Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2949/15.7T8VFX-B.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
CONSUMIDOR
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 04/05/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - A uniformização jurisprudencial constante do AUJ 4/2014 não é aplicável quando se está perante contratos-promessa que haviam já cessado antes da declaração de insolvência da promitente-vendedora, ou seja, tal uniformização jurisprudencial aplica-se apenas aos contratos-promessa que, no momento da declaração de insolvência da promitente-vendedora, forem ainda “negócios em curso”.
II - Não são “negócios em curso” os contratos-promessa de compra e venda já resolvidos antes da declaração de insolvência e/ou aqueles cujo cumprimento, à data da declaração de insolvência, estava já impossibilitado.
III - O que - estar o cumprimento do contrato-promessa de compra e venda impossibilitado - não se confunde nem com o saber/apurar se assistia, à data da declaração de insolvência, o direito à resolução contratual por parte do promitente comprador nem com o saber/apurar se, à data da declaração de insolvência, havia incumprimento definitivo por parte da promitente vendedora/insolvente.
IV - Produzidos uma declaração ou comportamento que mostre a intenção categórica do devedor não cumprir, o devedor, que assim procede, provoca o incumprimento, sem que, porém, se extinga o seu dever de prestação - razão por que o credor continua a poder a exigir o cumprimento, a poder pedir a execução específica se nisso ainda tiver interesse, assim como pode exercer o direito de resolução - ou seja, para efeito do art. 102.º, n.º 1, do CIRE, continuamos perante um “negócio em curso”, uma vez que o comportamento demonstrativo da vontade de não cumprir, caso configure incumprimento definitivo, não faz sem mais e “automaticamente” o contrato cessar, sendo antes pressuposto de consequências jurídicas imediatas, como as referidas exigibilidade do cumprimento, execução específica do contrato-promessa ou resolução do contrato.
V - No AUJ 4/2019, apenas esteve em causa - e só em relação a isso foi uniformizada jurisprudência - o conceito do elemento subjetivo ativo do ato de consumo, ou seja, o AUJ 4/2019 não veio dizer que se deve prescindir da componente relacional típica da noção jurídica de consumidor, componente relacional esta que pressupõe a existência de uma determinada contraparte dos atos ou relações de consumo, sendo que tal contraparte, segundo o art. 2.º, n.º 1, in fine da Lei do Consumidor, deverá ser uma pessoa que exerça com caráter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios, o mesmo é dizer, alguém (um empresário ou profissional) que desenvolva uma atividade económica dirigida a qualquer tipo de vantagem patrimonial, atividade económica essa exercida com caráter profissional.
VI - Ficam assim - por faltar o elemento relativo ao sujeito passivo ou contraparte do ato de consumo - excluídos do conceito jurídico de consumidor as relações em que o sujeito passivo do ato de consumo é um individuo que não exerce qualquer atividade económica profissional; isto é, ficam excluídos todos os contratos-promessa de compra e venda celebrados entre particulares.
Decisão Texto Integral:




Processo n.º 2949/15.7 T8VFX-B.L1.S1
6.ª Secção


Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório
Por apenso à ação especial de insolvência – em que foi declarada em tal situação, por sentença de 25/09/2015, transitada em julgado, AA, com os sinais dos autos – veio a Administradora de Insolvência apresentar a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, nos termos do art. 129.º do CIRE.
Após o que – e no que aqui interessa – foi apresentada impugnação pelo credor BB, contestando a qualificação, como comum, dada pelo AI ao crédito que por este lhe foi reconhecido (no montante de € 400.000,00, emergente dum CPCV e correspondente ao dobro do sinal pago pelo impugnante à insolvente) e sustentando que o mesmo deve ser classificado como garantido, por beneficiar de direito de retenção (sobre o imóvel apreendido para a massa e objeto do CPCV celebrado entre a insolvente e o impugnante).
Impugnação a que responderam, opondo-se, quer a credora CGD (com créditos garantidos por hipoteca sobre o imóvel objeto do CPCV), quer a Sr.ª. Administradora de Insolvência.

Foi designada e realizada tentativa de conciliação, infrutífera, após o que foi proferido saneador, em que a instância foi declarada totalmente regular, estado em que se mantém.
Tendo logo sido julgados verificados os seguintes créditos:
- «Agrogarante – Sociedade de Garantia Mútua, S.A.», no montante de 57.279,22 €;
- «Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A.», no montante de 33.584,98 €;
- «Caixa Geral de Depósitos, S.A.», garantido, no montante de 830 141,66 € ; e comum, no montante de 3.250,29 €;
- «Caixa Leasing – Instituição Financ. Crédito, S.A.», no montante de 48.270,64 €;
- Estado – Fazenda Nacional, comum, no montante de 3.134,29 €; e privilegiado, no montante de 1.046,25 €;
- «Galp Power, S.A.», no montante de 2.397,14 €.
- «Grazicar – Comércio e Indústria de Carnes, Lda.», no montante de 885.343,04 €;
- «Instituto da Segurança Social, I.P.», no montante de 63.276,72 €;
- «Suinicomércio – Comércio de Suínos, Lda.», no montante de 585.088,81 €.
E tendo sido determinado o prosseguimento dos autos para apreciação da impugnação apresentada pelo credor BB, identificando-se, a seu propósito, o objeto do litígio e enunciando-se os temas da prova.

Instruído o processo e realizado o julgamento, a Exma. Juíza proferiu sentença em que – a propósito da questão da “qualificação do crédito reclamado pelo credor BB, reconhecido como crédito comum, na lista do artigo 129.º do CIRE, e que havia sido reclamado como gozando de direito de retenção, nos termos do artigo 755.º do Código Civil” – se julgou procedente a impugnação, sendo reconhecido ao credor reclamante e impugnante BB um crédito no valor de € 400.000, com direito de retenção; após o que, passando-se à graduação, se graduaram os créditos sobre a insolvente da seguinte forma:
“A. do produto da venda do prédio misto, sito em ..., freguesia ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...02 e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...01 urbano e rústico artigo ...10, secção ...
1.º Estado – Fazenda Nacional € 1 046,25
2.º BB € 400 000,00
3.º Caixa Geral de Depósitos, S.A. € 830 141,66;
4.º rateadamente
Agrogarante – Sociedade de Garantia Mútua, S.A. € 57 279,22
Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A. € 33 584,98
Caixa Geral de Depósitos, S.A. € 3 250,29
Caixa Leasing – Instituição Financ. Crédito, S.A. € 48 270,64
Estado – Fazenda Nacional € 3 134,29
Galp Power, S.A. € 2 397,14
Grazicar – Comércio e Indústria de Carnes, Lda. €885 343,04
Instituto da Segurança Social, I.P. €63 276,72
Suinicomércio – Comércio de Suínos, Lda. € 585 088,81
B. Do produto da venda de todos os bens e direitos apreendidos e a apreender para a massa insolvente, incluindo os valores da cessão
Rateadamente
Agrogarante – Sociedade de Garantia Mútua, S.A. € 57 279,22
Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A. € 33 584,98
Caixa Geral de Depósitos, S.A. € 3 250,29 € 830 141,66
Caixa Leasing – Instituição Financ. Crédito, S.A. € 48 270,64
Estado – Fazenda Nacional € 3 134,29
Galp Power, S.A. € 2 397,14
Grazicar – Comércio e Indústria de Carnes, Lda. €885 343,04
Instituto da Segurança Social, I.P. €63 276,72
BB 400 000,00€
Suinicomércio – Comércio de Suínos, Lda. € 585 088,81.”

Inconformada, interpôs recurso a credora «Caixa Geral de Depósitos», tendo o Tribunal da Relação ..., por Acórdão de 27/04/2021, julgado procedente o recurso, “declarado que o crédito reconhecido ao recorrido BB não beneficia do direito de retenção e que, consequentemente, deve o mesmo ser reconhecido, graduado e pago como crédito comum, assim se alterando a alínea A) da parte dispositiva da decisão recorrida.” (mantendo-se, no mais, a Sentença recorrida nos seus precisos termos).

