualquer recurso pela Executada, pelo que o mesmo transitou em julgado a 28 de Junho de 2018.

Os Exequentes não foram, até à presente data, reintegrados na estrutura empresarial da Executada, nem lhe foram pagas as retribuições devidas entre a data do despedimento e a data do trânsito em julgado desta decisão, em claro incumprimento com a decisão judicial proferida e com o disposto nos artigos 389.º e seguintes do CT.

As finalidades da presente execução são: o pagamento da quantia certa constante do campo da liquidação da obrigação e a prestação de facto de reintegrar os trabalhadores nos seus postos de trabalho, cumulação de finalidades que é admissível nos termos do disposto no artigo 710.º do CPC.

Tendo em conta o título executivo em causa nos presentes autos, é possível concluir que a obrigação exequenda satisfaz os requisitos de certeza, exigibilidade e liquidez, previstas nos artigos 713.º e seguintes do CPC.

O valor em dívida a título de capital ascende a € 136.061,32 (cento e trinta e seis mil e sessenta e um euros e trinta e dois cêntimos), a que acrescem os juros moratórios à taxa legal calculados na presente data, no valor de € 119,29 (cento e dezanove euros e vinte e nove cêntimos)».

Fundaram o requerimento executivo na referida sentença, já transitada em julgado.

2. A Executada deduziu oposição à execução mediante embargos, alegando, para o efeito e em síntese que a sentença exequenda apenas reconheceu a Embargante como entidade empregadora dos Embargados, e declarou o despedimento destes como ilícito. 

Os Embargados não pediram que a Embargante fosse condenada na sua reintegração, nem que fosse condenada no pagamento das retribuições e subsídios que deixaram de auferir desde aquele despedimento até trânsito em julgado da decisão.

Deste modo e no que concerne à reintegração e ao pagamento de retribuições aos Embargados, a sentença exequenda padece de exequibilidade, por a tal não ter condenado a Embargante.

Conscientes da inexequibilidade ou insuficiência do título em causa para os pretendidos efeitos, os Embargados tentam fundar a sua pretensão executiva, não na sentença exequenda mas no disposto nos artigos 389.º e 390.º do Código do Trabalho (CT), parecendo olvidar que tais normativos não são exequíveis por si mesmos, nem podem suprir a falta de condenação na reintegração e no pagamento de retribuições não tituladas na sentença dada à execução.

Não constando as obrigações exequendas do título dado à execução, não resta outra solução que não a de se concluir pela sua inexequibilidade ou manifesta insuficiência, vício este insuprível e determinativo da extinção da execução nos termos do disposto nos artigos 729°, alínea a), e 726°, n.º 2, alínea a), ambos do CPC.

Ainda que assim não fosse, à quantia exequenda, sempre teriam de ser deduzidas as verbas mencionadas no n.º 2 do artigo 390.º do CT, sendo que após o mencionado despedimento, os embargados receberam subsídio de desemprego e já estarão a receber remunerações por outras entidades empregadoras.

Acresce que, nas parcelas remuneratórias previstas no n.º 1 do artigo 390.° do CT, não se integram os subsídios que pressupõem a prestação efetiva de funções, como sejam os subsídio de refeição, abono para falhas e ajudas de custo para deslocações que os Embargados também incluem indevidamente na pretensa quantia exequenda.

Conclui que deve a oposição à execução ser julgada procedente, absolvendo-se a Embargante dos pedidos exequendos e ordenando-se a extinção da Execução.

3. Os Exequentes responder a esta oposição concluindo que a mesma deverá ser julgada improcedente.

4. Em 08/04/2018 foi proferida a decisão/sentença conjuntos nos seguintes moldes:

«Decisão

Tudo visto, e a final, tendo presente o quadro factual, dogmático e jurisprudencial invocado ao longo do texto decisório julga-se improcedente o pedido da Requerente de declarar a caducidade do procedimento cautelar e, em consequência julga-se improcedente o pedido de levantamento da caução prestada no âmbito do mesmo.

Julgam-se improcedentes os embargos de executado e, consequentemente, ordena-se o prosseguimento dos autos de execução.

Custas pela Requerida/embargante.

Valor da ação: € 136.180,61 (cento e trinta e seis mil cento e oitenta euros e sessenta e um cêntimos)».

5. A Embargante/Executada interpôs recurso de apelação desta sentença, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão em 15 de janeiro de 2020, o qual culminou com a seguinte:

«DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.°, n.º 1 do Código do Processo do Trabalho e 663.° do Novo Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso de Apelação interposto por APRAM — ADMINISTRAÇÃO DOS PORTOS DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA, S.A, revogando-se, nessa medida, a sentença aqui impugnada e substituindo-se a mesma pela extinção da instância executiva, por falta de causa de pedir (título executivo).

Custas pelos Apelados - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil».

6. Notificados do referido acórdão e com ele não se conformando, vieram os Embargados AA, BB e CC interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:

A. Os Recorrentes não se conformam com o enquadramento jurídico-legal perpetrado no Acórdão recorrido que conduziu à extinção da instância executiva, por falta de causa de pedir (título executivo).

B. Acórdão que alterou e revogou a sentença proferida na 1.ª instância, facto que fundamenta o presente recurso de revista, nos termos do número 1 do artigo 671.º e da alínea a) do número 1 do artigo 674.º do CPC, aplicável ex vi do número 6 do artigo 81.º do CPT.

C. Os Recorrentes não acompanham o enquadramento jurídico feito pelo Tribunal a quo, nos termos do qual a ação intentada nos autos principais configura uma ação declarativa de simples apreciação e não uma verdadeira ação declarativa condenatória.

D. A sentença proferida no processo principal está dotada de exequibilidade, por força da produção ope legis e automática dos efeitos previstos nos artigos 389.º e 390.º do CT através da mera declaração de ilicitude do despedimento.

E. Independentemente da existência de pedido dos Recorrentes nas suas reintegrações e no pagamento dos salários intercalares em sede de petição inicial (embora tenham sido pedidos no Requerimento Executivo), como decorre da letra do artigo 389.º do CT, nos termos do qual a condenação é automática, face à declaração de ilicitude do despedimento.

F. Os Recorrentes ainda não viram os seus direitos acautelados, pois a Recorrida, apesar de condenada, quer por via cautelar, quer por via da ação principal, ainda não cumpriu as decisões judiciais proferidas, nomeadamente, a reintegração dos Recorrentes nos seus postos de trabalhos e pagamento dos salários intercalares.

G. Os efeitos legais previstos nos artigos 389.º e 390.º do CT decorrem implicitamente da declaração judicial da ilicitude do despedimento, que o Tribunal de 1.ª instância proferiu e o douto Tribunal da Relação de Lisboa confirmou e reconheceu.

H. Tanto a indemnização, como a reintegração e o pagamento dos denominados salários intercalares têm como principal objetivo colocar o trabalhador na posição em que este estaria caso não fosse ilicitamente despedido, ou seja, reconstituir a situação de facto e de direito existente em momento anterior ao despedimento na esfera do trabalhador ilicitamente despedido.

I.         Caso assim não fosse, estaríamos perante uma situação completamente desvirtuadora e contrária aos mais elementares princípios do ordenamento jurídico-laboral português, assente, principalmente, na garantia da segurança no emprego que encontra consagração no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa.

J.         Não se trata, pois, como julgou o douto Tribunal a quo, de qualquer inexistência de título executivo legalmente reconhecido que permita aos Recorrentes vir exigir o peticionado em sede de Requerimento Executivo, ou seja, os efeitos pretendidos na execução.

K. A aparência da obrigação exequenda resulta, de forma manifesta, do título executivo (i.e. da sentença que declarou a ilicitude do despedimentos dos Recorrentes), nos termos do qual resulta inequivocamente, embora de forma implícita, a condenação da Recorrida a reintegrar os Recorrentes e a pagar-lhes os salários intercalares que estes deixaram de auferir.

L. A interposição de nova ação declarativa com o único pedido de condenação da Recorrida na reintegração dos Recorrentes e no pagamento das retribuições intercalares daria azo à repetição de atos inúteis não permitidos nos termos do artigo 130.º do CPC.

M. Cabe ao Tribunal gerir o processo de forma a obter uma decisão célere, conforme resulta do dever de gestão processual consagrado no artigo 6.º CPC, sobretudo atendendo à situação particular dos Recorrentes que se encontram impedidos de exercer as suas atividades profissionais e de receber a justa contrapartida pelo respetivo exercício, em claro incumprimento da Recorrida para com a Decisão proferida nos autos.

N. Não é condição necessária e exigível que a sentença contenha uma condenação expressa para que esta valha como título executivo, bastando que deste emirja, de forma inequívoca, a obrigação exequenda, tal como sucede na sentença proferida nos autos do processo principal.

O. A declaração da ilicitude do despedimento não tem a capacidade de produzir os efeitos pretendidos pela Recorrida, a saber a extinção do vínculo laboral, pois a mesma implica, por si só, a manutenção do vínculo laboral e é a consequência natural desta ilicitude.

P. Os efeitos da declaração da ilicitude do despedimento levado a cabo pela Recorrida encontram-se previstos nos artigos 389.º e 390.º do CT, isto é decorrem implicitamente da declaração de ilicitude do despedimento dos Recorrentes ou, como refere o Tribunal de 1.ª instância, decorrem ex vi legis.

Q. Embora a parte decisória da sentença recorrida não contenha expressamente a condenação da Recorrida, nem na reintegração, nem no pagamento das retribuições intercalares, tal condenação resulta necessária e implicitamente da declaração judicial da ilicitude do despedimento.

R. A ação principal configura uma verdadeira ação declarativa de condenação.

S. Tal conclusão é o reflexo do sistema jurídico-laboral português assente no princípio constitucional da segurança no emprego, o que implica que da declaração da ilicitude do despedimento resulte a subsistência do contrato por sentença e, consequentemente, a reintegração dos trabalhadores ilicitamente despedidos, bem como a compensação pelo tempo em que aqueles se viram privados de receber a contrapartida pela manutenção dos seus contratos de trabalho.

T. A reintegração e o correspondente pagamento das retribuições intercalares em dívida é uma decorrência legal implícita – e lógica – da declaração do despedimento perpetrado pela Recorrida declarado como ilícito, sendo os efeitos decorrentes da declaração judicial da ilicitude produzidos ex vi legis.

U. A condenação na reintegração como no pagamento das retribuições decorre automaticamente da lei face à declaração da ilicitude do despedimento, que é uma conditio sine qua non da reintegração e do pagamento aos Recorrentes, não estando dependente de qualquer manifestação clara de vontade do trabalhador.

V. O Tribunal a quo com a prolação do Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 10.º, n.º 2, 3 e 5, 703.º, n.º 1, alínea a) do CPC, no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 389.º e 390.º do CT.

W. Por conseguinte, o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro, que determine o prosseguimento da execução por existência de título executivo.

Pelo que,

Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, sempre com      o douto provimento de V.Exas., Meritíssimos Juízes Conselheiros da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, deve conceder-se integralmente provimento ao presente recurso de revista, revogando-se o Acórdão recorrido, substituindo o            mesmo por      outro que determine o prosseguimento da execução por existência de título executivo.

7. Contra-alegou a Recorrida/Embargante, deduzindo, a final, as seguintes conclusões:

A – O recurso de Revista ora sob resposta foi interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou procedente o recurso de Apelação apresentado pela ora Recorrida, e, em consequência, revogou a Sentença da Primeira Instância, tendo substituído a mesma pela procedência dos Embargos de Executado deduzidos e pela inerente extinção da instância executiva, por falta de causa de pedir, i.e., por falta de título executivo.

B – Pelo Processo Executivo a que respeitam os presentes autos de Embargos de Executado, os Exequentes/Embargados e ora Recorrentes, deram à Execução a douta Sentença proferida no âmbito da acção declarativa emergente de contrato de trabalho, que, sob Processo Comum n.º 6577/15.9T8FNC, tramitou pelo Tribunal Judicial da Comarca da Madeira – Juízo do Trabalho do Funchal, pedindo, em tal Execução, a sua reintegração coerciva na Executada e ora Recorrida, e o pagamento por esta das retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento até trânsito em julgado daquela decisão [cf. Requerimento Executivo, Sentença de fls. 60 a 78 verso, e Acórdão de fls. 79 a 97 verso dos autos, pretendidos fundar a Execução vertente].

C – Sucede que a Sentença exequenda, na sequência do pedido formulado pelos Autores na respectiva acção declarativa, apenas reconheceu a Recorrida como entidade empregadora dos Recorrentes, e declarou o despedimento destes como ilícito (cf. pontos de facto processualmente assentes em 10. e 11., e Sentença e Acórdão exequendos, de fls. 60 a 97 verso dos autos).

D – Nesta necessária decorrência, e conforme reconhecido no douto Acórdão recorrido, a aqui Recorrida não foi condenada, pela Sentença em execução, a reintegrar os Recorrentes, nem a pagar-lhes as retribuições que estes deixaram de receber desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão (cf. pontos de facto assentes em 9. e 10., e Sentença de fls. 60 a 78 verso e Acórdão de fls. 79 a 97 verso dos autos).

E – Assim, e como bem e doutamente decidido pelo Tribunal a quo, a Sentença dada à Execução em presença trata-se de uma sentença declarativa, de mera apreciação positiva, e não de uma sentença condenatória, não constituindo, por isso, um título executivo, ou, dito de outro modo, não sendo exequível (cf. artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do CPC, ex vi dos artigos 88.º e 98.º-A do CPT).