Agora inconformado, interpõe o credor reclamante/impugnante BB o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por outro que, repristinando o decidido na sentença da 1.ª Instância, “reconheça que o recorrente é considerado consumidor, nos termos do artigo 2º/1 da Lei 24/96 de 31/7 e em consequência ver reconhecido o seu direito de retenção sobre o imóvel apreendido nos autos, nos termos do disposto no Artigo 755º n.º 1 alínea f) do Código Civil, sendo pago como credor privilegiado”.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
“(…)
I. Vem o presente Recurso interposto do Douto Acórdão proferido nos autos pelo Tribunal da Relação ..., que erroneamente, veio revogar a sentença proferida pelo Tribunal da 1ª instância, considerando que o crédito do Recorrente BB, não beneficia do direito de retenção, por não ter logrado fazer prova de ser consumidor final nos termos do artigo 2º n.º 1 da Lei 24/96 de 31/7.
II. Sucede que, o Tribunal da Relação ..., faz uma má aplicação do artigo 2º n.º 1 da Lei 24/96 de 31/7, tendo em conta os factos que foram dados como provados.
III. E para além da má interpretação da Lei, o Tribunal da Relação ... ignorou factos essenciais que foram dados como provados, que demonstram que o Recorrente é consumidor final – como aliás não poderia deixar de ser – face a toda a factualidade dada como provada e não impugnada.
IV. Assim, os factos e fundamentos pelos quais a Douta Sentença proferida em 1ª instância e que reconheceu o Direito de Retenção ao ora Recorrente – são mais do que apenas os factos 20, 21 e 22 que o Tribunal da Relação ... se baseia para referir que o Recorrente não logrou fazer prova da sua qualidade de consumidor final.
V. Pelo que, o presente Recurso, cinge-se a uma única questão:
Saber se face aos factos dados por provados pelo tribunal a quo, o Recorrente BB é considerado consumidor final, e em consequência deve ser-lhe reconhecido o direito de retenção, tal como fez o pelo Tribunal a quo.
VI. Ora, contrariamente ao que o Douto Tribunal da Relação refere não são apenas os factos 20, 21 e 22 que demonstram que o Recorrente BB é considerado um consumidor final.
VII. A este respeito, veja-se o facto dado como provado n.º 23
“A 04.02.2013, a aqui Insolvente deduziu, no Processo executivo n.º 4803/12.... em que era Exequente o credor Suinicomércio – Comércio de Suínos, Lda., oposição à penhora do recheio do imóvel sito na Rua ..., ..., sito em ..., freguesia ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...02 e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...01 urbano e rústico artigo ...10, secção ....”
VIII. Tal facto foi provado, pela oposição à penhora do recheio da casa, deduzida nos autos de execução n.º 4803/12...., onde ficou desde logo demonstrando que os bens (recheio da casa) que estavam a ser penhorados, era[m] do ora Recorrente BB.
IX. Este facto dado como provado com n.º 23 é fundamental, visto que para além do facto ter sido provado por prova documental, foi face ao princípio do imediatismo e da inquirição das testemunhas demonstrado que o Recorrente vivia no imóvel.
X. No que diz respeito ao facto dado como provado como n.º 23 – veja que foram juntos aos autos os seguintes documentos:
a) auto de penhora junto aos autos na qual consta lavrado que estava presente a empregada de limpeza CC, que de imediato informou o agente de execução de que os bens eram do Recorrente BB;
b) Oposição à penhora do recheio do imóvel em causa nos autos.
XI. Pelo que, a este respeito, veja-se o que foi dito acerca do facto dado como provado como n.º 23:
“DD, (…. ). Acrescentou que esteve na festa de anos do Sr. BB, em Janeiro de 2013, que se realizou na casa, a qual estava mobilada pelo Sr. BB, depois com as penhoras “ficou desolado”, não se sentia bem na casa e a testemunha disse que se afastou, deixando de falar do assunto com o Sr. BB.”
A testemunha CC, empregada de limpeza ao serviço de BB, prestou depoimento que valoramos pela objectividade, precisão e circunstanciado, ou seja, a versão por si apresentada além de ser corroborada por documentos juntos é, por si mesma coerente. Declarou que trabalha na casa que fica na ... para o Sr. BB, desde Outubro de 2012 para fazer as limpezas à casa, esclareceu que arranjou aquele trabalho através da nora que deu o seu contacto. Actualmente vai à casa ... horas/semana – abre as janelas, limpa o chão, limpa o jardim com a ajuda do marido, mantendo a casa limpa. Acrescentando que mantém a chave da casa consigo e sempre que lhe é solicitado, a pedido do Sr. BB, incluindo por este processo abre a porta. Acrescentou que até finais de 2015 era diferente, pois o Sr. BB deixou de viver na casa com a D. EE, a sua companheira. A casa agora não tem mobília, não tem nada. Acabou por se ir embora porque iam lá à casa para levar as coisas, referindo-se a processos judiciais da Insolvente, que disse conhecer por ser da mesma aldeia e da mesma idade. Referindo-se a uma das idas à casa, esclareceu que os bens que existiam na casa eram do Sr. BB, pois a D. AA já tinha tirado os seus bens. Afirmou ainda que a D. AA não tem chave da casa, dizendo «O Sr. BB não lhe ia dar uma chave.»
XII. Ora, o facto dado como provado como n.º 23 – é demonstrativo que o Recorrente vivia na casa que está em causa nos autos, viu os seus bens, o recheio de sua casa penhorado à ordem de processos judiciais da Insolvente – passou por um verdadeiro calvário.
XIII. E veja-se ainda a fundamentação na sentença quanto à pretensão do Recorrente ter adquirido a casa em causa nos autos:
“FF, empresário, afirmou conhecer o Sr. BB há 40 anos dos negócios de ambos e por serem amigos, o seu amigo falou-lhe que estava a pensar comprar uma casa, para mudar da casa, onde a esposa tinha falecido;”
DD, amigo de ambos os intervenientes no contrato-promessa, os quais apresentou, sabendo do interesse da D. AA em vender [esclareceu que desconhecia o motivo da venda e que só depois soube das dívidas] e do possível interesse do Sr. BB em comprar, era do seu conhecimento que tinha uma nova relação, depois de ver a casa gostou e ficou interessado.”
XIV. Pelo que é falso, e mal andou o Douto Tribunal da Relação quando fundamenta o Acórdão ora Recorrido referindo: “Aliás, diremos mesmo que, em momento algum dos actos, o recorrido refere que pretendia adquirir o imóvel para sua habitação.”
XV. E ainda mais demonstrativo a fundamentação da Sentença de 1ª Instancia quando refere a este respeito: No caso que nos ocupa o imóvel sito na Rua ..., ..., sito em ..., freguesia ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...02 e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...01 urbano e rústico artigo ...10, secção ..., constituiu uma vivenda para habitação. E, nada se alegou que permita concluir que a aquisição teve por fim a revenda ou outra utilização relacionada com o exercício de uma qualquer actividade económica ou uso profissional, que não seja a utilização da casa para fins pessoais, isto é, como consumidor final.
XVI. Não é crível que o Recorrente que viu os seus pertences penhorados em ações executivas intentadas contra a insolvente – não fizesse vida familiar, pessoal e doméstica, ainda para mais quando é a própria empregada doméstica (cfr. auto de penhora) lavrado em 2013 – ou seja dois anos antes da insolvência, o que resulta que o Recorrente já vivia no imóvel muito antes da insolvência ser decretada, sendo consumidor final.
XVII. Pelo que é lamentável que o Acórdão que ora se recorre – tenha sido totalmente OMISSO quanto a toda esta factualidade que é fundamental e essencial para demonstrar que o Recorrente comprou o imóvel, passando a viver no mesmo com a sua atual companheira – e como tal – demonstrou que é como não poderia deixar de ser Consumidor Final – nos termos da Lei do Consumidor.
XVIII. A este respeito, dispõe o artigo 754.º do Código Civil, que o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.
XIX. Estipula o n.º 1 do artigo 755.º do diploma legal citado, sob a epígrafe “Casos especiais”, que «1 - Gozam ainda do direito de retenção:
[…];
f) O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442.º.»
Quanto a esta matéria, existe já o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2014, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 95, de 19.05. 2014, com o seguinte teor dispositivo:
«No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil.»
XX. Na nota de rodapé n.º 10 do Acórdão Uniformizador consta: «Cfr. v.g. Miguel Pestana de Vasconcelos “Direito de Retenção Contrato-promessa e Insolvência” in “Cadernos de Direito Privado”, 3 págs. 8 ss. Não sofre dúvida que o promitente-comprador é in casu um consumidor no sentido de ser um utilizador final com o significado comum do termo, que utiliza os andares para seu uso próprio e não com escopo de revenda.»
XXI. E como refere Fernando de Gravato de Morais in “Contrato – Promessa em Geral, Contrato promessa em especial” – 2009 pág. 236 :
“A introdução de tal regime teve sobretudo em vista tutelar o promitente-consumidor no confronto com as instituições de crédito. Trata-se de dar prevalência ao direito dos consumidores à protecção de particulares interesses económicos conexos, dominantemente, a compra de casa própria.”
XXII. O Recorrente adquiriu o imóvel para fins pessoais, isto é, como consumidor final.
XXIII. O Recorrentepassou de imediato a viver no imóvel causa nos autos com a sua companheira –recebendo amigos, fazendo dela a sua casa de morada de família, tanto assim é que, foi alvo da penhora do recheio dos seus bens no âmbito dos processos executivos – cfr. Consta dos factos dados como provados 19 a 23.
XXIV. O Recorrente desde a outorga do contrato promessa de compra e venda que fez do imóvel a sua casa de morada de família, usufruindo, fazendo as suas festas de aniversário convidando amigos, pagando à senhora da limpeza todas as semanas, e ao marido desta para lhe manter o imóvel em plenas condições de habitabilidade, tendo sido este inclusivamente a abrir a porta à própria Administradora de Insolvência nos presentes autos.
XXV. Pelo que mal andou o Douto Tribunal da Relação quando no Acórdão Recorrido ignorou parte dos factos dados como provados, e em consequência contrariando os factos assentes e a legislação substantiva e a jurisprudência fixada no AUJ, considerou que o Recorrente não beneficia do direito de retenção nos termos do disposto no artigo 755º n.º 1 alínea f) por não ser considerado consumidor.” (…)”

A recorrida – «Promontoria Indian Designated Activity Company», cessionária da reclamante originária, «Caixa Geral de Depósitos, S.A.», entretanto declarada habilitada como cessionária desta última – respondeu, sustentando, em síntese, que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.