F – A este propósito, encontra-se vertido no Acórdão recorrido que “não é possível sustentar a natureza executiva da referida sentença judicial, dado que nela foi efectuado um julgamento final limitado a declarar que a 1.ª Ré APRAM, SA é a entidade empregadora por força da transmissão de estabelecimento havida entre ela e a empresa «33/16 – ASSISTÊNCIA NÁUTICA, S.A.» e que, nessa medida, procedeu a um ilícito despedimento de facto dos ali Autores, o que a reconduz, grosso modo, a uma ação de mera apreciação positiva, de acordo com a classificação constante do artigo 10.º do NCPC (…) Logo, tal sentença não condenou a Ré APPRAM nos efeitos jurídicos que decorrem do despedimento ilícito e que se mostram previstos nos artigos 389.º a 391.º do CT/2009.” – sublinhado da Recorrida.

G – Com efeito, as sentenças condenatórias, para poderem ser executadas, deverão, desde logo, conter a condenação do devedor no cumprimento de determinada prestação [v.g., patrimonial ou de facere], como bem se extrai do Acórdão recorrido – neste sentido, veja-se, também, v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.04.2015, Processo: 312-H/2002.P1.S1, Relator Conselheiro Tomé Santos, consultável em www.dgsi.pt.

H – Não constando, pois, como não constam, as pretensões exequendas de reintegração e de pagamento de retribuições da Sentença dada à execução, não restaria outra solução ao Tribunal a quo que não a de concluir – como concluiu – pela sua inexequibilidade, por falta de título, vício este insuprível e determinativo da extinção da execução, nos termos do disposto nos artigos 729.º, alínea a), e 726.º, n.º 2, alínea a), ambos do CPC (neste sentido, além do Aresto já citado, apontam também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11.03.2008, Processo: 1339/05.4TBCVL-A.C1, Relator Desembargador Virgílio Mateus, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08.10.2015, Processo: 221-13.6TBSCR.L1-8, Relatora Desembargadora Catarina Arêlo Manso, ambos in www.dgsi.pt).

I – Acresce, por outro lado, que, face ao quadro legal aplicável ao despedimento ilícito e consagrado nos artigos 389.º a 392.º do CT, e como aprofundadamente consignado no Acórdão recorrido, não é possível defender, como o fazem os Recorrentes, que a mera declaração de ilicitude dum despedimento, implica, por si só, automaticamente e ex vi legis ou ope legis, a subsistência do contrato de trabalho do trabalhador despedido e a correspondente e implícita condenação na sua reintegração e no pagamento das retribuições intercalares em dívida.

J – Desde logo, o n.º 1 do artigo 389.º do CT, subordinado à epígrafe “Efeitos da ilicitude do despedimento”, exige, para que ocorra reintegração e pagamento de indemnização ao trabalhador, que haja condenação nesse sentido [“sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado” – o que pressupõe pedido e condenação judicial expressa]; e é no sentido da necessidade de pedido e de condenação judicial prévia e expressa, que deverá ser sistematicamente interpretado o que vem disposto, entre outros, nos artigos 390.º, 391.º e 392.º do CT.

K – Neste conspecto, o douto Acórdão recorrido dita lapidarmente que “[b]asta a leitura atenta das normas que enformam os artigo 389.º a 392.º do CT/2009 para concluir que tais pretensões indemnizatórias dependem, todas elas, de uma manifestação de vontade suficientemente clara da parte do trabalhador que propôs ação de impugnação da (regularidade) e/ou ilicitude do despedimento, quer por via da ação com processo comum, como foi o caso dos aqui recorridos, quer através da ação de impugnação da regularidade e ilicitude do despedimento que se mostra prevista no artigo 387.º, número 2, do CT/2009 e 98.º -B e seguintes do CPT, quer finalmente mediante a ação de impugnação do despedimento coletivo dos artigos 388.º do CT/2009 e 156.º e seguintes do CPT. (…) Sendo assim, afigura-se-nos que a ação executiva não se radica em sentença de condenação (expressa ou implícita) de quaisquer prestações de facto ou de natureza pecuniária, ou seja, em título executivo legalmente reconhecido que permita aos Exequentes vir reclamar coercivamente a compensação prevista no artigo 390.º do CT/2009.” – sublinhado nosso.

L – Na sequência e em complemento do assim doutamente plasmado no Acórdão impugnado, dir-se-á que tem sido pacificamente entendido pelos Tribunais Superiores que a reintegração e/ou o pagamento de indemnizações ou retribuições vencidas desde o despedimento até trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, cai no âmbito dos direitos disponíveis, pelo que o Tribunal, caso o trabalhador não o peça oportunamente, não pode condenar a entidade empregadora em tal reintegração e/ou em tal pagamento, não sendo aplicável, nestes casos, por isso, o disposto no artigo 74.º do CPT [condenação extra vel ultra petitum] – neste sentido, entre outros, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.06.2014, Processo: 450/07.1TTCSC.L1.S1, Relator Conselheiro António Leones Dantas, e de 31.10.2007, Processo: 07S2091, Relator Conselheiro Bravo Serra, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.

M – Destarte, no que concerne à reintegração ou indemnização substitutiva, a indemnizações e às retribuições vencidas após o despedimento e até trânsito em julgado da decisão, impera, portanto, nas acções declarativas interpostas pelo trabalhador em consequência do seu despedimento, o princípio do dispositivo ou da disponibilidade objectiva, que vincula o Tribunal a decidir apenas sobre aquilo que os trabalhadores despedidos livremente lho pedirem, seja a reintegração ou respectiva indemnização substitutiva, seja a indemnização por eventuais danos patrimoniais ou não patrimoniais e/ou seja o pagamento das designadas retribuições intercalares ou salários de tramitação, sob cominação de nulidade da sentença (cf. artigos 3.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, alínea e), 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, alínea e) do CPC, artigo 74.º do CPT, e artigos 389.º e 390.º do CT).

N – O mesmo é dizer que, contrariamente ao defendido pelos Recorrentes, a reintegração e o pagamento de retribuições intercalares ao trabalhador, não operam automaticamente, ex vi legis ou ope legis por efeito da mera declaração da ilicitude do despedimento, sendo, pois, necessário que o trabalhador, caso pretenda obter tais efeitos, formule pedido expresso nesse sentido e o Tribunal condene expressamente o empregador em tal reintegração e/ou pagamento.

O – Caso o trabalhador despedido não peça a sua reintegração, o seu contrato de trabalho não retoma a sua vigência, cessado pelo despedimento, ainda que declarado ilícito; ou, dizendo de outro modo, se a entidade empregadora não for condenada na reintegração do trabalhador ilicitamente despedido, o contrato de trabalho deste não retoma a sua vigência, ficando cessado com aquele despedimento.

P – É o que ocorre sub judice com os contratos de trabalho dos Recorrentes, contratos que não retomaram [ou não mantiveram] vigência após o despedimento ocorrido em 09.09.2015, precisamente porque aqueles não pediram a sua reintegração na Recorrida, nem esta foi condenada em tal reintegração pela Sentença exequenda.