Obtidos os vistos, mantendo-se a regularidade da instância, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
II – Fundamentação de Facto
Factos Provados
1. AA apresentou-se à insolvência através de requerimento entrado em juízo, nos autos principais a 23.07.2015.
2. A 25.09.2015, foi declarada a insolvência, por sentença proferida no processo principal, já transitada em julgado.
3. A Sra. Administradora da Insolvência apresentou o Relatório do artigo 155.º, do CIRE – ref.: ..., ao qual anexou inventário e lista provisória de credores.
4. Do inventário e posterior auto de apreensão consta o prédio misto, sito em ..., freguesia ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...02 e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...01 urbano e rústico artigo ...10, secção ....
5. Realizou-se Assembleia de Apreciação do Relatório – cfr. ata a fls. 193/196, na qual se aprovou a liquidação do ativo.
6. Ao presente apenso foi junta a lista definitiva de credores – ref.: ..., fls. 1/5, que reconhece ao aqui impugnante um crédito comum, no valor de € 400 000,00, emergente de contrato-promessa, sem reconhecer direito de retenção.
7. À reclamação de créditos apresentada [fls. 184/205 do apenso junto por linha] o impugnante juntou um documento denominado Contrato Promessa de Compra e Venda, datado de 11.09.2012, subscrito pela Insolvente e pelo credor BB, com o teor seguinte:
«Entre AA […] e BB
[…]
Os contraentes acordam na celebração do presente contrato-promessa de compra e venda, nos termos das cláusulas seguintes:
Cláusula primeira
A primeira contraente é dona e legítima proprietária do prédio misto sito em ..., freguesia ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...02 e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...01 urbano e rústico artigo ...10, secção ....
Cláusula segunda
Pelo presente contrato a primeira contraente promete vender ao segundo contraente, que promete comprar, o prédio identificado na cláusula anterior, livre de ónus e encargos e responsabilidades de qualquer natureza, o supra referido prédio pelo preço global de €400 000,00 (quatrocentos mil euros) nos termos e condições seguintes.
Cláusula terceira
O preço da compra e venda ora prometida será pago da seguinte forma:
a) 100 000,00€ (cem mil euros) a título de sinal e princípio de pagamento, do qual dá a primeira contraente imediata quitação através do presente contrato promessa.
b) 100 000,00€ (cem mil euros) a título de reforço de sinal com a apresentação por parte da primeira contraente co comprovativo do registo do presente contrato promessa.
c) 200 000,00€ (duzentos mil euros) a título de remanescente preço, no acto da outorga da escritura pública de compra e venda.
[…]
Cláusula quarta
1. O contrato prometido de compra e venda do prédio será celebrado, por iniciativa do Segundo Contraente, no prazo máximo de 8 meses a contar da data do pagamento referido na alínea b) da cláusula terceira, em simultâneo com o pagamento a efetuar nos termos da alínea c) da mesma cláusula.
2. Para o efeito o Segundo contraente deverá notificar a Primeira do dia e hora da outorga da escritura pública de compra e venda, a qual deverá ter lugar nas GG.
3. Findo o prazo referido no número 1 da presente Cláusula, e não sendo realizada a escritura, considerar-se-á como havendo incumprimento definitivo, pela parte que tiver dado causa ao mesmo sendo o termo ali previsto como absolutamente essencial.
(…)
Cláusula sexta
No caso de não cumprimento por qualquer dos contraentes do presente contrato promessa de compra e venda, pode a parte não faltosa exigir, em alternativa e à sua escolha, a execução específica do mesmo, ou no caso de tal parte ser a primeira contraente fazer seu o dinheiro recebido, ou, no caso de tal parte serem os segundos outorgantes, exigirem o dobro do dinheiro pago.
[…] Cláusula décima
Ambos os contraentes acordam mutuamente prescindir do reconhecimento presencial das assinaturas no presente contrato promessa de compra e venda, bem como da certificação da existência de licença da utilização de quaisquer irregularidades que pudessem advir dessa falta de reconhecimento.
Cláusula décima primeira
Por força do presente contrato, e atento o pagamento de €200 000,00 (duzentos mil euros) a título de sinal, opera-se desde a respectiva outorga a transmissão da posse sobre o prédio objecto do mesmo para o segundo contraente que poderá administrar usar e fruir plenamente e sem quaisquer restrições
8. A fls. 193 do apenso junto por linha mostra-se junta uma cópia de dois cheques emitidos por BB e que têm como beneficiária a Insolvente. Um deles, datado de 2012.09.11, no valor de 40 000,00€ e o segundo datado de 2012.09.12, no valor de 60 000,00€.
9. Com data de 24.09.2012, BB emitiu o cheque, cuja cópia está junta a fls. 200, no valor de 100 000,00, que teve como beneficiária a insolvente.
10. Cheque que foi apresentado a depósito na conta do Banco BPI, da titularidade de HH.
11. A 01.10.2012, a aqui Insolvente subscreveu uma declaração, cuja assinatura foi reconhecida na Conservatória do Registo Civil e Predial ..., com o seguinte teor: «declaro para todos os devidos efeitos ter recebido o valor de 100 000,00€ a título de sinal e mais 100 000,00€ a título de reforço de sinal referente a contrato promessa outorgado em 11.09.2012.» - cfr. fls. 111.
12. O prédio misto, sito em ..., freguesia ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...02 e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...01 urbano e rústico artigo ...10, secção ..., mostra-se inscrito pela ap. ... de 2001/05/18 em nome da Insolvente, adquirido por doação, no estado de casada com HH, no regime de separação de bens – cfr. certidão predial junta ao apenso de apreensão.
13. Sobre o imóvel mostram-se inscritas as hipotecas seguintes, a favor da C..., S.A.:
. ap. ...5 de 2001/10/31, montante máximo assegurado 50.621.200,00$
. ap. ... de 2003/09/02, montante máximo assegurado 35.184,50€
. ap. ...79 de 2009/09/02, montante máximo assegurado 126.664,20€
. ap. ...27 de 2009/11/16, montante máximo assegurado 939.687,50€
. ap. ...43 de 2010/01/19 montante máximo assegurado 225.525,00€
. ap. ...74 de 2010/01/19 montante máximo assegurado 187.937,50€.
14. Pela Ap. ...00 de 2012/09/24 aquisição foi lavrado, provisório por natureza [artigo 92.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4] o seguinte:
«causa: compra
Sujeito activo: BB
Sujeito passivo; AA
Prazo para a celebração do contrato prometido: 8 meses a contar de 24.09.2012.»
15. BB enviou a AA, através de correio registado com aviso de receção, a seguinte comunicação:
«Assunto: Marcação de escritura – contrato promessa de compra e venda celebrado a 11.09.2012
[…] venho pela presente notificar V. Exa., na qualidade de promitente-vendedora, para que até ao dia 28 de Maio de 2015 faculte toda a documentação necessária à outorga da escritura definitiva, designadamente os distrates de hipoteca e cancelamento de penhora.» - cfr. fls. 201.
16. Carta que foi recebida pela Insolvente – cfr. aviso de receção.
17. A 30.06.2015 a Insolvente recebeu a comunicação junta a fls. 203, na qual BB notificava para comparecer no dia 02.07.2015, no Cartório Notarial de ..., a fim de celebrar a escritura pública.
18. No dia 02.07.2015, a Insolvente não compareceu no Cartório Notarial – certificado junto a fls. 192/194.
19. BB foi notificado no âmbito do processo executivo n.º 143/13...., através de ofício datado de 13.03.2014, do auto de penhora do imóvel sito em ... e para informar se mantém interesse no registo descrito na Ap. ...00 de 2012.09.24, lavrado provisoriamente. – cfr. fls. 178/182.
20. BB tem ao seu serviço, como empregada de limpeza, a Sra. CC na casa objeto do contrato-promessa.
21. Contactou técnicos de construção civil para a realização de obras na casa.
22. E, naquela casa recebeu amigos.
23. A 04.02.2013, a aqui Insolvente deduziu, no Processo executivo n.º 4803/12.... em que era Exequente o credor Suinicomércio – Comércio de Suínos, Lda., oposição à penhora do recheio do imóvel sito na Rua ..., ..., sito em ..., freguesia ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...02 e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...01 urbano e rústico artigo ...10, secção ....
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III – Fundamentação de Direito
O objeto da presente revista – a correr termos num apenso de verificação e graduação de créditos duma ação especial de insolvência – está confinado ao lugar que o crédito que está reconhecido ao recorrente (decorrente dum CPCV celebrado com a insolvente) deve ter na graduação de todos os créditos reconhecidos, questão cuja desfecho depende da qualificação jurídica do seu crédito: como comum, como foi considerado pelo Acórdão recorrido, ou como garantido por direito de retenção (nos termos do art. 755.º/1/f) do C. Civil), como é sustentado pelo recorrente (e havia sido considerado na Sentença da 1.ª Instância).
Podemos assim começar por dizer que a questão que cumpre apreciar está em saber/dizer se deve ou não ser reconhecido ao recorrente o direito de retenção (ou seja, se o seu crédito goza do direito de retenção, com a consequente prevalência decorrente do art. 759.º/2 do C. Civil), para o que, porém – é um ponto que cumpre salientar – importa respeitar e partir do que está já consolidado e estabilizado nos autos, tanto mais que, tendo o Acórdão da Relação considerado que apenas obstava ao direito de retenção a circunstância do recorrente não ter logrado fazer prova de ser consumidor, o recorrente circunscreveu a sua divergência recursiva, em relação a tudo o que foi considerado/decidido no Acórdão de que recorre, à “má aplicação do artigo 2º n.º 1 da Lei 24/96 de 31/7, tendo em conta os factos que foram dados como provados” (conclusão II), acrescentando mesmo, na conclusão V, que o recurso se “cinge a uma única questão: saber se face aos factos dados por provados pelo tribunal a quo, o Recorrente BB é considerado consumidor final, e em consequência deve ser-lhe reconhecido o direito de retenção, tal como fez o pelo Tribunal de 1.ª Instância”
Concordamos, desde já se antecipa, com o entendimento do Acórdão recorrido, quanto a não estar feita a prova do recorrente ser consumidor, porém, antes de nos debruçarmos sobre tal questão – que o recorrente identifica como a única questão do recurso – não será despiciendo ir um pouco atrás (ao que está consolidado e estabilizado nos autos).
O tema da reclamação de créditos decorrente de CPCV é, nos processos de insolvência, algo complexo e tem conhecido, na jurisprudência recente deste Supremo, alguma evolução e flutuação, devendo, todavia, dizer-se que o raciocínio do Acórdão recorrido é, no essencial, tributário da jurisprudência fixada pelos AUJ 4/2014 e 4/2019.
O Acórdão recorrido entendeu que, para ser reconhecido o direito de retenção ao Recorrente/impugnante (garantindo o crédito que lhe foi reconhecido), tinha este que demonstrar a sua qualidade de consumidor e, uma vez que o mesmo (sendo tal demonstração do seu ónus da prova) o não fez, concluiu que o seu crédito não goza de direito de retenção (nos termos do art. 755.º/1/f) do C. Civil) e, em consequência, que é um crédito comum, tendo como tal sido graduado.
Observou-se, no Acórdão recorrido, que a solução introduzida pelo Decreto-lei n.º 236/80 de 18 de julho [ou seja, a concessão do direito de retenção ao beneficiário da promessa] teve uma razão de ser fundamental: a proteção dos particulares no mercado da habitação, procurando garantir a aquisição definitiva de habitação em virtude de as instituições financeiras, como profissionais, se poderem precaver através de critérios de seletividade do crédito, mais facilmente do que o comum dos particulares a respeito das deficiências e da solvência das empresas construtoras; que a norma do artigo 755º/1/f) do Código Civil é uma norma material de proteção do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a ele; e que tal entendimento – segundo o qual a al. f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil conduz a que apenas se encontre protegido pela prevalência conferida pelo direito de retenção o promissário da transmissão de imóvel que, obtendo a tradição da coisa, seja simultaneamente um consumidor – está sufragado no AUJ 4/2014, de 20/03/2014, e, posteriormente, no AUJ 4/2019, de 12/02/2019, que acolheu o conceito restrito e funcional de consumidor.
Sucede que no segmento uniformizador de tal AUJ 4/2014 está dito (uniformizando a jurisprudência) que “no âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil”, ou seja, um dos pressupostos da uniformização constante de tal segmento é não ter sido o contrato-promessa cumprido pelo AI e, como é evidente, só se pode dizer que um AI não cumpre o contrato-promessa quando o AI ainda está em condições de o poder cumprir, o que já não acontece quando o contrato-promessa, antes da declaração de insolvência (antes do AI assumir os seus poderes de administração), já se encontre cessado/extinto (o mesmo é dizer, o que já não acontece quando o AI, ao assumir os seus poderes de administração, já não tem nem o que cumprir nem o que não cumprir, por o contrato-promessa estar já em “relação de liquidação”).
Interpretação esta que nada tem de especioso, uma vez que, como claramente resulta da fundamentação de tal AUJ 4/2014, tal pressuposto do segmento uniformizador – não ter sido o contrato-promessa cumprido pelo AI – está associado à discussão havida no AUJ sobre a interpretação/articulação do que se dispõe nos arts. 102.º/1 e 106.º/1 do CIRE.
Sendo que, como resulta do art. 102.º/1 do CIRE, ficam sujeitos ao princípio geral da suspensão do cumprimento aí estabelecido, os contratos bilaterais (como é, fora de dívida, o caso dos contratos de promessa de compra e venda) que ainda não tenham sido integralmente cumpridos nem pelo insolvente nem pela outra parte; podendo/devendo assim dizer-se, “a contrario sensu”, que ficam excluídos do regime de suspensão de cumprimento os contratos que, previamente à declaração de insolvência, já tivessem cessado (v. g., resolvidos com fundamento em incumprimento por uma das partes).
Temos pois que é apenas em relação aos contratos/negócios ainda não integralmente cumpridos, mas que ainda são passíveis de o poder ser[1] (por, designadamente, não estarem resolvidos) – em relação aos contratos/negócios “em curso” na expressão da epígrafe do Capítulo IV do CIRE – que, depois, o AI pode recusar o cumprimento, com exceção, quanto aos contratos-promessa ainda em curso, daqueles CPCV que tenham eficácia real e em que tenha havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador (hipótese em que não pode haver recusa por parte do AI, como resulta do art. 106.º/1 do CIRE),
E sendo apenas em relação a tais contratos-promessa em curso, em que haja recusa do cumprimento por parte do AI, que se dirige a uniformização jurisprudencial do AUJ 4/2014, temos que, encurtando razões, o segmento uniformizador em causa só estará bem aplicado se o contrato-promessa em que o recorrente é promitente-comprador for, no momento da declaração de insolvência da promitente-vendedora, um “negócio em curso”.
Em poucas palavras, em linha com a jurisprudência dominante neste Supremo[2]: a uniformização de jurisprudência constante do AUJ 4/2014[3] não é aplicável às situações em que estivermos perante contratos-promessa que estejam já cessados (v. g., por resolução) antes da declaração de insolvência da promitente-vendedora.
Mas – é onde se pretende chegar – está já assente nos autos que não é este o caso do CPCV do recorrente: efetivamente, no raciocínio jurídico imediatamente anterior ao que foi observado sobre o direito de retenção, o Acórdão recorrido disse/considerou que “ao tempo da declaração de insolvência da promitente-compradora era um negócio em curso, porque ainda não estava cumprido, nem definitivamente incumprido”.
E isto – ser ainda um negócio em curso, ao tempo da declaração de insolvência – não é atacado pelo recorrente e não faz parte do objeto da revista (como o próprio faz questão de frisar).
E o relevo de tudo isto está/estaria na circunstância deste STJ, fora do estrito campo de aplicação do AUJ 4/2014 (ou seja, quando se está perante um CPCV que não é já um negócio em curso, ao tempo da declaração de insolvência), vir entendendo[4] que, em tal hipótese, não se pode instituir como elemento constitutivo do direito de retenção consagrado no art. 755.º/1/f) do C. Civil a qualidade de consumidor do promitente comprador que obteve a tradição do imóvel[5].
Sendo que nada disto (este entendimento do STJ) tem aqui relevo – insiste-se mais uma vez – por estarmos no campo de aplicação do AUJ 4/2014, na medida em que, repete-se, está estabilizado o decidido pelo Ac. da Relação recorrido que, “ao tempo da declaração de insolvência da promitente-compradora, o CPCV era um negócio em curso, porque ainda não estava cumprido, nem definitivamente incumprido”.
Aliás, assim como há que aceitar o decidido/considerado pelo Ac. da Relação sobre estar-se perante um negócio em curso, há, identicamente, que aceitar o que já vem decidido/considerado desde a 1.ª Instância sobre o crédito do recorrente ser no montante de € 400.000,00 (montante correspondente ao dobro do sinal).
E dizemos isto por, hoje, segundo o AUJ de 27/04/2021 (Acórdão nº 3/2021, in DR-158/2021, SÉRIE I de 2021-08-16[6]), em relação aos negócios em curso (como é o caso, segundo o que ficou estabilizado no Acórdão da Relação), ser lícita a recusa pelo AI do cumprimento dos contratos-promessa (ainda em curso), não tendo o promitente comprador (como é o caso do aqui recorrente) direito a ser ressarcido nos termos do art. 442.º/2 do C. Civil (pelo dobro do sinal), mas apenas “pelo valor correspondente à prestação efetuada” (singelo), ou seja, ao recorrente, se tivesse sido seguida a jurisprudência que veio a ser uniformizada pelo AUJ 3/2021, devia ter sido reconhecido um crédito tão só no montante de € 200.000,00, porém, por tal estar estabilizado/consolidado desde a 1.ª Instância, vale o reconhecimento dum crédito de € 400.000,00.
Podendo/devendo ainda acrescentar-se que, ao contrário do que sucede com o montante do crédito reconhecido ao recorrente (cuja respetiva “bondade” está apenas em tal montante estar já consolidado nos autos), a propósito do CPCV do recorrente ser um negócio em curso ao tempo da declaração da insolvência, o já estabilizado/consolidado nos autos corresponde, a nosso ver, à rigorosa apreciação jurídica que os factos dados como provados impõem.
Pelo seguinte:
Resulta dos pontos 15 a 18 dos factos provados que o aqui recorrente, através de correio registado com aviso de receção, notificou a insolvente, na qualidade de promitente vendedora do CPCV celebrado a 11/09/2012, para “até ao dia 28 de Maio de 2015 lhe facultar toda a documentação necessária à outorga da escritura definitiva, designadamente os distrates de hipoteca e cancelamento de penhora”; e que, a 30/06/2015, notificou a insolvente para comparecer, no dia 02/07/2015, no Cartório Notarial de ..., a fim de celebrar a escritura pública, sendo que, no dia 02/07/2015, a insolvente não compareceu em tal Cartório Notarial.
Perante tais factos, é impossível, como é evidente, afirmar que o CPCV em que o recorrente é promitente comprador foi resolvido antes da declaração de insolvência (decretada por sentença proferida em 25/09/2015, na sequência de apresentação da devedora de 23/07/2015), pelo que, para se poder afirmar que tal CPCV era um negócio que já não estava em curso ao tempo da declaração da insolvência, ter-se-ia que poder considerar/afirmar que, à data da declaração de insolvência, o seu cumprimento estava já impossibilitado por uma das partes, mais exatamente, no caso, pela insolvente.
O que – estar o cumprimento do CPCV impossibilitado – não se confunde nem com o saber/apurar se assistia, à data da declaração de insolvência, o direito à resolução contratual por parte do recorrente nem com o saber/apurar se, à data da declaração de insolvência, havia incumprimento definitivo por parte da devedora/insolvente.
É relativamente comum referir-se que o incumprimento definitivo, imputável ao devedor, abarca as condutas diretamente impossibilitantes do cumprimento e as condutas omissivas em que o credor falta ao cumprimento com a consequente perda de interesse do credor ou sem aproveitar uma última oportunidade através do mecanismo da chamada interpelação admonitória (casos estes, a que se refere o art. 808.º do C. Civil, de conversão da mora em incumprimento definitivo,).
Efetivamente, diz-se que o incumprimento definitivo pode resultar da recusa antecipada, categórica e ilegítima de cumprimento; e que, nos casos de contratos que apresentam uma estrutura de formação progressiva (como é o caso do contrato-promessa), a lesão contratual do incumprimento pode traduzir-se numa declaração do devedor anunciadora da sua recusa em vir a cumprir o contrato.
Coloca-se a ênfase nas palavras do devedor – na declaração recetícia do devedor ao credor, manifestando-lhe, espontânea e voluntariamente, o propósito de fuga ao vínculo contratual – sem prejuízo da prática de atos materiais ou jurídicos poderem ser reveladores inequívocos do desejo de repudiar o compromisso assumido (v. g., a alienação a terceiro do bem prometido vender).
Como refere Brandão Proença[7], “(…) a vontade negativa do devedor pode também ser retirada de factos significantes ativos ou omissivos, de natureza material ou jurídica, como sucederá nos casos em que o empreiteiro abandone a obra, o trabalhador fuja do local de trabalho (…) ou o devedor negligencie os preparativos do cumprimento (atraso comprometedor no adimplemento de um contrato-promessa ou de outro contrato com termo essencial), não afaste dificuldades colocadas por terceiro, destrua o bem devido ou viole, mesmo, o contrato através da alienação do objeto prometido vender.
Seja como for, tem que se tratar duma declaração recetícia (ou dum comportamento) que tenha como caraterísticas ser suficientemente clara, unívoca, precisa, séria, definitiva, concludente e categórica sobre o propósito/intenção do devedor não cumprir: tem que ser uma declaração ou comportamento que crie na outra parte a convicção que o devedor não realizará a prestação.
E o que é que acontece, do ponto de vista jurídico, quando estamos perante uma declaração ou comportamento com tais caraterísticas?
A generalidade da nossa doutrina e jurisprudência vê numa declaração/comportamento com tais caraterísticas um caso de mora automática e a existência antecipada dum incumprimento definitivo.
Corresponde ao entendimento desenvolvido por Calvão da Silva[8], para quem “o devedor não é livre de programar e declarar, por palavras e/ou atos, que não quer cumprir, não só pela traição que substanciaria da confiança depositada pelo credor no cumprimento (…). Não há, portanto, razão para manter o credor vinculado, até ao vencimento, a uma relação jurídica que, em virtude de declaração séria, certa e segura, ante diem, de não cumprir do devedor, perdeu a força originária e desapareceu com vínculo em cuja atuabilidade final o sujeito passivo possa confiar para satisfação plena e integral do seu interesse, razão existencial da obrigação. É exato, por isso, configurar a declaração antecipada de não cumprir (ou o comportamento inequívoco demonstrativo da vontade não cumprir …) como incumprimento, pressuposto suficiente de consequências jurídicas imediatas, como a exigibilidade do cumprimento e a execução específica do contrato-promessa, se o credor nisso ainda tiver interesse, ou a própria resolução do contrato e, em geral todos os remédios ou sanções previstos contra o incumprimento”.
Mas, sendo estas as consequências jurídicas, para quem configura dogmaticamente a recusa de cumprimento como incumprimento, quer-nos parecer que não se pode dizer, para o que aqui nos interessa (para efeitos do art. 102.º/1 do CIRE e do que seja um “negócio em curso”), que o cumprimento fique logo impossibilitado e o contrato extinto.
O que se torna mais claro na construção dogmática de Brandão Proença[9], para quem “a recusa antecipada não é, de per si, um incumprimento tout court, mas uma conduta violadora específica, integrada por um regime jurídico em parte próprio (em função das características da declaração, da possibilidade de arrependimento e da não preclusão execução específica) e em parte importado da teoria geral do incumprimento (para o caso de o credor pretender a liquidação do contrato)”; tendo o credor (a partir do momento em que o comportamento do devedor provoca a “disfunção da relação”, alertando o credor fiel para o perigo efetivo do incumprimento ou criando-lhe a convicção fundada do fracasso da vinculação) o “dever de atualizar, dentro de um prazo razoável, mas tendencialmente curto, um ius electionis, que vai de uma improvável, mas não incorreta, atitude expetante (baseada num pedido de reconsideração) até ao exercício mais racional dos direitos de indemnização e (ou) resolução do contrato, mas sem que se excluam as possibilidades de uma ação de cumprimento ou de uma execução específica[10].
Efetivamente, produzidos uma declaração ou comportamento com as caraterísticas acima referidas (que mostre a intenção categórica, o propósito claro do devedor não cumprir), o devedor, que assim procede, provoca o incumprimento, sem que, porém, se extinga o seu dever de prestação, razão por que, como refere Calvão da Silva, o credor continua a poder a exigir o cumprimento, a poder pedir a execução específica (em casos, como os sob análise, de contratos-promessa de compra e venda) se nisso ainda tiver interesse, assim como pode, atendendo à perda da funcionalidade do vínculo que continua existente, converter a relação contratual, assim (por uma clara e definitiva intenção/estado de incumprimento) perturbada, numa relação de liquidação que torne irretratável a opção do devedor, exercendo para tal o direito de resolução (hipótese esta, de opção pela resolução, em que a referida declaração/comportamento do devedor dispensa o credor dos ónus, constantes do art. 808.º do CC, de provar a perda de interesse ou de fixar um prazo razoável mas perentório, ónus esses de observância normal para converter a mora em incumprimento definitivo).
Sucedendo, em face do que se vem de expor, que, quando uma das partes – um promitente vendedor, depois declarado insolvente – declara à contraparte que não irá cumprir, estamos perante um incumprimento que, todavia, não extingue o seu dever de prestação e que não impossibilita o cumprimento (que não exclui uma ação de cumprimento ou uma execução específica da contraparte).
Pois bem, não é sequer nada disto que, em termos factuais, os autos apresentam.
Não está provado que alguma vez, por algum modo, a promitente vendedora (a aqui insolvente) haja declarado ao aqui recorrente que não iria cumprir.
Atribuível à promitente vendedora temos apenas o facto de não haver comparecido, no dia 02/07/2015, no Cartório Notarial de ..., a fim de ser celebrada a escritura pública, o que só por si, evidentemente, não é um comportamento (facto negativo) que mostre a intenção categórica, séria e concludente de não cumprir[11].