Q – Do que decorre que, se os Recorrentes, livre e disponivelmente, não pediram – como não pediram nos autos declarativos em apreço, nem ali o Tribunal a isso condenou a Recorrida – a reintegração e o pagamento das retribuições vencidas desde o seu despedimento até trânsito em julgado da decisão, o Tribunal a quo não o poderia ter feito agora, como acertadamente não o fez, por via da hipotética confirmação da Sentença da Primeira Instância que havia mandado prosseguir a Execução, que visava alcançar coercivamente a reintegração e o pagamento das sobreditas retribuições, nos quais a Recorrida não foi condenada, expressa ou implicitamente, percute-se.

R – Flui do que vem de ser aduzido que o princípio do pedido, que constitui uma das principais manifestações do princípio do dispositivo, também não permite, salvo melhor opinião, que possa defender-se – como vem defendido pelos Recorrentes – que, mercê dum hipotético efeito ex vi legis ou ope legis provindo da mera declaração de ilicitude dum despedimento, uma Sentença – como a dada à Execução de que os presentes Embargos são apenso – tem implícita a condenação automática da entidade empregadora na reintegração e no pagamento de retribuições intercalares ao trabalhador despedido [que não as pediu].

S – Salvo o devido respeito, mal seria que não podendo o Tribunal, em processo declarativo, condenar a entidade empregadora a reintegrar e a pagar retribuições intercalares ao trabalhador despedido sem que este o peça, por não lho consentir o artigo 74.º do CPT, o pudesse vir a fazer no âmbito do processo executivo interposto com base na Sentença ali proferida e que a tal reintegração e pagamento não condena, expressa ou implicitamente.

T – O que significa dizer que, se o Tribunal, no processo declarativo, não pode condenar a entidade empregadora na reintegração e no pagamento de retribuições intercalares quando o trabalhador despedido não o pede, menos o poderá fazer no âmbito do processo executivo, por a tal se oporem frontalmente os ditames do processo declarativo, onde manda o princípio do dispositivo, e os do processo executivo, onde impera a certeza, a liquidez e a exigibilidade da obrigação exequenda, não compatíveis, garantisticamente, com condenações implícitas ou automáticas à reintegração e ao pagamento de salários de tramitação não tituladas pela Sentença em execução.

U – Donde, sem desrespeito por melhor opinião, não se poder concluir, como concluído pelos Recorrentes, que a Sentença dada à execução, contém uma condenação automática no cumprimento de tais pretensas obrigações à reintegração e ao pagamento de retribuições intercalares.

V – Face ao enquadramento legal exposto, cuja conformidade constitucional é evidente, resulta que a garantia da segurança no emprego consagrada no artigo 53.º da CRP, não é posta em crise no caso dos autos, dado que, como visto, o Tribunal concedeu aos Recorrentes o que estes lho pediram, i.e. apenas a declaração de que o seu despedimento foi ilícito, pelo que não se mostra violado aquele preceito da CRP.

W – Faz-se ainda notar, por fim e sem prescindir, que conferir exequibilidade à Sentença dada à execução, sempre se mostraria legalmente indevido, porque os Recorrentes pretendem cobrar em sede executiva montantes que, além de não terem qualquer reflexo nem guarida na Sentença exequenda, não se encontram apurados com respeito pelo disposto no artigo 390.º do CT.

X – Conforme documentalmente demonstrado nos autos, os Recorrentes, após os seus despedimentos, receberam subsídio de desemprego e já estarão a receber remunerações por outras entidades empregadoras, valores que os Recorrentes não indicaram nem deduziram, como se lhe impunha que fizessem, no requerimento executivo.

Y – E também por esta razão de tentativa de cobrança de valores totais a que os Recorrentes não teriam direito a receber, ainda que a Sentença em presença tivesse hipotética exequibilidade, não pode prevalecer nem a Sentença do Tribunal da Primeira Instância, nem a pretensão recursiva dos Recorrentes, devendo, ao invés, ser confirmado o douto Acórdão recorrido.

Z – De tudo quanto se deixa explanado, decorre que o douto Acórdão recorrido não violou o disposto nos artigos 10.º, n.os 2, 3 e 5, 703.º, n.º 1, alínea a), do CPC, 53.º da CRP, e 389.º e 390.º do CT, pelo que não poderá merecer qualquer censura, devendo ser confirmado, o que mui respeitosamente se requer.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso de Revista em resposta, confirmando-se o douto Acórdão recorrido, com o que se fará a acostumada JUSTIÇA.

8. Admitido o recurso, com adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos para este Supremo Tribunal de Justiça.

9. Cumprido o disposto no n.º 3 do art. 87º do CPT, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negada revista, antes devendo ser confirmado o acórdão recorrido

10. Este parecer não foi objeto de resposta por qualquer das partes.

II

Apreciação

Questão prévia.

O aqui relator, enquanto Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, foi também relator nos acórdãos proferidos, respetivamente, em 09 e em 23 de maio de 2018 nos recursos de apelação interpostos pela APRAM, S.A. sobre as sentenças proferidas pelo Tribunal de 1ª instância, quer na ação declarativa, com processo comum, n.º 6577/15.9T8FNC, quer no procedimento cautelar de suspensão de despedimento com o n.º 6577/15.9T8FNC-A, acórdãos de que se dá conta nos pontos 5 e 10 dos factos tidos por assentes pelas instâncias e que adiante se reproduzirão.

Tal circunstância, contudo, não constitui impedimento legal à intervenção do relator na apreciação do presente recurso de revista, porquanto se não verifica qualquer das situações previstas na alínea e) do n.º 1 do art. 115º do CPC. Com efeito, não teve o ora relator intervenção na prolação do acórdão aqui recorrido e, por outro lado, não tomou, de outro modo, qualquer posição naqueles autos sobre questões suscitadas no recurso de revista agora em causa.

*

Posto isto e como sabido, com ressalva de questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões. Tal decorre do estabelecido nos artigos 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ambos do CPC.

Deste modo e tendo em consideração as conclusões do recurso de revista interposto pelos Recorrentes, coloca-se à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça a questão de saber se a sentença proferida pelo Tribunal da 1ª instância em 20 de julho de 2017 – sentença que julgou procedente a ação declarativa, reconheceu a qualidade da Ré (Embargante) como entidade empregadora dos Autores (Embargados) por efeito de transmissão dos respetivos contratos de trabalho e declarou a ilicitude do despedimento de facto destes perpetrado por aquela –, constitui título executivo bastante na ação executiva que os Exequentes/Embargados, em 12 de julho de 2018, instauraram contra a Executada/Embargante, com a finalidade de serem reintegrados na empresa desta e a receberem da mesma as retribuições que deixaram de auferir desde o seu despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declarou a ilicitude do despedimento.