Pode até dizer-se, ao invés, que, face ao que resulta dos factos – designadamente da cláusula 4.ª do contrato-promessa[12], segundo a qual o ora recorrente (não a insolvente) tinha o prazo de 8 meses, “a contar da data do pagamento referido na alínea b) da cláusula terceira” (pagamento este ocorrido em 24/09/2012), para “notificar a promitente vendedora do dia e hora da outorga da escritura pública de compra e venda”, após o que, findo tal prazo, não sendo realizada a escritura, considerar-se-á como havendo incumprimento definitivo” – quem poderá ter dado causa a incumprimento definitivo foi o aqui recorrente (por não ter notificado a promitente vendedora para a outorga da escritura e para o pagamento dos restantes € 200.000,00, nos 8 meses seguintes a 24/09/2012).
Temos pois que os factos dados como provados não permitem sequer afirmar que, à data da declaração de insolvência, assistia ao recorrente o direito à resolução contratual e/ou que que houvesse incumprimento definitivo por parte da devedora/insolvente.
Ademais, o que aqui está/estaria em causa – tendo em vista afirmar que o CPCV era um negócio que já não estava em curso ao tempo da declaração da insolvência – é poder-se considerar/afirmar que, à data da declaração de insolvência, o seu cumprimento estava já impossibilitado por uma das partes, mais exatamente, no caso, pela insolvente; e para tal – importa ter presente, como resulta do exposto – o comportamento demonstrativo da vontade de não cumprir, caso configure incumprimento definitivo, não faz sem mais e “automaticamente” o contrato cessar, sendo antes pressuposto de consequências jurídicas imediatas, como a exigibilidade do cumprimento, como a execução específica do contrato-promessa ou como a resolução do contrato[13].
Enfim, como referimos, para além de estar estabilizado nos autos (face ao restrito objeto da revista) que o CPCV do recorrente era um negócio ainda em curso ao tempo da declaração da insolvência, também entendemos que tal apreciação/julgamento corresponde à rigorosa apreciação jurídica dos factos dados como provados.
Tudo isto dito, é chegado o momento de nos debruçarmos sobre a questão que o recorrente identifica como a única questão do recurso, a propósito da qual já antecipámos concordar com o entendimento do Acórdão recorrido.
Vejamos:
Está já referido que o AUJ 4/2014, ao caso aplicável, fixou o entendimento de que goza do direito de retenção, nos termos do estatuído no artigo 755º/1/ f) do Código Civil, o credor/promitente-comprador que seja consumidor (para além, claro, o que aqui não se discute, de ter que ter havido traditio e do CPCV ser devidamente sinalizado), qualidade esta cujo ónus da prova da sua demonstração cabe, naturalmente (cfr. art. 342.º/1 do C. Civil), ao credor que pretenda gozar de tal direito de retenção.
E a tal propósito – ser o recorrente consumidor – observou-se no Acórdão recorrido o seguinte:
“(…) Antes de mais, diremos que o conceito de consumidor a adotar para efeitos de delimitação da previsão normativa deverá ser o consagrado na Lei 24/96, de 31/7 (Lei de Defesa do Consumidor).
Dispõe o art. 2.º/1 da mencionada Lei que : “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
Atenta a formulação legal, a qualificação do sujeito como consumidor depende assim, essencialmente, da finalidade do ato de consumo, detendo tal qualidade aquele “que adquire um bem ou serviço para uso privado – uso pessoal, familiar ou doméstico na fórmula da al. a) do art. 2º da Convenção de Viena de 1980 – de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, mas não já aquele que obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa”.
“A noção estrita de consumidor – pessoa singular que adquire a fornecedor profissional bens ou serviços para uso não profissional – que defendemos em geral e temos por consagrada no nº 1 do artº 2º da LDC (…) impõe-se pertinente e inquestionavelmente “in casu” à luz do princípio da interpretação conforme à Directiva, em que se define consumidor como “qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente Directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional” (al. a) do nº 2 do artº 1º)” (cf. Calvão da Silva, in “Venda de bens de consumo”, 4ª Ed., pgs. 55 e ss.).
Sendo esta a noção que perfilhamos, debrucemo-nos agora sobre a matéria de facto acima elencada a fim de dar resposta à questão que ora nos ocupa.
À luz da descrita factualidade, e considerando tudo quanto se referiu a propósito do conceito de consumidor, afigura-se-nos claro que o apelado não preenche a previsão legal.
Neste ponto há que salientar que à questão de saber qual o conceito de consumidor adotado pelo Acórdão Uniformizador 4/2014, de 20/3, que tem dividido a Jurisprudência, não podemos deixar de aderir ao conceito restrito do mesmo, ou seja, definindo para efeitos de reconhecimento do direito de retenção o promitente-comprador que destina o imóvel a uso particular, no sentido de não o comprar para revenda nem o afetar a uma atividade profissional ou lucrativa (neste sentido, cf. Acórdão do S.T.J. de 9/4/2019
Mostra-se provado nos Factos 20., 21. e 22. que o apelado tem ao seu serviço, na referida casa, uma empregada de limpeza; contactou técnicos de construção civil para a realização de obras na casa; na mesma casa recebeu amigos.
Fica, no entanto, indemonstrado o uso exato que o recorrido deu ao imóvel, uma vez que não se apurou que o apelado o utilize para o seu contexto familiar. Com efeito, os três factos apurados sobre esta questão são, só por si, inócuos, uma vez que a circunstância de ele ter ali ao seu serviço uma empregada de limpeza, não revela que o apelado ali resida (aliás, no seu depoimento, a referida empregada salienta que vai à casa quatro horas por semana, abre as janelas, limpa o chão e o jardim, tendo a chave da habitação consigo para, quando tal lhe é pedido pelo recorrido, abrir a porta) ; por outro lado, a mera realização de obras na casa, em si, nada nos diz sobre a utilização da mesma; por fim, o facto de ali receber amigos também é escasso, pois não sabemos se o faz regularmente, se ocasionalmente.
Atenta a formulação legal que consagra o conceito restrito de consumidor (sendo o mesmo definido, para efeitos de reconhecimento do direito de retenção, como a pessoa que destina o imóvel a uso particular – pessoal, familiar ou doméstico – no sentido de não o comprar para revenda, nem o afetar a uma atividade profissional ou lucrativa, destinando-o a satisfazer as necessidades pessoais e familiares), fácil é concluir que não se mostram provados factos suficientes para considerar o recorrido como consumidor.
Com efeito, os factos apurados e acima descritos, são manifestamente insuficientes para se concluir que o apelado reside no imóvel, se tem ali o seu núcleo familiar, isto é, se faz do mesmo habitação permanente. Aliás, diremos mesmo que, em momento algum dos autos, o recorrido refere que pretendia adquirir o imóvel para sua habitação.(…)
Conclui-se, por conseguinte, que o recorrido não pode ser considerado consumidor.
Daí que não possa ser reconhecido que o seu crédito está garantido pelo direito de retenção, nos termos do art. 755º/1/f) do Código Civil. (…)”
Concorda-se com tal raciocínio e desfecho, como já se antecipou, e em termos argumentativos há até, além dos referidas, argumentos adicionais para negar a qualidade de consumidor ao recorrente.
É sabido e já foi referido que o AUJ 4/2014 foi complementado pelo AUJ 4/2019 – segundo o qual, “na graduação de créditos em insolvência, apenas tem a qualidade de consumidor, para os efeitos do disposto no Acórdão n.º 4 de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa” – que, “em 2.º grau”, esclareceu o conceito de consumidor, acolhendo o conceito restrito e funcional de consumidor.
Porém, como se extrai da discussão jurídica constante do texto do AUJ 4/2019, apenas esteve em causa – e só em relação a isso foi uniformizada jurisprudência – o conceito do elemento subjetivo ativo do ato de consumo.
O que está bem ilustrado nos seguintes passos do AUJ 4/2019:
“(…)
I - Aplicando um conceito restrito de “consumidor”, o corte valorativo será estabelecido entre, por um lado, o promitente-comprador que destina o bem a uso particular (não profissional), que corresponde dominantemente ao sujeito que pretende adquirir habitação; e do outro lado todos os demais, ou seja, os promitentes-compradores de bens destinados a revenda, a uso comercial ou a qualquer outra finalidade lucrativa ou profissional. Apenas ao primeiro tipo de contratantes seria reconhecido o direito de retenção.
II - Aplicando um conceito amplo de “consumidor”, colocar-se-ão de um lado tanto os promitentes-compradores que destinem o bem a um fim particular (maxime habitação), como os que o destinem a um fim profissional (em sentido amplo), exceto aqueles que pretendem adquirir o bem para revenda ou para o destinarem a locação. Apenas a esta última categoria de promitentes-compradores não seria reconhecido o direito de retenção.
(…)
Se a função primordial de um acórdão de uniformização de jurisprudência é a de conferir segurança à jurisprudência, dando expressão à previsibilidade decisória enquanto valor relevante do sistema judicial, então a opção que melhor serve este desiderato é a que defende um conceito restrito de “consumidor” que incorpore as notas tipológicas consagradas no art.2 º, n.º 1, da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31-07).” (…)
Ou seja, tão só se discutiu e fixou jurisprudência quanto à questão de saber se pode ser considerado “consumidor” apenas quem destina o bem a uso particular ou se, ao invés, só aqueles que destinam o bem à revenda ou à locação ficam fora do conceito de “consumidor”.
Mas isto – esta discussão e uniformização jurisprudencial – não preenche todo o conceito jurídico de consumidor, razão pela qual, no final do AUJ 4/2019, se observou, repete-se, que se “defende um conceito restrito de “consumidor” que incorpore as notas tipológicas consagradas no art. 2 º, n.º 1, da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31-07)”.
Efetivamente, no art. 2.º/1 da LDC, “considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com caráter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”, ou seja, a noção de consumidor é uma noção relacional complexa assente no preenchimento cumulativo de 4 elementos distintivos (ou “notas tipológicas” como se diz na referida passagem do AUJ):
Um elemento subjetivo ativo, relativo ao sujeito ativo do ato de consumo - o consumidor;
Um elemento subjetivo passivo, relativo ao sujeito passivo ou contraparte do ato de consumo;
Um elemento objetivo, relativo ao objeto mediato do ato de consumo; e
Um elemento teleológico, relativo ao objeto mediato ou finalidade subjacente ao ato de consumo.
E – é onde se pretende chegar e já se antecipou – o AUJ 4/2019 apenas discutiu e fixou jurisprudência em relação ao primeiro elemento, em relação ao sujeito ativo do ato de consumo.
Nada é dito em tal AUJ 4/2019 sobre o sujeito passivo e muito menos se diz que se se deve prescindir da componente relacional típica da noção jurídica de consumidor, componente relacional esta que pressupõe a existência de uma determinada contraparte dos atos ou relações de consumo, sendo que tal contraparte, no dizer da lei, deverá ser “uma pessoa que exerça com caráter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios (art. 2.º/1/in fine, da LDC), o mesmo é dizer, alguém (um empresário ou profissional) que desenvolva uma atividade económica dirigida a qualquer tipo de vantagem patrimonial, atividade económica essa exercida com “caráter profissional”.
O que significa, em relação aos empresários/pessoas singulares, que o “caráter profissional” exige que estes façam do fornecimento dos bens ou da prestação dos serviços objeto da relação de consumo a sua profissão, não se exigindo, todavia, que essa profissão seja a única ou sequer a principal, bastando que a mesma se possa considerar como uma das profissões donde retiram rendimentos para acorrer às respetivas despesas; “profissionalidade” que, no caso dos empresários/pessoas coletivos, estará à partida preenchida (por se tratar de entidades que, por definição, são constituídos exclusivamente para o exercício sistemático de atividades atinentes ao seu objeto legal ou estatutário próprio).
Enfim, ficam por aqui – pelo elemento relativo ao sujeito passivo ou contraparte do ato de consumo – excluídos do conceito jurídico de consumidor (do art. 2.º/1 da Lei 24/96) um conjunto bastante variado de situações, designada e principalmente, as relações entre consumidores, as relações em que o sujeito passivo do ato de consumo é um individuo que não exerce qualquer atividade económica profissional.
É justamente, em face dos factos, o caso dos autos.
Dos factos provados não resulta que a insolvente (pessoa singular) desenvolvesse, por si, qualquer atividade económica profissional e muito menos que tal atividade económica profissional respeitasse à compra e venda de imóveis.
O que temos, em face dos factos, é um CPCV entre particulares: a insolvente, mero particular, promete vender um prédio de que é proprietária ao recorrente, também mero particular.
Em conclusão, pelas razões constantes do Acórdão recorrido, o recorrente não é “consumidor” por não estar demonstrado o elemento subjetivo ativo do conceito jurídico de consumidor constante do art. 2.º/1 da Lei 24/96 (o elemento relativo ao sujeito ativo do ato de consumo)[14]; e, pelas razões acabadas de referir, também o recorrente não é “consumidor” por não estar demonstrado o elemento subjetivo passivo do conceito jurídico de consumidor constante do art. 2.º/1 da Lei 24/96 (o elemento relativo ao sujeito passivo ou contraparte do ato de consumo).
É quanto basta para julgar totalmente improcedentes as alegações do recorrente.
*
*

IV - Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar a revista.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 05/04/2022

António Barateiro Martins (Relator)

Luís Espírito Santo

Ricardo Costa, Vencido conforme declaração junta.

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).


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Processo n.º 2949/15.7 T8VFX-B.L1.S1
Revista – Tribunal recorrido: Relação ..., 1.ª Secção



DECLARAÇÃO DE VOTO

Após inversão do Relator por vencimento do projecto de Acórdão, votei Vencido, pelas razões que exponho.


1. A questão a decidir na presente revista reconduz-se ao reconhecimento e atribuição de direito de retenção, nos termos do art. 755º, 1, f), do CCiv., ao Recorrente enquanto Credor Reclamante reconhecido no processo de insolvência em referência, em razão da celebração de contrato-promessa celebrado com a insolvente (promessa sinalizada e com tradição), incidente sobre o “prédio misto, sito em ..., freguesia ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...02 e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...01 urbano e rústico artigo ...10, secção ...”, apreendido para a massa insolvente, e, assim, conferir-lhe ou não a titularidade de um crédito garantido (em detrimento de comum) na graduação e satisfação de todos os créditos reconhecidos sobre a insolvência, sendo para esse efeito discutida nas instâncias a sua qualidade de “consumidor”.
À primeira vista, tal reconhecimento implicaria, tal como foi seguido pelas instâncias, a análise do reconhecimento de tal direito de retenção a pessoa singular de acordo com a jurisprudência fixada nos acórdãos de uniformização n.º 4/2014, de 20/3/2014 – Processo n.º 92/05.6TYVNG-M.P1.S1, publicado in DR, 1.ª Série, n.º 95, de 19/5/2019 – e n.º 4/2019, de 12/2/2019 – Processo n.º 2384/08.3TBSTS-D.P1.S1-A, publicado in DR, 1.ª Série, n.º 141, de 25/7/2019.
Neste contexto, invertendo o decidido em 1.ª instância quanto à natureza do crédito reconhecido e verificado, o acórdão recorrido, sustentando-se no AUJ n.º 4/2019, não reconheceu o direito de retenção invocado pelo credor reclamante (v. facto provado 7.), aqui Recorrente, relativamente a esse imóvel, tendo em conta que não se tinha feito prova suficiente para tal credor se integrar no conceito de “consumidor”, com o consequente efeito – por ser crédito comum – na graduação dos créditos reconhecidos e a pagar com o produto da liquidação desse imóvel.
Daqui decorre – como bem assinalado no acórdão aqui proferido – que o titular do direito de crédito indemnizatório, enquanto promitente-comprador lesado pelo incumprimento do contrato-promessa pelo administrador da insolvência (AI) e beneficiado (recte, por extensão legal) com a garantia conferida pelo direito de retenção, tem que, para esse efeito de qualificação garantística do seu crédito à luz do art. 755º, 1, f), do CCiv., dispor da qualidade de consumidor, conferida enquanto e na medida em que “destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa”. Isto é, em síntese, teremos que nos confrontar com um retentor consumidor, em regra, pessoa singular.
Sem prejuízo, como se destacou na fundamentação do AUJ n.º 4/2019, esta identificação e qualificação do promitente-comprador não faltoso como um retentor “consumidor” não se justifica nem se enquadra nas situações em que “o incumprimento definitivo do contrato-promessa já se tinha verificado antes da declaração de insolvência, pelo que o promitente-comprador tinha adquirido direito de retenção nos termos do regime geral do incumprimento do contrato-promessa, sem necessidade de questionar a sua qualidade de consumidor”. Na verdade, esse AUJ veio clarificar e densificar o critério determinado pelo AUJ n.º 4/2014, aplicável às promessas com eficácia obrigacional e tradição da coisa, para as situações-regra em que o credor reclamante enquanto promitente-comprador não obteve cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, pelo que o seu âmbito de aplicação se restringe a essa conduta, admitida e prevista no contexto dos arts. 102º (e, em especial, 106º, 2) do CIRE, para os negócios em curso não cumpridos (v. a jurisprudência concordante assinalada na nt. (2) do acórdão aqui decidido[15]).

2. É manifesto que o Recorrente delimita a sua revista à questão da sua qualidade de retentor consumidor, de acordo com o definido pelos AUJ n.os 4/2014 e 4/2019 – como se assinala no acórdão aqui contestado.
Porém, essa questão – enquanto questão a decidir no recurso – não pode alhear-se do seu pressuposto necessário de análise jurídico-normativa: estarmos perante um negócio em curso e ainda não totalmente cumprido no momento da declaração de insolvência, susceptível, portanto, de ser objecto do exercício do direito potestativo atribuído ao AI nos termos do art. 102º, 1, do CIRE («optar pela execução ou recusar o cumprimento»); caso contrário, verificando-se causa para a sua extinção ou cessação, prévia à declaração de insolvência, nomeadamente por incumprimento definitivo, não há que discutir a qualidade de consumidor do promitente não faltoso, pois falha inelutavelmente a condição para a chamada da orientação dos AUJ em causa a fim de atribuir ou não o direito que garante o crédito e o privilegia, privativo do regime insolvencial e do contexto de actuação dos poderes do AI.
Assim, não obstante a delimitação recursiva objectiva, não julgo que os arts. 635º, 5, e 639º, 1, do CPC obstem à convocação do art. 5º, 3, do CPC (como poder-dever para a qualificação jurídica oficiosa dos factos; também o art. 608º, 2, 2ª parte, CPC) para uma parte não recorrida e dada como estabilizada e consolidada como julgada: a questão recursiva global incide preliminarmente sobre a indagação relativa ao incumprimento definitivo do contrato-promessa antes da declaração de insolvência; sem esta, não se pode retirar o efeito adequado à indagação subsequente da qualidade de consumidor.
Se quisermos até ir mais longe, o conhecimento dessa questão preliminar é coberto pela interpretação (materialmente fundada) do art. 635º, 3, do CPC («Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente.») que mais acolhe a pretensão recursiva, correspondente no caso ao ponto 2.º do dispositivo do acórdão recorrido (“Declara-se que o crédito reconhecido ao recorrido BB não beneficia do direito de retenção.”).
Questão essa – não se olvide – analisada e apreciada, também a título preliminar e oficiosamente, pelo acórdão recorrido (alínea d) da fundamentação: “Vejamos, então, em primeiro lugar, se está verificado o incumprimento definitivo do contrato-promessa em causa nos autos.”), considerando-se então que, ao tempo da declaração de insolvência da promitente-compradora, estávamos perante um negócio em curso (“porque ainda não estava cumprido, nem definitivamente incumprido”.). Logo, também por isso, conferindo-se à decisão de 2.º grau a base de apreciação que, sem “surpresa” para as partes envolvidas, o 3.º grau não pode de todo desconhecer e abandonar em face da configuração concreta do objecto da revista.
Portanto, estaríamos aqui, em sede de revista, habilitados – cautelarmente com exercício anterior de contraditório pelas partes, nos termos do art. 3º, 3, do CPC – a conhecer e a decidir de tal questão.