Regime jurídico aplicável

Os presentes autos respeitam a Embargos de Executado instaurados em 26 de setembro de 2018, no âmbito de execução de sentença proferida em 20 de julho de 2017 e que, por sua vez, declarou ilícito o despedimento dos Exequentes/Embargados, perpetrado pela Executada/Embargante em 09 de Setembro de 2015.

O acórdão recorrido foi proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 15 de Janeiro de 2020.

Nesta medida e em termos adjetivos são aplicáveis ao caso:

- O Código de Processo do Trabalho (CPT) na versão introduzida pela Lei n.º 107/2019 de 9 de setembro, atento o disposto nos artigos 5º n.º 3 e 9º n.º 1 desta Lei;

- O Código de Processo Civil (CPC), na sua versão atual.

Em termos substantivos, levar-se-ão em consideração as normas do Código do Trabalho (CT) aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02 e vigentes à data do referido despedimento.

Fundamentos de facto

As instâncias consideraram assentes os seguintes factos:

1.         Em 16 de Setembro de 2015 entrou em juízo o procedimento cautelar de suspensão de despedimento em que são requerentes AA, BB e CC e requerida a APRAM - ADMINISTRAÇÃO DOS PORTOS DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA, S.A.

2.         Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi tal procedimento convolado em procedimento comum.

3.         Proferido despacho final o mesmo reconheceu a relação laboral entre os Requerentes e a Requerida resultante da transmissão do estabelecimento comercial, ocorrida através da tomada de posse administrativa com início em 9 de Setembro de 2015 e declarou ilícito o despedimento de facto ocorrido nessa mesma data. Consequentemente foi a requerida condenada a reintegrar os Requerentes, voltando estes a ocupar o posto de trabalho e as funções que vinham desenvolvendo, e ainda a pagar as retribuições que estes deixaram de auferir desde o despedimento até á sua reintegração.

4.         Inconformada recorreu a Requerente.

5.         Por acórdão de 9 de Maio de 2018 foi julgada improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

6.         A Requerida arguiu a nulidade do acórdão tendo sido julgada totalmente improcedente a sua pretensão.

7.         Em 25 de Julho de 2018 a APRAM - ADMINISTRAÇÃO DOS PORTOS DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA, S.A. veio requerer seja declarada a caducidade do procedimento cautelar decretado e que seja devolvida a caução que prestou nos autos.

8.         Em 9 de Agosto de 2018 vieram os Requerentes opor-se ao decretamento da caducidade do procedimento cautelar e ao levantamento da caução prestada.

9.         Em 20 de Julho de 2017 foi proferida sentença pelo Senhor Juiz à data titular dos autos tendo a mesma reconhecido a qualidade da l.ª Ré APRAM - S.A. como entidade empregadora dos Autores por efeito de transmissão dos respetivos contratos de trabalho, declarado ilícito o despedimento de facto dos Autores perpetrado pela l.ª Ré e absolvido a 2.ª Ré dos pedidos contra ela deduzidos.

10.       Inconformada recorreu a APRAM - S.A. para o Tribunal da Relação de Lisboa o qual viria a julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida, por acórdão de 23 de Maio de 2018.

11.       Em 12 de Julho de 2018 os Autores vieram deduzir o incidente de execução de Sentença.

12.       Em 26 de Setembro de 2018 a Ré veio deduzir embargos de executado tendo pedido a suspensão da execução.

13.       Foi realizada a audiência a que se refere o n.º 2 do artigo 7.° do Código de Processo Civil aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2 alínea a) do Código de Processo do Trabalho

14. A Ré/Requerida não reintegrou os trabalhadores e nada lhes pagou até à presente data.

Fundamentos de direito

Como referimos, a questão jurídica colocada à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça consiste em saber se a sentença proferida pelo Tribunal da 1ª instância em 20 de julho de 2017 – sentença que julgou procedente a ação declarativa, reconheceu a qualidade da Ré (Embargante) como entidade empregadora dos Autores (Embargados) por efeito de transmissão dos respetivos contratos de trabalho e declarou a ilicitude do despedimento de facto destes perpetrado por aquela –, constitui título executivo bastante na ação executiva que os Exequentes/Embargados, em 12 de julho de 2018, instauraram contra a Executada/Embargante, com a finalidade de serem reintegrados na empresa desta e a receberem da mesma as retribuições que deixaram de auferir desde o seu despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declarou a ilicitude do despedimento.

A referida sentença foi proferida no âmbito da ação declarativa, com processo comum, proposta pelos Autores AA, BB e CC (agora Exequentes/Embargados) contra as Rés APRAM - Administração dos Portos da Região Autónoma da Madeira, S.A. (agora Executada/Embargante) e TRINTA E TRÊS BARRA DEZASSEIS - Assistência Náutica, S.A., sendo que nessa ação os Autores formularam o seguinte pedido:

«1)       Seja reconhecida a qualidade da l.ª Ré APRAM, S.A. como empregadora dos Autores, por efeito de transmissão dos respetivos contratos de trabalho;

Caso assim não se entenda, ser reconhecida a qualidade de empregadora dos Autores à. 2 ª Ré e consequentemente

2)         Seja declarada a ilicitude do despedimento de facto dos Autores, perpetrado pela 1. “ Ré APRAM-SA, aos 9 dias de setembro de 2015 e, caso também assim não se entenda, ser declarada a ilicitude do despedimento de facto dos Autores perpetrado pela 2.ª Ré.».

Tal sentença, que serviu de base à fixação da matéria que consta do ponto 9 dos factos tidos por assentes, contem (no que aqui releva) o seguinte dispositivo:

«… julgo procedente apresente ação, e, em consequência, decido:

1. Reconhecer a qualidade da l.ª Ré APRAM-SA como entidade empregadora dos Autores por efeito de transmissão dos respetivos contratos de trabalho.

2. Declarar a ilicitude do despedimento de facto, dos Autores perpetrado pela l.ª Ré APRAM-SA.

3. Absolver a Ré «33/16 - ASSISTÊNCIA NÁUTICA, S.A.» dos pedidos deduzidos contra si.».

Esta sentença transitou em julgado, porquanto, tendo sido confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 23 de maio de 2018, este não foi objeto de impugnação.

Tal sentença foi apresentada como título executivo na execução movida pelos Exequentes/Embargados contra a Executada/Embargante, tudo como decorre da matéria que consta dos pontos 10 e 11 dos factos assentes e do afirmado no precedente relatório.

Posto isto e em síntese, alegam e concluem os Recorrentes não acompanharem o enquadramento jurídico feito pelo Tribunal da Relação no acórdão recorrido, nos termos do qual a ação instaurada nos autos principais configura uma ação declarativa de simples apreciação e não uma verdadeira ação declarativa condenatória, afirmando, por outro lado, que a sentença proferida no processo principal está dotada de exequibilidade, por força da produção “ope legis”, automática, dos efeitos previstos nos artigos 389.º e 390.º do CT, através da mera declaração de ilicitude do despedimento, independentemente, portanto, da existência de pedido nas suas reintegrações e no pagamento dos salários intercalares em sede de petição inicial. Com efeito, alegam e concluem que, como decorre da letra do artigo 389.º do CT, a condenação na reintegração e no pagamento dos salários intercalares é automática, face à declaração de ilicitude do despedimento, uma vez que tem como principal objetivo colocar o trabalhador na posição em que estaria caso não fosse ilicitamente despedido, ou seja, reconstituir a situação de facto e de direito existente em momento anterior ao despedimento na esfera do trabalhador ilicitamente despedido.

Alegam ainda que tal conclusão é o reflexo do sistema jurídico-laboral português assente no princípio constitucional da segurança no emprego, o que implica que da declaração da ilicitude do despedimento resulte a subsistência do contrato por sentença e, consequentemente, a reintegração dos trabalhadores ilicitamente despedidos, bem como a compensação pelo tempo em que aqueles se viram privados de receber a contrapartida pela manutenção dos seus contratos de trabalho, não sendo, em seu entender, condição necessária e exigível que a sentença contenha uma condenação expressa para que esta valha como título executivo, bastando que deste emirja, de forma inequívoca, a obrigação exequenda, sendo que a reintegração e o correspondente pagamento das retribuições intercalares em dívida é uma decorrência legal implícita – e lógica – da declaração do despedimento perpetrado pela Recorrida e declarado como ilícito, sendo os efeitos decorrentes da declaração judicial da ilicitude produzidos ex vi legis.

Por sua vez, a Recorrida assume posição diametralmente oposta, defendendo, por isso, a manutenção do acórdão recorrido que, em diversas partes, reproduz.

Vejamos!

A propósito da suscitada questão e dado passo do acórdão recorrido escreveu-se o seguinte:

«Ora, salvo o devido respeito pela posição sustentada pelos trabalhadores demandantes e também pela decisão recorrida, que socialmente se compreende mas que juridicamente se rejeita, não é possível sustentar a natureza executiva da referida sentença judicial, dado que nela foi efetuado um julgamento final limitado a declarar que a l.ª Ré APRAM, SA é a entidade empregadora por força da transmissão de estabelecimento havida entre ela e a empresa «33/16 - ASSISTÊNCIA NÁUTICA, S.A.» e que, nessa medida, procedeu a um ilícito despedimento de facto dos ali Autores, o que a reconduz, grosso modo, a uma ação de mera apreciação positiva, de acordo com a classificação constante do artigo 10.º do NCPC.

Logo, tal sentença não condenou a Ré APRAM nos efeitos jurídicos que decorrem do despedimento ilícito e que se mostram previstos nos artigos 389.º a 391.º do CT/2009.

A divergência entre as partes radica fundamentalmente aí: enquanto que a recorrente entende que essa sentença final (proferida na ação principal) não contém ou integra, ainda que tácita ou implicitamente, uma qualquer condenação da mesma na reintegração dos ali Autores ou, em substituição de tal reintegração, na liquidação aos mesmos de uma indemnização de antiguidade, sem olvidar, finalmente, o pagamento da compensação prevista no artigo 390.° do CT/2009, não lhe reconhecendo assim a força executiva mínima e necessária para fundar uma ação de prestação de facto ou de cobrança coerciva dos mencionados créditos laborais, já os aqui e ali demandantes defendem perspetiva oposta - no que foram acompanhados pela decisão recorrida e aqui em apreciação - e que vai no sentido de a mera declaração de ilicitude do despedimento de facto de que foram alvo, fazer pressupor e consentir, em função do regime legal imperativo constante dos artigos 389.° e seguintes do CT/29009, o acionamento executivo da recorrente e a manutenção das providências cautelares concretamente decretadas até se mostrarem garantidos, por penhora (créditos laborais) e concretização definitiva da prestação de facto (reintegração), os referidos direitos.

Têm os recorridos razão no que afirmam?

Entendemos convictamente que não, pois não resulta do regime legal contido nos artigos 389.° e seguintes do CT/2009 (que é efetivamente imperativo, com a ressalva dos aspetos identificados no artigo 339.°) que a mera declaração de ilicitude do despedimento acarrete automática e juridicamente ou carregue embrionariamente consigo, independente de tal ser ou não expressa ou tacitamente pedido pelo trabalhador despedido, os efeitos indemnizatórios elencados globalmente no artigo 389.° do aludido diploma legal.

Basta a leitura atenta das normas que enformam os artigos 389.° a 392.° do CT/2009 para concluir que tais pretensões indemnizatórias dependem, todas elas, de uma manifestação de vontade suficientemente clara da parte do trabalhador que propôs a ação de impugnação da (regularidade) e/ou licitude do despedimento, quer por via da ação com processo comum, como foi o caso dos aqui recorridos, quer através da ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento que se mostra prevista no artigo 387.°, número 2, do CT/2009 e 98.°-B e seguintes do CPT, quer finalmente mediante a ação de impugnação do despedimento coletivo dos artigos 388.° do CT/2009 e 156.° e seguintes do CPT.

Pense-se, desde logo, na faculdade que o trabalhador despedido tem de optar até ao final da Audiência Final entre a reintegração no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade ou a indemnização em substituição de tal reintegração, de formular ou não pedido de indemnização por danos não patrimoniais ou de reclamar ou não todas as retribuições vencidas entre a data da cessação ilegal do contrato de trabalho e o trânsito em julgado da sentença ou acórdão que declare a ilicitude do despedimento e a condenação da empregadora nas prestações requeridas.

No que toca a este último aspeto, convirá que nos expliquemos um pouco melhor: o autor nesse tipo de ações pode vir somente preencher o formulário da AIRLD no 60.º dia do prazo de caducidade previsto no número 2 do artigo 387.º do CT/2009 ou no último dia do sexto mês após o despedimento coletivo ou 359.º dia do prazo prescricional, no caso do processo comum de impugnação do despedimento verbal, tácito ou enviesado (perdoe-se-nos a expressão), o que o faz perder os salários que se venceram entre o dia do termo ilícito da relação e o 31.º dia anterior à propositura da ação laboral, por força da dedução prevista na alínea b) do número 2 do artigo 390.º do CT/2009.

Pensamos mesmo que nada obsta a que um trabalhador, que decidiu constituir uma empresa sua ou teve a sorte de encontrar um outro emprego efetivo em data muito próxima do despedimento, com um rendimento ou vencimento global superior ao que antes auferia, pode renunciar legitimamente a reclamar a compensação do artigo 390.º, número 1 do CT/2009, por achar que é inútil demandar a mesma, em tais circunstâncias concretas.

Haverá também algum interesse em recordar que, nos termos particulares do artigo 392.° do CT/2009, o empregador pode requerer que a reintegração seja excluída, o que afasta também o carácter obrigatório e automático de tal figura.