Veja-se, em abono, que foi neste contexto processual que se moveu e decidiu o Ac. do STJ de 29/7/2016[16]:

“A questão colocada no presente recurso é a da qualificação de um credor como consumidor para efeitos da eventual aplicação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014, em cujo segmento uniformizador se pode ler que “no âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído na alínea f) do n.º 1 do artigo 755º do Código Civil”.
Importa, no entanto, indagar uma questão prévia – e “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (artigo 5.º n.º 3 do CPC) – que se situa a montante, a saber, qual o âmbito de aplicação do referido segmento uniformizador.
Ora, este refere-se a situações em que o credor não obteve cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência. Ficam, assim, de fora, claramente contratos que já estivessem integralmente cumpridos à data da declaração de insolvência.
Mas importa ir mais longe e questionar quais são estes contratos que o administrador da insolvência não cumpre.
A resposta é dada pelo artigo 102.º do CIRE. Ainda que este não contenha um princípio tão geral como a sua epígrafe sugere e a solução que consagra tenha que ser integrada e completada pelos artigos seguintes – mormente em matéria de contrato-promessa pelo artigo 106.º - o certo é que o regime ai estabelecido é fundamentalmente um regime para contratos em curso ou em fase de execução, em que não há ainda cumprimento total do contrato por qualquer uma das partes. É essa execução que é suspensa e é o cumprimento, que ainda seria exigível ao devedor insolvente que o administrador pode recusar – quer essa recusa seja uma resolução ou antes deva ser concebida como uma reconfiguração contratual.
E daí que a doutrina tenha sublinhado que o regime dos artigos 102.º e seguintes do CIRE não se aplica a contratos que já foram resolvidos anteriormente à data da declaração de insolvência, encontrando-se agora em uma fase de liquidação.
(…)

Se o contrato-promessa tiver sido resolvido ou, de qualquer modo, tiver entrado na fase do incumprimento definitivo não há, pois, que aplicar o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014, devendo aplicar-se, estritamente, os preceitos do Código Civil, mais precisamente os artigos 755.º n.º 1 alínea f) e 442.º do Código Civil. A aplicação do artigo 755.º n.º 1 alínea f) não depende de o promitente-comprador ser ou não um consumidor e a circunstância de o legislador se referir à tutela dos consumidores no preâmbulo do diploma que consagrou o direito de retenção não é decisiva e não justifica a interpretação restritiva proposta por um sector da doutrina: o legislador pode ter tomado a parte pelo todo e ter-se limitado a referir uma das situações socialmente mais relevantes. No entanto qualquer situação de detenção pelo promitente-comprador, mesmo que este não seja consumidor, pode, pela sua frequência e importância ao nível da consciência social, servir de fundamento para o direito de retenção. O legislador terá sido sensível à grande repercussão do contrato-promessa como um passo muito frequente no iter negocial que conduz à transmissão da propriedade – sendo que, de resto, o contrato-promessa pode estar associado a uma execução específica e em certos casos o promitente-comprador é mesmo um possuidor.
Este direito de retenção, já existente e sendo garantia de um crédito não subordinado, não é afectado pela declaração de insolvência, como decorre do artigo 97.º do CIRE.
Caso o contrato-promessa não tenha sido resolvido ou entrado na fase do incumprimento definitivo antes da declaração de insolvência, então haverá que aplicar o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2014 e colocar-se-á a questão de saber se o credor no caso presente pode ser considerado consumidor.”


Sendo este, a meu ver, o objecto recursivo a assumir, como se deveria ter decidido?

3. Está provado que:

— o Credor Recorrente celebrou em 11/9/2012 com a insolvente um contrato-promessa de compra e venda do prédio misto identificado e pagou a título de sinal e antecipação de pagamento o montante de € 200.000, equivalente a metade da totalidade do preço de compra (factos provados 7. [cláusulas 1.ª a 3.ª do contrato-promessa junto aos autos, fls. 173 e ss] a 11. e 15.);
— esse prédio foi entregue ao Recorrente, tendo sido o recorrente promitente-comprador autorizado contratualmente a “administrar, usar e fruir plenamente e sem quaisquer restrições” o prédio (facto provado 7., cláusula 11.ª do contrato-promessa) e dele fez posteriores utilização e fruição (factos provados 20. a 23.);
— o contrato prometido deveria ter sido celebrado até 8 meses a contar da data de 24/9/2012 por iniciativa do promitente-comprador “segundo contraente” (v. facto provado 14. e cláusulas 4.ª, ponto 1., e 3.ª, al. b), do contrato-promessa[17]);
— o promitente-comprador, aqui Credor Recorrente, notificou a sua contraparte para: (i) facultar documentação necessária para a outorga da escritura pública do contrato definitivo (facto provado 15.); (ii) comparecer em cartório notarial no dia 2/7/2015 para a outorga da referida escritura pública, notificação recebida pelo promitente-vendedor em 30/6/2015 (facto provado 16.);
— não foi celebrado (no caso, por escritura pública) o contrato definitivo de compra e venda, por ausência da promitente-compradora, depois de, nos termos sobreditos, ter sido marcada e comunicada a data da outorga da escritura pública pelo promitente-comprador, a realizar-se em 2/7/2015 (factos provados 15. a 18.);
— a cláusula 4.ª, ponto 3., do contrato-promessa estatuía:
“Findo o prazo referido no número 1 da presente Cláusula, e não sendo realizada a escritura, considerar-se-á como havendo incumprimento definitivo, pela parte que tiver dado causa ao mesmo sendo o termo ali previsto como absolutamente essencial.”[18];
— a promitente-vendedora foi declarada insolvente por sentença proferida em 25/9/2015 e transitada em julgado (facto provado 2.).

Neste quadro.

O contrato-promessa encontrava-se, a partir de 2/7/2015, numa situação de incumprimento definitivo, por força da vontade das partes, exarada no ponto 3. da cláusula 4.ª do contrato-promessa, após não ter sido outorgada a escritura pública por causa imputável ao promitente-vendedor. E assim será uma vez que – por ser curial assim interpretar de acordo com a regra de um “declaratário normal” (art. 236º, 1, do CCiv.) – o prazo referido nesse ponto 3. da cláusula 4.ª abarcará igualmente o prazo suplementar ao prazo inicial de 8 meses para cumprimento, tendo em conta a declaração das partes nessa cláusula sobre a essencialidade do termo para a existência de incumprimento definitivo.
De todo o modo, mesmo que assim não seja de entender, sempre tal comunicação funcionou como interpelação de prazo admonitório adicional (e tacitamente cominatório quando antes há prazo certo) fixado pelo promitente-comprador, à luz e para o efeito do art. 808º, 1, do CCiv. (2.ª hipótese de não cumprimento da obrigação), tendo em conta a situação de mora na celebração (com prazo certo, reitera-se) do contrato prometido. Na verdade, mesmo que a “primeira mora” fosse de imputar ao promitente-comprador (então “devedor”, portanto), o certo é que, no intuito de a superar e promover o cumprimento da promessa, a “segunda mora”, actuada pela frustração da interpelação admonitória desencadeada pelo promitente-comprador na qualidade de “credor” da obrigação de venda inerente à promessa, é imputável ao promitente-vendedor, depois insolvente, a partir do momento em que não permite a formalização do contrato prometido.
Daqui resulta o consequente não cumprimento da obrigação de celebração do contrato prometido por causa imputável ao promitente-vendedor – arts. 410º, 805º, 2, a), 808º, 1 («Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.»), do CCiv.[19]_[20] – e a extinção do efeito principal e típico do contrato-promessa (art. 410º, 1, CCiv.) , em que ambos os promitentes são credores da obrigação de a outra parte celebrar (quanto à declaração negocial de venda e quanto à declaração negocial de compra) o contrato prometido[21].
Logo, estaríamos – como julgo estarmos – no campo da derivada aplicação e exigibilidade das sanções indemnizatórias previstas no art. 442º, 2, do CCiv., uma vez que nos confrontamos com uma promessa assistida pela entrega de sinal.
Desta forma, a situação de incumprimento da promessa (independentemente das faculdades consequentes e distintas da relação contratual originária, realçadas no presente acórdão) surge antes da declaração da insolvência e, se até esse momento, nada mais foi feito pelo promitente faltoso a fim de suprir a sua recusa em celebrar o contrato prometido na data comunicada, não se afigura qualificável o contrato-promessa celebrado como negócio em curso e susceptível de cumprimento ou incumprimento pelo AI depois da declaração de insolvência.
Se o incumprimento que fere o contrato-promessa sindicado se deveu a falta imputável ao promitente-vendedor uma vez interpelado suplementarmente para a celebração do contrato prometido e se radicou em momento anterior ao da declaração judicial de insolvência desse promitente-vendedor, sem dependência necessária de resolução anterior legitimada por esse incumprimento, não temos que averiguar da exigência decorrente da uniformização do STJ: não se mostra necessário apreciar a qualidade de “consumidor” do promitente-comprador que obteve a tradição do imóvel, sendo irrelevante tal qualificação enquanto contraparte da promessa que concluiu com a pessoa singular declarada insolvente. Logo, não teríamos que chegar a essa apreciação e discussão, que o acórdão em que fiquei vencido estribou por fim a improcedência da revista, porque prejudicada pela solução dada à questão preliminar do regime dos “negócios em curso” – sem que, por tal razão, aqui se aborde a bondade dessa apreciação.
Por essa via estava excluído o regime dos arts. 102º e ss do CIRE.
Antes já se encontrava o contrato-promessa em causa no cosmos pré-insolvencial de aplicação dos arts. 798º e 442º, 2 e 4, do CCiv. – responsabilidade pelo incumprimento e aquisição do direito de crédito indemnizatório correspondente.

Ademais.
4. A reclamação desse crédito por incumprimento no processo de insolvência em que o promitente-vendedor foi declarado insolvente, com a formalização da indemnização consistente no pagamento do sinal em dobro nos termos do art. 442º, 2, do CCiv. (cfr. factos provados 6. e 7.), constitui verdadeiramente uma declaração tácita de resolução do contrato-promessa (arts. 436º, 1, 217º, 1, 801º, 2, 434º, 1, CCiv.), em face do incumprimento surgido depois de concretizada a consequência ditada pela cláusula 4.ª do contrato-promessa e do art. 808º, 1, do CCiv., após a interpelação admonitória feita. 

5. O prejuízo do promitente não faltoso e a sua eventual garantia não resultou de ter sido recusado o cumprimento do contrato-promessa por iniciativa e origem em actuação do administrador da insolvência (arts. 102º, 1 e 3, 106º, 2, e 104º, 5, do CIRE). Ora, só nessa situação de não cumprimento decidido (expressa ou tacitamente[22]) pelo administrador da insolvência ao abrigo da opção ditada pelo art. 102º do CIRE (acto lícito e independente de actuação do insolvente, enquanto poder conferido no interesse da massa insolvente para os contratos-promessa não excluídos pelo art. 106º, 1, do CIRE), situação essa que contempla necessariamente a possibilidade de cumprimento de um negócio após a declaração de insolvência, se demanda e discute a qualidade de consumidor para o promitente não faltoso.
Só a este, se assim for – e, a meu ver, não foi, no caso presente –, se atribui o direito de retenção como garantia do seu crédito sobre a insolvência, à luz da jurisprudência fixada nos AUJ n.º 4/2014 e 4/2019.
E, também por esta via, se percebe a insusceptibilidade de se isolar na questão decidenda da revista o problema tão-só da qualificação do credor reclamante como “consumidor”.