Dir-se-á, contudo, que o trabalhador, quer no procedimento cautelar de suspensão de despedimento, quer na AIRLD não tem de formular qualquer pedido expresso de reintegração/indemnização por antiguidade ou das retribuições vencidas durante a pendência dos autos - cautelares e principais -, para lhe ver ser reconhecido tais direitos, o que parece apontar no sentido sustentado pela sentença recorrida e pelos aqui recorridos.

Ora, importa, por um lado, não olvidar que o Autor ou Requerente tem de desencadear tais ações através do preenchimento do formulário ou da apresentação do Requerimento Inicial (sendo que, no caso de se tratar de um despedimento formal, haverá também lugar à alegação obrigatória do propósito do demandante impugnar judicialmente aquele em tal Requerimento, o que será depois feito através da AIRLD, ainda que com dispensa do preenchimento do formulário) onde terá sempre de ser requerida a suspensão do despedimento ou assumida a impugnação da licitude ou regularidade do mesmo.

Numa segunda perspetiva de análise da questão levantada, interessa não esquecer, pelo outro lado, que os efeitos jurídicos derivados da suspensão do despedimento ou da declaração cominatória da ilicitude do despedimento, com as consequências gerais antes enunciadas, decorrem de normas legais especiais e expressas (artigos 39.° e 40.° e 98.°- G, número 4, alínea b) e 98.°-J, número 3, do CPT, respetivamente).

Afigura-se-nos que, mesmo no caso do deferimento da providência cautelar de suspensão de despedimento, nada obsta a que, em situações em que o empregador não quis que o trabalhador regressasse ao trabalho, limitando-se a pagar-lhe a retribuição devida, este último manifeste nos autos que não pretende continuar a receber a mesma, dado ter conseguido arranjar trabalho com um melhor salário, vindo depois, na ação principal, a optar pelo recebimento da indemnização em substituição da reintegração.

Sendo assim, afigura-se-nos que a ação executiva não se radica em sentença de condenação (expressa ou implícita) de quaisquer prestações de facto ou de natureza pecuniária, ou seja, em título executivo legalmente reconhecido que permita aos Exequentes vir reclamar coercivamente a compensação prevista no artigo 390.° do CT/2009.

Sendo assim, pelos fundamentos expostos, julga-se procedente o presente recurso de Apelação, revogando-se, nessa medida, a sentença recorrida que se substitui pela decisão de procedência dos embargos de executado deduzidos pela Executada e pela inerente extinção da instância executiva, por força dos fundamentos deixados acima explanados».

Desde já se avança que, no essencial, se sufragam os fundamentos jurídicos que levaram o Tribunal “a quo” a concluir que a sentença oferecida pelos Exequentes/Embargados, como título executivo na execução que moveram contra a Executada/Embargante e que constitui o processo principal, não condena esta, de forma expressa ou implícita, em qualquer prestação de facto ou de natureza pecuniária devida àqueles e que lhes permitisse reclamar o cumprimento coercivo das mesmas através da referida execução.

Tal sentença, com efeito, apenas se limitou a reconhecer a qualidade de entidade empregadora da Ré APRAM-S.A. (Executada/Embargante) em relação aos Autores AA, BB e CC (Exequentes/Embargados), por efeito de transmissão dos respetivos contratos de trabalho, e a declarar a ilicitude do despedimento de facto destes perpetrado por aquela, na estrita sequência, aliás, de pretensões que, nesse sentido, foram formuladas por estes contra aquela na ação declarativa, com processo comum, que anteriormente lhe moveram e que, nessa medida, configura, “grosso modo”, uma ação declarativa de simples apreciação positiva, de acordo com a classificação constante do artigo 10.º do CPC, como se conclui no acórdão recorrido.

Acresce referir que também sufragamos o entendimento firmado no acórdão recorrido, no sentido de que os efeitos indemnizatórios ou compensatórios estabelecidos nos artigos 389.º a 392.º do CT dependem de uma  manifestação de vontade da parte do trabalhador que pretenda propor ação de impugnação da licitude do despedimento de que tenha sido alvo por parte do seu empregador, quer mediante a utilização do processo comum, como foi o caso, quer através da ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento prevista no artigo 387.º n.º 2 do CT e 98.º-B e seguintes do CPT, quer mediante a ação de impugnação do despedimento coletivo dos artigos 388.º do CT e 156.º e seguintes do CPT.

Na verdade, não se pode olvidar que, na sequência da cessação da relação contratual laboral decorrente de despedimento unilateralmente assumido pela entidade empregadora em relação a qualquer dos seus trabalhadores, se entra no âmbito da disponibilidade de direitos, o que permite, desde logo, ao trabalhador optar por reagir, ou não, contra esse despedimento – invocando, para tal, a irregularidade e/ou a ilicitude do mesmo – e, em caso de reação, formular pretensão quanto aos efeitos (ou alguns deles) da ilicitude do despedimento que se mostram previstos no art. 389º e seguintes do CT, sendo que, mesmo em caso de ocorrência de tal reação, com manifestação da pretensão de reintegração no posto de trabalho, a entidade empregadora pode, em determinadas circunstâncias (trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direção ou a empresa do empregador ser uma microempresa e o regresso do trabalhador seja gravemente prejudicial e perturbador para o funcionamento da empresa), opor-se, com êxito, a essa pretensão, circunstância que, de si, afasta a existência de produção automática e obrigatória de um (o principal) dos efeitos decorrentes da ilicitude do despedimento, sendo substituído pela atribuição da indemnização a que se alude no n.º 3 do art. 392º do CT.

Vem, precisamente, entendendo a jurisprudência, designadamente a deste Supremo Tribunal de Justiça, que a reintegração, o pagamento de indemnizações e/ou retribuições vencidas desde o despedimento até trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, cai no âmbito dos direitos disponíveis, pelo que, caso o trabalhador os não peça em momento oportuno, o Tribunal não pode, depois e sem mais, condenar a entidade empregadora, seja na reintegração do trabalhador, seja no pagamento a este de indemnização a título de danos causados (morais ou patrimoniais), seja no pagamento ao mesmo das aludidas retribuições ou em indemnização em substituição da reintegração, não sendo aplicável, nesses casos, o disposto no artigo 74.º do CPT (condenação extra vel ultra petitum). (Cfr., neste sentido e entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de outubro de 2007 e de 18 de junho de 2014, proferidos, respetivamente, nos processos n.ºs 07S2091 e 450/07.1TTCSC.L1.S1, ambos desta 4ª Secção e acessíveis em www.dgsi.pt, tendo o último destes acórdãos sido relatado pelo aqui 1º Adjunto).

Na ação declarativa interposta pelo trabalhador em consequência de despedimento de que tenha sido alvo por parte do seu empregador, rege, portanto, o princípio do dispositivo que vincula o Tribunal a decidir apenas em função daquilo que o trabalhador despedido lhe haja efetivamente peticionado.

Deste modo, se o trabalhador, alvo de despedimento por parte do seu empregador, pretender reagir contra esse despedimento, designadamente com fundamento na ilicitude do mesmo, e pretender obter, como consequência, os efeitos dessa ilicitude – a reintegração no seu posto de trabalho ou a indemnização substitutiva dessa reintegração, bem como eventual indemnização a título de danos (patrimoniais ou não patrimoniais) sofridos ou ainda o pagamento das denominadas retribuições intercalares ou salários de tramitação – deve pedir, na ação instaurada para o efeito, para além da declaração de ilicitude do despedimento, a condenação do empregador na prestação de qualquer dessas obrigações.

Repare-se que, em relação às denominadas retribuições intercalares ou salários de tramitação e como bem se observa no acórdão recorrido, a atribuição das mesmas ao trabalhador ilicitamente despedido pela sua entidade empregadora, varia em função da maior ou menor prontidão com que aquele decida instaurar a ação de impugnação de despedimento contra esta, na  certeza de que, se lhe for dada razão, vai ter direito às retribuições ou salários que tenha deixado de auferir apenas desde os 30 dias que precederam a propositura da ação, o que constitui evidência quanto à disponibilidade dos direitos em causa em tais circunstâncias.

Deste modo e contrariamente ao defendido pelos Recorrentes, a declaração judicial da ilicitude do despedimento não determina, por si só, “ope legis”, a reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho na empresa e o pagamento das referidas retribuições intercalares.

Aqui chegados e sabendo-se que o título executivo constitui a base ou, digamos assim, a causa de pedir no processo de execução, sendo através dele que se determina, quer a finalidade, quer os limites da ação executiva, no que aqui releva, estipula-se, claramente e de uma forma taxativa, no art. 703º n.º 1 al. a) do CPC que «à execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias; (…)», que, como refere Miguel Teixeira de Sousa em Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, pág.ª 608, são «as decisões que condenam no cumprimento de uma prestação, mesmo que não transitadas, desde que, neste caso, o recurso contra elas interposto tenha efeito meramente devolutivo».

No caso vertente e como já se referiu, a sentença apresentada pelos Exequentes/Embargados como título executivo nos autos de execução movidos contra a Executada/Embargante limitou-se a reconhecer a qualidade de entidade empregadora da Ré APRAM-SA (Executada/Embargante) em relação aos Autores AA, BB e CC (Exequentes/Embargados), por efeito de transmissão dos respetivos contratos de trabalho, e a declarar a ilicitude do despedimento de facto destes perpetrado por aquela, na estrita sequência, aliás, de pretensões que, nesse sentido, foram formuladas por estes contra aquela na ação declarativa, com processo comum, que anteriormente lhe moveram e que, nessa medida, configura uma ação declarativa de simples apreciação positiva, de acordo com a classificação constante do artigo 10.º do CPC.

Ora, como refere José Lebre de Freiras em A Acção Executiva – Depois da Reforma – 4ª Edição, Coimbra Editora, pág. 39 «quanto às sentenças de mérito proferidas em acções de simples apreciação, é pacífico que não se pode falar de título executivo.

Efetivamente, ao tribunal apenas foi pedido que apreciasse a existência dum direito ou dum facto jurídico e a sentença nada acrescenta quanto a essa existência, a não ser o seu reconhecimento judicial. Pela sentença, o réu não é condenado no cumprimento duma obrigação pré-existente, nem sequer constituído em nova obrigação a cumprir. Vigorando o princípio do dispositivo, compreende-se que tal sentença não possa ser objecto de execução».

Por estas razões e como também se concluiu no acórdão recorrido «a ação executiva não se radica em sentença de condenação (expressa ou implícita) de quaisquer prestações de facto ou de natureza pecuniária, ou seja, em título executivo legalmente reconhecido que permita aos Exequentes vir reclamar coercivamente a compensação prevista no artigo 390.° do CT/2009», não merecendo, por isso, censura o referido acórdão ao proferir decisão de procedência dos embargos de executado deduzidos pela Executada APRAM-SA, com a inerente extinção da instância executiva.

III

Decisão

Nestes termos, acorda-se em negar revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo dos Recorrentes.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020 de 01 de maio), consigna-se que o presente acórdão obteve voto de conformidade do Exmo. Juiz Conselheiro Adjunto António Leones Dantas e de desconformidade do Exmo. Juiz Conselheiro Adjunto Júlio Manuel Vieira Gomes que irá juntar declaração de voto de vencido. O acórdão é assinado apenas pelo relator.

                                               Lisboa, 25 de novembro de 2020

José Feteira (relator)

Leones Dantas

Júlio Gomes (Declaração de voto vencido)

Sumário (art. 663º n.º 7, “ex vi”, art 679º ambos do CPC)

_____________


Processo n.º 6577/15.9T8FNC-C.L1.S1

Declaração de voto de vencido.

Votei vencido. A declaração da ilicitude de um despedimento disciplinar tem consequências ope legis por força do artigo 389.º do CT, entre as quais a reintegração. A reintegração só não deverá ocorrer se o trabalhador optar expressamente pela indemnização de antiguidade em substituição da reintegração ou nos casos em que o empregador possa opor-se à reintegração e o faça com sucesso (no mesmo sentido, sublinhando que o atual Código do Trabalho “é mais explícito quanto ao estabelecimento da reintegração como efeito comum da ilicitude do despedimento”, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, Almedina, Coimbra, 6.ª ed., 2016, n. 355, p. 856). Nas palavras de PEDRO FURTADO MARTINS, “se o trabalhador não expressar a escolha pela indemnização o tribunal é forçado a condenar o empregador na reintegração. É a solução que resulta claramente do artigo 391.º, 1, em que a substituição da reintegração surge como consequência da opção do trabalhador. No silêncio deste – e salvo nas situações limitadas do artigo 392.º, em que se admite a substituição a pedido do empregador –, o tribunal não pode, por sua própria iniciativa afastar a reintegração” (Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª ed., Principia, Cascais, p. 521). Aliás, e como o mesmo Autor também sublinha, o formulário pelo qual o trabalhador apresenta o seu requerimento opondo-se ao despedimento contém a fórmula “requer a V.Ex.ª que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do mesmo com as legais consequências”. Se uma sentença declara ilícito um despedimento disciplinar tal decisão tem, por conseguinte, automaticamente consequências legais que decorrem dessa declaração de ilicitude. Como destaca PEDRO ROMANO MARTINEZ, “a ilicitude determina a reintegração, pois, verdadeiramente, se o despedimento é ilícito, o contrato não cessou e vale o princípio da segurança no emprego” (anotação ao artigo 389.º, Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, Coimbra, 12.ª ed., p. 890).

Também um título executivo tem que ser interpretado e a interpretação da sentença como título executivo deve fazer-se atendendo não apenas à sua letra, mas também às referidas consequências ope legis. A solução que teve vencimento acarreta praticamente a inutilidade da decisão judicial que declarou a ilicitude do despedimento.

(Júlio Gomes)