Em suma.

7. A questão recursiva, vista globalmente e assumida nos termos dos arts. 5º, 3, e 635º, 3, do CPC, resolve-se com a aplicação do regime geral decorrente do art. 755º, 1, f), do CCiv., que não faz depender o direito de retenção atribuído ao beneficiário da promessa de transmissão do direito de propriedade sobre o imóvel da circunstância, restritiva e própria do regime insolvencial dos negócios em curso e nesse âmbito não executados pelo administrador da insolvência, de assumir a qualidade de consumidor.
Mostrando-se verificados, no caso, os requisitos previstos no art. 755º, 1, f), em conjugação com o art. 442º, sempre do CCiv., com aplicação dos arts. 47º, 4, a), do CIRE e 759º, 1 e 2 (e 604º, 2), do CCiv., haveria que reconhecer ao Recorrente, credor beneficiário da promessa de venda do prédio, com tradição deste, o direito de retenção sobre esse prédio pelo crédito indemnizatório que lhe foi reconhecido como crédito da insolvência e graduado como tal em 1.ª instância.
Termos em que seria de infirmar o juízo da 2.ª instância e deveria julgar-se de acordo com o disposto pela 1.ª instância, ainda que com fundamentação diversa.


É com base em todas estas razões que, salvaguardada a devida consideração pela argumentação contrária, tanto processual como substantiva, julgaria procedente a revista, revogando-se o acórdão recorrido nos respectivos pontos 2.º e 3.º e, consequentemente, repristinando-se na íntegra a alínea A) do dispositivo da sentença proferida em 1.ª instância.


O Relator Vencido

(Ricardo Costa)

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[1] Sendo esta a hipótese concreta sobre que se debruçou o AUJ 4/2014, como resulta da enunciação do “thema decidendum” efetuada no início de tal AUJ.

[2] Cfr. Acórdãos deste STJ de 08 de Setembro de 2021, proferido no processo 679/14.6TYVNG-E.P1.S1; de 16 de Dezembro de 2021, proferido no processo nº 4684/16.7T8STS.F.P1.S1; de 10 de Novembro de 2020, proferido no processo nº 17264/15.8T8SNT-C.L2.S1; de 30 de Junho de 2020, proferido no processo nº 679/14.6TYVNG-C.P1.S1; de 2 de Abril de 2019, proferido no processo nº 882/14.9TJVNF-G.G1.S1, de 10 de Novembro de 2020, proferido no processo nº 17264/15.8T8SNT-C.L2.S1, de 11 de Setembro de 2018, proferido no processo nº 25261/15.3T8SNT-L1.S1; de 9 de Janeiro de 2018, proferido no processo nº 44/14.5T8VIS-C1.S1; de 20 de Dezembro de 2017, proferido no processo nº 1742/15.1T8VCT.G1.S1; de 29 de Julho de 2016, proferido no processo nº 6193/13.0TBBRG-H.G1.S1; e de 13 de Julho de 2017, proferido no processo nº 258/13.5TBPTL-C.G1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt. Identicamente, na doutrina: Miguel Pestana de Vasconcelos, in “Revista do Direito da Insolvência”, nº 0, Ano de 2016, em artigo subordinado ao título: “O regime insolvencial do contrato promessa de compra e venda”, a páginas 58 a 59; Fernando Gravato Morais, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 29, Janeiro/Março de 2010, a página 4; Gisela César in “Os efeitos da insolvência sobre o contrato-promessa em curso (em particular o contrato promessa no caso de insolvência do promitente vendedor)”, 2017, 2ª edição, a página 81; Alexandre Soveral Martins in “Um Curso de Direito da Insolvência”, Almedina 2015, a páginas 163 a 164; e Catarina Serra, in “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina 2021, 2ª edição, a páginas 233 a 234).
[3] Assim como, consequentemente, a uniformização de jurisprudência constante do AUJ 04/2019, que se limitou – como resulta do seu segmento uniformizador, segundo o qual, “na graduação de créditos em insolvência, apenas tem a qualidade de consumidor, para os efeitos do disposto no Acórdão n.º 4 de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa” – a, em 2.º grau, esclarecer um aspeto (o conceito de consumidor) deixado por clarificar no AUJ 4/2014 (ou seja, o AUJ 4/2019 não é “autónomo”, estando sim ligado/dependente do AUJ 4/2014).
[4] Conforme Acórdãos constantes da nota 2.
[5] Isto sem prejuízo de, quando o direito de retenção for invocado em relação a um contrato-promessa que ainda estava em curso quando foi declarada a insolvência, como é o caso dos autos, existir e se “manter vigente” a referida jurisprudência uniformizada do AUJ 4/2014.
[6] Que uniformizou a jurisprudência no seguinte sentido: “Quando o administrador da insolvência do promitente vendedor optar pela recusa do cumprimento de contrato-promessa de compra e venda, o promitente comprador tem direito a ser ressarcido pelo valor correspondente à prestação efetuada, nos termos dos artigos 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5, e 102.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março.
[7] Lições de Cumprimento e de não Cumprimento das Obrigações, pág. 263.
[8] Sinal e Contrato Promessa, pág. 135/8.
[9] Obra citada, pág. 273.
[10] Obra citada, pág. 274.

[11] A comunicação para comparecimento está junta a fls. 177 e não contém sequer qualquer “cominação” para o caso de ausência da promitente vendedora (e/ou a vulgarmente chamada “intimação admonitória”).

[12] Cláusula ora acrescentada ao ponto 7 dos factos provados, por se tratar de facto (tal cláusula 4.ª) documentalmente demonstrado.

[13] Sem prejuízo do comportamento demonstrativo da vontade de não cumprir, como no caso do mesmo se traduzir na alienação do bem (prometido vender) a um terceiro, poder configurar uma hipótese em que talvez se possa/deva dizer que o cumprimento do contrato-promessa ficou impossibilitado.

[14] O que consta do ponto 23 dos factos provados – a dedução duma oposição à penhora por parte do aqui recorrente – é completamente inócuo para o preenchimento de tal elemento subjetivo ativo; e o que ocorreu no processo executivo e na oposição à penhora identificados em tal ponto 23 ocorreu num processo em que a generalidade dos credores da insolvente não foram sequer partes.
[15] Esta jurisprudência segue doutrina consensual (mesmo que com nuances) sobre tal delimitação: v., entre outros, FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, “Promessa obrigacional de compra e venda com tradição da coisa e insolvência do promitente-vendedor”, CDP n.º 20, 2010, págs. 3-4 (“Na sequência da declaração de insolvência, o credor pode reclamar o seu crédito e, como titular do direito de retenção, retirar as vantagens daí inerentes.”); MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, “Direito de retenção, contrato-promessa e insolvência”, CDP n.º 33, 2011, págs. 9-10, “O regime insolvencial do contrato-promessa de compra e venda”, RDI n.º 0, 2016, págs. 58-59 (sem concordarmos com a restrição na disciplina geral); CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 2.ª ed., Quid Juris, Lisboa, 2013, sub art. 106º, pág. 497 (“Se antes da declaração de insolvência há já incumprimento do contrato, o direito de retenção consolidou-se (nasceu efetivamente) e a sentença não o altera.”); MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Manual de direito da insolvência, 7.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, págs. 215-216; ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, Um curso de direito da insolvência, Volume I, 3.ª ed., 2021, págs. 245 e ss (se, “(…) antes da declaração de insolvência do promitente-vendedor, existir situação de não cumprimento imputável a este último”, “nenhuma dúvida temos quanto à aplicabilidade dos arts. 442º, 2, e 755º, 1, f), CCiv. O direito de retenção que já protegia o promitente-comprador antes da declaração de insolvência do promitente-vendedor não se extingue com essa declaração de insolvência. Necessário é, porém, que exista verdadeira tradição (…).”).
[16] Processo n.º 6193/13.0TBBRG-H.G1.S1, Rel. JÚLIO GOMES, in www.dgsi.pt, sublinhados da minha responsabilidade.
[17] Consideradas nos termos dos arts. 663º, 2, e 607º, 4, 2ª parte («factos provados por documentos»), aplicáveis por força do art. 679º do CPC.
[18] Considerada também nos termos dos arts. 663º, 2, e 607º, 4, 2ª parte («factos provados por documentos»), aplicáveis por força do art. 679º do CPC, sendo esse incumprimento oportunamente alegado por parte do aqui Recorrente enquanto credor reclamante.
[19] Sem prejuízo de, nos contratos-promessa sinalizados, a transformação da mora em incumprimento definitivo se afastar do regime-regra de interpelação admonitória do art. 808º, 1, do CCiv., tendo em conta que a lei (art. 442º do CCiv., considerando o tratamento igualitário feito no respectivo n.º 2) confere ao beneficiário da promessa o direito potestativo de resolução imediata do contrato a partir da simples mora – v. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, págs. 349 e ss, em esp. 353-354, ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, págs. 427 e ss, em esp. nt. 2 – pág. 434, e 436-438 (“A estipulação de sinal no contrato-promessa equivale, assim, à fixação de um termo essencial ou de uma cláusula resolutiva.”), ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 442º”, Código Civil anotado cit., págs. 302-303 (sendo certa a conhecida oposição de JOÃO CALVÃO DA SILVA, Sinal e contrato-promessa, 15.ª ed., Almedina, Coimbra, 2020, págs. 105 e ss).
[20] Não julgo que, havendo antes prazo certo para cumprimento – como é o caso dos autos –, seja de exigir à chamada “interpelação admonitória” com fixação de segundo prazo (peremptório) para o cumprimento, a que se refere o art. 808º, 1, do CCiv., uma expressa declaração cominatória ou intimativa de se considerar como incumprimento definitivo se não se verificar o cumprimento (nomeadamente, através da formalização a observar nesse prazo) dentro daquele (segundo) prazo.
Essa compreensão – divulgada e assumida durante largo tempo na doutrina e na jurisprudência, nomeadamente por influência de Baptista Machado – está hoje em superação por boas razões, jurídicas e práticas – v. NUNO PINTO OLIVEIRA, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 814-815, CATARINA MONTEIRO PIRES, Contratos. I. Perturbações na execução, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 74, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 808º”, Código Civil comentado, II, Das obrigações em geral (artigos 397.º a 873.º), coord.: António Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 1044 (não é de exigir uma “declaração solene cominatória, advertindo o devedor de que, caso não cumpra, há incumprimento definitivo”) –, e não é de aplicar ao caso uma vez não surgindo tal intimação na comunicação da data da escritura pública. 
[21] Por todos, v. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Volume I cit., págs. 354-355, 356.
[22] V. Ac. do STJ de 29/10/2019, processo n.º 3975/16.4T8VIS-A.C1.S1, Rel. PINTO DE ALMEIDA, in www.dgsi.pt.